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Brevíssimas considerações sobre a nova sistemática do recurso de agravo introduzida pela Lei nº 11.187/2005:

uma visão pessimista

07/02/2006 às 00:00
Leia nesta página:

1. Introdução.

            Quando o Código de Processo Civil de 1973, ora em vigor, foi promulgado, a doutrina nacional e estrangeira, em uníssono, aplaudiram o sistema recursal do então novo diploma. Asseveravam que o cabimento do recurso conforme a natureza do ato processual atacado (art. 162 do CPC) simplificava, e muito, o regime recursal até então em vigor pelo CPC de 1939. Em vez de uma relação taxativa de hipóteses de cabimento da apelação e de agravo – como ainda ocorre hoje com o recurso em sentido estrito do CPP (art. 581) – adotou-se uma fórmula genérica por todos conhecida: de sentença (ato que extingue o procedimento em 1º grau de jurisdição) cabe apelação e de decisão interlocutória (ato que resolve questão incidente) cabe agravo.

            Os aplausos iniciais ao sistema recursal brasileiro, contudo, não resistiram ao tempo. O regime recursal aberto implantado pelo CPC/1973 mostrou-se, ao longo destes mais de 30 (trinta) anos de vigência da Lei 5.869/1973, extremamente deletério para os propósitos da efetividade do processo. Reformas e mais reformas processuais se seguiram, todas com a finalidade de diminuir a sobrecarga dos tribunais e de desobstruir as vias de julgamento.

            Eis mais um ato legislativo de idêntica finalidade. A Lei 11.187, promulgada em 19 de outubro de 2005 e em vigor desde 20 de janeiro de 2006, veio procurar (só procurar) corrigir as distorções observadas no regime de agravo, em especial as advindas da Lei 9.139/1995 e Lei 10.352/2001.


2. O regime do agravo até então vigente.

            Antes do advento da Lei 11.187/2005 o agravo, no regime que lhe foi dado pela Lei 9.139/1995, podia ser interposto livremente nas suas duas modalidades: retido, para casos menos urgentes (art. 523 do CPC), e por instrumento, reservado para casos mais graves (art. 524).

            O retido, em regra, era utilizado com nítida finalidade de obstar a preclusão da matéria decidida no curso do processo, permitindo à parte que, em sede de apelação, renovasse a discussão no órgão superior (art. 523 e parágrafo 1º do CPC). Este recurso era processado em 1ª instância, nos próprios autos da ação, e na prática era utilizado nos pouquíssimos casos em que a lei vedava a utilização do agravo de instrumento (decisões proferidas em audiência e posteriores à sentença, nos termos do art. 523, parágrafo 4º, do CPC).

            Agravo mesmo era o de instrumento (art. 524 do CPC). Utilizado em larga escala e sob o discutível fundamento de que a decisão proferida causava dano de difícil reparação, era ele, por força da reforma operada pela Lei 9.139/95, dirigido diretamente ao órgão superior, que podia, liminarmente: a) julgar-lhe monocraticamente, não conhecendo, reformando ou mantendo a decisão agravada (art. 557 do CPC); e b) suspender a decisão agravada ou antecipar a tutela recursal (art. 527, III, do CPC).

            Este regime do agravo de instrumento interposto diretamente no 2º grau revelou-se, nos 05 anos que se seguiram, um verdadeiro fiasco. O agravo de instrumento, que até 1995 era todo processado em 1º grau e, somente depois, remetido ao 2º grau, servia de contenção à recorribilidade desenfreada. Como a Lei 9.139/95 permitiu a interposição diretamente no 2º grau mediante a extração de cópias, os Tribunais passaram a receber verdadeiras avalanches de agravos de instrumentos quase que imediatamente à prolação da decisão atacada. A conseqüência os operadores do direito bem sabem: as apelações, que efetivamente decidem as controvérsias, deixaram de ser julgadas pelos Tribunais, que passaram a se dedicar quase que exclusivamente aos agravos de instrumentos, a grande maioria deles (mais de 80%) de urgência nenhuma.

            Em 2001 procurou-se corrigir esta anomalia nas cortes de apelação (ou melhor, de agravos). A Lei 10.352 passou a admitir que o relator do agravo de instrumento, nos casos em que o julgamento do recurso não fosse urgente nem implicasse em dano grave ao jurisdicionado, convertesse o agravo de instrumento em retido (art. 527, II, do CPC).

            A experiência prática revelou mais uma vez que o legislador brasileiro não conhece bulhufas da cultura recursal arraigada em nossa formação jurídica: a disposição não teve nenhuma aplicação, pois da decisão que efetuava a conversão do instrumento em retido admitia-se o cabimento de um outro agravo dito interno (ou agravinho como impropriamente dizem alguns), dirigido à Câmara que julgaria o agravo de instrumento (art. 527, II, do CPC). Os desembargadores, então, sem delongas, preferiam julgar de uma vez o instrumento, mesmo em casos de nenhuma urgência, em vez de julgá-lo duas vezes, uma monocraticamente quando da conversão, e a outra quando da apreciação, pela Câmara (da qual fazem parte) do agravo interno da sua decisão.

            Quanta perda de tempo!


3. As mudanças da Lei 11.187/2005.

            Então vem esta nova lei, que desde já se adianta, em nada mudará o quadro caótico que assola a justiça de 2º grau (em especial aqui em SP). Pelo contrário, piorará a situação do 1º grau.

            Procurou o legislador, através de norma, inverter algo que, na prática, é irreversível: o uso desenfreado do agravo de instrumento. Como se por força da lei fosse possível alterar a cultura de um povo, o art. 522 do CPC diz que a regra, agora, é que o agravo será retido, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida (casos em que o recurso será por instrumento).

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            Santa inocência! A regra do sistema já era no sentido de que o agravo, em regra, fosse retido, reservando-se apenas para as hipóteses de urgência o agravo de instrumento. Mas isto nada adiantou, pois para nós, sempre haverá urgência em tentar reformar a decisão contrária aos nossos interesses, mesmo que não haja risco de dano presente, ou mesmo, ainda, que a decisão esteja perfeita. Afinal, quem não arrisca não petisca!

            "Ah, vamos então permitir ao relator que não permita o processamento de agravos de instrumentos não urgentes, acabando com o agravo interno da sua decisão", pensou insanamente o legislador ao criar o novo art. 527, II e parágrafo único, do CPC. Só faltou um detalhe no raciocínio. Quem já chegou no 2º grau sob o fundamento de que urge a reforma da decisão interlocutória de 1º grau (o caso, ao menos para o agravante, é urgente!), levará a coisa adiante a qualquer custo. E o art. 5º, II, da Lei 1.533/1951, admite o cabimento do mandado de segurança como sucedâneo de recurso toda vez que não haja meio de impugnação previsto nas leis processuais.

            Pois aí está: a restrição à recorribilidade sempre desemboca na utilização do mandado de segurança contra ato judicial, ressuscitado insanamente pelo advento da Lei 11.187/2005. Certamente quem já está em 2º grau para ganhar tempo vai se valer do mandado de segurança contra o ato do relator que converteu o instrumento em retido, writ que será julgado pelo próprio Tribunal.

            Como se não bastassem estas alterações inexpressivas para os fins da efetividade, há ainda uma outra que, ao meu ver, é a pior delas, pois em vez de não mudar nada, atrapalha profundamente o curso do processo. O art. 523, parágrafo 3º, do CPC.

            De acordo com o dispositivo, das decisões interlocutórias proferidas em audiência o agravo sempre será retido (até aqui nenhuma novidade) e interposto imediatamente de forma oral (eis a novidade), constando do termo de audiências sucintamente as razões do agravante, e por força do contraditório constitucional, do agravado.

            Fico aqui a imaginar uma audiência de instrução e julgamento onde haja várias testemunhas, contraditas, preliminares, etc. Se para cada decisão interlocutória do juiz que a parte não concorde (e são tantas) for interposto um agravo retido obrigatória e na modalidade oral, a constar do termo, estou certo que devemos expandir os horários de funcionamentos dos fóruns, e implantar, definitivamente, rodízio de funcionários na digitação dos termos (isto sem falar no número de aposentadorias por lesão de esforço repetitivo).

            E os atritos. Ah, os atritos! Imaginem advogados, promotores e juízes, em conturbada audiência. O calor do momento (e das salas de audiência), a presença das partes, tudo está a contribuir para que os ânimos se exaltem em razões e contra-razões de agravo retido, em decisões e manutenções de decisões agravadas.

            A obrigatoriedade da interposição imediata do retido oral das decisões proferidas em audiência é um desserviço à justiça de 1º grau. As pautas de audiências, já longas, se tornarão ainda mais. O juiz de 1º grau, sem poder prever o número de agravos que serão interpostos de suas decisões, terá de reservar o dia todo para uma audiência mais complexa. E o jurisdicionado, em termos de celeridade, não ganha nada com isso.

            Seria bem melhor que o agravo nestas situações continuasse obrigatoriamente retido, mas pudesse ser interposto por via escrita, no prazo legal. Não há razão lógica alguma para a mudança.


4. Conclusões.

            Espero, sinceramente, errar em todas as minhas previsões, e certamente terei a humildade necessária para fazer mea culpa. Mas a Lei 11.187/2005, ao meu ver, mais atrapalha do que ajuda.

            O excesso de recursos é um problema cultural. Só será solucionado com mudança de mentalidade através da formação dos novos profissionais do direito e por sanções processuais mais incisivas aos que recorrem sem fundamento.

            Não há fórmula mágica para melhorar o processo civil brasileiro. As mudanças são esperadas com ansiedade. Mas não poupemos as críticas construtivas a elas. Afinal, a quase todos interessa o aperfeiçoamento de nosso sistema jurídico.

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Sobre o autor
Fernando da Fonseca Gajardoni

juiz de Direito do Estado de São Paulo, mestre e doutorando em Direito Processual pela USP, professor da Faculdade de Direito de Franca e da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (IELF/LFG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GAJARDONI, Fernando Fonseca. Brevíssimas considerações sobre a nova sistemática do recurso de agravo introduzida pela Lei nº 11.187/2005:: uma visão pessimista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 949, 7 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7927. Acesso em: 18 nov. 2024.

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