Com a promulgação da Resolução nº 125/2010 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), estendeu-se no ordenamento jurídico uma concepção colaborativa inexistente nos textos normativos anteriores, ao instaurar-se a promoção da autocomposição por meio da inserção de políticas públicas de solução de conflitos, instigando a pacificação consensual entre os litigantes através das vias alternativas, dentre elas, a conciliação e a mediação (BRASIL, 2020a).
Paralelamente à introdução deste viés conciliatório no ordenamento jurídico pátrio, promulgou-se a Lei nº 13.105/2015, que materializou as determinações da aludida política pública por intermédio do novo código de processo civil, ao dispor na norma do seu art. 3º que o Estado promoverá sempre que possível, a solução pacífica dos conflitos, consolidando por vez a autocomposição como medida primordial e indispensável ao provimento da tutela jurisdicional (BRASIL, 2016, p. 17).
Em conjunto com a institucionalização e difusão da conciliação e da mediação como métodos consensuais, vem ganhando enfoque a técnica consensual denominada como justiça restaurativa, que está proporcionando resultados excepcionais em conflitos de natureza penal.
Reconhecida mundialmente como método consensual de resolução de conflitos, a justiça restaurativa vem demonstrando grande força e prática nos tribunais ao redor do país, impulsionando o diálogo entre os litigantes e ampliando os horizontes de possibilidades consensuais.
Tendo como base os estudos realizados pelo Conselho Nacional de Justiça, as atividades restaurativas tiveram início no Brasil em 2005, com três projetos-pilotos implantados nos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Distrito Federal, a partir de uma parceria entre os Judiciários dessas localidades e a então Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (BRASIL, 2020c). Até o presente momento, a justiça restaurativa enraizou-se e expandiu-se em todo território nacional, com experiências e resultados positivos nos Estados brasileiros, que observaram atentamente os potenciais e desafios locais, em consonância com os contextos institucionais e comunitários próprios de cada região.
Nesse cenário, impulsionado pelos prósperos resultados da propagação do modelo restaurativo e pela necessidade de se construir uma sociedade mais justa e pacífica, é que o Conselho Nacional de Justiça publicou em 31 de maio de 2016 a Resolução nº 225, a qual instituiu a Política Nacional de Justiça Restaurativa, responsável pela formalização do procedimento restaurativo na esfera judicial.
Já com o intuito de delimitar a abrangência do referido procedimento, a Resolução nº 225/2016 destacou na norma do seu art. 1º que a justiça restaurativa corresponde-se a um conjunto ordenado e sistêmico de princípios, métodos e técnicas próprias, tendentes à conscientização sobre os fatores relacionais, institucionais e sociais motivadores de litígio e violência, onde os conflitos que geram dano, concreto ou abstrato, são solucionados de modo estruturado (BRASIL, 2020b).
Segundo o Conselho Nacional de Justiça, 31 tribunais responderam aos seus questionários, sendo que, somente três manifestaram não possuir nenhum tipo de iniciativa sobre Justiça Restaurativa, sendo eles: TJRR, TRF-2ª e TRF-5ª (BRASIL, 2020c).
Além disso, de acordo com o próprio Conselho, dos tribunais que possuem algum tipo de iniciativa com a justiça restaurativa, 17 (61%), responderam possuir pelo menos um programa, sendo eles: TJAP, TJBA, TJDFT, TJES, TJMS, TJMT, TJPA, TJPE, TJPI, TJPR, TJRN, TJRS, TJSC, TJSP, TJTO, TRF-1ª e TRF-4ª. Dentre estes, o TJSC informou possuir quatro programas, os demais possuem apenas um (BRASIL, 2020c).
Outros sete tribunais, 25% dos respondentes, a saber o TJAL, o TJAM, o TJCE, o TJGO, o TJMG, o TJRJ e o TJSE, possuem iniciativas em práticas restaurativas em nível de projetos. O TJGO e o TJSE possuem cinco projetos em justiça restaurativa, os demais informaram possuir apenas um (BRASIL, 2020c).
Em conformidade com os dados estatísticos apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça, diante dos tribunais com iniciativas restaurativas 88,6% consideram que o procedimento restaurativo contribui para o empoderamento do trabalho em rede de promoção e garantia de direitos, de modo que, 9,1% entendem que não há nenhuma contribuição e somente um tribunal, dentre os entrevistados não soube informar (BRASIL, 2020c).
Isso se deve à extrema necessidade dos tribunais de elevarem a eficiência e promoverem a readequação dos serviços judiciais, ao mesmo tempo em que o Judiciário conta com muitas demandas a serem cumpridas, buscando-se, assim, o estímulo de outros caminhos consensuais, sendo um deles, a prática da justiça restaurativa, graças a seus excelentes resultados na resolução de conflitos e contravenções penais.
No que diz respeito a estes inúmeros pontos positivos da técnica restaurativa, Orsini e Neves (2012, p. 36) destacam a possibilidade de estímulo do diálogo direto entre vítima e ofensor, o que é diferente das práticas judiciais tradicionais em que ocorre por representação de um terceiro. Tal diálogo possibilita que as partes se expressem por meio de suas sensações e necessidades, as quais, no ponto de vista da vítima, se resumem a perda de um bem ou uma agressão sofrida.
O diálogo voluntário entre as partes na presença de um facilitador possibilita a construção do acordo consensual, permitindo que ambos, vítima e ofensor reflitam e atribuam um novo sentido dos fatos passados para o presente, mediante a restauração dos sentimentos já traçados.
Ainda assim, outra característica preponderante para o procedimento restaurativo é a sua metodologia aproximativa, que trabalha com a (re)integração da relação dos conflitantes, repensando a reintrodução do ofensor no âmbito coletivo. Consoante os ensinamentos de Vasconcelos (2018, p. 263) diferente da dimensão retributiva a qual se atenta pela culpabilidade e o uso dogmático do direito penal positivo, o processo restaurativo utiliza uma abordagem crítica e contextualizada do direito, ao conceder maior enfoque e comprometimento com a inclusão social do jurisdicionado e não a sua exclusão, gerando melhores conexões com o aspecto social.
Ademais, o método restaurativo é revestido com maior simplicidade se comparado com o procedimento tradicional, composto por uma linguagem técnica e com exaustivas formalidades. Com o uso da técnica restaurativa, a resposta jurisdicional deixa de ser encarada como punitiva/retributiva, e ganha uma nova perspectiva voluntária/colaborativa, favorecendo não somente os envolvidos, mas também o sistema judicial tanto na celeridade do provimento jurisdicional, quanto como na sua eficiência.
Nesse sentido, Vasconcelos (2018, p. 256) assevera que no âmbito institucional a justiça restaurativa pode ser perfeitamente associada a um mecanismo de capacitação da administração judicial. Isso porque, o processo restaurativo, como os demais métodos de solução de conflitos proporciona às partes a chance de uma participação mais ativa no procedimento judicial, o que, certamente, pode contribuir positivamente para a mudança da percepção negativa do Judiciário.
Mais do que o suporte fático oferecido pela promoção da via restaurativa é a capacidade de tangenciação dos aportes institucionais, os quais prezam pelo direito e os valores jurídicos. O incentivo do método restaurativo concede a integração do jurisdicionado com o Estado, ou melhor, o empoderamento do acesso à justiça na órbita consensual, na medida em que o procedimento racional da justiça restaurativa permite não somente o simples acesso ao Judiciário, mas também possibilita aos jurisdicionados a resolução pacífica do conflito, bem como, a prestação de uma tutela jurisdicional célere, justa e eficaz.
Conforme os ensinamentos de Cappelleti e Garth (1988, p. 67), na conjuntura da universalização do acesso à justiça, vê-se necessário o estímulo de práticas restaurativas que mitiguem os atuais enfrentamentos encarados pelo sistema judicial, como por exemplo, a excessiva formalização do procedimento judicial.
Os demais meios consensuais e a justiça restaurativa, além de concederem evidentes vantagens aos litigantes na restauração da harmonia social, também garantem o fortalecimento do sistema jurisdicional. Vale dizer que em um complexo judicial moroso e com incontáveis transtornos, o procedimento restaurativo vem sendo encarado como o remédio excepcional para abrandar os efeitos negativos do provimento adjudicatório, pois, de forma distinta do burocrático formalismo judicial, ela se equipara a um método célere e descomplicado, atribuindo ainda, uma visão cooperativa e distributiva para a resolução do litígio, diferenciando-se da justiça retributiva do ius puniendi, a qual preza pelo contencioso e pela sanção penal.
Destarte, observando-se os exitosos resultados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça, a justiça restaurativa, aglutinada aos outros meios consensuais admitidos pelo ordenamento jurídico pátrio, continua e continuará sendo o desiderato fundamental para a concretização da pacificação social, ao passo que, a prática restaurativa adotada na solução da lide alcançará efeitos benéficos e prospectivos não só nas relações entre vítima e ofensor, mas também em todas as relações sociais.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código de Processo Civil – Lei nº 13.105, de março de 2015/ supervisão editorial Jair Lot Vieria – 2º ed. – São Paulo: Edipro, 2016.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 125 de 29 de novembro de 2010. Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/atos-normativos?documento=156>. Acesso em: 21 jan. 2020a.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 225 de 31 de março de 2016. Dispõe sobre a Política Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/files/resolucao_225_31052016_02062016161414.pdf >. Acesso em: 22 jan. 2020b.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Seminário de justiça restaurativa: mapeamento dos programas de justiça restaurativa. Disponível em:<https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/06/8e6cf55c06c5593974bfb8803a8697f3.pdf>. Acesso em: 22 jan. 2020c.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.
ORSINI, Adriana Goulart de Sena; NEVES, Natália de Souza. Acesso à justiça. – Belo Horizonte: Initia Via, 2012.
VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. – 6. Ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018.