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A nova Lei de Falência e as atribuições da polícia judiciária

14/02/2006 às 00:00
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A Lei nº 11.101/2005, que introduziu regras inovadoras no plano falimentar da sociedade empresária e do empresário individual, trouxe, também, importantes alterações no cenário jurídico-criminal, e em especial no campo investigativo, questões que tentaremos enfrentar neste singelo trabalho, sem ter a mínima pretensão de esgotar a temática que ainda apresenta certas dificuldades de compreensão.

O grande avanço digno de registro da nova lex é a extinção do famigerado inquérito judicial até então presidido por magistrados, contrapondo-se ao sistema acusatório reconhecidamente adotado pelo direito pátrio, afastando-se definitivamente a figura do juiz investigador. Doravante, as investigações sobre crimes falimentares estão sob o comando das Polícias Civis dos Estados membros da Federação, presididas por Delegados de Polícia de carreira.

Contemplando o expurgo do inquérito judicial na apuração dos crimes falimentares, Eduardo Luiz Santos Cabette e Cirilo dos Santos Neto escreveram com muita propriedade: "...esse desfecho extintivo do Inquérito Judicial já era previsto e esperado por todos aqueles que, num Estado Democrático de Direito, primam pelo afastamento do juiz da fase de investigação criminal, em estrita obediência ao sistema acusatório". [01]

Outra novidade prevista na lei é a denominada condição objetiva de punibilidade que condiciona a atuação estatal no âmbito criminal à decretação da falência, homologação da recuperação extrajudicial ou concessão da recuperação judicial (art. 180). Por conta disso, antes das providências enumeradas no texto em referência, a polícia judiciária não pode atuar na seara falimentar por falta da mencionada condicionante.

Uma vez adotada uma das medidas previstas no art. 180, seria de bom alvitre que o juiz da demanda comunicasse imediatamente a autoridade policial do município da culpa, para que esta possa fiscalizar o comportamento do empresário ou do representante da sociedade empresária em estado falencial ou em recuperação judicial. É a partir daí que a polícia pode atuar, caso seja necessário.

É bem verdade que antes da decretação da falência ou da recuperação extrajudicial ou judicial o empresário pode cometer crimes que a polícia não só pode como deve agir, contudo, não se poderá falar em delitos falimentares contemplados na lei nº 10.101/2005.

Cumpre ressaltar, ainda, que os crimes falimentares são de ação penal pública incondicionada (art. 184) aplicando-se a regra exposta no art. 5º, I do CPP. Assim, presente a condição objetiva de punibilidade (art. 180) e existindo comportamento que venha a adequar-se aos tipos penais na nova ordem jurídica falencial (artigos 168/178), a polícia judiciária deve adotar o procedimento correspondente, inclusive medidas excepcionais como a elaboração de auto de prisão em flagrante, dentre outras.

Tratando da competência judicial, o artigo 3º preleciona que: "É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil". Portanto, o legislador definiu a competência civil falimentar levando em consideração o principal estabelecimento comercial do empresário individual ou da sociedade empresária.

Para o respeitável jurista Fábio Ulhoa Coelho: "Principal estabelecimento para fins de definição de competência para o direito falimentar, é aquele em que se encontra concentrado o maior volume de negócios da empresa; é o mais importante do ponto de vista econômico". [02]

Já o artigo 183 fixa a competência criminal nos seguintes termos: "Compete ao juiz criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou homologado o plano de recuperação extrajudicial, conhecer da ação penal pelos crimes previstos nesta lei". Embora haja coincidência entre a jurisdição criminal e a cível na definição da competência sobre as lides falimentares, não se pode mais falar em juízo universal da falência, visto que elas são absolutamente autônomas.

Apesar da lei determinar a competência criminal em correspondência com o local da decretação da quebra ou de qualquer das modalidades de recuperação, não se aplica esta regra à prática dos atos de polícia judiciária. Para a polícia continua vigorando o disposto no artigo 70 do CPP, que define a competência pelo lugar da infração penal. Logo, para fins investigativos, o que importa é o local do fato criminoso e não onde tramita o processo falimentar, mesmo porque, os atos de polícia judiciária não são revestidos de jurisdição, mas de atribuição.

Exemplificando: se um crime falimentar for praticado numa pequena filial na cidade de São Paulo e pelo fato do principal estabelecimento da empresa arruinada se localizar em Porto Alegre, ter sido nesta decretado a falência, tornando o juiz cível prevento para conhecer da ação penal, o inquérito policial deverá ser instaurado e concluído no lugar da consumação do crime (teoria do resultado), encaminhando-se os autos ao juízo da respectiva comarca, que providenciará a sua remessa ao magistrado que decretou a quebra da sociedade empresária.

Da mesma forma, em observância às normas explicitadas nas leis nºs 9.099/95 e 10.259/2001, a autoridade policial deverá elaborar o termo circunstanciada relativo ao crime falimentar previsto no art. 178 (omissão dos documentos contábeis obrigatórios), único delito de menor potencialidade ofensiva, remetendo o feito ao Juizado Especial Criminal da comarca onde foi decretada a falência do autor do fato.

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Se o empresário individual for menor de 18 (dezoito) anos, mas emancipado nos termos do artigo 5º, V do Código Civil, podendo com isso exercer atividades de comércio, se praticar infração de ordem falimentar, como a emancipação civil não se equipara à maioridade penal, será lavrado boletim de ocorrência circunstanciado sobre o referido ato infracional (art. 174, parágrafo único) da lei nº 8.069/90 – ECA, e enviado para a vara da Infância e da Juventude do lugar em que foi decretada a falência.

Nesse sentido preleciona o articulista Paulo Henrique de Godoy Sumariva: "Sendo assim, entendemos que o menor emancipado que venha a exercer atividade de comércio, e eventualmente, pratique condutas que se amoldam aos tipos penais previstos na Lei nº 11.101/2005 sofrerá as regras do Estatuto da Infância e do Adolescente, caracterizando um ato infracional falimentar". [03]

Eventuais medidas cautelares judiciais como a prisão temporária, mandado de busca e apreensão, seqüestro de bens etc, devem ser pleiteadas perante o juiz criminal da Comarca em que tramita o inquérito policial, sob pena de inviabilizar a devida celeridade e eficiência do procedimento investigativo, que não pode ficar a mercê do juízo do local da decretação da quebra da sociedade empresária, muitas vezes sediado em outra comarca ou outro Estado da Federação.

No que pertine à prescrição dos crimes falimentares a nova lei (art. 182) manda aplicar as disposições contidas nos artigos 109 e seguintes do Código Penal, proscrevendo a prescrição bienal da legislação anterior, instituto que servia de manifesto fomento à impunidade dos delitos da espécie. Tanto é verdade que ninguém era punido criminalmente nos termos do Decreto-Lei nº 7661/45.

Concluindo, as investigações dos delitos falimentares, que por força do disposto no art. 187 passaram para as atribuições da policia judiciária, devem seguir os ditames do Código de Processo Penal, observando-se a existência de condição objetiva de punibilidade, sem a qual os órgãos de segurança pública não estarão legitimados a agirem.


Notas

01 CABETTE, Eduardo Luiz Santos; SANTOS NETO, Cirilo dos. Nova lei de falências: alguns aspectos criminais polêmicos. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 871, 21 nov. 2005. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/7603. Acesso em: 06 fev. 2006.

02 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas (lei 11.101, de 9-2-2005), 2.ed, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 28

03 SUMARIVA, Paulo Henrique de Godoy. A lei de falências e a inimputabilidade penal. Revista Justilex. N.º 48, ano IV, dezembro de 2005, p. 70.

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Sobre o autor
Raymundo Cortizo Sobrinho

delegado de Polícia Civil em São José do Rio Preto (SP), pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal, professor da Academia da Polícia Civil de São Paulo e do Centro Universitário Rio Preto (UNIRP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORTIZO SOBRINHO, Raymundo. A nova Lei de Falência e as atribuições da polícia judiciária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 956, 14 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7949. Acesso em: 24 abr. 2024.

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