O sistema processual brasileiro, principalmente o civil, tem ensejado grandes reflexões no sentido da necessidade de se adaptar à nova realidade jurisdicional que impera no seio dos órgãos do Poder Judiciário. Tais reflexões têm sua origem na busca de uma renovação processual, a fim de que se obtenha e se concretize a tutela jurisdicional efetiva.
Isto tem ocorrido em virtude de diversos fatores, dentre os quais podemos destacar a inflação de processos nas Varas e nos Tribunais, bem como a morosidade na prestação da tutela jurisdicional justamente ocasionada pela mencionada inflação processual e também pelo reduzido número de juízes, servidores e estruturas físicas para a instalação de novos órgãos jurisdicionais. Apesar desses não serem os únicos fatores motivadores das atuais reflexões acerca do sistema processual, os mesmos têm tido destaque nas discussões políticas, sociais e jurídicas. Neste sentido, ressaltamos um estudo de âmbito nacional, capitaneado pelo Supremo Tribunal Federal, que gerou o Seminário "A Justiça em números", cujos resultados podem ser encontrados e acessados no site do Supremo Tribunal Federal. A título de exemplo, temos que para cada cem mil habitantes, existe 1,44 juiz do trabalho, 0,64 juiz federal e 5,51 juízes de direito. Em média, a taxa de congestionamento da Justiça do Trabalho é de 62,97%, da Justiça Federal é de 81,37% e da Justiça Estadual é de 75,45%.
Concluiu-se também nesta apuração que, levando-se em consideração os casos novos e os antigos em tramitação (estoque) em função do número de juízes, a carga de trabalho de um juiz trabalhista de primeiro grau é, em média de 1.898,30 processos no ano de 2003.
Além disso, fator que se torna bastante importante para a presente e sucinta análise é que somente 38,37% das decisões de primeiro grau da Justiça do Trabalho são reformadas pelos órgãos jurisdicionais ad quem, ao passo que este percentual é de 35,03% na Justiça Estadual.
Destarte, muitos esforços têm sido feitos para que o Poder Judiciário possa lidar com mais harmonia com essa demanda crescente de processos. Uma das primeiras atitudes legislativas consistiu na Emenda Constitucional nº 45/2004, a qual procedeu a várias alterações no Texto Constitucional, tais como a ampliação da competência da Justiça do Trabalho, a criação do Conselho Nacional de Justiça, a súmula vinculante e, destacamos, o reconhecimento expresso como direito fundamental da duração razoável do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (artigo 5º, LXXVIII, da Constituição da República).
Todavia, a reforma constitucional levada a efeito pela Emenda Constitucional nº 45/2004 não foi efetiva na solução prática dos problemas processuais, apesar de ter criado as bases necessárias para que se procedesse às modificações infraconstitucionais. Frise-se que não estamos a desmerecer a Reforma do Poder Judiciário. Pelo contrário, pensamos que foi bastante salutar e oportuna, inclusive no que concerne a sua segunda parte, ainda por ser aprovada, que retornou à Câmara dos Deputados para discussão.
Nesse diapasão, criou-se a denominada Reforma Infraconstitucional do Poder Judiciário, componente do "Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano". Assim, diversos projetos de lei que visam à alteração do sistema processual brasileiro foram agregados para serem examinados de forma sistemática, objetivando conferir maior fluidez e rapidez aos processos judiciais, sem que com isso haja qualquer violação ou prejuízo aos princípios constitucionais do processo, principalmente ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa.
Toda essa reforma processual, seja no nível constitucional, seja no infraconstitucional, traz em sua essência dois principais ideários: a efetividade da prestação da tutela jurisdicional e a razoável duração do processo. Estes dois princípios caminham juntos, uma vez que, em razão das condições atuais, não se pode ter efetividade da tutela jurisdicional se a tramitação do processo exceder o tempo razoável para a satisfação do direito e conseqüente composição do litígio. Aliás, haja vista que o direito processual é um direito público, todas as modificações feitas e em discussão têm por finalidade o devido respeito ao jurisdicionado, à sociedade, como diretos beneficiários de um sistema processual que proporcione a efetiva satisfação do direito sobre o qual pende um litígio que urge ser solucionado.
Desta forma, alterações gradativas têm sido feitas no âmbito do Código de Processo Civil. Dentre as mais recentes, podemos destacar a Lei nº 10.352/2001, a Lei nº 10.358/2001, a Lei nº 10.444/2002 e, ainda mais recentes, a Lei nº 11.232/2005, a qual estabeleceu a fase de cumprimento das sentenças no processo de conhecimento e revogou dispositivos relativos à execução fundada em título judicial, assim como a Lei nº 11.276/2006 que alterou os artigos 504, 506, 515 e 518, do CPC relativamente à forma de interposição dos recursos, ao saneamento de nulidades processuais, a o recebimento de recurso de apelação e a outras questões. A Lei nº 11.277/2006, que interessa para o presente estudo, acresceu o artigo 285-A ao CPC, dispondo, in verbis:
Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo- se o teor da anteriormente prolatada.
§ 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.
§ 2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso. (grifo nosso)
Assim, quando o magistrado se deparar com uma ação, cuja matéria trate tão-somente de direito, ou seja, não dependa da produção de provas para a averiguação da verdade fática, poderá dispensar a feitura da citação do réu e proferir sentença imediatamente, desde que já tenha proferido sentença de improcedência total anteriormente em ações de cunho semelhante. Portanto, para que o juiz possa proferir uma sentença de mérito julgando improcedente o pedido autoral antes da realização da citação do réu é necessário que estejam presentes dois requisitos: esteja envolvida matéria unicamente de direito e existência de anterior sentença de improcedência em casos idênticos.
A título de exame científico do tema, no que se refere aos elementos da ação, é importante ressaltar que a identidade exigida pelo novel artigo 285-A, do CPC, por óbvio, é aquela que recai sobre a causa de pedir e o pedido. Caso houvesse identidade de partes, causa de pedir e pedido, estaríamos diante ou de litispendência ou de coisa julgada, conforme o caso.
A nosso sentir, portanto, mais uma vez o legislador inseriu um dispositivo no sistema processual que consiste em um meio que visa a garantir a celeridade da tramitação processual, em nome do direito fundamental à razoável duração do processo (artigo 5º, LXXVIII, da Constituição da República). Além disso, conforme se vislumbra no Relatório do Parecer nº 32/2006, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal que aprovou o Projeto de Lei nº 101/2005, o disposto no artigo 285-A, do CPC tem por objetivo "racionalizar o julgamento de processos repetitivos", bem como "conferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestação jurisdicional, sem, contudo, ferir o direito ao contraditório e à ampla defesa".
Muito bem frisado pelo Senador Aloizio Mercadante é o fato de que o novel artigo 285-A, do CPC não afronta em qualquer sentido os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LV, da Constituição da República) e também, a nosso ver, não agride o princípio processual mor do devido processo legal – due process of law (artigo 5º, LIV, da Constituição da República).
Isto ocorre porque, na hipótese do artigo 285-A, do CPC, o juiz estará diante de um caso em que, em razão de sua natureza, não há necessidade de produção de provas, haja vista que a matéria de direito dependerá somente da aplicação da lei pelo magistrado com base em seu entendimento. Ademais, para que o juiz se valha do artigo 285-A, do CPC é necessário que já tenha tido conhecimento e tenha julgado improcedente outros casos idênticos, fato que nos leva à conclusão de que o órgão julgador já deve ter tido contato tanto com os argumentos autorais, quanto com os argumentos de defesa referentes àquela matéria de direito.
Não é correto asseverar, ainda, que o dispositivo em comento seria inconstitucional por violar os princípios do contraditório e da ampla defesa, uma vez que, além dos argumentos apresentados acima, o contraditório fica assegurado no caso de o autor apelar e o juiz manter sua decisão de improcedência, hipótese na qual o réu será citado para responder ao recurso (artigo 285-A, §§ 1º e 2 º, do CPC). Desta forma, indagamos: do que adianta o estabelecimento do contraditório, com a citação válida do réu, se, ai final, o juiz proferirá, de qualquer modo, a sentença de improcedência? A afirmação da inconstitucionalidade do artigo 285-A, do CPC por violação ao contraditório e à ampla defesa nos parece no sentido de protelar e atravancar o trâmite processual, dando a sensação de não estar em real sintonia com a atual situação do Poder Judiciário e seus efeitos nefastos perante os direitos dos jurisdicionados.
Outrossim, o artigo 285-A, do CPC também não possui pecha de inconstitucionalidade por ferir o acesso à Justiça, uma vez que o autor poderá exercer plenamente o seu direito constitucional de ação perante o Poder Judiciário, fato que, aliás, por determinação constitucional e decorrente da função essencial do Poder Judiciário, enseja a obrigatória submissão das partes à decisão a ser proferida por seus órgãos. No caso do dispositivo em tela, até o momento em que é interposto o recurso de apelação e mantida a sentença de improcedência, o réu não tem interesse processual em vir ao processo trazer seus argumentos, pois que o juiz, com base em outros casos idênticos por ele já decididos, já possui sua convicção formada acerca daquela específica matéria de direito. Digamos que o réu possa até ter interesse processual em expor seus argumentos de defesa, mas há que prevalecer sobre ele dois princípios maiores, quais sejam: a razoável duração do processo e a economia processual.
Não se pode olvidar que o processo é um instrumento do qual o jurisdicionado se vale para ver apreciada uma ameaça ou lesão a direito, cuja titularidade pretensamente lhe pertence. Assim, o processo tem por finalidade a composição da controvérsia, restabelecendo o direito e, em último grau, a paz social. Portanto, o processo possui uma finalidade que deve ser alcançada com efetividade e em tempo razoável.
Aliás, frise-se que o que se almeja é que o processo tramite em tempo razoável, dadas as peculiaridades de cada caso, e não que o litígio seja solucionado mais rápido do que o necessário, atropelando-se direitos e garantias imprescindíveis à observação do devido processo legal, como o contraditório e a ampla defesa.
Ademais, o artigo 285-A, do CPC adota um posicionamento desejado há tempos e que é de grande valia para a cultura jurídica brasileira. Neste sentido, conferiu prestígio às decisões de primeiro grau. Há uma tendência que deve ser dissipada da necessária recorribilidade das decisões de primeiro grau. A cultura processual brasileira precisa mudar essa visão e conferir às decisões de primeiro grau o devido respeito e observação, haja vista que são proferidas por órgãos do Poder Judiciário.
Antes de adentrarmos no exame do artigo 285-A, do CPC em face do processo do trabalho, gostaríamos de trazer à baila uma questão científica relacionada ao mencionado dispositivo e que deixaremos para reflexão do leitor, na medida em que a matéria é recente e ainda ensejará algumas discussões. Assim, como é cediço, a relação jurídica processual se forma entre autor, juiz e réu. Neste sentido, o autor propõe a ação perante o juiz e este determina que se proceda ao chamamento do réu para integrar a relação processual, notificando-o de que contra ele foi proposta uma ação. Desta forma, o que faz nascer a relação jurídica processual, então, é a citação válida do réu. Antes da citação válida há tão-somente a demanda, mas não há, ainda, a relação jurídica processual. Com base nesses fundamentos e confrontando-os com o novel artigo 285-A, do CPC, por um lado, estaríamos diante de um caso em que não haveria formação da relação jurídica processual (artigo 263, do CPC), uma vez que dispensada a citação, mas que, por outro lado, ensejaria a existência de uma sentença com resolução de mérito (artigo 269, I, do CPC), com efeitos inter partes, isto é, seus efeitos abrangem tanto o autor, quanto o réu, sem que tenha havido a participação do réu ou a existência da relação jurídica processual. Em outras palavras, o réu seria atingido pelos efeitos de uma decisão judicial de mérito sem que tenha formado a relação jurídica processual. Lembremos, contudo, que ao juiz é permitido um comportamento semelhante quando indefere a petição inicial, nos termos dos artigos 284, parágrafo único e 295, do CPC. Neste caso, porém, o processo se extingue sem resolução de mérito (artigo 267, I, do CPC) por questões de cunho processual, ao passo que na hipótese do artigo 285-A, do CPC o processo se extingue com resolução de mérito. Assim, como ficaria o artigo 285-A, do CPC em face do artigo 263, do CPC? A questão ainda deve ser refletida. Entretanto, mesmo assim, entendemos que o artigo 285-A é constitucional e plenamente válido perante o sistema processual brasileiro, uma vez que privilegia a razoável duração do processo e a economia processual, sem que haja qualquer violação ao devido processo legal e aos princípios dele decorrentes, como o contraditório e a ampla defesa.
Passemos ao confronto do artigo 285-A, do CPC em face do processo do trabalho, ou seja, examinemos se o mencionado dispositivo tem aplicação subsidiária ao processo do trabalho.
Preliminarmente, lembremos que o artigo 769, da CLT permite a aplicação subsidiária do direito processual comum (CPC principalmente) nas hipóteses em que houver omissão da regulamentação processual trabalhista, desde que haja compatibilidade com o sistema processual trabalhista. No mesmo sentido é o artigo 889, da CLT em relação à execução trabalhista e o artigo 8º, da CLT em face do Direito Material do Trabalho. Esta aplicação subsidiária nos casos omissos desde que haja compatibilidade com o sistema, tem sua origem no fato de que a CLT não é um código organizado sistematicamente, mas, sim, uma consolidação de leis, e que, por isso, possui lacunas que necessitam ser preenchidas. Portanto, em diversas ocasiões o direito processual comum tem aplicabilidade compatível com o processo do trabalho, fato que gera questionamentos quanto à autonomia do processo do trabalho.
No caso específico que desejamos examinar, inferimos que no processo do trabalho, em regra, o juiz não despacha a petição inicial, para averiguar sua conformidade com os requisitos dos artigos 282 e 283, do CPC e determinar a citação do réu, apondo o conhecido despacho "cite-se". Isto porque a sistemática da CLT (artigo 841) determina que o chefe de Secretaria expeça a notificação (rectius citação) do réu ou reclamado assim que recebida e protocolizada a petição inicial. Deste modo, em regra, o primeiro momento em que o juiz do trabalho tem contato com os autos do processo é em audiência (artigo 843 e seguintes da CLT). Nesta oportunidade é que poderá aferir se a petição inicial preenche os requisitos necessários, lembrando que há celeuma quanto à aplicação subsidiária dos artigos 282 e 283, do CPC ao processo do trabalho, haja vista a existência de norma específica que estabelece os requisitos da petição inicial trabalhista (artigo 840, § 1º, da CLT). Além disso, vigora no processo do trabalho o denominado jus postulandi (artigo 791, da CLT), bem como podendo a reclamação ser verbal (artigo 840, § 2º, da CLT). Por esses motivos é que há uma mitigação dos requisitos da petição inicial no processo do trabalho. Contudo, na prática atual, tem-se constatado que a maioria das ações trabalhistas é acompanhada por advogado, sendo, assim, necessária a averiguação da regularidade da petição inicial.
Destarte, como aplicar o novel artigo 285-A, do CPC de modo subsidiário ao processo do trabalho se, em regra, o juiz do trabalho somente toma conhecimento da ação trabalhista na audiência, momento em que, na maioria dos casos, a citação do réu já foi feita?
A nosso sentir, a incompatibilidade que se apresenta no caso em tela é meramente fática e não legal ou jurídica. Expliquemo-nos. Não há qualquer regra no processo do trabalho que impeça o juiz de examinar a petição inicial antes da audiência. Por isso é que alguns juízes do trabalho despacham a petição e determinam a sua emenda mesmo antes da audiência. Contudo, em razão do grande volume de serviço, na maioria dos casos, tal prática é totalmente inviável.
Apesar desse fato, em nome do direito fundamental e princípio constitucional da razoável duração do processo ou da celeridade processual, seria bastante salutar para o processo do trabalho a aplicação subsidiária do artigo 285-A, do CPC. Para isso, poderiam os juízes do trabalho determinar uma linha de trabalho com a respectiva secretaria e seu diretor, a fim de que em determinados casos, cuja matéria seja unicamente de direito, se procedesse ao exame prévio dos autos, antes da expedição da citação.
Frise-se que no processo do trabalho são restritas as matérias unicamente de direito, haja vista que a maioria das ações trabalhistas reclama a produção de provas para a comprovação de pontos fáticos. Contudo, quando se trata de matéria unicamente de direito na Justiça do Trabalho, verifica-se uma avalanche de ações e a adoção do artigo 285-A, do CPC, conforme o caso, poderia em muito auxiliar a racionalização do processo trabalhista.
Ressaltamos, por fim, que o recurso adequado no caso de ser mantida a sentença de improcedência é, no processo civil, o recurso de apelação, como indica o próprio § 1º, do artigo 285-A, do CPC, enquanto que no processo do trabalho o recurso adequado seria o ordinário (artigo 895, da CLT). Isto ocorre em ambos os casos porque a sentença de improcedência é uma decisão de mérito.
Enfim, constatamos que o artigo 285-A, do CPC, instituído pela Lei nº 11.277/2006, é constitucional e consiste em uma das modalidades de concretização do princípio da razoável duração do processo ou celeridade processual, sem que, com isso, haja violação ao devido processo legal ou aos princípios processuais que dele derivam, em especial o do contraditório e da ampla defesa. Ademais, é possível sua aplicação subsidiária ao processo do trabalho, uma vez que não há qualquer impedimento ou incompatibilidade para sua efetivação, pelo contrário, pois se harmoniza com os ideais do processo trabalhista de uma tramitação célere, simples e efetiva.