Criminologia midiática no Tribunal do Júri

Exibindo página 1 de 3
Leia nesta página:

Objetivou-se, com essa pesquisa, demonstrar que a mídia é uma grave violadora do dever de preservação do indivíduo no meio social e moral afetando, sobretudo, a presunção de inocência.

Resumo: Objetivou-se, com essa pesquisa, demonstrar que a mídia é uma grave violadora do dever de preservação do indivíduo no meio social e moral afetando, sobretudo, a presunção de inocência. Para tal estudo, o trabalho versou sobre a questão criminológica na sociedade e como a cultura do medo é cada vez mais inserida na sociedade. Estudaram-se os princípios constitucionais norteadores do Tribunal do Júri, dos direitos à comunicação e à expressão e de seus limites violados. E, por fim, foram examinadas as consequências sofridas pelo acusado diante da manipulada opinião pública, bem como os danos decorrentes de uma história fictícia e parcial criada pela mídia, em especial nos casos em plenário.

Palavras-chave: Tribunal do Júri – Mídia – Criminologia.

Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 2.1. O Tribunal do Júri. 2.2. Princípios Constitucionais garantidores. 2.3. A repercussão midiática do crime 2.3.1 A mídia. 2.3.2. A criminologia moderna. 2.3.3. O desinteresse social. 2.4. A influência da mídia sobre a decisão dos jurados. 3. Conclusão; Referências.


INTRODUÇÃO

Este trabalho possui como objetivo direcionar um posicionamento crítico ao ilimitado poder midiático e sua interferência perante o Tribunal do Júri, evidenciando a violação de direitos e garantias a partir da discussão sobre falta de controle e imparcialidade dos meios de comunicação e, consequentemente, da sociedade.

Inicialmente, a abordagem da pesquisa versa sobre o objetivo inicial da criação do Júri popular e de sua evolução em terras brasileiras, assegurado hoje como garantia e direito fundamental Constituição Federal de 1988 e também dissertado no Código de Processo Penal. Trazendo um apontamento sobre a política do medo criada pela mídia sobre a sociedade, analisa-se os interesses capitalistas desta e o modo de inserção de uma ideia parcial e infundamentada como verdade absoluta.

Em continuidade, verifica-se, por outro lado, que a comodidade e a falsa (porém cômoda) veracidade trazidas pela tecnologia agravam o desinteresse social em busca da realidade fática e neutral no pré-julgamento do crime. Exibe o conceito de “vilão e de herói” criado na modernidade através de rótulos e estereótipos, como a raça, etnia, classe social, estudo e vestimenta. Ignorando os princípios e garantias previstos na CRFB/88, como o da presunção de inocência, da imparcialidade e da dignidade da pessoa humana, cria-se um sistema penal que atenda melhor aos interesses do capital.

O objetivo é expor os princípios constitucionais norteadores do direito do Tribunal do Júri, para que se demonstre diretamente o modo em que estes são feridos arbitrariamente através da influência midiática.

A pesquisa busca elucidar a necessidade de maior rigor acerca do controle publicitário, através do conceito e da finalidade do exercício do mesmo, trazendo as consequências do descumprimento do dever previstas em lei.

A finalidade desta abordagem enseja trazer à tona a discussão sobre a eficácia do plenário, em razão do direito de julgamento de crimes dolosos contra a vida por seus pares e, ainda, criticar a ideia de que o Júri beneficia o acusado, podendo concluir que a realidade se distancia do enredo divulgado.

Para demonstrar a gravidade do tema, este artigo apresenta as mais recorrentes consequências da violação de princípios fundamentais, que decorrem a partir da influência, do desinteresse e da política do medo criada sobre a sociedade. Tais consequências são fatos geradores de injustiça e desrespeito, tendo este trabalho o objetivo de explorar o aspecto social e tecnológico em torno do crime, especificamente os direcionados ao Tribunal do Júri.

O fito de estender o estudo sobre a violação de direitos é de explicitar que o judiciário, muitas das vezes, serve apenas para formalizar ideias e julgamentos pré-estabelecidos, uma vez que o descumprimento é ignorado e infundamentado, elucidando a necessidade de análise desses aspectos sensíveis para uma adequada decisão dos jurados.

Por fim, o trabalho se justifica pela necessidade da discussão acerca do controle midiático, considerando que os aspectos discutidos nesta pesquisa são de claro entendimento ou aplicação dentre os estudiosos do tema, analisadas nas decisões do judiciário, em razão das marcas de preconceito social no que concerne aos deveres da figura dos jurados.

O presente estudo busca chamar atenção à ótica social, com o intuito de evidenciar que a mídia, vista hoje como o quarto poder, não é munida de total veracidade acerca de suas publicações, tendo esta o dever de se manter imparcial em todas as suas publicações, limitando-se apenas ao direito e dever de informar.

A pesquisa utilizada para a elaboração deste artigo será de metodologia bibliográfica.


1. O TRIBUNAL DO JÚRI

Órgão do poder judiciário, consagrado em muitas legislações do mundo, sua origem é um tema de grandes discussões entre os doutrinadores. Uma parcela deles entende que seu surgimento originou-se na antiga Grécia, enquanto outra defende a Magna Carta, na Inglaterra, de 1215, como marco do seu nascimento. 1

O Tribunal do Júri, na sua feição atual, origina-se na Magna Carta, na Inglaterra, de 1215. Sabe-se, por certo, que o mundo já conhecia o júri antes disso. Na Palestina havia o Tribunal dos Vinte e Três nas vilas em que a população fosse superior a 120 famílias. Tais cortes conheciam e julgavam processos criminais relacionados a crimes puníveis com a pena de morte. Os membros eram escolhidos dentre padres, levitas e principais chefes de família de Israel.2

Nomeados e controlados pelo absolutismo, os juízes proferiam decisões completamente parciais, objetivando sempre o benefício governamental como o confisco de bens dos condenados. O princípio da verdade real era utilizado na sua vertente extrema, com confissões sendo obtidas através de torturas e os acusados submetidos à exposição e humilhação públicas3.

A situação se modificou após o Rei João assumir o trono e passar a confiscar também os bens da nobreza. Diante desta situação, ele foi cercado e coagido pelos nobres a assinar uma carta que lhes conferia direito, sob a ameaça de morte com lanças afiadas.

A Lei da Terra, assinada forçadamente por João Sem-Terra, o Rei, é abraçada como origem, visto que o referido documento histórico tratou do tema em seu corpo e, se não o criou, ao menos concretizou os direitos fundamentais dos cidadãos, dentre eles aqueles que seriam as bases do tribunal do júri, hoje sagrados pela Lei fundamental.

Sabe-se claramente que a mencionada previsão, embora chamasse atenção para os princípios, garantindo a nulidade do processo se não observados fossem (due process of law), tinham como ideia principal tirar a competência abusiva do Rei, que, por sua vez, trazia muito sofrimento para o povo inglês. Receoso com a possibilidade de destituição, diante das fortes pressões e ameaças, o Rei João aceitou as condições impostas pelos barões.4

Com o novo modelo instituído, a acusação era feita pela própria comunidade (grande júri) que manifestava a opinião sobre a procedência da denúncia implantada por uma pessoa do povo (judicium accusationes). 5

Sendo considerada pertinente a acusação, o fato era designado ao juiz-presidente do pequeno júri, formado por doze homens considerados “de bem”. Nesta etapa, decidia-se se o réu era culpado ou inocente. Desta forma, na Inglaterra, foi dado início a um novo tipo de julgamento, no qual o povo ganhou o direito de julgar os seus pares, limitando a soberania do governo e garantindo a imparcialidade dos julgamentos. Em diante, o Júri passou a ser implementado em diversos países pelo mundo.6

De forma irônica, o surgimento do Júri no Brasil se deu com o objetivo de conter eventuais abusos midiáticos, na época pela imprensa escrita. Com a censura a um jornal de grande circulação, em 1822, o governo sofreu grandes críticas negativas de seu ato. Diante do desagrado popular, como forma de reverter a ideia de atentado à liberdade de imprensa criado pelo povo, foi implementada a Portaria 19, regulamentando a atividade da impressa e consignando expressamente a liberdade de suas publicações.

Receoso com os possíveis abusos que poderiam se originar dessa liberdade midiática, o Senado da Câmara do Rio de Janeiro pleiteou ao Príncipe regente D. Pedro a criação de um juízo para limitar a competência ao julgamento dos crimes de imprensa naquele Estado. Denominado “Juízo dos Jurados”, foi criando antes mesmo da Independência, em 1822, com o esclarecimento de que o júri seria viável e conveniente, visto que a população daquele determinado Estado, àquele tempo, era razoavelmente culta e esclarecida, além de numerosa. Foi então instituído o júri no Brasil, através de lei ordinária, composto por 24 membros.7

No decorrer do tempo, foram observadas inúmeras variações na formação e previsão do plenário. Ausente na Constituição de 1937, se tornando exceção, o júri reaparece no ano seguinte, por um decreto que lhe retirou a soberania autorizando a reforma de suas decisões, caso injustas fossem.

Recuperada a soberania em 1969 com a sua expressa previsão, o Tribunal do Júri seguiu consolidado, voltando, ainda, a receber a definição de direito e garantia fundamental na atual Constituição, de 1988.8

No presente, se tratando de cláusula pétrea constitucional, com previsão expressa no artigo 5º, XXXVIII da Constituição Federal e nos artigos 406 a 497 do Código de Processo Penal, o Júri é o órgão competente para julgar os crimes dolosos contra a vida, consumados e tentados.9

Modernamente, o procedimento é formado por duas fases -- o sumário de culpa (judicium accusationis) e o plenário do júri (judicium causae)10, sendo a segunda composta por pessoas comuns do povo, sendo homens e mulheres, com idade mínima de 18 anos e reputação limpa. Para a sessão de julgamento, são sorteados 25 jurados, escolhidos de uma prévia lista estruturada pelo Poder Judiciário, no qual apenas 7 serão selecionados para compor o Conselho de Sentença. 11


2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS GARANTIDORES

É sabido que a palavra “princípio” admite diversos significados. Neste caso, vale esclarecer que se trata do momento em que algo teve origem; o elemento predominante, a causa primária na constituição de todo um orgânico.12

A Constituição Federal de 1988 reafirmou a identidade constitucional do Tribunal do Júri. Inserido atualmente no Capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais, tendo por finalidade ampliar o direito de defesa e garantia individual dos réus pelos crimes dolosos contra a vida, o órgão em questão permite que estes sejam julgados por seus pares, substituindo o lugar do juiz togado supostamente preso a regras jurídicas.13

A plenitude de Defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência mínima para julgamento dos crimes contra a vida são os seus princípios norteadores básicos, devendo ser veementemente respeitados por todos aqueles que compõem o plenário.14

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Encontrada dentro do princípio maior da ampla defesa, a plenitude de defesa é assegurada justamente pelo fato de serem os jurados tirados de todas as classes sociais e não apenas de uma ou de algumas específicas. A liberdade de convicção e opinião destes no Tribunal deverá sempre ser resguardada através do sigilo das votações. 15

Ainda diante da soberania dos veredictos no Júri, não se exclui a recorribilidade da decisão dos jurados, quando esta for contrária às provas nos autos. Entretanto, ainda que interposto o recurso cabível - a Apelação – este não afeta a soberania, visto que a nova decisão também será dada pelo plenário. 16

Em um estudo mais profundo acerca dos princípios ou garantias constitucionais que norteiam o Tribunal do Júri, não há como ignorar a pura e fiel observância a princípios como o da imparcialidade dos julgamentos, da presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII) e do próprio fundamento da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III). Sem a observância destes, torna-se impossível realizar o julgamento com toda a sua plenitude, violando a forma como a Constituição Federal o positivou: como um direito e uma garantia fundamentais a um só tempo.17

Diante do princípio da proporcionalidade, deve prevalecer o princípio da inocência em relação à soberania dos veredictos, sendo plenamente possível o ajuizamento da Revisão Criminal para rescindir uma condenação imposta pelo Conselho de Sentença, pelo próprio Judiciário.

Tratando-se do Tribunal do Júri, a imparcialidade dos jurados e do juiz é pressuposto para que a relação processual seja válida, tornando o órgão jurisdicional subjetivamente capaz. Esta imparcialidade origina-se do ponto neutro em que o julgador deve estar diante do que está sendo discutido entre as partes. Uma parte da doutrina afirma que a ideia de imparcialidade disseminada já não mais existe. Munidos do conhecimento mundial, alegam que o Júri vem perdendo a sua importância, sendo o Brasil um dos poucos países a ainda adotá-lo.18

Conforme destacado em entrevista realizada, o Juiz Marco Antônio de Azevedo Júnior, que, por anos, atuou no Tribunal do Júri, apontou que a violação de todos os princípios anteriormente mencionados é corriqueira. Aponta, ainda, a mídia como grande influenciadora na opinião pública, não se preocupando em exercer o dever de resguardar os direitos individuais previstos na Constituição. 19

Em análise à aplicação da presunção de inocência e dignidade da pessoa humana, pode-se verificar que, por mais vezes, estas são violadas. O pré-julgamento influenciado por meios externos e diferentes dos produzidos em plenário, somado à garantia de não fundamentação aos votos dos jurados, resulta em sentenças incoerentes com o apresentado nos autos. Diante da “cultura do medo” despertada pela mídia, a garantia do direito e a ideia de que todos deverão ser considerados inocentes até que provado o contrário são descartadas, dando lugar a achismos e deduções que afirmam e induzem a uma verdade distorcida ou até mesmo inexistente. 20


3. A REPERCUSSÃO MIDIÁTICA DO CRIME

3.1. A mídia

O termo “Mídia”, empregado neste artigo, corresponde aos meios de comunicação de massa, os “mass media”, que se destinam a entregar a informação à população, por uma ou mais técnicas, causando, assim, visibilidade e audiência para a rede transmissora.

Os meios de comunicação de divulgação de informação exercem, de fato, importante e impactante papel perante a sociedade. Por sua vez, desde os primórdios, mesmo antes da tecnologia do mundo atual, sempre houve interesse pelo sistema penal, tornando-se ainda mais marcante na pós-modernidade. 21

Nos dias atuais, é indiscutível que a mídia ocupa um quarto poder. A força desta advém de tamanho acesso que, hoje, qualquer cidadão possui a qualquer tipo de informação, seja através de redes sociais, sites de notícia, jornais e, principalmente, da televisão.22

Diante da crescente sensação de insegurança, resultante de uma violência descontrolada e de governos relapsos, a mídia se coloca ainda mais ativa no meio social. Nos países neoliberais, inclusive os de capitalismo tardio, nota-se ainda mais marcante essa vinculação, chegando a ser uma característica distintiva dos sistemas penais.

Tomada pelas notícias trágicas e tendenciosas, a informação vem sendo passada de forma a enaltecer e, muitas vezes, distorcer ou até mesmo criar paradigmas criminais como meio de maior audiência. Além disso, sob o pretexto de informar, entreter e de fiscalizar a atuação dos órgãos públicos, acabam por extrapolar os limites de sua atuação, exercendo papel decisivo na formação da opinião pública.

A mídia pós-moderna se caracteriza como um elemento oportunista, deixando de ser intuída em prol da informação e da comunicação social. O crime é estampando como objeto central, sob a visão de que a sociedade, já experimentada, vivencia diariamente o efeito criminal e se sente integralmente atraída pela violência narrada nos noticiários.23

Destaca-se a televisão ainda como o maior meio de informação, sendo o que mais atrai público. Visto como o veículo que mais consegue aproximar a população, é analisada a mensagem também passada por figuras, imagens, e não somente por recursos como a linguagem falada ou escrita.24

Sem dúvida a TV continua sendo um dos mais importantes componentes da mídia de massa. O impacto que causou na sociedade desde o eu surgimento, a sua evolução já prevista desde a década de 60 por McLuhan, até sua transformação na década de 80 com o aparecimento das novas mídias que já preparavam um sistema multimídia nos anos 90, teve o poder de modificar os veículos anteriores a ela, reestruturando-os e reorganizando-os, e teve a força de continuar suprema diante de um quadro tecnológico e informacional inédito, imposto pela globalização.25

Os meios de comunicação, com ênfase na televisão, desempenham no mundo moderno o papel de difundir a ideia punitiva, principalmente a destinada à pena de prisão, frisando ser esta a solução mágica para os principais males e conflitos sociais. 26

O que pouco se sobressai é que, por trás de muita divulgação, por muitas vezes, não há a apuração necessária para tamanho rótulo dado ao assunto. Desta forma, observando-se tão somente a celeridade com que o noticiário chegará à sociedade e com o quanto ele irá repercutir em prol da audiência, ignora-se o fato de que uma concepção mal apurada ou mal elaborada pode trazer sérias violações aos direitos e garantias previstos na Constituição Brasileira. 27

Direitos como a intimidade e a própria imagem formam a proteção Constitucional à vida privada. Previsto no inciso X do Art. 5º, resguarda um espaço íntimo instransponível por intromissões ilícitas externas, sendo necessárias principalmente frente aos meios de comunicação de massa.28

Oriundas da iniciativa privada, as emissoras estão hoje, em grande maioria, inseridas em grupos econômicos que exploram os bons negócios das telecomunicações. Sob o pretexto de cumprir as suas funções sociais, propaga a informação e constrói um sistema penal que atenda melhor os interesses do capital, criando uma realidade paralela e passando a atuar politicamente.29

É de comum percepção que a mídia não se interessa em abordar todos os crimes ocorridos por minuto no Brasil e no mundo. A seleção de casos criminais que guardam certa particularidade e são levados ao ápice do sensacionalismo revela-se capaz de conformar o pensamento social com grande facilidade.30

Os crimes mais explorados pelos “mass media” são o homicídio e os crimes contra o patrimônio, pois, pela percepção geral, são os mais lembrados e abordados pelo público-alvo dos dias atuais. Deixando de lado a objetividade com que deveria ser observada por esses suportes comunicativos, evidenciam-se os desvios e as distorções da realidade processual, transformando o que deveria ser uma garantia dos envolvidos em violação de direitos fundamentais e potencializados por meio da televisão. 31

Alcançou-se pela imprensa uma autonomia muito grande nos últimos tempos. Passou a exercer um verdadeiro poder social e transformou o cidadão não em um destinatário, mas sim em um refém da informação, tornando-se então necessário defender não somente a liberdade de imprensa, mas também a liberdade perante a imprensa. 32

3.2. A Criminologia Moderna

A formação de estereótipos, manipulação de fatos, distorções, cortes e adequações propositais trazem um entendimento tendencioso da mídia que hoje adentra a casa e o dia a dia de inúmeras pessoas.

É sabido que o povo brasileiro tem a sua curiosidade aguçada, principalmente tratando-se de fatos impactantes. Os meios jornalísticos, se importando notoriamente com o assunto que atrai o telespectador, se incumbe de, além de transmitir, elaborar a matéria de forma atrativa, sem que, para isto, seja preservada a íntegra do ocorrido.

Visando ao entretenimento, a mídia se utiliza da preocupação dos cidadãos como forma de prendê-los à necessidade de se manterem informados sobre o que acontece nas ruas antes mesmo de saírem de suas próprias casas. O pavor é tamanho que parte-se do princípio de que o indivíduo que recebe a notícia será sempre a próxima vítima, induzindo-o à mudança de comportamento, de rotas, de locais, e de pessoas como forma de evitar possíveis riscos. 33

Vive-se hoje, no Brasil, o que se denominou “cultura do medo”, que representa uma sensação exacerbada de temor à criminalidade, caracterizada pela rejeição dos princípios democráticos. Essa ideia criada sob a população advém de exageros passados pelos meios de informação, os quais ocupam o papel de disseminar a insegurança a partir de uma violência que não necessariamente corresponde à realidade, instituindo o medo do crime em crença popular. 34

Criam-se, assim, estereótipos para o agente, denominada “Criminologia Moderna”, correlacionando aos grupos considerados perigosos, e levando em consideração as vestimentas, a condição financeira, a etnia e afins, sendo definições mais graves e de caráter duradouro, baseadas em informações equivocadas e discriminatórias repassadas para a sociedade e dela para os seus pares, como uma forma de conformismo e satisfação social acerca do problema.

A criminologia midiática cria a realidade de um mundo de pessoas decentes frente a uma massa de criminosos, identificada através de estereótipos que configuram um “eles” separado do resto da sociedade, por ser um conjunto de diferentes e maus. Os “eles” da criminologia midiática incomodam, impedem de dormir com as portas e janelas abertas, perturbam as férias, ameaçam as crianças, sujam por todos os lados e por isso devem ser separados da sociedade, para deixar-nos viver tranquilos, sem medos, para resolver todos os nossos problemas. Para tanto, é necessário que a polícia nos proteja de suas ciladas perversas, sem qualquer obstáculo nem limite, porque nós somos limpos, puros e imaculados.35

Diante desta política do “nós” e do “eles”, fica evidente a existência de um grupo social cego, o qual se julga dotado de conhecimento e sabedoria, embasado nos conhecimentos midiáticos, que constrói, diante do que lhe incomoda socialmente, uma correlação de fatores para firmar um modelo a ser temido.

Em atenção à teoria conhecida como “Espiral do Silêncio”, percebe-se que, ainda que haja qualquer ponto de vista que destoe da maioria, este é engolido, intimidado e discriminado por esta parcela majoritariamente influenciada, além do autor da distinta opinião ser visto como desigual e conveniente com o crime analisado. 36

De uma forma geral, o julgamento de crimes é feito, na maioria das vezes, antes mesmo de se ter conhecimento de sua autoria e materialidade. Munidos de suposto conhecimento do fato, o acontecimento é noticiado de forma condenatória, estereotipando os envolvidos e criando previamente uma causa certa para o comportamento.

A manifestação do pensamento é livre e garantida pela Constituição, não aludido à censura prévia. Entretanto, os abusos ocorridos pela sua prática indevida são passíveis de exame e apreciação pelo Poder Judiciário, com responsabilidades civil e penal, oriundas, inclusive, de publicações injuriosas na imprensa, que deveria exercer vigilância e controle da matéria divulgada.37

3.3. O desinteresse social

À influência da mídia na sociedade abalada e cansada da violência agrega-se também o fato de nos depararmos com um corpo social tecnológico, porém leviano, em que o que se escuta é absorvido e repassado como verdade absoluta, sem que haja interesse pela veracidade e consequência da informação, formando assim opiniões precipitadas e condenatórias.

Pode-se perceber que o jovem moderno tem se posicionado mais acerca das transformações sociais, entretanto, por vezes, embasando a sua opinião em informações tendenciosas e políticas divulgadas de acordo com o interesse próprio da mídia. Os mais experientes, em sua grande maioria, já desacreditados do Judiciário, também são, constantemente, induzidos pela forma com que a mídia apresenta soluções rápidas e fáceis, sendo, na maioria das vezes, irreais, ilegais, quando não inverídicas, para o crime e desamparo social.38

Em análise ao ponto de confluência, percebe-se que a irrelevância da verdade e da violação de garantias não é um fato atípico nos pensamentos dos cidadãos em geral. Acreditando existir uma única verdade absoluta, a informação que melhor se adequar aos ideais já defendidos pelo indivíduo é levada como fundamento para justificar o seu posicionamento, pouco importando a sua realidade ou a forma que foi introduzida na coletividade. Deixando-se levar pela utopia de que uma vez publicado em meios de comunicação renomados não há do que ter dúvida, se esquece de que vivemos em tempos de grande turbulência, em que a corrupção e o oportunismo encontram-se cada vez mais próximos.39

A liberdade de expressão é enaltecida como instrumento para funcionamento e preservação da democracia. O direito de se comunicar livremente é conectado à característica da sociabilidade, sendo essencial ao ser humano. Contudo, a garantia da liberdade de expressão encontra limites previstos diretamente pelo constituinte como também descobertos pela colisão com outros direitos fundamentais e com outros valores constitucionalmente estabelecidos.40

O público, confiando mais no que vê do que no que ouve, exercita cada vez menos o raciocínio abstrato, sendo este que o levaria a pensar com maior senso crítico, evitando, dessa forma, a conformidade, influenciada pela realidade paralela criada pela mídia.

Depositada tamanha confiança em veículos de comunicação, o cidadão tende a limitar--se ao recebimento da notícia, sem aprofundá-la ou sequer questioná-la, e a replicá-las como verdade absoluta, principalmente para aqueles que julga serem “seus pares”, ou seja, “pessoas do bem”.41

[...] o resultado de opiniões individuais sobre os assuntos de interesse comum que se origina nas diferentes formas de comunicação humana, primeiramente através de processos individuais, posteriormente, em processos coletivos, em diferentes graus, segundo a natureza das informações compartilhadas pelos indivíduos às vezes influenciada pelos interesses articulares de grupos afetados.42

Conforme concluído em estudo43, a forma com que cada receptor interpreta a informação se distingue em diversos meios, excitando diferentes reações, levando-se em consideração a análise psicológica, comportamental e social, que influencia na concepção final de cada pessoa.

Em análise à “Teoria da Agulha Hipodérmica”, que aborda a influência de vários fatores na reação dos indivíduos, chegou-se à conclusão de que os “mass media” influenciam em determinada categoria de pessoas classificadas como “formadoras de opinião” e estas, por sua vez, disseminam o que lhes fora passado, incidem sobre os demais indivíduos da sociedade.

Na pós-modernidade, a violência é utilizada de forma banal, apresentada como produto de consumo pelos informadores e comprada pelos receptores, tapeando suas reais concepções e conhecimentos. Tomado pelo medo, o cidadão cai em solidão e isolamento, passando a não enxergar mais os seus pares. Sendo este um requisito para a verdadeira garantia dos direitos fundamentais, pode-se perceber que seu reflexo atinge diretamente o processo penal, sobretudo no Tribunal do Júri.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos