Assédio processual do poder público nas ações de improbidade administrativa e nas investigações disciplinares

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28/01/2020 às 16:00
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CONCLUSÃO

O “assédio processual” é uma forma nefasta de perseguição ao agente público, que mesmo que não pratique ato irregular em sua função, constantemente tem sido vitimado por instauração de processos disciplinares ou por infundadas ações de improbidade administrativa.

Em boa hora a nova Lei que criminaliza o abuso de autoridade, que entra em vigor em janeiro de 2020, já combate o “assédio processual” em seu art. 27 (Lei nº 13896/2019):

“Art. 27 – Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa.”

Em sendo assim, o “assédio processual” será crime, devendo o agente público tomar as medidas legais para trancar natimortas investigações contra si, quando ausentes indícios de prática de ilícito funcional ou infração administrativa.

A responsabilidade do agente público por suas decisões ou opiniões técnicas somente serão levadas a efeito em caso de dolo ou de erro grosseiro (art. 28, da LINDB).

Em sendo assim, tanto na esfera correicional, como na propositura de ação de improbidade administrativa, somente poderão ser instauradas se houver a justa causa.

Em sendo assim, a esfera correicional ou a propositura de ação de improbidade administrativa somente poderão ser instauradas se houve a justa causa.

Qualquer tipo de persecução estatal que não seja precedida de uma justa causa será tida como “assédio processual” contra o agente público investigado.

É chegado o momento de se colocar um ponto final nas denúncias e nas acusações açodadas, fruto de picuinhas ou de pouca credibilidade, que se caracteriza como “assédio processual”.

Não se pode mais conceber que ainda haja este tipo de constrangimento ilegal para o agente público probo e honesto.

O “assédio processual” é algo nefasto que agride ao direito e ao princípio da dignidade humana, não sendo admitido perante o ordenamento jurídico.

É necessário uma reflexão sobre o tema, em especial para que o Poder Público tenha todo o cuidado jurídico necessário quando exercer a sua persecução, quer no âmbito disciplinar, quer na esfera civil, com o ajuizamento das ações de improbidade administrativa.

Sem justa causa não há como se manter hígido o sistema acusatório.

Por fim, mesmo ainda não em vigor, a Lei Geral de Proteção de Dados já deu um sinal do que pretende proteger nas investigações, com a combinação dos seguintes artigos:

Art. 2º A disciplina da proteção de dados pessoais tem como fundamentos:

IV - a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem

VII - os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais.

Art. 4º Esta Lei não se aplica ao tratamento de dados pessoais:

III - realizado para fins exclusivos de:

...

d) atividades de investigação e repressão de infrações penais;

§ 1º O tratamento de dados pessoais previsto no inciso III será regido por legislação específica, que deverá prever medidas proporcionais e estritamente necessárias ao atendimento do interesse público, observados o devido processo legal, os princípios gerais de proteção e os direitos do titular previstos nesta Lei.

A referida Lei além de prever os direitos humanos, os quais se inclui a dignidade, mesmo que seja afastada para a aplicação da Lei nº 8.429/92, não pode ser ignorada na má utilização da referida persecução, prevê medidas proporcionais como já bem destaca em todo seu texto.

O direito sancionador não pode ser instaurado sem que se respeite as garantias fundamentais da parte investigada para que não sofra transtornos em seu direito de manter inviolável em sua intimidade e honra, salvo se houver justa causa.


notas

[1] STJ, Rel. p/acórdão Min. Nancy Andrigui, REsp nº 1.817.845/MS, 3ª T., julgado em 10.10.2010.

[2] “Art. 5º - Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.”

[3] “(...) 2.  Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, o ajuizamento posterior  de  Execução  Fiscal,  perante  a  Vara  Especializada em Execuções,  não  modifica  a  competência  para  julgamento  da Ação Anulatória  de  Débito,  intentada  anteriormente  na  Vara Cível. A remessa   da   Ação   Anulatória,  em  tal  cenário,  resultaria  em modificação  de  competência  fora  das  hipóteses  permitidas  pelo sistema  processual,  além  de  possibilitar  a  violação  da boa-fé objetiva processual pela prática de forum shopping.” (STJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, AgInt no AREsp nº 1196503/RJ, 1ª T., julgado em 29.04.2019, DJe de 10.05.2019)

[4] STF, Rel. Min. Celso de Mello, MS nº 23.452-1/RJ, 2ª T., julgado em 16.09.1999.

[5] “... O desvio de poder não é senão uma modalidade de abuso de direito, uma expressão desse vício na esfera pública, de onde suas raízes teóricas são muito longínquas.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de, apud SERRANO, Pedro Antunes, O desvio de poder na função legislativa. São Paulo: FTD, p. 9).

[6] “O abuso de poder consiste sempre em uma atuação desproporcional e injusta por parte do agente público quando exerce determinada faculdade conferida por lei.” (MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Inquérito Civil e Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 249.

[7] Cf. LEVY, José Luiz, A vedação ao abuso de direito como princípio jurídico, São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 205

[8] BERNADINO, Thalita Berz. O Abuso de Poder na atuação do Ministério Público. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 93.

[9] V. Cornil, Le droit privé. Paris: edición espanhola, 1924, ps. 36-138.

[10] BORGES, Etewaldo de Oliveira. Responsabilidade do Estado por Abuso de Poder, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 91.

[11] CRETELLA JÚNIOR, José. Do Desvio de Poder na Administração Pública. RT: SP, 1964, p. 28.

[12] “Os membros do Ministério Público, portanto, podem também cometer abuso de direito no exercício de suas atribuições funcionais...” (BERNARDINHO, Therezinha Braz. op. cit. ant., p. 94.

[13] STF, Rel. Min. Celso de Mello, HC nº 87.610/SC, 2ª T., julgado em 27.10.2009.

[14] Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

[15] Isso pode ocorrer com qualquer um. Exemplo do caso recente no próprio judiciário https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/jotinhas/juiz-cita-lei-de-abuso-de-autoridade-ao-negar-penhora-e-caso-vai-para-corregedoria-28112019.

[16] Cf. art. 20, da LINDB.

[17] Cf. art. 22, da LINDB. Ora, se o administrador não teria outra forma, naquele momento, de ter conduta diversa, deve ser assim avaliado, com a necessidade de prova que deveria ter tido outra conduta e que o famoso "homem médio" teria efetivamente outra conduta sem nenhuma dúvida.

[18] Art. 21, da LINDB: “A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas.  

Parágrafo único.  A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos

[19] BERNARDINO, Thalita Braz. O abuso de poder na atuação do Ministério Público. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 51.

[20] STF, Rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, RE nº 593727/MG, Pleno, julgado em 14.05.2015.

[21] TARUFO, Michele. Abuso de Direitos processuais: Padrões comparativos de lealdade processual (relatório geral), in Revista de Processo: REPRO, vol. 34, nº 177, SP: RT, nov/2009, ps. 164/166.

[22] STJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, REsp nº 1817845/MS, 3ª t., julgado em 10.10.2019.

[23] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, 17 ed., 2010, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 232.

[24] BARRETO, Ireneu Cabral. A Convenção Européia dos Direitos do Homem. Lisboa: Editorial Notícias Aequitas, 1995, p. 126.

[25] STF. Rel. Min. Gilmar Mendes, HC n.º 93.930, 2ª T., julgado em 7.12.2010 (DJ de 03.02.2011).

[26] RODRÍGUES, Victor Gabriel. Tutela Penal da Intimidade. Perspectivas da Atuação Penal na Sociedade da Informação. São Paulo: Atlas, 2008, p. 36.

[27] “Los derechos fundamentales constituyen la esencia misma del régime constitucional (STC num. 10/1986 de 24 enero), y aparecen como instrumentos que limitan la actuación del poder. El poder no puede transgredir estos derechos y su actuación tiene que estar presedida por ellos, ya que vinculan a los poderes públicos sin excepción. La concepción de los derechos fundamentales como obligaciones estatales, reposa em sua reconocimiento constitucional, es decidir em su articulación jurídica através de um texto nascido com la vocación de imponerse a todos los órganos del Estado.” [Rodrigues, José Luiz. Concepción. Intimidadd e imagen. Barcelona: Bosch, 1996, p. 65].

[28] GARCIA, Emerson. Ministério Público. Organização, Atribuições e Regime Jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 67.

[29] GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 647/649/650.

[30] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Tratado de Direito Administrativo Disciplinar. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 179.

[31] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Op. cit. ant.,  p. 810.

[32] LARENZ, Karl. Derecho Justo – Fundamentos de Ética Jurídica. Tradução de: DÍEZ-PICASO, Luis. Madrid: Editorial Civitas, 1993, p. 21.

[33] MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Justa Causa para a Ação Penal. São Paulo: RT, 2001, p. 18.

[34] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 2, p. 123.

[35] MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Justa Causa...;Op. cit. ant., p. 291.

[36] STF. Rel. Min. Celso de Mello, HC nº 79.844-6/RJ, 2ª T., julgado em 15 de fev. 2000, DJ de 17 mar. 2000, p. 003, JSTF – LEX 260/361.

[37] ROSS, Alf. Direito e Justiça. São Paulo: Edipro, 2003, p. 199.

[38] “ A locução justa causa não tem emprego exclusivo no domínio jurídico científico do Direito Penal e Processual Penal – e nem mesmo apenas no domínio dos largos horizontes das amplas províncias do Direito Sancionador – porquanto utilizada, praticamente, na linguagem de todos os departamentos do direito contemporâneo. Essa locução constitui de critério pré-ordenador da justiça a se fazer no caso concreto, para mensurar a legitimidade – e não só apenas e legalidade – de quaisquer iniciativas administrativas ou judiciais de que resultem – efeitos prejudiciais ou danosos a direitos ou a interesses das pessoas.” (MAIA FILHO, Napoleão Nunes.  “A Justa Causa e outros temas atuais de Improbidade. Ensaio de Crítica Jurídica”. Forteleza-CE, Curumim, 2017, p. 64).

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[39] MENEGALE, J. Guimarães; “O Estatuto dos Funcionários”. Volume II, Rio de Janeiro: Forense: 1962, p. 637.

[40] MAIA FILHO, Napoleão Nunes. “Breves Estudos sobre a Ação de Improbidade Administrativa. a Justa cauã e outros temas relevantes de Direito Sancionador.” Fortaleza-CE: Curumim, 2014, p. 38.

[41] ROCHA, César Asfor. “Breves Reflexões Críticas sobre a Ação de Improbidade Administrativa. Ribeirão Preto: Migalhas, 2012, p. 28.

[42] “A exigência da justa causa nas iniciativas sancionadoras representa, portanto um freio às afoitezas acusatórias, criando um limite não ultrapassável ao exercício do poder de acusar, impondo ao acusador que antes de exercer a iniciativa punitiva, vale dizer, antes da inauguração do processo punitivo, recolha previamente, com seriedade e método, provas sérias da materialidade do ilícito dos indícios veementes e seguros de sua provável autoria, porquanto, sem o cumprimento dessas exigências, a promoção punitiva resvalará para o perigoso território do possível – e não do provável – e a ação sancionadora poderá se converter apenas em meio de tormento de sua feição de meio de justiça.” (g.n.) (MAIA FILHO, Napoleão Nunes. Breves Estudos sobre a Ação de Improbidade Administrativa. a Justa Causa e outros relevantes de Direito Sancionador. Fortaleza – CE: Curumim, 2014, p. 41).

[43] MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Justa Causa para a Ação Penal. São Paulo: RP, 2011, p. 241.

[44] “Habeas corpus. 2. Art. 334, § 1º, “c” e “d”, do Código Penal (contrabando de máquinas caça-níqueis). Absolvição durante a suspensão condicional do processo. 3. Pedido de trancamento da ação penal. Ausência de justa causa. Não ocorrência. 4. Satisfeitos os requisitos do art. 41, do CPP e não comprovada, de plano, a atipicidade da conduta, a incidência de causa extintiva de punibilidade ou a ausência de indícios de autoria e materialidade, inviável trancar-se a ação penal. Precedentes. 5. Ordem denegada.” (STF, Rel. Min. Gilmar Mendes, HC nº 115.730/ES, 2ª T., DJ de 1.08.2014).

[45]   STJ. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Ms no 10442/DF, 3a S., DJ de 26 set. 2005, p. 172.

[46]  STJ. Rel. Min. Gilson Dipp, RMS nº 11587/SC, 5ª T., DJ de 03 nov. 2004, p. 206.

[47] STJ, Rel. Paulo Medina, Ms no 9004/DF, 3a S., DJ de 2.02.04, p. 267.

[48] TRF-5ª Reg. Rel. Des. Francisco de Barros Dias, Ap. Cível nº 511140, DJ de 24 fev. 2011, p. 637; TRF-2ª Reg. Rel. Des. Fed. Guilherme Calmon Nogueira da Gama.” (TRF-2ª Reg., Rel. Des. Fed. Guilherme Calmon Nogueira da Gama, AI nº 172077, DJ de 17 dez. 2010, p. 245.

[49]  “O jornalista transforma, de bom grado, o inquérito judiciário num duelo simbólico entre o juiz de instrução e o acusado, no qual o árbitro não é mais o juiz, mas sim o jornalista” (GARAPON, Antoine. O Juiz e a Democracia. São Paulo: Revan, 1996, p. 80).

Sobre o autor
Mauro Roberto Gomes de Mattos

Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

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