Resumo. O presente texto tem por objetivo precípuo analisar os fatos ocorridos no município de Sobral/CE, onde o senador licenciado da República Cid Gomes, conduzindo uma retroescavadeira, invadiu violentamente as instalações militares, tentando dispersar e atropelar policiais militares, esposas e filhos, e assim, colocar fim num movimento reivindicatório dos profissionais que se encontravam aquartelados.
Palavras-Chave. Movimento. Reivindicatório. Policial Militar. Homicídio. Tentativa.
A criatividade humana é algo inimaginável. O mundo desumano parece ter perdido o seu sentido de respeito. A cada segundo uma cena de terror, algo que agride o fundo da alma, que avilta, mexe com as emoções, cênico, aberrante, e tudo mais que foge dos olhos, das imaginações e percepções dos sentidos, nos tornando cada vez mais vulneráveis diante do comportamento humano.
A bela e simpática cidade de Sobral está situada na região Norte do Ceará, a 235 quilômetros de Fortaleza, despontado como a mais significativa referencial de crescimento e desenvolvimento econômico do interior do Estado, constituindo-se num centro de convergência, por sua ampla e moderna estrutura nos setores da saúde, educação, comércio, indústria, serviços, lazer, cultura e arte.
Trata-se de um dos municípios que mais se desenvolveram no Brasil, nos últimos 10 anos, sendo também uma das 30 melhores para se morar. Sobral é terra de gente honesta, que encanta a todos por suas construções arquitetônicas, por sua beleza exuberante e seus ilustres representantes na música, na arte, pintura, no humorismo, por seus heróis abolicionistas, pelos renomados advogados, juristas, defensores da justiça, produtores cinematográficos. Enfim, se destaca por sua história e por sua gente; pelo brilho de gigantes que exalam encantos exaltados em prosa e verso; do seu rumo certo, do novo jeito de ser, e por estar cada vez melhor.
Neste ensaio perfunctório, algumas considerações exaradas por força do artigo 5º, inciso IV – da Constituição da República c/c artigo 13 – do Pacto de São José da Costa Rica, que asseguram liberdade de expressão e livre pensamento, acerca de um episódio ignóbil que marca a história da sociedade brasileira diante de um perfil agressivo e de uma hemorrágica e imunda intervenção da política partidária nas funções essenciais de Estado, neste caso, a Segurança Pública.
Para uma Nação atônita, na tarde de ontem, dia 19 de fevereiro de 2020, o país foi surpreendido por uma atitude, no mínimo impensada, do Senador da República, pelo Estado do Ceará, Cid Gomes. O político, após determinar que policiais militares e seus familiares – que se encontram em movimento reivindicatório, naquela Unidade Federativa, por melhores salários e condições de vida – se retirassem do local onde manifestavam – um Batalhão da Polícia Militar do Estado do Ceará; “bondosamente” concedendo aos policiais cinco minutos, “nem um minuto a mais”, como prazo para o cumprimento da sua ordem.
Diante da recusa dos manifestantes em cumprir a determinação do Marechal Cid Gomes, ex-governador do Estado, de ímpeto alucinado, tomou posse de uma retroescavadeira, e de maneira consciente, e com a total irresponsabilidade que só os imperadores romanos Gaius Calígula e Nero César historicamente tiveram, conduzindo o veículo utilizado na construção pesada, partiu para cima dos profissionais em movimento de reivindicação, muitos dos quais acompanhados de mulheres e crianças.
Por muito pouco o mundo não presenciou uma carnificina. Poderia ter havido inúmeros mortos e feridos, exclusivamente, pela atitude impositiva do senador. Homem público, que, muito provável, sequer lembra da alforria de homens e mulheres das garras de “senhores” acima do bem e do mal, que hoje são representados por pessoas como ele.
Segundo a ótica de Cid Gomes, a mesma utilizada por boa parte dos políticos brasileiros, a atividade reivindicatória é ilegal, visto ser os militares uma classe impedida de movimentos com teor grevista. Essa, também, infelizmente, é a mesma visão dos tribunais do país, consolidada pela maioria da jurisprudência. Jurisprudência, diga-se, ultrapassada para os tempos de um neoconstitucionalismo e sua amplitude interpretativa das normas.
Infelizmente, políticos e tribunais, por interesses diversos, ainda não perceberam a evolução social dos serviços de segurança e do próprio sentido de legalidade. Não perceberam que, apesar do termo “militar” utilizado na nomenclatura do nome dessas organizações, as instituições estaduais são apenas militarizadas, não sendo seus integrantes militares no sentido correto da palavra; mas profissionais de segurança pública. Não perceberam que mesmo as corporações militarizadas, apesar das graduações e patentes, não apresentam qualquer similaridade com o termo “militares” em seu sentido terminológico, e principalmente com as atribuições legais.
Nesse compasso, o desenvolvimento ontológico e interpretativo das normas constitucionais poderá fazer com que políticos e tribunais aprendam a diferenciar os militares das Forças Armadas dos militares estaduais. Percebam que a proibição do movimento grevista não pode alcançar trabalhadores da defesa social. Percebam, ainda com mais facilidade, inclusive, que as greves dos profissionais de segurança pública – assim como aqueles movimentos de outras classes profissionais – são causadas por crimes constituídos por governantes irresponsáveis, que deixaram de cumprir o mandamento constitucional (que é um dever), de recompor a remuneração dos servidores anualmente, conforme determinado pelo art. 37, X – da Constituição Federal de 1988, in verbis:
Art. 37.
(...)
X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices; (...).
Assim, o movimento grevista de agentes da segurança pública – policiais militares ou não –, como o que vem ocorrendo no Ceará, na mesma proporção das demais classes em que se permite a greve, é apenas o reflexo de um crime (descumprimento da Constituição Federal) que nunca foi percebido ou punido pelos tribunais ou reconhecido pelos políticos. Apontar o dedo indicador e verificar um erro ou ilegalidade apenas a uma classe – das mais sofridas do Brasil – é uma atitude ciclópede, é observar apenas um dos lados da moeda.
Antes de verificar sobre a legalidade formal do movimento reivindicatório de militares estaduais, se faz necessário analisar sob quais condições de vida estão os envolvidos – pessoal e familiar –, considerando a ilegalidade cometida por governantes, que não cumprem a Constituição Federal, deixando o funcionalismo estatal à beira da miséria. Medida que ultrapassa o viés da interpretação formal da legalidade – fácil e condicionada – e exige, o que a justiça exige dos homens da justiça, uma interpretação material da legalidade, abordando, de maneira ontológica o problema. O Direito pós-contemporâneo não se constrói com imposições, Direito é ponderação e razoabilidade.
No contexto dessa interpretação jurídica – mais atualizada e humana –, obviamente, a ilegalidade sumariamente decidida nesses casos, deverá ser analisada de forma proporcional ao sofrimento das restrições econômicas, provocadas, exclusivamente, pela irresponsabilidade gerencial de políticos como Cid Gomes. Só assim há, de fato, justiça.
É triste ao país assistir uma cena como a interpretação artística do “velho” Cid Gomes. Velho, não pela idade, mas tão somente porque, são caricaturas como essas que ainda fazem parte de uma classe de políticos que se sentem como os líderes militantes da antiga Guarda Nacional do século XIX, exemplificados na figura burlesca dos “Gomes”. Assim, como uma cena novelística, exatamente como agem muitos políticos brasileiros profissionais, essa corja não tem direito de exigir de trabalhadores uma responsabilidade que nunca tiveram. Não são dignos de apontar uma ilegalidade, que na verdade, é fruto de crimes cometidos pelas próprias Vossas Excelências.
A figura de Cid Gomes – toscamente – determinando o final do movimento; concedendo, na sua magnitude, cinco minutos para o fim das atividades, é o rosto do Brasil ultrapassado das oligarquias. Paternalista, corrompido, que se sente intocável. Sua atitude em “passar por cima dos manifestantes” é, em exata proporção, o mesmo sentimento de poder dos antigos senhores de terras e cordéis que patrocinavam e patrocinam os currais eleitorais brasileiros. Se sentem acima do bem e do mal!
Por outro lado, sob a ótica do Processo Penal Brasileiro, a atitude do senador, além de insensata, foi irresponsável. Colocou em risco a vida de inúmeras pessoas. Risco este, não apenas relacionados à reação dos militares – que foi inevitável e proporcional à injusta agressão que estavam sofrendo ao se verem encurralados, com esposa e filhos menores, por um inconsequente na condução de uma máquina pesada que poderia resumir a vida de muitos ali presentes a um caixão e honras de poucos, ou quase nenhum, companheiro de trabalho. Uma clara tentativa de homicídio em massa, que teve como resposta a efetiva legitima defesa.
Por tudo que viu nas imagens televisionadas, “pobre” Cid, menino mimado que nos seus delírios tresloucados – com doses de arrogância e prepotência –, deveria ter cassado seu mandato político, visto a inexistência de prerrogativa de foro em sua atitude criminosa. Atitude essa que poderia ontem ter provocado uma das maiores catástrofes da história moderna do país.
Destarte, a prudência determina os ditames legais sinalizam para uma isenta apuração dos fatos ocorridos no 3º Batalhão da Polícia Militar, em Sobral/CE, analisando a tipicidade da conduta do senador invasor desde a tentativa de homicídio, atos de terrorismo a teor do artigo 20 – da Lei nº 7.170/83, por provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz ou a incolumidade pública, consoante dicção do artigo 2º, § 1º, inciso V – da Lei nº 13.260/2016, e também, o viável enquadramento dos agentes públicos na forma do Decreto-lei nº 1.001/69, inclusive, com obrigação de se apurar a possível promoção de policiais miliares por ato de bravura ao evitar claro e iminente derramamento de sangue diante do comportamento hostil e agressivo de um autor desnorteado na condução de uma retroescavadeira, que tentava passar por cima de uma multidão de trabalhadores e crianças inocentes.
Por derradeiro, imperiosa a instauração de Inquérito Policial na esfera da Polícia Federal, para apurar suposta conduta criminosa do Senador da República, art. 102, I, alínea “b,” – da CF/88, com possível proposta de prisão preventiva junto ao Supremo Tribunal Federal, a fim de assegurar a ordem pública (art. 312 – do CPP), restando comprovado o seu temperamento cruel e criminoso, e instauração de Inquérito Policial Militar, art. 9º – do Código Penal Militar, e por último, instauração de Processo Administração Especial, para a apreciação de ato de heroísmo dos policiais militares, tudo na forma do artigo 3º, inciso IV, da Lei nº 15.797, de 25 de maio de 2015, que dispõe sobre as promoções dos militares estaduais, devendo ser aferida por comissão de meritoriedade designada pelo Comandante-Geral, resultando de ato, ou atos, não comuns de coragem e audácia, que, ultrapassando os limites normais do cumprimento do dever, representem feitos de notório mérito, em operação ou ação inerente à missão institucional da corporação militar em serviço ou de folga, o que configura o caso em testilha.