"O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". É o que reza o inciso LXXIV do artigo 5º da Magna Carta. Esse dispositivo é o tão louvável garantidor do livre acesso ao Judiciário. O legislador constituinte, ainda, ao falar em "assistência jurídica", foi além da assistência judiciária, gizando que está nos dizeres do inciso LXXIV do artigo 5º um rol formado pela própria assistência judiciária ao lado da consultoria e do auxílio extrajudicial.
E no que concerne à assistência judiciária, é pacífico no mundo jurídico que ante a simples declaração de que o pagamento das custas processuais importa em prejuízo do próprio sustento e o da família, o Judiciário, gentilmente, abre as portas ao necessitado. Cabe, então, à parte contrária desconstituir a afirmação através do meio processual adequado. Em alíneas outras, é extremamente flexível o Judiciário quanto à declaração de pobreza apresentada. É conferido ao declarante, inclusive, a presunção de veracidade, embora relativa.
E quanto àqueles que não gozam do benefício constitucional e da Lei 1060/50, a eles é aplicado o artigo 19 do Instituto Adjetivo civil, "verbis": "Artº 19 Salvo as disposições concerentes à justiça gratuita, cabe às partes prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo, antecipando-lhes o pagamento desde o início até sentença final; e bem ainda, na execução, até a plena satisfação do direito declarado pela sentença".
É de todos sabido que "a parte que requerer a diligência ou prática de ato do qual resulte despesa deve antecipar-lhe o pagamento" (CPC, Nery, comentários). É do conhecimento, também, que "a final, a parte vencida reembolsará as despesas adiantadas pela parte vencedora" (CPC, Nery, comentários).
O legislador se esqueceu de uma coisa (de propósito, talvez). Não há previsão legal para o indivíduo que requerer o diferimento das custas do artigo 19 para o final da demanda. A falta de opção de requerer o pagamento das custas para o final talvez exista para evitar que todos aqueles que disponham de recursos se lancem ao benefício. A lei é radical. Ou o requerente é beneficiário da Assistência Judiciária e nada paga, ou, de outro lado, o demandante tem que antecipar as custas, se não requereu o benefício da gratuidade. Não é outra coisa que diz a lei.
Ocorre um problema nessa questão. É a situação intermediária, e também não incomum. Trata-se do caso da insuficiência momentânea de recursos para custear a demanda. A parte, no caso hipotético aqui apresentado, quer a tutela jurisdicional. Quer, também, pagar ao Estado pelos gastos suportados por este. Carece, no entanto, de recursos, repita-se, momentâneos, para tal. Nesse caso, é sabido que a questão é controvertida. Há juízes que diferem o pagamento das custas, mediante o simples requerimento da parte. Há, contudo, de outro lado, a corrente que entende por indeferir o pedido, invocando o estatuído no próprio artigo 19 do CPC. Aqueles que deferem o diferimento dessas custas não são, sem dúvida, concordes com a clássica frase de Ulpiano: "durum jus, sed ita lex scripta est" (duro Direito, porém assim foi redigida a lei).
Parece justo o entendimento de que deve ser facilitado o acesso ao Judiciário, inclusive nos casos de diferimento para posterior momento o pagamento das despesas do processo, até mesmo porque, nesse caso, não haverá prejuízo para o Estado, pois os valores terão a sua correção monetária respectiva, e o Estado estará garantindo um dos seus principais fundamentos. Não foi outro o entendimento da 7ª Câmara Cível do inolvidável extinto Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, atual Tribunal de Justiça, o qual manifestou-se nas seguintes linhas:
"JUSTIÇA GRATUITA CUSTAS PAGAMENTO AO FINAL DA DEMANDA
Tendo em conta a afirmação do agravante de que não possui condições financeiras, no momento, para tornar possível o pronto pagamento das despesas processuais sem prejuízo próprio e de sua família, é de lhe ser concedido o pagamento daquelas despesas ao final da demanda, uma vez que não fica exonerado do pagamento, inocorrendo, com isso, qualquer prejuízo para o Estado". (TA-RS Ac. Unânime da 7ª Câmara Cível, de 18-12-96 AI 196217046 Rel. Juiz Perciano Bertoluci Cesar Augusto de Oliveira Orth e Sealimen Incorporações e Construções Ltda.).
Com esse explanado, não se quer aqui dizer, no entanto, que deve ser pregada a jurisprudência sentimental, a "Gefühlsjurisprudenz", audaciosa, como diz Carlos Maximiliano, a ponto de torturar os textos para atender a pendores individuais de bondade e a concepções particulares de justiça. Quer-se, simplesmente, abrir debate a respeito do tema, lembrando sempre que o artigo vestibular da Lei Maior assenta que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, Estado Democrático de Direito, dignidade essa que muitas vezes somente o devido processo legal judicial, monopólio do Poder Judiciário, pode assegurar.