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O Ministério Público no Tribunal de Contas

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12/02/2006 às 00:00
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2. DIREITO COMPARADO

Neste capítulo, passaremos pelos modelos clássicos do Tribunal de Contas – francês, belga e italiano, tendo como fonte norteadora a tese do Professor Gualazzi. 7

2.1. FRANÇA

A Cour des Comptes é a principal jurisdição administrativa daquele país. Suas decisões finais têm função jurisdicional e são passíveis de revisão pelo Conselho de Estado, assim como as dos Tribunais Administrativos. Tem como anexos, porém não como subordinados, a Corte de Disciplina Orçamentária e Financeira, o Comitê Central de Inquérito sobre o Custo e Rendimento dos Serviços Públicos e, por fim, os Conselhos de Impostos.

O sistema é peculiar devido à estrutura administrativa de execução orçamentária. São autoridades de execuções orçamentárias, que integram o Poder Executivo: os ordenadores (ou autorizadores de despesas públicas – ordonnateurs), que não respondem por pagamentos indevidos, e sim decidem quais serão efetuados; e os contadores, os quais os efetuam. Eduardo Lobo Gualazzi, em sua obra, ensina que tal dicotomia "é essencial para assegurar-se a legitimidade, a conveniência, a oportunidade e a eficiência da gestão orçamentária" 8.

A competência da Corte Francesa abrange as contas do Estado, das coletividades locais, da seguridade social, das empresas públicas e dos organismos privados de utilidade pública. Exerce o controle da regularidade da contabilidade, a qualidade e o rendimento de sua gestão.

Podemos citar, ainda, como característica, a composição por órgão colegiado, cujo Primeiro Presidente é de livre nomeação pelo governo.

O Ministério Público na corte francesa é específico, tem com chefe o Procurador-Geral – também por livre nomeação. Algumas de suas funções consistem na supervisão dos trabalhos na Corte e na intermediação entre ela e a Administração.

Os membros do parquet especial não gozam de inamovibilidade, podem ser livremente escolhidos e substituídos a qualquer tempo.

Outra peculiaridade é referente ao momento de suas intervenções nas decisões, que normalmente ocorrem após desta, mas pode acontecer de se manifestarem em ocasião diversa.

Segundo Gualazzi, o Ministério Público exerce um papel "relevante, difícil e complexo, pois deve combinar a posição de representante da vontade governamental com a de "guardião do Direito", posições às vezes divergentes, como sabem todos aqueles que militam na área, em França, como no Brasil." 9.

Jean Raynaud, em sua obra "La Cour des Comptes", ensina que o maior avanço da Corte francesa está:

na possibilidade conferida à Corte de responsabilizar um administrador perante a Corte de Disciplina Orçamentária e Financeira. Até então, somente o contador podia ser sancionado verdadeiramente sobre seus bens, enquanto o ordenador podia ser, no máximo, admoestado. Desde então, este último pode ser acusado perante a Corte de Disciplina por violação de normas relativas à vinculação e ordenação de despesas públicas." (1980 apud GUALAZZI, 1992, p. 67).

Somente para elucidar, a Corte de Disciplina Orçamentária e Financeira é uma Corte autônoma e anexa à Corte de Contas, como dito anteriormente. Pode ser provocada através de seu parquet e possui competência para conhecer e julgar infrações: às normas de contabilidade pública; à realização de despesa sem crédito; à outorga a terceiros de vantagens pecuniárias injustificadas, em prejuízo ao Erário ou da coletividade.

Assim, o Tribunal assiste ao Parlamento e ao governo no controle da execução das leis de finanças, o qual se dá pelo exame a posteriori – após a realização da despesa, porém, em algumas situações, pode atuar a priori.

2.2. ITÁLIA

Instituída em 1862, a Corte de Contas da Itália compõe-se de magistrados e de pessoal administrativo. É um órgão colegiado e complexo.

Na magistratura residem o Presidente, o Procurador-Geral, os Presidentes das Seções, os Conselheiros, Vice-Procuradores-Gerais, Primeiro Referendário, Referendários e outros. O concurso e a nomeação pelo governo, esta atendendo a requisitos prévios, são as formas de ingresso.

A estrutura da Corte tem como órgãos: a)Presidência; b)Secretaria-Geral; c)Conselho de Presidência; d)Conselho de Administração; e)Comissão de Disciplina; f)Seções Reunidas, que se pronunciam acerca da prestação de contas do governo; g)Seções Regionais Reunidas para a Sicília e para a Sardenha; h)Sete Seções de Controle; i)Onze Seções Jurisdicionais; j)Ofícios de Controle, Centrais e Periféricos; l)Quinze Delegações de Controle Regionais, uma para cada região; m)Procuradoria-Geral.

A última é formada pelo Procurador-Geral, o qual preside a Seção, Vice-Procuradores-Gerais, que atuam como Conselheiros, e Procuradores-Gerais substitutos, que são Primeiro Referendário ou Referendário.

A Procuradoria abrange, ainda, um ofício de Assuntos Gerais e vários Serviços relativos aos Juízos, a fim de cumprir as funções características de parquet. É de competência do Procurador-Geral, perante a Corte de Contas italiana, iniciar as ações de responsabilidade, mesmo sendo contrária à vontade da Administração. A ele cabe o "poder-dever" de velar sobre as condutas das gestões, bem como sobre a proteção do Erário.

Segundo o Professor Gualazzi, dentro da doutrina italiana há divergências quanto ao enquadramento da Corte de Contas no ordenamento jurídico daquele país.

Vejamos as posições existentes: órgão administrativo; órgão neutro, misto (com funções auxiliares do Parlamento); órgão jurisdicional, pois as decisões são irrecorríveis, e no procedimento há o contraditório; e a posição constitucional autônoma – como um quarto poder; um longa manus do Parlamento, onde o controle financeiro é exercido pela Corte e o político pela Casa Legislativa, que aprova, ou não, o orçamento.

Na Itália, encontramos quatro espécies de controle: a) o constitucional; b) o parlamentar; d) o judicial comum; e) o judicial administrativo. Sendo o último a justiça administrativa italiana, na qual inclui-se o Conselho de Estado, a Corte de Contas, os Tribunais Regionais, dentre outros.

O controle judicial administrativo engloba todos os atos do Poder Executivo.

Em análise ao artigo 100 da Constituição da Itália, com forma de governo parlamentarista, Gualazzi ensina:

a) a Corte de contas na Itália é órgão auxiliar do Poder Executivo (Conselho de Ministros), sob aspecto subjetivo, formal, orgânico, mas suas deliberações dirigem-se exclusivamente ao Poder Legislativo (Senado da República e Câmara dos Deputados), sob o ângulo material, substancial, objetivo; b) a Corte de Constas da Itália dispõe de absoluta autonomia, constitucional e legal, em relação aos Poderes Executivo e Legislativo; c) a Corte de Contas da Itália exerce controle preventivo e sucessivo de legalidade em relação ao governo e à totalidade da Administração Direta e Indireta da Itália; d) a Corte de Contas da Itália exerce "jurisdição" em matérias de contabilidade pública e outras, expressamente previstas em lei.

E mais:

(...) a Corte de Contas da Itália não exerce jurisdição em sentido estrito, não é poder jurisdicional, não é Poder Judiciário, sequer sob aspecto material, objetivo, porque suas decisões finais podem ser objeto de revisão no âmbito do Poder Judiciário italiano, nos casos em que o ordenamento jurídico daquele Estado soberano admite acesso ao Poder Judiciário." 10 (grifo nosso)

Assim, a Corte exerce controle jurisdicional e administrativo.

A atuação jurisdicional reside em algumas matérias (assim como no caso brasileiro): contencioso contábil; pensões; emprego público (pessoal da própria Corte) e responsabilidade civil dos funcionários do Estado por prejuízos causados à Administração.

Quanto às administrativas, abarcam o controle sobre a maioria dos atos administrativos do Poder Executivo e dos com força de lei; o controle sobre os bens ou valores do Estado ou de entes públicos; controle sobre as pessoas que manuseiam dinheiro, bens ou valores públicos, e, ainda, funções consultivas e administrativas internas.

O objetivo do controle é garantir a observância da lei orçamentária, e tem como conseqüências, de uma maneira abrangente, a aplicação de penalidades, ordens de pagamento, anulação de decisões/provimentos irregulares, encaminhamento do procedimento para a esfera penal (justiça comum), caso seja praticada alguma ilicitude penal.

O controle da legalidade dos atos é exercido a priori ou a posteriori, dependendo do caso concreto. No geral, se dá com o primeiro e com a aplicação de "visto" nos procedimentos legítimos, que é condição de eficácia dos atos.

O controle posterior ocorre com os atos concessórios de aposentadoria de todos os empregados do setor privado, que, pelo seu grande número, se dá por meio de amostragem (o que não ocorre no sistema brasileiro), e também com as gestões extra-orçamentárias.

Podemos citar, ainda, as figuras do veto absoluto, o qual impede o prosseguimento do ato vetado, e do veto limitado, onde apenas se suspende o ato submetido ao controle.

2.3. BÉLGICA

A corte belga tem consagrada sua Corte de Contas no âmbito constitucional desde 1883, e aproxima-se muito do modelo italiano.

É órgão colegial, composto por Presidentes, Conselheiros e Secretários.

O Conselheiro mais novo atribui-se, periodicamente, a função de parquet, de modo a efetivar a prestação de contas de Contadores retardatários do Estado.

O encaminhamento das contas gerais e anuais do Estado belga à Corte de Contas é efetuada pelo Ministro das Finanças. Após a apreciação, é transmitida às câmaras com as advertências da própria Corte. Nessa mesma ocasião, são apresentados o projeto de lei de aprovação do resumo da prestação geral de contas, assim como o projeto de orçamento relativo ao ano sucessivo.

O Tribunal de Contas belga possui atividades administrativas e jurisdicionais, estas apenas revisáveis diante da Corte de Cassação e somente em casos extremos.

O controle exercido é o preventivo, com previsão de "visto com reserva", mediante procedimento análogo ao da Corte italiana, não ocorrendo a previsão de casos de recusa absoluta de registro.


3. TRIBUNAL DE CONTAS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

No presente capítulo, procuraremos expor os aspectos mais relevantes acerca do Tribunal de Contas na Constituição de 1988, instituição onde o Ministério Público especial reside.

Hoje, temos no Brasil: o Tribunal de Contas da União, no âmbito federal; Tribunais de Contas dos Estados (e dos Municípios do Estado 11) e dois Tribunais de Contas Municipais, São Paulo e Rio de Janeiro.

3.1. INOVAÇÕES

A Sexta Carta Republicana trouxe inovações importantes no âmbito dos Tribunais de Contas.

Nos artigos 33, § 2°, 70 a 75, 96, 161, § único, e 235, encontramos as referências ao instituto.

O órgão em análise auxilia o Congresso Nacional no exercício do controle externo da atividade administrativa dos três Poderes, inclusive do próprio Poder Legislativo. Com ele não se confunde, não há subordinação, nem tampouco ocupa patamar inferior em suposta escala hierárquica, não há superioridade de um em relação ao outro. É órgão autônomo por manifesta vontade constitucional.

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Leciona Odete Medauar:

(...) a Constituição Federal, em artigo algum utiliza a expressão ‘órgão auxiliar’; dispõe que o Controle Externo do Congresso Nacional será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas; a sua função, portanto, é de exercer o controle financeiro e orçamentário da Administração em auxílio ao poder responsável, em última instância, por essa fiscalização.

(...)

Se a função é de atuar em auxílio ao legislativo, sua natureza, em razão das próprias normas da Constituição é a de órgão independente, desvinculado da estrutura de qualquer dos três poderes. A nosso ver, por conseguinte, o Tribunal de Contas configura instituição estatal independente. (1990, apud FERNANDES, 2003, p. 134 et seq.)

A Carta de 88 ampliou consideravelmente o controle exercido pelos Tribunais de Contas ao transcender os limites da legalidade formal com a inclusão do controle operacional.

Hoje, o Tribunal de Contas se faz presente com suma importância na sociedade brasileira. Sua competência abarca não só a análise da mera legalidade formal, o que ocorria anteriormente, mas também verifica os atos dos administradores, gestores e órgãos, em consonância com todos os vetores constitucionais, em especial a moralidade administrativa, eficiência (artigo 37 da Carta), legitimidade, economicidade, e ainda os vetores do ordenamento jurídico e do planejamento da administração direta ou indireta.

O controle agora exercido é também um controle de mérito, entendido não como a última decisão política do administrador; aqui o conceito está ligado à legitimidade (racionalidade nas despesas e nas prioridades da coletividade) e economicidade (binômio entre custos e benefícios). 12

Nada ficou fora do controle; vide artigo 74 da Constituição, em especial ao destacar a integração dos controles interno (no interior de cada Poder) e externo (a cargo do Poder Legislativo e do Tribunal de Contas), e, ainda, a expressa autorização para qualquer cidadão denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União.

Vejamos a lição da Profª Lúcia Valle Figueiredo em Conferência realizada no XV Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil:

O Tribunal de Contas realmente nesta constituição reassume a sua postura institucional de um verdadeiro Tribunal Controlador e tem muito, muito o que fazer, exatamente para que o princípio da moralidade administrativa, em boa hora incorporado a esse Texto Constitucional, possa ser efetivamente respeitado" (1991, p. 169).

A função de preservação da legalidade da atuação administrativa, inerente aos Tribunais de Contas, assume maior relevância (além das atribuições específicas) no momento em que inexiste lesão a direito subjetivo individual, que, em tese, impossibilitaria o controle jurisdicional.

Nestes termos: "...é graças ao controle exercido pelos Tribunais de Contas, que se pode assegurar o enclausuramento do Estado na órbita do Direito, mesmo nas hipóteses em que sua atuação injurídica não lesa direito individual" 13.

Outros acréscimos consistem na atribuição ao Tribunal – artigo 70, § único –, do julgamento das demonstrações contábeis das empresas de cujo capital a União participe, mesmo em caráter minoritário ou igualitário. Anteriormente, restringia-se a fiscalização aos casos em que a União fosse a detentora da maioria das ações com direito a voto.

Ao Tribunal de Contas da União foi estendida a fiscalização das contas nacionais das empresas supranacionais, desobrigadas no regime anterior, ante à disposição do artigo 71, inciso V, da Constituição, bem como a competência no sentido do registro das concessões de aposentadoria e pensões da Administração Indireta (autarquias) e dos atos de admissão de pessoal em ambas as Administrações (Direta e Indireta), inclusive fundações.

Inovadora também é a fiscalização de renúncia de receitas e, conseqüentemente, o cuidado sobre a utilização dos incentivos fiscais, artigo 70, caput, da Carta.

Os incisos IX, X e XI e parágrafos, do artigo 71, contém normas inexistentes na Carta passada e possuem cunho moralizador. Anteriormente não havia o prazo de 90 dias (§ 2° do referido artigo) para apreciação do Congresso em relação ao ato sustado pelo Tribunal. O silêncio convalidava o ato. Hoje, com a ausência de manifestação, a Corte decide.

3.2. O MODELO FEDERAL

É em respeito ao princípio da simetria e ao artigo 75 da Constituição, a forçosa observância, pelos Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios, na aplicação das diretrizes adotadas pelo constituinte originário em relação ao modelo federal de fiscalização orçamentária e financeira, na qual se incluem as normas sobre estrutura, organização, funcionamento, prerrogativas e competência do Tribunal de Contas da União.

As unidades da federação, e no caso específico da cidade de São Paulo e Rio de Janeiro com suas Cortes Municipais, devem seguir necessariamente o paradigma Federal, seja pela composição 14, investidura, procedimentos.

Ressaltamos as palavras do Procurador-Geral do Ministério Público especial do Estado do Pará, José Octávio Mescouto, acerca da adoção do modelo do Tribunal de Contas da União:

(...) não significa seguir, ou copiar, palavra por palavra o que está naqueles dois diplomas legais. Nem significa fazer inserir em nossas leis estaduais, todas as determinações contidas naqueles diplomas, mesmo porque ambas, tanto a Lei Orgânica do TCE, como seu Regimento Interno, este principalmente, por este ato administrativo interno, estão sob a tutela da Constituição Federal de 1988. (apud GOULART; GUIMARÃES, 1995)

A Constituição Federal, em seu artigo 31, § 4°, veda a criação de novos tribunais, conselhos ou órgãos de contas municipais. Tal disposição nos fornece subsídio para a interpretação do § 1° do mesmo artigo. Assim, os Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios (órgãos municipais), existentes antes da promulgação da Constituição de 1988, permanecem no sistema. 15

Diferente é com relação à criação de Tribunais de Contas dos Municípios pelas Constituições Estaduais (órgãos de âmbito estadual), o que é permitido pelo ordenamento. 16

3.3. ESTRUTURA DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

É composto atualmente por nove Ministros que possuem as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, conforme artigo 73 da Carta, ou seja, vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios.

Os requisitos de investidura para ocupação do cargo são: ter mais de 35 e menos de 65 anos de idade; idoneidade moral e reputação ilibada, notórios conhecimentos jurídicos ou contábeis, econômicos ou financeiros ou de administração pública e contar com mais de 10 anos de exercício de função ou efetiva atividade profissional exigente da espécie de conhecimentos referidos, conforme artigo 73 e § 1° da Constituição Federal.

A escolha e investidura ocorrem por indicação do Presidente da República, que escolherá um terço (três) mediante aprovação do Senado Federal; dois alternadamente entre auditores e membros do Ministério Público especial, os quais são indicados em lista tríplice pelo próprio Tribunal, seguindo critério de antiguidade e merecimento; e um por escolha livre.

O Congresso Nacional escolherá os outros dois terços (seis), de acordo com o artigo 72, § 2°, da Constituição.

Essa estrutura viabiliza um sistema misto de composição do Tribunal, no qual ficou dividido o exercício do controle das contas públicas, não só composto de nomes fornecidos pelo Congresso Nacional, mas também por outros segmentos. Tal representação homogênea deve ter atuação simultânea, de modo que a pluralidade não se resuma apenas em ficção sazonal, mas sim efetiva, estável, permanente, imutável, para que se resguarde a presença de todas as categorias que compõe a Corte de Contas. 17

Para o cargo de auditor do Tribunal de Contas da União é necessário o concurso de provas ou provas e títulos. 18

Integram a estrutura do Tribunal de Contas da União quatro órgãos: Deliberativo (plenário e câmaras); Ministério Público especial; órgãos técnicos; órgãos de apoio administrativo e uma unidade de treinamento (Instituto Serzedello Corrêa) 19.

O Tribunal de Contas da União exerce, atendendo suas peculiaridades, as disposições do artigo 96 da Constituição, disposições essas referentes ao Poder Judiciário.

Porém, carece de personalidade jurídica própria. O Tribunal de Contas da União é órgão da pessoa jurídica União, sem pertencer aos demais três Poderes Federais 20. Assim, sua representação judicial é exercida pela Advocacia Geral da União "artigo 131, caput, da Constituição". Observando que as Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal são competentes para representar as respectivas unidades federadas (artigo 132, caput, in fine da Carta), bem como as Procuradorias dos Municípios de São Paulo e Rio de Janeiro. 21

3.4. PARECER PRÉVIO E JULGAMENTO NO TRIBUNAL DE CONTAS

A competência para a apreciação das contas do Presidente da República, Chefe do Poder Executivo, é exclusiva do Poder Legislativo. Nessa situação, o Tribunal de Contas exerce papel opinativo – auxiliar do Legislativo –, não o vinculando. O Tribunal aprecia as contas e o Congresso Nacional as julga (artigos 31, 71, I, 75 e 49, IX). 22

Cabe aqui ressaltar, apoiado na lição do mestre Celso Antônio Bandeira de Mello, a escassez do prazo de 60 dias para apreciação das contas do Presidente:

"Contas do Presidente" são, além dos documentos relativos à gestão anual que este é obrigado a exibir (balanços, demonstrativos e anexos previstos no art. 101 da Lei 4.320, de 17.3.64) para análise meramente dos aspectos formais, as que concernem aos atos ou indevidas omissões próprios e específicos do Chefe do Poder Executivo, de responsabilidade pessoal dele, vale dizer, que lhe sejam direta e pessoalmente imputáveis e que, estas sim, terão de passar por um crivo substancial. Por isso, é curto o prazo de que dispõe o Tribunal de Contas para apreciá-las. 23

Os julgamentos dos Tribunais de Contas são de caráter objetivo, com parâmetros de ordem técnica-jurídica, ou seja, subsunção de fatos às normas. Já o Poder Legislativo julga com critérios políticos de conveniência e oportunidade, de caráter subjetivo.

Os processos das Cortes são processos de contas, e não judiciais, parlamentares ou ainda administrativos (aqueles que julgam somente sua própria atividade). Lembramos que nos processos judiciais há função jurisdicional, que é exclusiva do Poder Judiciário, e tem como característica o impulso externo (non ex-offcicio), participação de advogados e litigantes. Já na Corte, os advogados não participam necessariamente, não está ela situada no rol do artigo 92 da Constituição, nem tampouco é órgão essencial à função jurisdicional. Porém, algumas características da jurisdição imperam nos Tribunais de Contas, como o critério objetivo já tratado no parágrafo anterior, a força ou a irretratabilidade das decisões (como as judiciais com trânsito em julgado).

Acerca da rescisão das decisões da Corte pelo controle judicial, vejamos um trecho da decisão do STJ:

É logicamente impossível desconstituir ato administrativo aprovado pelo Tribunal de Contas, sem rescindir a decisão do colegiado que o aprovou; e para rescindi-la é necessário que nela se constatem irregularidades formais ou ilegalidades manifestas" (1ª Turma, Recurso Especial 8970/SP – Rela. Min. Humberto Gomes de Barros, Diário da Justiça, 09.03.93, p. 2533, apud Moraes, 2003, p. 1183)

E mais:

Ação declaratória de nulidade dos efeitos de acórdão do Tribunal de Contas - extinção do processo sem julgamento do mérito. Irresignação - análise questão meritória impossibilidade - desprovimento.

As decisões dos Tribunais de Contas só poderão ser impugnadas judicialmente quando despontar manifesta ilegalidade ou irregularidade formal grave no procedimento administrativo que resultou na formação do título, não podendo o Poder Judiciário se adentrar na questão meritória, inteligência do art. 71, § 3º, da CF. (Tribunal de Justiça da Paraíba, AP 99005452-6. Relator: Desembargador Antônio de Pádua Lima Montenegro. Boletim Informativo do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, João Pessoa, PB, maio de 2000, a. 04, n. 18 apud. FERNANDES, 2003, p. 146)

Importante ressaltar que nos Tribunais de Contas não há recurso para instância superior. Não há falar em recurso para o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo ante à decisão da Corte de Contas do Município paulistano, por exemplo. São instâncias máximas em cada esfera de atuação.

3.5. EXECUÇÃO DAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS

O artigo 71, § 3º, da Constituição Federal não outorga legitimação ao Tribunal de Contas para executar suas decisões. Da mesma forma que, no âmbito dos Estados, a legislação não pode ir além do paradigma federal, ante o princípio da simetria - artigo 75 da Carta.

Quem constitui o crédito das decisões da Corte são as pessoas jurídicas de direito público. Cabe a elas a propositura da ação de execução. Inviável ao Tribunal de Contas executar crédito de outrem em nome próprio.

Poder-se-ia cogitar da possibilidade do parquet especialvir a propor as execuções. Porém, como será visto, ele é diverso do Ministério Público ordinário.

Imperiosa a lição de José Afonso da Silva, que nos ensina que diante de eventual imputação de débito ou multa com eficácia de título executivo "artigo 71, § 3º da Carta", caberá à Corte providenciar a cobrança, determinando à Advocacia-Geral da União, ou à Procuradoria-Geral do Estado (ou ainda do Município) o ajuizamento da execução, sob pena de responsabilidade. (apud. CORRÊA, 2003, p. 10).

Por fim, as decisões da Corte, que possuem eficácia de título executivo, prescindem de inscrição, como dívida ativa, e sua execução, far-se-á nos termos da Lei de Execução Fiscal.

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Sobre o autor
André Santana de Souza

Assistente jurídico do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Especialista em Direito Público (Escola Paulista da Magistratura SP), Pós graduando em Direito Penal (EPM SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, André Santana. O Ministério Público no Tribunal de Contas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 956, 12 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7955. Acesso em: 25 abr. 2024.

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