Resumo: O presente artigo trata da manutenção da multidisciplinaridade do Estudo de Impacto Ambiental e consequente Relatório (EIA/RIMA), prevista na Resolução nº 1/86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), apesar do advento da Resolução nº 237/97 do mesmo órgão, propondo-se ainda que tal procedimento seja elaborado de maneira interdisciplinar, cumprindo assim a sua missão constitucional e legal de proteção do meio ambiente, legitimando-se constitucionalmente esta possibilidade. Para tanto, utilizou-se o método qualitativo, através das técnicas de pesquisa documental e revisão de literatura, compreendendo o exame da legislação constitucional, legal e regulamentar, bem como da doutrina relacionada ao tema.
Palavras-chave: EIA/RIMA; multidisciplinaridade; interdisciplinaridade; Resoluções nº 1/86 e 237/97 (CONAMA).
Introdução
O meio ambiente é definido como o “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (art. 3º, I, Lei 6.938/81). Trata-se de um bem jurídico metaindividual, ou, mais precisamente, de natureza difusa, justamente por ser indivisível e pertencer a um número indeterminado de pessoas interligadas por circunstâncias de fato (CDC, art. 81).
Como bem observa Mazzilli (2013, p. 50), os denominados interesses metaindividuais ou transindividuais situam-se entre os interesses público e privado, sendo titularizados pela própria coletividade, em maior ou menor escala. Por conta de sua natureza difusa, o direito a um meio ambiente equilibrado inclui-se entre os direitos de terceira dimensão – ou geração –,[2] aos quais Bobbio já fazia menção no final do século XX:
Ao lado dos direitos sociais, que foram chamados de direitos de segunda geração, emergiram hoje os chamados direitos de terceira geração, que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata. O mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num meio ambiente não poluído. Mas já se apresentam novas exigências que só poderiam chamar-se de direitos de quarta geração, referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo (BOBBIO, 2004, p. 5-6).[3]
A Política Nacional do Meio Ambiente, estabelecida na Constituição Federal e na Lei 6.938/81, é regida por diversos princípios, dentre os quais se pode destacar o da prevenção, também chamado de precaução, e segundo o qual devem ser priorizadas medidas que tenham por objetivo evitar a degradação ambiental, uma vez que a reparação do meio ambiente jamais será integral, daí por que a legislação exige o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o consequente Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), antes de toda e qualquer ação que possa causar degradação ambiental (CF, art. 225, § 1º, IV, Lei 6.938/81, art. 9º, III, e Resoluções nº 1/86 e 237/97, do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA).
Smanio (2001, p. 86) define o Estudo de Impacto Ambiental como o “procedimento administrativo de prevenção e monitoramento dos danos ambientais. Consiste num estudo das possíveis modificações nas diversas características socioeconômicas e biofísicas do meio ambiente que podem resultar de um projeto proposto”. Trata-se de um dos mecanismos extrajudiciais de proteção ambiental, ao lado do zoneamento (CF, art. 30, VIII, e Lei 6.938/81, art. 9º, II), do licenciamento (art. 9º, IV, Lei 6.938/81), do tombamento (art. 1º, Decreto-lei 25/37) e do inquérito civil (arts. 8º e 9º, Lei 7.347/85).[4]
Como será demonstrado, a Resolução nº 1/86 do CONAMA exigia apenas que o EIA/RIMA fosse realizado por equipe multidisciplinar, e não interdisciplinar, ocasionando evidente prejuízo à devida e eficaz proteção do meio ambiente, pois, embora tal procedimento conte com a participação de diversos atores sociais, há um certo distanciamento entre os mesmos, o que poderia ser corrigido caso o referido estudo fosse elaborado de maneira interdisciplinar, com intercâmbio de informações e proporcionando maior proteção ambiental.
1. Metodologia
Utilizando-se o método qualitativo, mediante técnicas de pesquisa documental e revisão bibliográfica, iniciou-se o presente estudo com uma pesquisa exploratória sobre os marcos regulatórios da proteção do meio ambiente e do Estudo de Impacto Ambiental, identificando-se os arts. 170, inciso VI, e 225, da Constituição Federal, a Lei 6.938/81 e as Resoluções nº 1/86 e 237/97, ambas do CONAMA. Todos os dados foram descritos e submetidos à análise crítica, notadamente a respeito da compatibilidade vertical das mencionadas resoluções com a Constituição Federal.
Partindo-se do Direito Constitucional, procurou-se classificar o meio ambiente entre os direitos fundamentais, definindo-o como um bem jurídico de natureza metaindividual, apoiando-se também na literatura específica sobre Direito Ambiental. Ao final, tratou-se da multidisciplinaridade e da interdisciplinaridade, propondo-se que o Estudo de Impacto Ambiental e consequente relatório sejam elaborados de acordo com tais métodos de abordagem, com o escopo de otimizar a proteção ambiental.
2. Marcos regulatórios do Estudo de Impacto Ambiental
De acordo com a Constituição Federal, a competência administrativa para promover ações que tenham por finalidade a proteção ambiental é comum entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios (CF, art. 23, VI e VII), enquanto a competência legislativa é concorrente entre a União, Estados e Distrito Federal, podendo os Municípios legislarem sobre questões de interesse local e ainda suplementarem a legislação federal e estadual, no que couber (CF, arts. 24, VI, VII e VIII, 30, I e II).
Sobre a competência conferida aos Municípios, Figueiredo (2011, p. 78) pondera que “para atender a interesse local, pode o município editar normas que estabeleçam restrições ambientais mais amplas, a par dos limites mínimos estabelecidos em lei federal ou estadual”.
No que se refere ao EIA/RIMA, o art. 225, parágrafo 1º, inciso IV, da Constituição Federal determina ao Poder Público “exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade”. Trata-se, portanto, de uma norma constitucional de eficácia limitada, na medida em que sua eficácia depende de integração por uma lei ordinária. Nestes termos, o art. 9º, inciso III, da Lei 6.938/81 dispõe que a avaliação de impacto ambiental é um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, fornecendo em seu art. 3º, inciso II, o conceito de degradação ambiental: “alteração adversa das características do meio ambiente”.
Finalmente, de acordo com as Resoluções nº 1/86 e 237/97 do CONAMA, o Estudo de Impacto Ambiental deve ser realizado por equipe multidisciplinar, antes de toda e qualquer obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental, conferindo-se publicidade ao consequente Relatório de Impacto Ambiental.
Houve certa discussão doutrinária a respeito da compatibilidade da Resolução nº 1/86 com a Constituição Federal de 1988, que, em seu já citado art. 225, parágrafo 1º, inciso IV, exige lei formal para tratar da matéria, ou seja, uma lei aprovada pelo Congresso Nacional mediante processo legislativo ordinário. Outro problema relacionado à constitucionalidade da referida Resolução emerge do disposto no art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o qual se transcreve:
Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a:
I- ação normativa.
Esta problemática não será aqui esmiuçada, fazendo-se necessário apenas mencionar a orientação majoritária no sentido da constitucionalidade da Resolução nº 1/86 do CONAMA,[5] exatamente sob o argumento de que o art. 225, parágrafo 1º, inciso IV, da Constituição Federal encerra uma hipótese de reserva legal relativa, e não absoluta. Com efeito, a reserva legal pode ser: a) absoluta, quando a Constituição Federal estabelece que a disciplina de determinada matéria compete apenas à lei formal (ordinária ou complementar), com exclusão de qualquer outra espécie normativa prevista em seu art. 59, incisos I a VII;[6] ou b) relativa, quando o tratamento da matéria é, em parte, atribuído a outra fonte legal diversa da lei formal, v.g., um decreto ou resolução.
O art. 1º da Resolução nº 1/86 do CONAMA considera impacto ambiental:
Qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam:
I- a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
II- as atividades sociais e econômicas;
III- a biota;
IV- as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;
V- a qualidade dos recursos ambientais.
De acordo com o art. 8º da Resolução nº 237/97 do CONAMA, o licenciamento ambiental possui três etapas, sendo que as licenças poderão ser expedidas isolada ou sucessivamente, de acordo com a natureza, características e fase do empreendimento ou atividade (art. 8º, parágrafo único):
I - Licença Prévia (LP) - concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação;
II - Licença de Instalação (LI) - autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante;
III - Licença de Operação (LO) - autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação.
O Estudo de Impacto Ambiental deve ser realizado durante a primeira etapa do licenciamento ambiental, antes da expedição da licença prévia. O art. 7º da Resolução nº 1/86 do CONAMA, revogado pelo art. 21 da Resolução nº 237/97 do mesmo órgão, determinava que o Estudo de Impacto Ambiental deveria ser elaborado por equipe multidisciplinar e independente do proponente do projeto.[7] Como adverte Mirra,
a equipe técnica responsável pela preparação do EIA devia, assim, congregar os especialistas necessários à análise dos problemas ecológicos e sócio-econômicos relacionados com a implantação do projeto, de acordo com a complexidade e as repercussões ambientais do empreendimento (p. ex., biólogos, geógrafos, geólogos, engenheiros florestais, economistas, sociólogos, juristas etc.) Daí a necessidade de ser multidisciplinar (2006, p. 81).
Contudo, a Resolução nº 237/97 não mais exige que a equipe seja independente do proponente do projeto, assim dispondo:
Art. 11 - Os estudos necessários ao processo de licenciamento deverão ser realizados por profissionais legalmente habilitados, às expensas do empreendedor.
Parágrafo único - O empreendedor e os profissionais que subscrevem os estudos previstos no caput deste artigo serão responsáveis pelas informações apresentadas, sujeitando-se às sanções administrativas, civis e penais.
Evidente o prejuízo à tutela ambiental, na medida em que a Resolução anterior, ao exigir a independência dos profissionais, visava exatamente assegurar a lisura de tão relevante procedimento, dificultando assim que interesses escusos pudessem contaminá-lo.
3. Da multidisciplinaridade à interdisciplinaridade do Estudo de Impacto Ambiental: um caminho a ser seguido
Antes de examinar as alterações provenientes da Resolução nº 237/97 do CONAMA, notadamente quanto à metodologia do Estudo de Impacto Ambiental, convém traçar algumas distinções conceituais, adotando-se os ensinamentos de Nicolescu (1992, p. 2), o qual apontou a evidente necessidade de pontes entre as diversas disciplinas, a partir da metade do século XX : a) multidisciplinaridade ou pluridisciplinaridade: “estudo de um objeto de uma mesma e única disciplina por várias disciplinas ao mesmo tempo”; b) interdisciplinaridade: “transferência de métodos de uma disciplina para outra”; e c) transdisciplinaridade: “diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das disciplinas e além de qualquer disciplina”. O mesmo autor esclarece que “a disciplinaridade, a pluridisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade são as quatro flechas de um único arco: o do conhecimento” (1992, p. 2).
Referidos métodos de abordagem encontram-se em relação de ascendência, pois, enquanto a multidisciplinaridade propõe o estudo de um único fenômeno por duas ou mais disciplinas, v.g., análise da prescrição pelo Direito Penal e Civil, a interdisciplinaridade exige mais um passo, aplicando-se técnicas, regras ou princípios de uma disciplina para solucionar problemas de outra, e.g., a possível aplicação da taxatividade penal às infrações disciplinares (SCHOEDL, 2017, p. 441-469), enquanto a transdisciplinaridade diz respeito a uma nova disciplina inserida exatamente no espaço existente entre outras disciplinas, como se observa, p.ex., na Análise Econômica do Direito.[8]
A Resolução nº 237/97 do CONAMA, no mencionado art. 11, deixou de fazer menção à multidisciplinaridade do Estudo de Impacto Ambiental, ao contrário do revogado art. 7º da Resolução nº 1/86, do mesmo órgão, que assim dispunha: “O estudo de impacto ambiental será realizado por equipe multidisciplinar habilitada, não dependente direta ou indiretamente do proponente do projeto e que será responsável tecnicamente pelos resultados apresentados”.
Apesar da omissão da Resolução nº 237/97, a melhor orientação é no sentido de que o Estudo de Impacto Ambiental ainda deva ser elaborado por equipe multidisciplinar, tendo em vista a importância de tal procedimento para a preservação ambiental, corolário do princípio da prevenção. Deve-se adotar tanto a interpretação histórica, levando-se em conta a previsão da multidisciplinaridade na legislação anterior, como a teleológica, que considera o escopo de proteção ambiental, nos níveis constitucional e legal, da forma mais completa possível. Neste mesmo sentido a lição de Mirra:
Apesar da revogação do art. 7º da Resolução n. 001/1986, manteve-se, no sistema brasileiro, a necessidade de habilitação legal dos profissionais encarregados do EIA e a responsabilidade destes, em conjunto com o empreendedor, pelas informações técnicas apresentadas, sujeitando-se, eventualmente, a sanções administrativas, civis e penais (art. 11, caput, e parágrafo único, da Resolução n. 237/1997).
Quer nos parecer mantido, ainda, pese embora a omissão normativa atual, o caráter multidisciplinar da equipe incumbida da feitura do EIA, inerente a essa modalidade de estudo, em função do seu conteúdo, como condição inafastável, na quase totalidade dos casos, para a seriedade do trabalho (2006, p. 86).
Além da participação de equipe multidisciplinar, para que o referido estudo alcance plena efetividade, faz-se necessário que o mesmo seja desenvolvido de maneira interdisciplinar, método que pode trazer relevantes contribuições. De acordo com Lück, a interdisciplinaridade é um
processo que envolve integração e engajamento de educadores, num trabalho conjunto, de interação das disciplinas do currículo escolar entre si e com a realidade, de modo a superar a fragmentação do ensino, objetivando a formação integral dos alunos, a fim de que possam exercer criticamente a cidadania, mediante uma visão global de mundo e ser capazes de enfrentar problemas complexos, amplos e globais da realidade atual (2003, apud ZIMIANI; HOEPPNER, 2008, p. 104-105).
A mesma autora aponta a escassez de produções acadêmicas sobre interdisciplinaridade e Direito (2003, apud ZIMIANI; HOEPPNER, 2008, p. 108),[9] o que não deixa de ser um obstáculo para que o EIA/RIMA seja elaborado de acordo com tal método de abordagem, enquanto Tavares e Bezerra advertem que
o consenso atual de que os saberes se interpenetram e formam um todo mais abrangente, defende que não podemos compreender a totalidade como a soma de partes isoladas, mas como um sistema formado por diversas peças que se unem em relações de dependência, cuja integração é necessária e responsável por respostas mais consistentes, articuladas e organizacionais (2006, p. 233).
Nos moldes da legislação atual, o EIA/RIMA acaba esgotando-se em seu aspecto formal, na medida em que os diversos profissionais responsáveis por sua elaboração descrevem suas considerações de maneira isolada, conferindo-lhe apenas multidisciplinaridade, e não interdisciplinaridade, como se propõe no presente trabalho, o que certamente poderia otimizar tal procedimento e, sobretudo, a proteção do meio ambiente.
É necessário, portanto, que o Estudo de Impacto Ambiental evolua, independentemente de alteração legislativa, a fim de que seja elaborado de maneira interdisciplinar, legitimando-se uma avaliação crítica do fenômeno jurídico em questão (ZIMIANI; HOEPPNER, 2008, p. 104), com plena e integrada participação de todos os atores sociais responsáveis por sua elaboração (biólogos, geólogos, engenheiros florestais, economistas, operadores do Direito, sociólogos, etc.), na esteira da constatação de Nalini e Levy (2010, p. 42): “uma abordagem interdisciplinar inaugura a cultura do diálogo entre os saberes”.
Pode-se afirmar que o Estudo de Impacto Ambiental encontra-se intimamente ligado à prevenção; além disso, repousa no próprio princípio do desenvolvimento sustentável, definido como a busca do progresso alicerçada na preservação do meio ambiente para as gerações futuras, objetivando-se o máximo resultado com o mínimo impacto ambiental. O que se pretende, com este princípio, é a harmonização entre a preservação ambiental e o desenvolvimento econômico,[10] nos exatos termos do art. 170 da Constituição Federal:
A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...]
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.
O preceito constitucional tenta solucionar, no plano normativo, o conflito entre os chamados biocentrados e antropocentrados, referido por Marconatto et al. (2013, p. 17-23),[11] mas na prática tal harmonização raramente é alcançada, tendo em vista os múltiplos interesses relacionados a qualquer atividade potencialmente causadora de degradação ambiental, e normalmente é o meio ambiente que acaba sendo sacrificado em detrimento do crescimento econômico, tornando o desenvolvimento sustentável uma utopia – trata-se, em suma, da diferença entre o “dever ser” e o “ser”, mencionada por Kelsen (2006, p. 52-55)[12] e Bobbio (2004, p. 210).[13]
Rattiner (1999, p. 233-239), por sua vez, demonstra preocupação com a imprecisão do conceito de “sustentabilidade”, defendendo uma formulação multidisciplinar do referido princípio, convertida em ações efetivas, tecendo ainda oportunas críticas sobre a definição de sustentabilidade das ciências sociais (sustentabilidade alcançada pela racionalidade econômica); na mesma linha, Medeiros e Almeida acenam para uma definição multidisciplinar do conceito de desenvolvimento sustentável:
Análises que acentuam suas qualidades positivas destacam um caráter de inovação, uma forma alternativa à filosofia de desenvolvimento econômico, que substitui e supera um paradigma limitado, esgotado e ineficaz. O Desenvolvimento Sustentável pretende incorporar também uma perspectiva multidimensional, que articula economia, ecologia e política em uma visão integrada, e supera abordagens unilaterais e explicações reducionistas presentes nas propostas anteriores de desenvolvimento (2015).
Este receio com o lado nocivo da globalização também pode ser visto em Milton Santos, o qual observa que os empreendimentos decorrentes da globalização muitas vezes causam danos que não se reduzem ao meio ambiente natural e artificial, mas também ao meio ambiente cultural, inclusive com a fragmentação de territórios.[14]
Vê-se, portanto, que o Estudo de Impacto Ambiental é de fundamental importância para conciliar os diversos interesses envolvidos em cada empreendimento potencialmente causador de degradação ambiental, daí por que necessário seja realizado de maneira multi e interdisciplinar, não só agregando visões e técnicas de diferentes disciplinas, mas também permitindo uma efetiva troca de conhecimentos entre cada ator social envolvido no procedimento.
A ausência de norma jurídica expressa que recomende ou exija que o referido estudo seja multi ou interdisciplinar não é um obstáculo intransponível, pois basta uma interpretação histórica para justificar tais métodos, além do próprio Neoconstitucionalismo – também chamado de Pós-positivismo ou Cosntitucionalismo pós-moderno (LENZA, 2012, p. 61) –, doutrina que, segundo Agra, possui as seguintes características (apud LENZA, 2012, p. 62): “a) positivação e concretização de um catálogo de direitos constitucionais; b) onipresença dos princípios e regras; c) inovações hermenêuticas; d) densificação da força normativa do Estado; e) desenvolvimento da justiça distributiva”.
Apesar do Neoconstitucionalismo assegurar a convivência entre os princípios e regras, o grande perigo dessa doutrina são as “inovações hermenêuticas”, pois, quando mal empregadas, acabam fomentando o ativismo judicial e produzindo insegurança jurídica, como se tem verificado nas recentes decisões do Supremo Tribunal Federal.[15] De acordo com Schoedl e Lamanauskas,
a interpretação constitucional não deveria ser usada para modificar o conteúdo da própria Constituição, mas muitas vezes é o que se observa nas decisões do Supremo Tribunal Federal, que, sob o pretexto de julgar de acordo com princípios, acaba por legislar, em flagrante ofensa ao princípio da separação de Poderes (CF, art. 2º). A este fenômeno se dá o nome de ‘ativismo judicial’, na medida em que a interpretação da Constituição ou das leis extrapola o direito positivado (2017, p. 287).
Destarte, a “onipresença dos princípios e regras” legitima constitucionalmente a possibilidade de ser mantida a natureza multidisciplinar do Estudo de Impacto Ambiental, bem como para que se adote o método interdisciplinar, contribuindo-se assim para a efetiva preservação do meio ambiente para as gerações futuras, com amparo no princípio do desenvolvimento sustentável.