Breve análise sobre a palavra da vítima no julgamento do assédio sexual

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12/02/2020 às 21:53
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A dificuldade na apresentação e valoração do conjunto probatório para solucionar os casos de assédio sexual no campo prático, considerando a ausência de vestígios físicos, faz insurgir a tese sobre a especial relevância da palavra da vítima no contexto.

  1. Introdução

O assédio sexual é um crime bastante comum no cotidiano brasileiro, mas nem por isso trata-se de um delito que ocasiona um julgamento de resolução simples. Isso acontece tendo em vista que a ausência de vestígios físicos passíveis de exame pericial faz com que o(a) magistrado(a) deva pautar os fundamentos da sentença em outros elementos de prova cujo nível de certeza pode ser relativizado considerando todo o conjunto probatório.

O conteúdo a ser discutido encontra fundamentos no tema “a palavra da vítima no crime de assédio sexual”, uma questão muito recorrente no cenário jurídico pátrio e motivo de diversas controvérsias doutrinárias, tendo em vista que a conduta prevista no tipo penal consiste em constranger um inferior, no âmbito do trabalho, para obtenção de vantagem ou favorecimento sexual.

Nesse contexto é pertinente responder a indagação: como é analisado o meio probatório pelo julgador nos crimes de assédio sexual e qual a valoração da palavra da vítima? O principal ponto de partida para entender a importância desse questionamento está pautado nas classificações doutrinárias a respeito da conduta delituosa e como a polarização entre vítima e criminoso ocorre na via processual.

O objetivo geral a ser apresentado na pesquisa é demonstrar o valor probatório das declarações do ofendido no crime de assédio sexual, considerando a desnecessidade de efetiva vantagem ou o favorecimento sexual, bastando a configuração do constrangimento, conforme caput do art. 216-A do Código Penal.

Mostra-se oportuno apresentar o conceito do tipo penal localizado no centro da discussão, com desmembramento de conceitos inerentes ao crime de assédio sexual e as classificações que foram atribuídas pela doutrina do âmbito penal. Paralelamente a esse recorte, é essencial analisar questões de direito processual penal para que princípios e mecanismos processuais utilizados para julgar a materialidade e a autoria do assédio sexual sejam melhor compreendidos. 

Por fim, a intenção é demonstrar como é de fato realizado o convencimento do juiz com base nos meios de prova utilizados em casos concretos de julgamento do crime de assédio sexual. Neste contexto, o enfoque está na figura da palavra da vítima, inserida em situações nas quais possui pesos diferentes de acordo com a interpretação do órgão julgador. Nesse diapasão é imprescindível que também sejam analisadas as questões processuais do próprio crime de assédio sexual, considerando o procedimento penal cabível.

2. Assédio Sexual

O assédio sexual é o crime previsto no art. 216-A do Código Civil Brasileiro, Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940, acrescentado em virtude da Lei nº 10.224 de 15 de maio de 2001, e cujo §2º foi incluído após a edição da Lei nº 12.015 de 7 de agosto de 2009, integrando, assim, o Capítulo I - Dos crimes contra a liberdade sexual, inserido no Título VI - Dos crimes contra a dignidade sexual.

A tipificação dos crimes sexuais no diploma penal é o resultado da evolução da sociedade, que passou a aprovar e exigir interferência do Estado nas relações íntimas dos indivíduos com o intuito de proteger a vítima. Em decorrência desse raciocínio, o legislador decidiu resguardar a dignidade sexual dos indivíduos:

A tutela da dignidade sexual, portanto, deflui do princípio da dignidade humana, que se irradia sobre todo o sistema jurídico e possui inúmeros significados e incidências. Isto porque o valor à vida humana, como pedra angular do ordenamento jurídico, deve nortear a atuação do intérprete e aplicador do direito, qualquer que seja o ramo da ciência onde se deva possibilitar a concretização desse ideal no processo judicial.[1]

As mencionadas alterações legislativas são produtos de uma série de evoluções históricas no âmbito do direito penal. Antes do estudo a respeito dos aspectos doutrinários, é necessário que sejam feitos alguns apontamentos iniciais, principalmente em relação ao conceito do assédio sexual, expresso no caput do dispositivo legal indicado: (Art. 216-A do CP) “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.[2]

A partir da escolha de palavras elencadas pelo legislador, responsável por apresentar uma conceituação sucinta e direta, é possível identificar que o assédio sexual, em outras palavras, significa o atentado à liberdade sexual da vítima através de uma conduta perpetrada pelo indivíduo que está em posição de liderança em relação ao ofendido no ambiente de trabalho e, em razão dessa condição, aproveita-se para satisfazer sua lascívia de forma oportunista.

Esse tipo de poder exercido pelo criminoso sobre a vítima, na maioria das vezes acaba por inibir a fala desta última no sentido de buscar uma punição, em razão do temor da retaliação por parte do agressor.

Outra percepção importante decorrente da leitura do artigo é sobre a conduta praticada, ou seja, a utilização do verbo “constranger” em seu caput:

O núcleo do verbo é constranger. Entretanto, ao contrário do que ocorre nas hipóteses onde é utilizado, a exemplo dos crimes de constrangimento ilegal e estupro, o constrangimento, aqui, não é exercido com o emprego de violência ou grave ameaça, pois se assim ocorresse, o fato seria desclassificado para uma das mencionadas figuras típicas, mais precisamente o estupro, dada a finalidade sexual do agente.[3]

Entende-se, dessa forma, que esse tipo de constrangimento que integra o tipo penal, pressupõe que o resultado de eventual resistência do ofendido seja uma ameaça explícita ou implícita de futura hostilidade e humilhação no ambiente laboral. Incompatível com a configuração do crime de assédio sexual, portanto, está a utilização da violência física para obter a vantagem de cunho sexual já aludida, o que culminaria da desclassificação do crime se verificada no caso concreto.

Outro conceito que possui relações estreitas com o conceito de assédio sexual é o assédio moral, também recorrente no cenário trabalhista, contudo é importante compreender que tais vocábulos não são sinônimos. Neste cenário, Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson e Walkyria de Oliveira RochaTeixeira se propuseram a apontar a principal divergência entre os dois tipos de assédio inseridos no ordenamento jurídico brasileiro:

Note que o núcleo do tipo é a conduta de constranger, sendo esta sem violência ou grave ameaça, o que desnaturaria o crime de assédio sexual para a esfera de outro tipo penal. O assédio sexual constitui-se, em verdade, em uma forma de assédio moral laboral, tendo o elemento sexual como o especial fim de agir do agressor (sujeito ativo do delito), acarretando repercussões, não só na esfera trabalhista e civil, como também na penal.[4]

Em decorrência dessa ilustração sob o enfoque do conceito de assédio sexual, é possível extrair o entendimento de que o assédio moral é gênero que o assédio sexual é espécie. O assédio moral é perceptível também no campo laboral, porém não passível de sanção penal, figura como o conjunto de atitudes capazes de proporcionar desconforto àqueles aos quais os comentários são dirigidos. Já o assédio sexual também é capaz de causar tal incômodo, a diferença é o teor do constrangimento que, nesse caso objetiva atentar contra a dignidade sexual da vítima.

O delito de assédio sexual pode ser classificado como crime próprio em função dos sujeitos elencados no tipo penal. Isso significa que tanto o sujeito ativo, quanto o sujeito passivo do crime são indivíduos determinados, não podendo o crime ser cometido e sofrido por todo e qualquer tipo de pessoa.

O sujeito ativo é determinado na medida em que a lei exige que ele esteja em posição hierarquicamente superior ou ascendente em relação ao ofendido desde que dentro do ambiente de trabalho. Nesse sentido, um apontamento que parece óbvio é, ainda, necessário e diz respeito à hipótese de o assediador ser hierarquicamente inferior à vítima, dessa forma, “quando o agente ocupar uma posição inferior ou mesmo idêntica à da pessoa que, em tese, é constrangida, não haverá o delito em estudo”.[5]

Interessante observar que há certa lógica em excluir o cometimento do crime quando o assediador estiver subordinado à vítima, uma vez que esta é uma situação pouco provável na prática. Seria extremamente incoerente imaginar o cenário em que o empregado se determinasse a constranger o patrão com o intuito de obter favorecimento ou vantagem de cunho sexual sem temer sua demissão, uma consequência justa e natural após o cometimento da conduta ilícita.

A conclusão lógica dessa primeira análise é a de que o sujeito passivo, ou seja, aquele cuja liberdade sexual foi violada, também é próprio por ser indivíduo que responde ao assediador na relação de trabalho. “Só pode ser vítima desse crime a pessoa (homem ou mulher) que esteja em uma posição subalterna ao agente, o de maneira que possa ser atingida por eventuais represálias. ”[6]

Em relação ao elemento subjetivo do crime, a doutrina aponta o dolo e a intenção de obter vantagem ou favorecimento sexual como elemento subjetivo específico.[7] Isso significa que o dolo é fator essencial para a configuração do delito de assédio sexual, pois o agente somente realiza a conduta tipificada se subsistir o desejo que o agente sabe ser ilícito e imoral, com o intuito certeiro de garantir a vantagem ou favorecimento sexual.

Assunto interessante ao estudo doutrinário do crime de assédio sexual é o momento de consumação e a possibilidade de tentativa, que auxilia o direcionamento do presente trabalho. A doutrina entende, portanto, que por força expressa do art. 216 do CP, a consumação do crime ocorre no momento do constrangimento, sendo dispensável a efetiva obtenção de vantagem ou favorecimento sexual. A tentativa de assédio também é possível.[8]

Considerando que o momento de consumação é verificado por meio da realização de uma conduta que não exige um esforço físico ou violento por parte do agente objetivando a interferência na liberdade sexual da vítima, a comprovação do cometimento de crime e dos indícios suficiente de autoria no processo penal é trabalhosa.

Nesse sentido, interpreta-se que, diante da ausência de vestígios materiais do crime, as provas giram em torno da existência de documentos e testemunhas, além das declarações do ofendido e do acusado. Em tópico futuro, será feita a análise de como esses meios de prova auxiliam na busca da verdade.

2.1. Principais classificações doutrinárias

Para que a figura do crime de assédio sexual seja compreendida em todas as suas especificações são necessários apontamentos sobre as classificações visualizadas a partir do estudo das características que lhes são inerentes.

A primeira classificação que pode ser elencada relaciona-se de forma direta com o bem jurídico tutelado pelo tipo penal. “Tutela-se, de forma precípua, a liberdade sexual do indivíduo. No entanto, pode-se dizer que se trata de delito pluriofensivo (...), pois além do bem jurídico mencionado, também atinge a liberdade de exercício do trabalho e do direito de não ser discriminado”[9]. Dizer que o assédio sexual pode ser classificado como crime pluriofensivo implica conferir ao tipo a tarefa de proteger mais de um bem jurídico.

Quando classifica o assédio sexual como crime próprio Rogério Greco[10] relaciona ao conceito de próprio tanto sujeito ativo que é o indivíduo hierarquicamente superior no ambiente de trabalho, quanto o passivo, que consequentemente é alguém que se subordina ao assediador por ocasião de seu emprego, cargo ou função, sendo ambos os sujeitos determinados pelo tipo. Ou seja, A partir da leitura do próprio dispositivo legal verifica-se que o assédio sexual é crime próprio na medida em que os sujeitos são determinados.

Outra maneira de classificar o assédio sexual se dá pela necessidade ou não de reiteração da conduta criminosa e, em caso afirmativo, o delito adquire a denominação de crime habitual. De forma geral, o crime habitual é definido pela doutrina como “reiteração da mesma conduta reprovável, de forma a constituir um estilo ou hábito de vida.”[11]

Grande parte dos autores acredita que o assédio sexual não é dotado de habitualidade, a exemplo de Fernando Capez[12] que afirma que o delito “consuma-se com o ato de constranger a vítima. Não é delito habitual. Basta tão somente a prática de um único ato para que o crime se repute consumado.” De outro prisma, doutrinadores como Rodolfo Pamplona Filho, com algumas ressalvas, insistem que a habitualidade está atrelada à conduta delitiva em questão:

Como regra geral, tanto o assédio moral, quanto o sexual depende, para a sua configuração, de que a conduta do assediante seja reiterada. É sempre importante mencionar que a idéia de assédio lembra “cerco”, o que, normalmente, não é algo tópico ou esporádico... Um ato isolado geralmente não tem o condão de caracterizar, doutrinariamente, tal doença social. Na situação do assédio sexual, há, de fato, precedentes jurisprudenciais no Direito Comparado que entendem que se a conduta de conotação sexual do assediante se revestir de uma gravidade insuperável (como, por exemplo, em casos de contatos físicos de intensa intimidade não aceitável socialmente), é possível o afastamento deste requisito.[13]

Nesse sentido, é possível vislumbrar o desdobramento de duas correntes doutrinárias no que se refere à caracterização do assédio sexual conforme o critério da reiteração da conduta. Isso porque resta nítido que, enquanto uma parcela de autores enxerga a necessidade de que a prática do assédio seja costumeira, outra parcela nega tal efeito, defendendo que deve ser analisado o caso concreto e, havendo provas da realização de apenas um caso de assédio, esse é resultado suficiente para motivar uma responsabilização.

Divergências como essa mostram que os diálogos entre autores são maneiras saudáveis de fazer apontamentos sobre um tema, visando a melhor compreensão da problemática em foco, e enxergar soluções que viabilizem a melhor solução para a coletividade, a verdadeira destinatária do manto de proteção confeccionado pelo direito penal.

A classificação quanto à maneira de consumação decorrente do resultado do crime de assédio sexual irá pautar a discussão central do presente trabalho. Isso ocorre porque “o tipo não exige a produção do resultado para a consumação do crime, embora seja possível a sua ocorrência. Assim o resultado naturalístico, embora possível, é irrelevante para que a infração penal se consume.”[14]

Entende-se, portanto, que o fato do assediador constranger a vítima mediante qualquer ação desprovida de violência, já basta para configurar o assédio sexual, ainda que esse constrangimento não resulte na obtenção da vantagem sexual almejada pelo autor do crime. 

Não poderia deixar de ser abordada a classificação do assédio sexual levando em consideração o tipo de vestígios deixados pelo crime, classificação que demonstra certa continuidade se analisada conjuntamente à classificação anterior. De início, é essencial indicar que o assédio sexual possui duas modalidades, a verbal e a corporal ou física, modalidades cujas significações Valdir Sznick prontificou-se a realizar:

Verbal - é o assédio que ocorre mediante palavras, expressões verbais como: solicitações (de maneira clara ou velada), insinuações, palavras dúbias ou de duplo sentido, alusões grosseiras ou humilhantes, blagues sexuais, perguntas íntimas ou sexuais indiscretas, referências sobre a vida privada do empregado, excesso nas palavras empregadas, abuso verbal, incluem-se, ainda, os simples gestos (mesmo imorais) nessa modalidade. (...) Assédio corporal ou físico - vai desde simples avanços, toques em lugares impudicos (“passar a mão”), beijos, esfregadelas (...). Não chega a agressão direta (que então entraremos na esfera do estupro), obrigar a vítima a passar a mão em partes pudendas do assediador, colocar à força a mão da vítima sobre as mesmas. [17]

A diferenciação dessas modalidades de assédio implica na predominância da classificação do crime como delito de fato transeunte (“delicta facti transeuntis”), ou simplesmente crime transeunte, expressão utilizada para significar a infração penal que não deixa vestígios[18]. É possível chegar a tal conclusão quando se destaca o assédio sexual em sua modalidade verbal, a conduta mais recorrente apontada pela literatura jurídica.

A doutrina, em grande parte, classifica o crime como transeunte, pois, partindo-se do pressuposto de que a violência ou a grave ameaça são procedimentos totalmente alheios ao crime de assédio sexual em decorrência da interpretação do verbo “constranger”[19], a modalidade física do assédio ocorre com menos frequência e se verificada deve ser incapaz de deixar sinais perceptíveis, o que dificulta a punição do assediador.

O assédio sexual configura-se, portanto, como um delito que impede o exercício da liberdade sexual do ofendido na medida em que o criminoso provoca uma sensação de confinamento psicológico no ambiente de trabalho. A classificação do crime de assédio é essencial para que o seu lugar no Código Penal seja defendido, incumbindo ao capítulo seguinte do atual estudo, conjecturar a respeito da viabilidade do processamento do crime e dos resultados da devida penalização ou do alto grau de impunidade no meio coletivo.

3. Princípios fundamentais do direito processual penal

Nas atuais circunstâncias de funcionamento da máquina estatal no que se refere à atividade de persecução penal, a maior parte dos princípios aqui indicados está também de forma expressa ou implícita na Constituição Federal de 1988, pois são uma decorrência do Estado Democrático de Direito.

O primeiro princípio a ser elencado é o devido processo legal, garantido por força do art. 5º, inciso LIV, da Carta Magna: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Esse é identificado como ponto de partida para que todos os outros princípios se façam necessários; é no decorrer do processo legal que os outros princípios são respeitados e juntos buscam atingir a justiça no caso concreto. Dessa forma, é inconstitucional que um indivíduo seja preso de forma definitiva sem que haja uma análise probatória em juízo e o proferimento de uma sentença penal.

Outro princípio a ser elucidado é o da presunção de inocência, chamado, ainda, de princípio da não culpabilidade, um dos princípios mais popularmente conhecidos no âmbito processual penal e na sociedade, de forma geral. O dispositivo da Constituição que simboliza esse preceito fundamental é o art. 5º, inciso LVII, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. [1]

Outra manifestação da regra da presunção de inocência está regulamentada na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), Decreto nº 678 de 1992, que versa em seu artigo 8, item 2 que “ toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.”[2]

Renato Brasileiro enfatiza que outras duas regras decorrem do princípio da não culpabilidade, sendo elas a da regra probatória (in dubio pro reo - na dúvida, a favor do réu) e a regra de tratamento. A primeira regra é aplicada no momento de valoração das provas e infere que o ônus de provar a culpabilidade daquele que se acusa é da própria parte acusadora. Dessa forma, diante de qualquer dúvida substancial a respeito da autoria do crime, deve-se presumir que o réu é inocente, considerando que não cabe a ele provar que cometeu o delito.[3]

A segunda regra extraída do princípio é a de tratamento, identificada como a possibilidade, como regra, do acusado responder o processo em liberdade, pois a restrição da liberdade não deve ser utilizada como antecipação da pena, que é indicada somente no proferimento da sentença. Mas é necessário frisar que a lei permite a prisão cautelar por razões excepcionais com o intuito de garantir a efetividade do processo:

(...) o inciso LVII do art. 5º da Carta Magna não impede a decretação de medidas cautelares de natureza pessoal durante o processo, cujo permissivo decorre inclusive da própria Constituição (art. 5º, LXI), sendo possível se conciliar os dois dispositivos constitucionais desde que a medida cautelar não perca seu caráter excepcional, sua qualidade instrumental, e se mostre necessária à luz do caso concreto.[4]

O próximo princípio digno de análise na matéria processual penal é o do contraditório, expresso, juntamente ao princípio da ampla defesa, no art. 5º, LV, da Constituição Federal: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. O Pacto de São José da Costa Rica também se refere ao princípio de forma implícita em seu artigo 8, item 1:

Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.[5]

O que se pode concluir é que o contraditório significa o direito do indivíduo contradizer o que lhe é imputado no decorrer do processo penal, uma vez que, se de outro modo se procedesse, apenas a acusação apresentaria provas e seria a única a conduzir a persecução criminal. E para se defender o acusado, por óbvio, deve possuir acesso à informação de todos os atos praticados pela acusação assim como todos os fatos apresentados por ela.

A doutrina entende, dessa forma, que o princípio do contraditório é indissociável do processo legal, pois se pressupõe que no exercício do direito de defesa concedido ao acusado ele possa replicar tudo o que a parte acusadora, seja essa composta pelo Ministério Público ou seu substituto processual, afirmar no sentido de garantir o resultado da condenação. O contraditório configura-se, então, como um instrumento para efetivar a busca sobre a verdade dos fatos.[6]

O princípio da ampla defesa está sempre acompanhado do contraditório, porém a doutrina cuida por esclarecer que os dois princípios não são equivalentes. Pode-se inferir que a ampla defesa se utiliza de mecanismos do contraditório, por isso é simultânea em relação a este. Trata-se da atitude de possibilitar que o acusado apresente sua defesa livre de impedimentos e com base nas informações apresentadas passíveis de contraditório.

Nesse sentido, os autores apontam a existência da defesa técnica e da autodefesa, sendo a primeira exercida pelo advogado ou defensor público responsável por representar o acusado em juízo. Já a autodefesa é concebida como os momentos específicos em que o réu se fará presente em juízo para defender direito próprio, que se faz pelo exercício pelos direitos de audiência, de presença e de capacidade postulatória.[7]

A publicidade dos atos processuais também é um princípio verificado a partir da constitucionalização do direito processual penal, por meio dos dispositivos do art. 5º, incisos XXXIII e LX e art. 93, inciso IX, todos da Constituição Federal:

Art. 5º (...) XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; (...) LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. (...)

Art. 93 (...) IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

A partir da interpretação do texto normativo constitucional a doutrina pátria informa que a publicidade absoluta é a regra no processo penal, já a publicidade restrita é a exceção e esse fenômeno ocorre em observância às hipóteses expressamente previstas na lei em que os atos praticados serão restringidos à ciência de algumas pessoas. É o que acontece, por exemplo, durante a votação na sala secreta do Tribunal do Júri, por força do art. 485 do CPP, segundo o qual somente o juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça poderão acompanhar.[8]

O princípio da publicidade dita o teor do processo penal pátrio, pois ao mesmo tempo em que garante que todas as partes tenham ciência das manifestações realizadas no processo, também permite que os procedimentos sejam supervisionados pela coletividade, ou seja, aquela que sofreu com o atentado ao bem jurídico tutelado e enseja pela justiça no caso concreto com base na melhor aplicação da lei penal.

O princípio da busca da verdade também norteia o processo penal no sentido de perquirir a maior verdade possível dos fatos, ou seja, a mais próxima da realidade. A doutrina afirma que essa conceituação segue a lógica de que atingir a verdade absoluta é algo impossível, dessa forma admite-se que, em algumas hipóteses, o magistrado possa influir no processo para determinar a produção de provas essenciais ao seu julgamento, pois este depende diretamente da maior exatidão na reconstituição dos fatos.[10]

Por meio desse princípio da busca pela verdade no processo penal verifica-se que o mais importante é o proferimento de uma sentença justa, que não deixe espaço para dúvidas. A prioridade aqui, portanto, não é uma condenação a todo custo, ignorando preceitos fundamentais.

O princípio a ser analisado em seguida é o do juiz natural, implícito na regra do art. 5º, inciso XXXVII: “não haverá juízo ou tribunal de exceção”. A doutrina enxerga o referido princípio considerando que a própria Constituição Federal estabelece uma distribuição de competência para julgamento.

O Direito brasileiro, adotando o juiz natural em suas duas vertentes fundamentais, a da vedação de tribunal de exceção e a do juiz cuja competência seja definida anteriormente à prática do fato, reconhece como juiz natural o órgão do Poder Judiciário cuja competência, previamente estabelecida, derive de fontes constitucionais. E a razão de tal exigência assenta-se na configuração do nosso modelo constitucional republicano em que as inúmeras funções do Poder Público e, particularmente, do Judiciário, têm distribuição extensa e minudente.[11]

A partir do princípio do juiz natural a lei veda que os indivíduos acusados do cometimento de crimes sejam julgados por um magistrado cuja competência está previamente estabelecida, situação que visa atender, também, à imparcialidade do juiz.

Outro princípio a seguir é conhecido pelo vocábulo nemo tenetur se detegere, que significa que nenhum acusado é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Trata-se de um princípio que decorre o teor do art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, pelo qual “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”[12]. O Decreto nº 678/1992 também assegura tal regra para a pessoa acusada no processo penal, conforme o artigo 8, item 2, letra g: “direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”.[13]

Percebe-se que o referido princípio está pautado na vedação às condutas estatais que possuam tendência à coerção, que obriguem o acusado a confessar o cometimento de crime a partir da utilização de força excessiva. A lei impede que o réu sofra qualquer tipo de intimidação que possa resultar no cerceamento de sua liberdade ou que haja restrição de seus direitos, pois é tarefa do Estado ingressar na persecução penal e produzir o resultado mais eficiente possível para que a justiça seja feita e os fatos esclarecidos.

O último princípio a ser abordado é o da vedação das provas ilícitas, verificado, também, como um princípio expresso no texto constitucional, em seu art. 5º, inciso LVI: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.[14] Trata-se de um preceito que impõe a observação da maneira pela qual a prova será obtida, o que irá influenciar de forma indiscutível em como ocorrerá a valoração da prova no âmbito judicial. O Código de Processo Penal também faz menção expressa ao princípio:

Art. 157.  São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

§ 1o  São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

§ 2o  Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. (...) [15]

Com base no conteúdo exposto no presente tópico é possível compreender que os princípios são aspectos integrantes do Direito Processual Penal, como manifestação de um processo penal constitucionalizado, devendo observar, portanto, direitos e garantias fundamentais individuais.

4. Meio de prova e meios de obtenção de prova em espécie

Seja como um direito constitucional dos indivíduos inseridos no processo penal, o instrumento para se chegar à aproximação da realidade dos fatos ou o próprio resultado dos atos de instrução penal, é incontestável que a prova é responsável por guiar o juiz no sentido de uma sentença justa, seguindo os parâmetros da lei. Trata-se de momento oportuno para apresentação os meios de prova e meios de obtenção de prova mais relevantes para o estudo em questão.

Primeiramente, é necessário abordar o exame de corpo de delito, uma espécie de exame pericial, definido como a análise realizada por profissionais dotados de conhecimento técnico, que se utilizam da pesquisa científica para verificar a existência de elementos materiais resultantes do crime.[19] O corpo de delito é, portanto, o conjunto de vestígios deixados pelo crime, dessa forma, o exame de corpos de delito serve como meio de prova para inserir a prova no processo.

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Tendo em vista que se distinguem as infrações penais que deixam vestígios materiais (delicta facti permanentis) daquelas que não os deixam (delicta facti transeuntis), o exame de corpo de delito constitui meio de prova imprescindível quando se tratar de delitos que deixam vestígios (delicta facti permanentis), implicando sua ausência em nulidade insanável (art. 564, III, b, do CPP (LGL\1941\8)).[20]

Entende-se, portanto, que o exame de corpo de delito se faz indispensável diante do cometimento de uma infração penal não transeunte, ou seja, aquela que deixa vestígios materiais passíveis de perícia. É possível perceber que o referido meio de prova é geralmente utilizado para analisar os indícios suficientes de autoria e a prova de existência de crime quando se trata de cometimento de crime no qual houve uso de violência ou no delito que causa danos materiais ao ofendido.

O interrogatório judicial é outro meio de prova utilizado no processo penal. Trata-se do momento processual no qual o juiz interroga o réu a respeito dos fatos e do crime que lhe foi imputado. É o momento de o acusado exercer seu direito de autodefesa no qual ele poderá até decidir pelo silêncio.[21]

A confissão do acusado também é um meio de prova que se destaca no contexto do processo penal brasileiro, figurando como um objeto de curiosidade de muitos que não estão inseridos no cotidiano jurídico, pois para o senso comum, a confissão seria uma prova cabal e incontestável, significando, até mesmo, uma efetiva sentença penal. A doutrina, contudo, explica que a confissão não pode ser assim considerada:

A confissão, sobretudo, não terá valor algum quando prestada unicamente na fase de inquérito (ou administrativa), se não confirmada perante o juiz. E mesmo quando prestada em juízo, deverá ser também contextualizada junto aos demais elementos probatórios, quando houver, diante de risco, sempre presente, sobretudo nos crimes societários, de autoacusação falsa, para proteger o verdadeiro autor. As razões são várias, da motivação afetiva ou afetuosa, àquela movida por interesses econômicos. Por fim, a confissão é também retratável e divisível, o que significa que o acusado poderá arrepender-se dela, se ainda em tempo.[22]

A regra da confrontação da confissão com outras provas está prevista expressamente no art. 197 do CPP e surge para resguardar o acusado, que por inúmeros motivos, pode decidir por realizar a confissão ainda que os fatos não demonstrem os indícios de autoria suficientes. Dessa forma, a confissão deve ser compreendida como um meio de prova relativo e não absoluto.

O próximo meio de prova a ser analisado é a prova testemunhal, e logo de início, são necessários apontamentos a respeito da figura da testemunha. O indivíduo chamado por qualquer das partes para depor em juízo é a pessoa “desinteressada e capaz de depor que, perante a autoridade judiciária, declara o que sabe acerca dos fatos percebidos por seus sentidos que interessam à decisão da causa.” [23]

Cabe ressaltar que, no âmbito processual penal, existe a diferenciação entre testemunha e informante ou declarante, para fins de valoração das declarações prestadas em juízo. Ao contrário da testemunha, o informante não está obrigado a dizer a verdade e por isso não presta compromisso.[24]

O Código de Processo Penal traz dispositivos que informam quem poderá eximir-se da tarefa de testemunhar perante o magistrado considerando características pessoais:

Art. 206.  A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão, entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.

Art. 207.  São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.[25]

Considerando o teor do presente estudo e o problema por ele apresentado, é indispensável que as declarações do ofendido, situadas no contexto dos meios de prova, sejam dimensionadas para que seja compreendido o seu valor probatório no processo penal.

Denomina-se, em processo penal, ofendido aquele que sofre, imediatamente, os efeitos da ação delituosa; é aquele, que em direito penal, é chamado sujeito passivo eventual ou material do crime, em contraposição ao Estado, sujeito passivo constante ou formal de toda a infração penal. Define-se testemunha como a pessoa distinta dos sujeitos do crime (ativo e passivo), que pode fornecer ao julgador informações a respeito de fatos relacionados ao processo.[26]

 O ofendido, portanto, é a vítima do crime, aquele que teve o bem jurídico violado, sendo essa a principal diferença em relação à testemunha, que é uma pessoa que presenciou o fato delituoso e pode fornecer dados objetivos a respeito de sua ocorrência.

O âmbito doutrinário é palco de constantes discussões sobre a relevância que as declarações do ofendido possuem no convencimento do juiz, mas, atualmente, pode-se dizer que a parcela majoritária de autores entende que as assertivas da vítima podem ser consideradas como fonte de prova.

Renato Brasileiro perfaz uma interpretação pertinente a respeito da valoração das palavras do ofendido quando inseridas no processo no qual está sendo apurado o cometimento de um crime que não deixa vestígios materiais ou testemunhas oculares, apontamentos que casam com a problemática do presente estudo. O autor elucida que, em que pese o valor probatório ser relativo, nos crimes cometidos sem a presença de testemunhas presenciais os dizeres do ofendido possuem maior relevância, ainda que não sejam provas decisivas, situação que ocorre, por exemplo, no cometimento de crimes contra a dignidade sexual[28], como é o caso do assédio sexual.

Outro meio de prova objeto de exame é o reconhecimento de pessoas e coisas, fundado na necessidade de identificação visual do indivíduo suspeito do cometimento do crime objeto de apuração judicial.

Eugênio Pacelli de Oliveira esclarece que o sigilo no reconhecimento do suspeito, realizado pelas testemunhas, é essencial para que o referido meio de prova seja eficaz. Isso acontece porque a realização do procedimento pessoalmente, em juízo, poderia prejudicar a informação, considerando o receio da testemunha em apontar para o acusado e defini-lo como aquele que cometeu determinado crime.[29]

A respeito da acareação, esta consiste na possibilidade de confrontação pessoal e em juízo “entre acusados, entre acusado e testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes”[30], conforme redação ao art. 229 do CPP.

O meio de prova documental também é muito utilizado no processo penal. Para que haja peso probatório relevante da prova documental é necessária uma análise minuciosa a respeito de sua autenticidade e nesse sentido estão as regras dos arts. 235 e 237 do Código de Processo Penal[32], segundo as quais, respectivamente, “a letra e firma dos documentos particulares serão submetidas a exame pericial, quando contestada a sua autenticidade”, e “as públicas-formas só terão valor quando conferidas com o original, em presença da autoridade”.

A prova denominada indiciária é conceituada no art. 239 do próprio CPP, como sendo “a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”[33].

Cumpre ressaltar que a lei processual penal brasileira, por meio do referido dispositivo, impõe a utilização de um raciocínio lógico, por meio da indução, no campo processual, pois o conjunto de indícios comprovados serve para delinear a materialidade do crime e fornecer subsídios para encontrar o autor do fato delituoso.

Em relação à busca e à apreensão como meios de prova, Renato Brasileiro faz apontamentos chaves, para melhor entendimento da matéria, ao diferenciar ambas as expressões, pois apesar de serem utilizadas como sinônimos no cotidiano jurídico possuem concepções distintas. Enquanto a busca é materializada numa diligência direcionada à verificação de objetos e pessoas relacionados ao cometimento do ato ilícito, a apreensão é a medida de constrição propriamente dita, que faz com que determinado objeto ou pessoa permaneça sob custódia judicial.[34]

A medida, cautelar no que se refere à questão probatória e à segurança de pessoas, também é excepcional por implicar a quebra da inviolabilidade do acusado ou de terceiros, tanto no que se refere à inviolabilidade do domicílio, quanto no que diz respeito à inviolabilidade pessoal.[35]

As referidas medidas, que consistem na busca e na apreensão, devem, portanto, obedecer a princípios constitucionais de inviolabilidade que resguardam a intimidade daquele que sofre a medida, caso contrário o Estado estaria agindo de forma a extrapolar seu ius puniendi na persecução penal.

Na medida em que esclarece o caráter cautelar da busca e apreensão, Eugênio Pacelli de Oliveira destaca as precauções essenciais para a execução da busca domiciliar, ou seja, aquela que ocorre mais comumente em residência, mas também pode abranger qualquer outro ambiente no qual se encontre aquilo ou aquela que se pretende apreender. Dessa forma, fazendo referência ao art. 5º, XI, da CF, compreende-se que o ponto mais importante para se proceder à busca é a ordem judicial escrita e fundamentada. Outros fatores indispensáveis para realizar a busca domiciliar são a indicação precisa, dos motivos e da finalidade da diligência. [36]

Já a busca pessoal, enquanto busca de um corpo humano ou pertences íntimos de alguém, está amparada pelo inciso X, do art. 5º da CF/1988, que preceitua que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.[37]

Guilherme Nucci ressalta que a lei não apresenta proteção específica a esse tipo de busca, podendo ser utilizados, de forma eventual, as sanções penais para os crimes de constrangimento ilegal ou de sequestro ou cárcere privado como forma de combater excessos realizados por agente estatal na efetivação da busca pessoal a qualquer custo. [38]

Por meio das informações apresentadas, entende-se que o próprio Estado cerca-se de medidas a fim de limitar eventuais excessos ocasionados por seus agentes quando a situação pressupõe uma medida tão gravosa quanto o ingresso na vida privada de alguém que está sob investigação.

Por fim, é necessário fazer breve menção à interceptação telefônica, que também consiste num meio de prova. Interceptar uma ligação telefônica significa ter conhecimento sobre o conteúdo da conversa realizada por uma comunicação telefônica entre dois indivíduos ou mais. Renato Brasileiro[39] esclarece que a Lei nº 9.296/1996 apenas permite que seja realizada a interceptação telefônica em sentido estrito, ou seja, quando um terceiro invade conversas alheias sem que os interlocutores que de façam parte saibam que estão sendo escutados, obviamente que após determinação da autoridade judiciária, havendo justa causa e observado o princípio da proporcionalidade.

A lei mencionada lei que regulamenta a realização de interceptações telefônicas, de acordo com parte da doutrina, não consideraria em seu âmago, como interceptação permitida, a escuta telefônica, pois durante sua realização somente uma das partes sabe que a conversa está sendo inspecionada por terceiro.[40]

Mesma lógica segue a gravação clandestina, na qual somente um dos polos da conversa sabe que a mesma está sendo gravada. Já as comunicações, interceptações, escutas e gravações denominadas ambientais também não abrangidas pelo teor da lei, tendo em vista que são captações realizadas por outros meios que não os telefônicos, como por exemplo, filmagens de câmeras de segurança.[41]

A partir dos conceitos até então expostos, é possível extrair, como regra geral, que os meios de obtenção de prova funcionam como mecanismos que promovem o livre convencimento do juiz no âmbito processual penal, seguindo as normas processuais, sem deixar de lado as normas e os princípios constitucionais. Observa-se, também, que os meios de provas são ordenados, em sua maioria, pelo magistrado, pois dependem de seu juízo de necessidade, dessa forma, fica estabelecido que as provas não devem ser produzidas de forma a extrapolar os fins do processo penal no sentido de promover a justiça no caso concreto.

5. Rito Processual do crime de assédio sexual

 A análise a respeito da apuração do conjunto probatório no crime que orienta a problemática da pesquisa requer compreensão do procedimento para apuração do crime de assédio sexual, que difere do procedimento utilizado para processar os demais crimes contra a liberdade sexual previstos no Código Penal. Tal divergência se deve em razão do art. 394, §1º, do Código de Processo Penal, Lei nº 3.689 de 1941, que indica três procedimentos comuns distintos a serem utilizados no processo penal.

O objeto de investigação do presente tópico, contudo, é o procedimento comum sumaríssimo, aplicável ao processo que apura a ocorrência ou não do crime de assédio sexual. Esse raciocínio é possível, pois o CPP prevê que o rito sumaríssimo recai sobre as infrações de menor potencial ofensivo, conceituadas pela Lei nº 9.099 de 1995, art. 61, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, como “contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. ”[2]

Para entender melhor o procedimento comum sumaríssimo é interessante observar que ele surgiu para obedecer a uma regra constitucional, juntamente com a regulamentação, por meio da Lei nº 9.099 de 1995, do art. 98, incisos I, da Constituição Federal, a respeito da criação dos Juizados Especiais.

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau (...).[3]

Por meio da regra constitucional expressa, conclui-se que o procedimento adotado para apuração de crimes julgados nos Juizados Especiais Criminais deve adequar-se ao grau de periculosidade dos delitos neles discutidos e ao bem jurídico corrompido. Dessa forma, o procedimento comum sumaríssimo deve seguir um rito mais descomplicado, que preza pela conciliação e resolução mais rápida de conflitos.

Para cumprir a tarefa de desafogar as varas criminais, a própria lei dos Juizados Especiais indica quais os princípios utilizados para delinear o procedimento comum sumaríssimo, exercíveis na medida em que não prejudiquem a finalidade do processo. O primeiro princípio é a oralidade, que significa priorizar a ocorrência dos eventos por meio da fala, com a condição de serem reduzidos a termo ou transcritos por meio diverso.[4]

Outros princípios norteadores do procedimento em questão são a simplicidade e a informalidade. Aplicar a simplicidade no processo indica que se deve diminuir a quantidade de peças produzidas, além disso, tais peças, juntamente aos atos processuais, não precisam seguir rigidamente as formas instrumentais previstas na lei, aspecto preconizado pelo princípio da informalidade.[5]

Por fim, princípios indissociáveis do procedimento comum sumaríssimo são a economia e a celeridade processuais, utilizados a fim de guiar a rapidez do processo. Enquanto a economia processual identifica-se em dois aspectos, o primeiro em optar pelo ato menos oneroso para o Estado e o segundo em reduzir o número de atos processuais realizados no processo, o que contribui para sua celeridade, ou seja, realizar o feito no menor prazo possível. [6]

De acordo com os princípios expostos, é possível vislumbrar que no JECRIM o procedimento comum sumaríssimo é responsável por otimizar o processo penal, fazendo com que se obtenha o melhor resultado possível, durando o período necessário e utilizando o mínimo de recursos estatais para que a justiça seja promovida.

Esclarecidas as diretrizes do procedimento comum sumaríssimo o próximo aspecto digno de nota é a fase preliminar, marcada pela possibilidade de composição dos danos civis e da transação penal. Tais eventos, espécies de conciliação, ocorrem em momento específico, denominado audiência preliminar, que pode ocorrer imediatamente após a lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência ou em momento posterior, estando cientificados ambos o autor e a vítima. O resultado da audiência preliminar influencia diretamente na instauração do procedimento penal.[8]

Primeiramente devem ser realizados apontamentos sobre a composição civil dos danos, expressamente prevista pelos arts. 72 ao 75 da lei nº 9.099 de 1995, que pode ser realizada extra ou judicialmente. Essa espécie de conciliação consiste na concordância do valor da reparação civil dos danos causados pelo autor do delito durante sua execução, sendo considerada título executivo judicial, caso homologado em audiência preliminar. O objetivo da composição civil dos danos é extinguir a punibilidade do agente, o que impede a instauração ou extingue o processo, pois ocorre a renúncia ao direito de queixa ou representação.[9]

Alguns autores, a exemplo de Aury Lopes Junior[10], entendem que a composição civil dos danos somente pode ocorrer em caso de crime de ação penal privada ou de ação penal pública condicionada à representação, por força do parágrafo único do art. 74. Contudo, outra parcela doutrinária, como é o caso de Renato Brasileiro de Lima[11], defende que também é possível a composição civil no âmbito do crime de ação penal pública incondicionada, como na hipótese do crime de assédio sexual, mas nesse caso não haveria extinção de punibilidade, mas sim a antecipação da certeza do valor da indenização a ser executado no juízo cível.

O próximo instituto previsto para agilizar o processamento por meio do rito comum sumaríssimo é a transação penal, cabível quando a composição civil dos danos não for bem sucedida. A transação penal é definida como a aplicação imediata da pena restritiva de direitos ou multa ao autor do delito quando se tratar de ação penal pública incondicionada ou condicionada à representação, conforme art. 76 da Lei nº 9.099 de 1995, desde que observadas as vedações do §2º do art. 76 do mesmo diploma legal:

§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.

A concepção de que, para haver plausibilidade da aplicação da transação penal, é necessária existência de justa causa que a justifique advém do raciocínio de que o instituto despenalizador somente será possível se ausentes os fatores que motivem o arquivamento da ação penal[12]. Dessa forma, verifica-se que deve haver lastros mínimos que indiquem a existência do fato delituoso e de culpa por parte do suspeito, apesar da transação não significar confissão de crime e nem infringir o princípio da presunção de inocência.

Ambos os institutos, da composição civil dos danos e da transação penal, são identificados pela doutrina como despenalizadores e caracterizam o procedimento comum sumaríssimo como um procedimento marcado pela consensualidade. Os benefícios auxiliam na efetivação dos princípios elencados pela Lei nº 9.099 de 1995, assim como o teor do dispositivo constitucional que impõe a criação dos Juizados Especiais.

Finalizada essa fase preliminar e diante da não concretização dos institutos despenalizadores, tem-se início, de fato, o procedimento comum sumaríssimo no âmbito dos Juizados Especiais Criminais com o oferecimento da denúncia ou da queixa-crime. Obedecendo aos princípios da lei mencionada, o ato processual é realizado de forma oral, desde que não haja necessidade de diligências imprescindíveis.[13]

O momento seguinte é identificado pela citação do acusado, que poderá ser realizado na própria audiência preliminar, caso esteja presente. Diante da ausência do sujeito o juiz deverá demandar sua citação pessoal, informando data e horário da audiência de instrução e julgamento. Interessante observar que o procedimento sumaríssimo não admite as citações por edital e, de acordo com parte da doutrina, nem por hora certa, previstas na lei processual penal, hipóteses nas quais os autos devem ser remetidos ao juízo comum.[14]

Outro instituto característico do procedimento, perfeitamente cabível os casos de crime assédio sexual, é a suspensão condicional do processo, que consta no texto normativo do art. 89 da Lei dos Juizados Especiais:

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena.

A suspensão condicional é, portanto, uma proposta a ser aceita pelo acusado, de forma expressa ainda antes da designação de audiência de instrução e julgamento, quando afastada a absolvição sumária deste. Ao final do período de prova, sem que tenha havido revogação do benefício, o juiz irá declarar extinta a punibilidade do agente.[15]

O período de prova mencionado acarreta como responsabilidade para o acusado as tarefas, cumulativas ou não, de reparar o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, proibição de frequentar determinados lugares, proibição de ausentar-se da comarca onde reside sem a autorização do juiz, o comparecimento ao juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades e a não instauração de outro processo pela prática de outro crime ou contravenção penal. Outras condições podem ser impostas pelo juiz desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado. [16]

A próxima etapa do procedimento é a audiência de instrução e julgamento, identificada como a fase na qual será realizada a produção de provas no sentido de guiar a sentença do magistrado, promovendo seu convencimento em prol de uma das partes.

Informação importante quanto à prova pericial está contida no art. 35 da Lei nº 9.099/1995, segundo o qual “o Juiz poderá inquirir técnicos de sua confiança, permitida às partes a apresentação de parecer técnico” e, “de ofício ou a requerimento das partes, realizar inspeção em pessoas ou coisas, ou determinar que o faça pessoa de sua confiança, que lhe relatará informalmente o verificado”. Nesse sentido, é importante analisar o dispositivo juntamente com o art. 77, §2º do mesmo diploma legal, responsável por condicionar a remessa dos autos, a requerimento do Ministério Público, para a justiça comum diante da complexidade ou de circunstâncias do caso, que não permitirem a formulação da denúncia.

A Lei nº 9.099/1995, em seu art. 81, preconiza que, na audiência, após a realização da defesa oral do acusado, ao juiz caberá o recebimento ou a rejeição da denúncia ou queixa, fundamentando o ato de acordo com as hipóteses de rejeição liminar ou de absolvição sumária, previstas, respectivamente, nos arts. 395 e 397 do Código de Processo Penal. Iniciada a instrução, serão ouvidas as testemunhas de acusação, seguidas pela de defesa e, por fim, o interrogatório do réu. Os debates orais serão realizados primeiramente pelo Ministério Público ou querelante, seguidos pelas alegações da defesa, sendo que, ao final, será prolatada a sentença, dispensado o relatório, e serão intimadas as partes.[17]

Verifica-se que a possibilidade de rejeição liminar ou absolvição sumária da peça acusatória conversa com a possibilidade de aplicação subsidiária das regras de procedimento comum ordinário, como previsto pelo CPP. Além disso, a concentração dos atos probatórios na audiência de instrução e julgamento, seguida de decisão que dispensa o relatório, são eventos que demonstram o apego aos princípios da economia e celeridade processuais e da informalidade, respectivamente.

6.  Parâmetros utilizados para julgamento do crime de assédio sexual em casos concretos

Em meio à rotina dos tribunais brasileiros, quando do julgamento do crime de assédio sexual, alguns meios de prova em especial emergem enquanto fatores decisivos para analisar a ocorrência do tipo penal no caso concreto. Logo, por meio da análise jurisprudencial a ser realizada em seguida, será possível verificar quais os meios comumente utilizados pelos magistrados para melhor solucionar a problemática.

É pertinente esclarecer que no presente tópico ainda não será abordada a questão da palavra da vítima enquanto parâmetro de julgamento do delito em questão, tendo em vista que tal subsídio para atingir a verdade no processo será desenvolvido, separadamente, em tópico futuro. O primeiro julgado objeto de análise trata-se do Acórdão proferido no julgamento da Apelação Criminal nº 20131310040222APR pela 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que menciona vários tipos de meio de prova utilizados no processo penal:

APELAÇÃO CRIMINAL. ASSÉDIO SEXUAL. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PEDIDO DE CONDENAÇÃO. PALAVRA DA VÍTIMA ISOLADA NOS AUTOS. AUTORIA E MATERIALIDADE NÃO DEMONSTRADAS. AUSÊNCIA DE OUTRAS PROVAS. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Confirma-se a sentença que absolveu o réu da imputação da prática de um crime de assédio sexual quando não é possível extrair com absoluta segurança da prova contida nos autos que o acusado praticou as condutas imputadas pela vítima. 2. A especial relevância da palavra da vítima não significa presunção absoluta de veracidade, devendo, sempre que possível, vir acompanhada por outros meios de prova, notadamente no caso dos autos em que os supostos assédios ocorreram por ligações telefônicas e mensagens no WhatsApp e Facebook, as quais não foram trazidas aos autos. Ademais, as testemunhas ouvidas em juízo foram incapazes de confirmar os fatos. 3. Uma condenação apenas pode ter supedâneo em provas concludentes e inequívocas, não sendo possível condenar alguém sem a prova plena e inconteste, e, não sendo este o caso dos autos, cumpre invocar o princípio in dubio pro reo, para manter a absolvição do réu. 4. Recurso conhecido e não provido para manter a sentença que absolveu o réu das sanções do artigo 216-A, caput, do Código Penal, com fulcro no artigo 386, incisos II e VII, do Código de Processo Penal.[18]

Nesse sentido, o primeiro meio de prova a ser analisado, que foi efetivamente realizado no caso concreto, foi a prova testemunhal. Na situação específica, os depoimentos não foram capazes de assentir as informações prestadas pela ofendida na peça acusatória, o que auxiliou no convencimento do magistrado no sentido de absolver o réu e guiou o entendimento da Turma na mesma direção.

Inicialmente se fazem oportunos alguns apontamentos sobre a prova testemunhal no processo penal além daqueles realizados em tópico anterior. No âmbito do procedimento comum sumaríssimo realizado nos Juizados Especiais Criminais, as oitivas das testemunhas, no número máximo de três, ocorre oralmente na audiência de instrução e julgamento e não são reduzidas a termo, devendo apenas constar na sentença informes essenciais que remetem à prova oral, conforme arts. 34, caput, e 36 da Lei nº 9.099/1995.[19]

Diferenças significativas são constatadas na comparação entre os procedimentos penais comuns, uma vez que o número máximo de testemunhas que podem ser arroladas pelas partes no procedimento ordinário é de oito e no sumário corresponde a cinco, conforme arts. 401, caput, e 532 do CPP, respectivamente. Além disso, em observância ao art. 216 do mesmo código, o depoimento da testemunha será reduzido a termo, assinado por ela, ou por alguém que a substitua caso não possa ou não saiba, pelo juiz e pelas partes.[20]

Apesar da prova testemunhal ser um dos principais meios utilizados para auferir o maior grau possível verossimilhança no processo penal, principalmente nos crimes que não deixam vestígios físicos, ela também sofre críticas da doutrina no que se refere à fragilidade de seu conteúdo.[21]

Essa tal fragilidade está diretamente relacionada aos aspectos da subjetividade humana inerentes ao indivíduo que presencia ou toma conhecimento do fato delituoso. Isso acontece, pois é impossível interpretar as declarações de uma testemunha sem levar em consideração que se trata de um ser humano, que possui suas próprias percepções sobre a vida e os fatos que presencia.

Para que uma testemunha relate a verdade dos fatos, fundamental que ela exprima duas verdades, a primeira diz respeito ao fato propriamente dito e a segunda refere-se à sua vontade de expressar o conhecimento do fato. A pessoa deve estar apta a perceber como se deram os fatos na realidade e disposta a contar tudo que observou naquele momento.[22]

Esses dois sentidos direcionados à verdade dos fatos nada mais são do que, de um lado, a ocorrência do fato no caso concreto, sendo ele delituoso ou não e, sob outra ótica, a percepção que a testemunha tem sobre a situação presenciada. Essa percepção, cabível ressaltar, não está livre de juízos de valor e estado emocional do espectador.

Outro ponto interessante a ser discutido quando o assunto é prova testemunhal diz respeito às falsas memórias, tema amplamente discutido tanto no âmbito do Direito quanto na Psicologia. O referido fenômeno ocorre na formação da memória, momento em que vários fragmentos referentes às lembranças, situados em diferentes redes de estruturas cerebrais, são reunidas, fazendo com que várias informações sejam perdidas durante o processo, o que pode causar certa confusão mental.[23]

Outro motivo que justifica o confrontamento da prova testemunhal em relação aos demais meios de prova utilizados no processo penal é a influência do estado emocional da testemunha quando da percepção do crime. Essa situação ocorre em virtude da interligação da formação da memória com os sentimentos humanos, chamado sistema límbico, ou seja, o cérebro humano não está isento de expressar fatos sem juízos de valor, ainda que em pequena proporção.[24]

Apesar das considerações aqui expostas a prova testemunhal está revestida de peso probatório tal quanto qualquer outro meio de prova permitido no âmbito processual penal, pois auxilia na formação do convencimento do juiz através da apresentação de fatos, com o compromisso de expor apenas a verdade. De fato, assim como qualquer outro meio de prova, é essencial que haja confrontação com os outros elementos dos autos.

Cabe ressaltar que, não obstante a narração de fatos em juízo fazer com que seja presumida a exposição da realidade dos fatos, o Código Penal, em seu art. 342, prevê o crime de falso testemunho diante de afirmação falsa ou negação ou omissão da verdade, punível com pena de reclusão de dois a quatro anos e multa.[25]

A partir das informações aqui expostas entende-se que especial atenção deve ser direcionada à valoração da prova testemunhal, tendo em vista que a análise está, de certa forma, ligada à interpretação dos fatos, feita pela testemunha. Dessa forma, é imprescindível o contraste entre o depoimento e outras provas produzidas em juízo, pois a testemunha está sujeita, ainda, a responsabilização penal caso preste informações incorreta, o que confere suposição de que as declarações seguirão a lógica da verdade dos fatos.

O segundo meio de prova, um tanto controverso, a ser estudado com base na jurisprudência indicada é consiste na realização da quebra do sigilo telefônico, utilizados para obtenção de dados e registros telefônicos. No julgado foi mencionado que a vítima afirmou que os constrangimentos para obtenção de vantagem sexual também eram realizados por meio de ligações telefônicas, o que não foi constatado na instrução.

De acordo com o texto legislativo, a interceptação telefônica, não pode ser realizada se, não apresentar indícios da autoria ou de participação, ou ainda, se as provas não puderem serem obtidas através de outros meios de colheita de provas. Preenchido os requisitos previstos na lei, deve conter também a autorização judicial para a quebra de sigilo telefônico, mesmo quando não se tratar de interceptação telefônica propriamente dita, ou seja, acesso aos dados telefônicos, relacionados com chamadas telefônicas já realizadas.[26]

Na legislação pátria a quebra do sigilo telefônico é disciplinada tanto pelo art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal, quanto pela Lei nº 9.296/1996 que, justamente, regulamenta o dispositivo constitucional. Conclui-se que a quebra do sigilo telefônico, de forma geral, pode ser utilizada mediante autorização judicial e se as circunstâncias do caso concreto, em atenção às hipóteses previstas pela Lei regulamentadora, permitirem sua aplicabilidade.

A quebra do sigilo telefônico não foi cogitada no julgado em questão, sendo o motivo mais plausível a observância do inciso III do art. 2º da Lei nº 9.296/1996, segundo o qual não se aplica esse meio de obtenção de prova em face da infração penal punida, no máximo, com pena de detenção, que é o caso do assédio sexual.

O próxima meio de prova a ser sugerido por força do julgamento da Apelação Criminal exposta é o registro de mensagens contidas no aplicativo WhatsApp e na rede social Facebook, que consiste num método que acompanha o desenvolvimento dos meios de comunicação. Mais uma vez, o referido meio não foi utilizado durante a instrução criminal, apenas mencionada nas declarações da ofendida, circunstância utilizada pela defesa para indicar a falta de credibilidade da acusação frente à ausência das mensagens.

A aplicabilidade desse meio de prova, que fornece indícios de crime e de sua autoria no plano concreto, apresenta controvérsias e dificuldades. É notório que a apresentação conversas produzidas por meio do WhatsApp é passível de verificação por meio de prova pericial, para que seja analisada a veracidade das informações, conforme transcrição de parte da sentença proferida em primeira instância e que deu origem ao julgado aqui analisado:

(...) Diante desse cenário, por mais constrangedor que fosse, não é demais exigir que a vítima tivesse exibido tais mensagens às autoridades o que conferiria maior credibilidade para suas assertivas em desfavor do réu. Entretanto, não constam dos autos as mensagens, sejam de texto, sejam de voz, as quais, diga-se, ainda deveriam ter sido periciadas, sendo certo que o 'laudo' de fls.53/54 citado pelo Ministério Público em seus memoriais não trouxe qualquer afirmação de que o arquivo de áudio ali mencionado seja oriundo do réu.[27]

Outra dificuldade consiste na possibilidade de um dos interlocutores da conversa apagar mensagens, o que pode alterar o contexto do diálogo, atrapalhando a busca da verdade dos fatos.[28] Tal situação dificulta uma valoração mais aprofundada das mensagens escritas e dos áudios e mídias trocados nas conversas do aplicativo, estimulando a concepção de que as circunstâncias se apresentem apenas como indícios.

Como último ponto a ser analisado no âmbito dos parâmetros utilizados para fundamentar o conjunto probatório do processo penal que versa sobre o crime de assédio sexual não se pode deixar de notar a ausência da realização de exame psicológico, enquanto prova pericial, principalmente quando os fatos não envolvem vítimas menores de idade.

O próprio CPP incentiva a interdisciplinaridade entre o ramo jurídico e a psicologia, o que pode ser verificado conforme texto do art. 201, §5º, da Lei, segundo o qual, “se o juiz entender necessário poderá encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado.” 

A decisão em sede de Apelação Criminal de nº 2010.075561-8 proferida pela 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, tendo como relator o desembargador Torres Marques, no sentido de manter a absolvição do acusado de assédio sexual decidida pela 1ª Vara Criminal de Balneário Camboriú demonstra um caso no qual poderia ter sido realizado o exame psicológico da vítima com base no que foi alegado nos termos da peça acusatória:

APELAÇÃO CRIMINAL. QUEIXA-CRIME. ASSÉDIO SEXUAL. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DA QUERELANTE OBJETIVANDO A REFORMA DA DECISÃO COM A CONSEQUENTE CONDENAÇÃO DO QUERELADO. CONTEXTO PROBATÓRIO NÃO CONCLUDENTE. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. (...) RELATÓRIO: Na comarca de Balneário Camboriú (1ª Vara Criminal), A. V., intentou queixa-crime contra C. C., atribuindo-lhe a prática dos crimes descritos nos artigos 216-A, c/c o art. 226, inciso II; 146, 147, 139 e 140, todos do Código Penal, pelos fatos assim narrados na exordial: (...) Passa-se aqui a descrever as atitudes absolutamente perversas e levianas do Sr. C. C., que utiliza-se, indevidamente, da hierarquia na relação de trabalho, para assediar a querelante, com objetivos de caráter sexual, especialmente e com mais gravidade na viagem de trabalho ocorrida no dia anterior e no feriado de 7 setembro do ano de 2006. Durante todo contrato de trabalho o Sr. C. C. demonstrou autoritarismo exacerbado, falta de sensibilidade, de educação e de respeito no trato com os funcionários e costumava exigir tarefas dos empregados, as quais destoavam completamente da rotina laborativa para a qual houve a contratação. O querelado procurava controlar a vida pessoal do empregado, indo além do controle funcional. Agia desta maneira principalmente com empregados do sexo feminino, sendo que demonstrou uma fixação ainda maior em importunar a querelante, pois esta é jovem e humilde. O querelado buscava ficar na companhia da querelante, sem a presença de outros empregados, e de lhe atribuir tarefas diversas da sua profissão de modelista, para lhe colocar em posição diminuída, causando a mesma constrangimento e abalo psicológico de dever estar sempre a disposição de tarefas imprevisíveis. O assédio sexual ocorreu de forma muito mais incisiva em viagem de trabalho, utilizada pelo querelado para por em prática os seus objetivos de obter vantagens sexuais de sua funcionária. Sob o pretexto de promover o aperfeiçoamento profissional da querelante, dizendo pretender que a mesma adquirisse conhecimentos de moda, confecção e tendências do mercado fabril, o Sr. C. C. planejou uma viagem à capital paulista. A tal viagem, em que a querelante pensava que a esposa do Sr. C. C. faria parte, foi um tormento para a querelante. (...)[29]

Em que pese o abalo psicológico sofrido e alegado pela vítima como demonstra a parte do relatório que transcreve os relatos da ofendida contidos na peça acusatória, verifica-se que não foi realizado exame pericial para averiguar as sequelas psicológicas do suposto crime de assédio, o que teria o condão de melhor embasar a sentença proferida, ainda que para manter a absolvição do réu.

Dessa forma, são cabíveis breves apontamentos que identificam a relevância da realização desse tipo de meio de prova levado ao processo penal por meio de laudo pericial confeccionado por profissional competente, tendo em vista que os crimes sexuais deixam marcas psicológicas profundas em suas vítimas.

Como perito, o papel do psicólogo perante o sistema judicial pode ser o de dar um parecer, responder a questões hipotéticas ou fornecer um quadro de informações relevantes numa área específica. No entanto, uma transferência de conhecimentos da Psicologia para a justiça não é suficiente; é necessário compreender o que as conclusões tiradas implicam perante o sistema de justiça e o que acrescentam àquilo que os magistrados ou advogados já conhecem do caso.[30]

Verifica-se que, além da necessidade de utilização da prova pericial de cunho psicológico no processo penal em maior escala, é imprescindível que os profissionais identificados nas figuras de defensores, acusadores e juízes saibam interpretar os resultados dos laudos produzidos pelos peritos. Dessa forma, entende-se também que os juristas precisam estar mais familiarizados com a linguagem desses documentos, devendo haver iniciativas de troca de informações entre profissionais do Direito e da Psicologia.

Nesse âmbito de atuação o estudo psicossocial realizado pelos psicólogos funciona como subsídio técnico de extrema importância para a constatação da existência do crime sexual, principalmente quando as provas nos autos são resumidas à meros indícios. Os profissionais da psicologia também alertam para a necessidade de conscientização no sentido de políticas públicas que promovam atendimento psicológico à vítima e ao agressor logo após o registro da ocorrência policial.[31]

Os documentos produzidos pelo psicólogo são considerados, pelos operadores do Direito, relevantes no contexto jurídico, especialmente naqueles casos em que não há prova material do abuso sexual. Laudos/relatórios e pareceres são utilizados como complementares a outras provas à disposição no processo judicial, que auxiliam na formação de convicção e fazem “pensar e repensar” a situação abusiva.[32]

Em que pese a realização de exames psicossociais prevaleça nos processos que envolvem a conduta de abuso sexual contra crianças e adolescentes, nada impede que haja discussão quanto à incorporação do exame em casos de crimes sexuais de forma geral, incluindo o crime de assédio sexual, que não deixa vestígios físicos, para avaliar a extensão dos danos psicológicos.

Interessante observar que resta demonstrada, por meio de estudos, a importância da realização de exame psicológico seja em relação à vítima seja em relação ao acusado, para estabelecer paradigmas entre perfis de ambos os polos processuais, o que reflete em casos futuros.

No âmbito do procedimento comum sumaríssimo o laudo pericial seria substituído pelas declarações orais do perito na audiência de instrução, como um parecer técnico, já elucidado em tópico anterior, o que não coaduna com a complexidade dos crimes sexuais, sendo passível de remessa para a justiça comum.

7. O impacto das declarações da vítima no processo penal

A principal discussão que irá pautar a resolução do problema sugerido pelo presente trabalho se encontra na pesquisa a respeito da importância das declarações do ofendido para promover o convencimento do juiz no âmbito de processamento do crime de assédio sexual. Trata-se, portanto, de momento oportuno para apresentar informações que auxiliem na solvência do problema.

Logo de início é possível situar a tomada das declarações do ofendido como circunstância de praxe por força do próprio CPP, em seu art. 201, segundo o qual “sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou se presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações.”

Cabe ressaltar que a lei processual penal prevê, ainda, que “antes do início da audiência e durante a sua realização, será reservado espaço separado para o ofendido”[33], medida tomada pelo legislador pátrio com o intuito de resguardar a integridade da vítima, para que reduzindo a possibilidade de acontecer qualquer tipo de represália.

Embora a palavra do ofendido deva ser considerada com reservas, exigindo-se que seja sempre confrontada com os demais elementos de prova existentes nos autos, não se pode deixar de reconhecer que, em alguns casos possui alto valor, como nas hipóteses de crimes contra a dignidade sexual, os quais, cometidos na clandestinidade, não apresentam testemunhas. Neste sentido, é pacífica a jurisprudência.[34]

 Entende-se, dessa forma, que nos crimes que atentam contra a dignidade sexual, incluso o delito de assédios sexual, a palavra da vítima possui peso considerável na valoração que o magistrado irá fazer a respeito das provas. Tal conclusão, partilhada pela doutrina e pela jurisprudência, ganhou força diante da dificuldade de produzir outras provas, ao exemplo das provas testemunhal e pericial, pois o crime é consumado de forma sutil e sem deixar provas passíveis e exame de corpo delito.

Ressalvas devem ser feitas, contudo, à utilização apenas da palavra da vítima para justificar uma sentença penal condenatória. É necessário que o juiz paute a busca pela veracidade no caso concreto com fundamento no restante do contexto probatório[35], que engloba os termos da denúncia, confeccionada com base nas afirmações do ofendido, e as demais provas produzidas em juízo.

Então, após a colheita de toda prova no processo, conhecendo-se a personalidade da vítima e do acusado e os demais elementos que rodeiam o crime, o juiz, usando de seu livre convencimento poderá alicerçar a sua sentença condenatória com base na palavra da vítima como a principal prova do crime sempre que ela tiver coerência com os demais elementos fáticos colhidos no processo, salientando-se que, a falta de concordância do depoimento da vítima com os demais elementos do processo ou no caso de insuficiência de provas, a medida mais segura a ser tomada é a absolvição do acusado.[36]

Outros fatores também devem ser destacados quando da valoração do conjunto probatório, sendo eles os aspectos subjetivos atrelados à conduta social e a reputação de ambas as partes, vítima e acusado, além da incidência do princípio in dubio pro reo.

O princípio mencionado insere-se no meio processual penal como forma de salvaguardar o acusado, limitando o Estado a condená-lo apenas quando houver provas robustas de autoria no crime objeto de ação penal. O referido princípio é um preceito constitucional implícito no art. 5º, inciso LVII, da CF, que versa sobre a presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença.[37]

Percebe-se, então, que os comportamentos do ofendido e do acusado em sociedade possuem relevância para analisar o cometimento do crime, aspecto que conversa com a necessidade de traçar um perfil social com base em estudos psicológicos. Caso todo o conjunto probatório resulte infrutífero, caberá ao magistrado absolver o réu, pois no processo penal não há espaço para uma condenação duvidosa.

7.1. Julgados favoráveis à palavra da vítima

Na vida prática, quando os magistrados se deparam com o julgamento do crime de assédio sexual são várias as provas nas quais ele pode se apoiar para formar o próprio convencimento a fim de produzir uma sentença mais coerente possível, como foi evidenciado por tópico anterior.

Considerando que já foi realizada uma abordagem a respeito dos meios de provas que consistem na prova testemunhal, no acesso a registros telefônicos, telemáticos e informações que constam em aplicativos e redes sociais, além da perícia psicológica das partes, por meio da análise de outros julgados, o presente momento mostra-se oportuno para analisar a valoração das declarações do ofendido conforme estudo jurisprudencial favorável em relação a esse tipo de meio de prova.

Nesse sentido está o Acórdão proferido em virtude da Apelação Criminal nº 1.0145.17.026555-0/001 pela 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, tendo como relator desembargador Matheus Chaves Jardim dando provimento parcial à pretensão, mantendo a sentença condenatória emitida em primeira instância.

EMENTA: ASSÉDIO SEXUAL – DECLARAÇÕES PRESTADAS PELA MENOR NÃO CONTRASTADAS POR OUTROS ELEMENTOS DE PROVA - DELITO DE NATUREZA FORMAL - ASCENDÊCIA INERENTE AO EXERCÍCIO DE EMPREGO - EXCLUSÃO DA MULTA FIXADA EM SENTENÇA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Tendo-se por comprovados os constrangimentos perpetrados à menor com vistas ao favorecimento sexual, valendo-se o recorrente de ascendência inerente ao exercício de emprego, tem-se por configurado o delito de assédio sexual, crime formal cuja consumação se dá independentemente da ocorrência do resultado naturalístico. Não estando a prever a norma penal o pagamento de multa, há de se excluir a cominação pecuniária fixada em sentença. (...). VOTO: Trata-se de recurso de apelação aviado por Carlos André Teixeira de Alvarenga, no qual se insurge contra a condenação imposta em Sentença de fls. 78/83, a lhe impor a pena de um ano de três meses de detenção, ulteriormente substituída por restritivas de direitos, e pagamento de dez dias multa, como incurso nas sanções do art. 216-A, § 2º, do CP. (...) Contrariamente ao aventado em fundamentação recursal, as declarações prestadas pela menor na polícia, integralmente referendadas em Juízo, afiguraram-se sólidas e coerentes, tendo expressado a menor toda a sua perturbação ante os constrangimentos sexuais infligidos pelo recorrente em data de 30.06.17 (...). Não tergiversara o pai da vítima ao descrever em Juízo a desesperação da criança ao narrar-lhe a forma pela qual fora importunada pelo recorrente: "(...) que sua filha estava nervosa, pois foi uma situação que nunca tinha acontecido com ela, então ela não sabia lidar com o acontecido; que na hora o depoente a acalmou e falou que eles iam tomar as providências a partir daquele momento; que o depoente sentou com ela e perguntou se era isso mesmo que tinha acontecido; que Ana conformou tudo o que tinha acontecido; (...) que o incriminado não chegou a encostar na sua filha, só chegou a falar palavras obscenas de modo que ela ficou nervosa; que ele também ficou oferecendo "coisas" para sua filha" (mídia de fls. 51) (...) [1]

Primeiramente na seção do Inteiro Teor da decisão dedicada ao voto do relator verifica-se que o réu foi condenado pelo crime de assédio sexual com aumento de pena em razão de a vítima ser menor de dezoito anos, com uma pena de detenção de três meses, substituída por pena restritiva de direitos, mais pagamento de dez dias-multa.

Por meio do referido julgado alguns pontos são facilmente perceptíveis quando da análise da influência das declarações da vítima. A decisão do tribunal limitou-se a reformar a sentença no sentido de retirar o pagamento da multa devido à ausência de previsão legal no tipo penal, mantendo a condenação do acusado.

O destaque do acórdão está na valoração concedida às declarações proferidas pela vítima, seja no inquérito policial, seja em juízo durante a instrução criminal. O inteiro teor do julgado deixa nítido que a decisão foi proferida pautando-se unicamente pelo conteúdo da narrativa da ofendida, que não foi refutado por qualquer outro tipo de prova, considerando as declarações do acusado e a palavra do pai da vítima, enquanto informante. Nenhum outro tipo de prova foi mencionado na jurisprudência e a versão do réu não foi capaz de invalidar as declarações do ofendido

Percebe-se que não foi aplicado o princípio do in dubio pro reo no caso, uma vez que tanto o magistrado de primeira instância quanto o voto proferido pela câmara afirmaram não restar dúvidas quanto à veracidade do depoimento da vítima, consubstanciado pela riqueza de detalhes, responsável por revesti-la de forte valor probatório.

O segundo acórdão a ser analisado foi proferido pela 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em sede de Apelação Criminal de nº 70082041310, tendo como relatora a desembargadora Lizete Andreis Sebben, para confirmar a sentença condenatória de primeira instância:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. ASSÉDIO SEXUAL. CONTINUIDADE DELITIVA. ART. 216-A, § 2º, c/c ART. 71, CAPUT, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINAR DE NULIDADE POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL REJEITADA. MÉRITO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. ÉDITO CONDENATÓRIO MANTIDO. IMPOSSIBILIDADE DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONTRAVENÇÃO PENAL DE IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR. INDENIZAÇÃO AFASTADA. 1. Não prospera a alegação de ausência de justa causa para o exercício da ação penal, na medida em que estão presentes todos os requisitos formais do art. 41 do CPP, além de preenchidas as elementares do art. 216-A do CP. 2. Comprovada a existência do fato e recaindo a autoria sobre a pessoa do acusado, descabe aventar fragilidade probatória para fins condenatórios. As provas produzidas no presente feito são robustas e autorizam a manutenção do decreto condenatório pelo crime descrito no art. 216-A do Código Penal, não sendo o caso de absolvição. Nos crimes sexuais, a palavra da vítima merece ser valorizada e, no caso, a ofendida (com 16 anos de idade à época do fato), relatou, de forma indubitável, como o acusado agia. Na espécie, o acusado, em diversas oportunidades, assediou a vítima em seu local de trabalho, com o intuito de obter vantagem sexual, mediante envio de fotos e mensagens de cunho pornográfico. Relato vitimário coerente e confirmado pelos depoimentos de sua supervisora e de uma colega de trabalho, além da prova documental. 3. O agir doloso do acusado não se amolda à tipificação contida no art. 61 da Lei das Contravenções Penais. A conduta praticada pelo réu ultrapassou os limites da importunação ofensiva ao pudor, estando totalmente dissociada daquela descrita no tipo penal da contravenção. 4. A Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, que deu nova redação ao art. 387, inc. IV, do CPP, possibilitou a fixação, na sentença criminal, de um valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. Com isso, evita-se que a vítima tenha de demandar no juízo cível para pleitear a reparação dos danos, que efetivamente já tenha demonstrado na esfera penal. No caso, contudo, não houve prejuízo financeiro, tratando-se de eventual dano moral, o que se mostra de difícil constatação na esfera criminal, podendo ser aferido no âmbito cível. PRELIMINAR REJEITADA. MÉRITO RECURSAL DESPROVIDO. DE OFÍCIO, AFASTADA A INDENIZAÇÃO.[2]

Por ocasião da produção em juízo do conjunto probatório no caso apresentado, verifica-se que as declarações da vítima tiveram teor decisório para influir no convencimento da desembargadora, anteriormente já constatado pela instância inferior.

Diferente do caso anterior, a palavra da ofendida foi pareada a outras provas acostadas aos autos, sendo estas a prova testemunhal e documental, que se mostraram em consonância com o que foi alegado pela vítima.

7.2 Julgados desfavoráveis à palavra da vítima

Em virtude da pesquisa jurisprudencial aqui exposta, é possível verificar também que alguns julgados se mostram desfavoráveis para considerar a palavra da vítima como prova principal para alcançar a verdade dos fatos no processo penal. Na maioria dos casos, como será exemplificado, as declarações do ofendido, sozinhas, não possuem o condão de ferir a presunção de inocência do acusado.

Nesse sentido a primeira jurisprudência a ser analisada diz respeito ao Acórdão proferido no julgamento da Apelação Criminal de nº 0800007-11.2017.8.02.0202 pela Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Alagoas, em 12/12/2018, tendo como relator o desembargador Washington Luiz D. Freitas, para ratificar a sentença absolutória própria emitida em primeira instância.

APELAÇÃO CRIMINAL. PENAL. PROCESSO PENAL. ABSOLVIÇÃO PELOS CRIMES DE ESTUPRO E ASSÉDIO SEXUAL. RECURSO DA ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. REJEITADA. INCOERÊNCIA NA TESE DA VÍTIMA. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. PEDIDO ALTERNATIVO DE CONDENAÇÃO PELO CRIME DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL OU PELA CONTRAVENÇÃO PENAL DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL. MUTATIO LIBELLI. IMPOSSIBILIDADE EM SEDE RECURSAL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. 1 – Ao apresentar alegações finais por meio de petição de 75 (setenta e cinco) laudas e diversos documentos, a apelante pretendeu afastar a credibilidade das testemunhas de defesa e tentar reabrir a instrução processual diante das razões finais do Ministério Público pela absolvição do apelado, inexistindo qualquer nulidade na sentença que, de forma correta e fundamentada, considerou que o momento não seria oportuno para a juntada de novas provas, pois a instrução já estava encerrada. 2 – Os fatos ocorridos posteriormente ao suposto estupro, mesmo que descritos na sentença com uma pequena incorreção, demonstram uma incoerência na tese da assistente de acusação (vítima), pois esta manteve relação profissional durante mais de quatro meses após os supostos fatos delituosos, em que a vítima viajava no mesmo carro do seu suposto agressor por livre vontade, apenas comunicando os fatos às autoridade em decorrência do fim da sociedade que mantinha com o acusado, impossibilitando a condenação deste por aplicação do princípio do in dubio pro reo. 3 – Não comprovados os fatos descritos na denúncia, impossível acolher o pedido recursal alternativo de condenação do recorrido pelos tipos previstos nos art. 146 do Código Penal (constrangimento ilegal) ou art. 61 da Lei das Contravenções Penais (importunação sexual), principalmente no que concerne a este último, pois foi revogado pela Lei nº 13.718/2018. 4 – Caso houvesse provas de conduta do apelado que configurasse o crime de constrangimento ilegal, que configurasse fatos não narrados na denúncia, eventual mutatio libelli (grifo do autor) não seria possível em sede recursal. 5 – Recurso conhecido e não provido. Decisão unânime.[3]

O tribunal decidiu pelo não acolhimento da tese acusatória, tese esta pautada nas declarações prestadas pela vítima, no afastamento de credibilidade dos depoimentos prestados pelas testemunhas em juízo e na apresentação de novos documentos em sede de alegações finais. Dessa forma, o in dubio pro reo foi assegurado ao réu, porquanto não ficaram claras as circunstâncias capazes de identificar a consumação do crime de assédio sexual.

Nesse contexto, percebe-se que tanto a primeira instância quanto a Câmara Criminal determinaram que as declarações da vítima não fossem sobrepostas, quanto ao juízo de valor, ao conteúdo das falas das testemunhas e nem aos documentos apresentados, que, em paráfrase ao texto da ementa, foram expostos intempestivamente, em momento no qual sua análise já não era mais oportuna conforme os ditames processuais penais.

O próximo julgado ocorreu igualmente em sede de Apelação Criminal de nº 70080525637, com o proferimento do Acórdão favorável à manutenção da sentença absolutória de primeiro grau de jurisdição, pela 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, tendo como relator o desembargador Ivan Leomar Bruxel:

APELAÇÃO. CÓDIGO PENAL. CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. ART. 216-A, § 2º. ASSÉDIO SEXUAL QUALIFICADO. ABSOLVIÇÃO. Trata-se de acusação de assédio sexual contra adolescente, menina, de treze anos de idade à época do fato. Caso em que a ofendida trouxe várias contradições e inovações durante seu depoimento em juízo. E as contradições foram confirmadas até mesmo pela Conselheira Tutelar. Tais circunstâncias fazem emergir dúvidas até mesmo acerca da existência do crime. Em que pese a palavra da vítima tenha especial relevo neste tipo de crime, esta deve ser pautada pela coerência, sem contradições. Não estando comprovadas a existência do fato e a autoria, deve ser mantida a sentença absolutória, com base no art. 386, VII, do CPP. APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO IMPROVIDO. UNÂNIME. (grifo do autor)[4]

De acordo com o que foi exposto por força do julgado identifica-se que, na concepção do tribunal as palavras da vítima não tiveram a força necessária para formar o convencimento do órgão responsável por fazer a reanálise do mérito da causa, em que pese a relevância da matéria probatória quando se fala de palavra da vítima nos crimes sexuais.

Além disso, a turma entendeu que houve contradições significativas entre o depoimento, prestado pela ofendida em sede de investigação policial, se comparado este às declarações realizadas em juízo. Ressalta-se que, no entendimento do tribunal, as palavras da vítima também não lograram êxitos em comprovar a existência de crime e sua autoria, ainda que comparada a prova testemunhal inserida nos autos, o que culminou na decisão favorável à inocência do acusado.

8. CONCLUSÃO

As análises aqui apresentadas são fruto de uma interpretação lógica, dotada de teor crítico, em decorrência das informações colhidas para a resolução do problema. Trata-se de momento oportuno para formulação da hipótese aplicável à problemática, após a reunião e estudo de conceitos e regras abstratos, junto à visualização da ocorrência na prática.

No contexto do crime de assédio sexual, destaca-se a ausência de violência na prática da conduta lesiva. Havendo violência no caso concreto, poderá ocorrer a desclassificação do crime para um crime mais grave, como o estupro. Isso significa que no crime de assédio sexual não é possível a existência de vestígios físicos a serem submetidos ao exame pericial de corpo de delito, tendo em vista que isso descaracteriza o crime. Por isso é importante estudar a apuração das provas nos casos concretos e o entendimento sobre o valor da palavra do ofendido.

Quanto à necessidade de reiteração da conduta para a configuração do crime de assédio sexual, é plausível concordar com a doutrina que defende a regra geral de que não há necessidade dessa repetição. Isso porque, na prática, uma mesma conduta pode afetar as vítimas de maneira diferente, dessa forma, é necessário analisar, no caso o concreto, o grau de lesividade provocado. Além disso, a reiteração de conduta não faz parte do tipo penal descrito pela lei enquanto fator exigido para caracterizar o delito.

Especial atenção deve ser direcionada ao procedimento utilizado para atingir os fins da persecução penal no caso do crime de assédio sexual. A própria legislação classifica o assédio sexual como um crime de menor potencial ofensivo, no qual se aplica o procedimento comum sumaríssimo para buscar a verdade dos fatos. Essa medida pode estimular uma banalização da figura delitiva, considerando que esta aflige a dignidade e a liberdade sexuais, bens jurídicos de tamanha estima. Dessa forma, a pena cominada em abstrato não se mostra compatível com o peso dos bens jurídicos tutelados.

O aumento de pena em abstrato poderia ser sugerido para garantir a prevenção da reincidência do crime. Apesar dos julgados não evidenciarem situações de reincidência na prática, percebe-se que na maioria deles as vítimas se referem a outras possíveis vítimas, dando indícios de outros assédios dos quais tiveram conhecimento.

Outra consequência positiva de eventual aumento da pena do crime de assédio sexual e alteração do procedimento aplicado aos casos concretos seria a realização do exame pericial psicológico em maior escala, com possibilidade de maior dedicação de tempo do profissional da psicologia, pois o exame é dotado de certa profundidade técnica. Com base nos julgados apresentados cabe ressaltar que os meios de prova mais utilizados nos casos concretos são: depoimentos das testemunhas, declarações da vítima e interrogatório do réu.

O exame psicológico, contudo, é importante até mesmo para fornecer maior legitimidade à palavra da vítima e mensurar os danos psicológicos sofridos, ou, em contraponto, auxiliar na identificação de uma possível denunciação caluniosa. Em outro caso, a perícia psicológica também pode definir melhor o perfil do acusado, indicando se ele está propenso ou não a praticar a conduta que lhe foi imputada.

A divergência quanto ao peso probatório da palavra da vítima também foi um dos aspectos constatados a partir do estudo jurisprudencial. Apesar dos dizeres mais comuns serem aqueles que confirmam a palavra da vítima como sendo dotada de especial relevância no julgamento de crimes sexuais, os tribunais pátrios tendem a se dividir quanto ao valor probatório contido nas declarações do ofendido.

Os julgados variam entre aqueles nos quais a palavra da vítima, ainda que isolada, é capaz de motivar uma sentença condenatória, ao passo que em outros casos, ainda que as declarações do ofendido sejam detalhadas e estejam presentes outras provas com mínimos indícios de materialidade e autoria, o resultado é a absolvição do réu. Nesse sentido, deve-se buscar um consenso na jurisprudência a respeito de como a palavra da vítima deve ser valorada.

 Por meio do presente trabalho foi possível perceber que o assédio sexual é uma conduta criminosa que encontra raízes na sociedade brasileira e é uma das formas pelas quais o machismo se manifesta. Isso acontece porque na prática, inclusive através de análise dos julgados, as maiores vítimas desse tipo de violência psicológica são as mulheres, demonstrando que o ambiente de trabalho é um cenário onde ainda vigora a discriminação em função do gênero.

Os homens parecem não aceitar que as mulheres estão cada vez mais exercendo seu direito de fazer parte do mercado de trabalho e, quando têm oportunidade, tentam minar a realização desse direito adquirido com muitas lutas, ao tornar o ambiente laboral hostil e misógino.

Nesse sentido, os homens que se encontram em posição de ascendência se sentem à vontade para assediar suas funcionárias e possuem a certeza de que sairão ilesos, devido ao medo que as vítimas em realizar uma denúncia formal, pois o que está em jogo é o sustento das mesmas. Dessa forma, não é incomum imaginar que as vítimas sofram ameaças de retaliação, a exemplo da demissão.

Os assediadores, por estarem em posição de poder, não se contentam em realizar apenas um assédio, mas trata-se de uma prática reiterada que para eles é vista como normal. Portanto, é importante que o poder público estimule e conscientize, através de campanhas, a denunciação dos casos de assédio sexual, pois é preciso mostrar para as vítimas que a suas palavras podem despertar as palavras de outras vítimas.

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Sobre a autora
Ana Carolina Marques Lima

Aluna do Curso de Direito do Instituto Luterano de Ensino Superior (ILES/ULBRA Itumbiara-GO).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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