Progressão de regime prisional de mulheres e a Lei nº 13.769, de 19 de dezembro de 2018

03/03/2020 às 14:05
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A Caracterização do inciso V, do parágrafo 3º, da Lei de Execuções Penais.

Trata-se de tema de grande abrangência, entretanto, o presente trabalho abordará, em específico, a caracterização do inciso V, § 3º, do artigo 112 da Lei de Execuções Penais. Recentemente o citado artigo foi ampliado pela Lei 13.769/2018, com o fito de privilegiar a convivência de crianças, ou pessoas com deficiência, com suas genitoras, facilitando a progressão de regime destas, desde que cumprido os seguintes requisitos cumulativamente: Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão. (...) § 3º No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente: (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018) I - não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; II - não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente; III - ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior; IV - ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento; V - não ter integrado organização criminosa. Muito embora esteja devidamente expresso no inciso V, § 3º, do artigo 112 da Lei de Execuções Penais que um dos requisitos para a mulher progredir de regime seja não ter integrado organização criminosa, evidencia-se no cenário jurídico atual, grande discussão a respeito do alcance da expressão. Para alguns, ela abarca somente o crime tipificado no artigo 2º, caput, da Lei 12.850/2013. Para outros, deve ser interpretada de forma ampla, de modo a alcançar toda e qualquer participação em atividade criminosa. Diante desse cenário, milhares de mulheres que reúnem os requisitos elencados na LEP, ao realizar o pedido perante o Poder Judiciário, tem pleito indeferido. Inicialmente, cabe dispor que, após muito tempo sem uma conceituação precisa, a Lei nº 12.850/2013 definiu o crime de organização criminosa. Já no § 1º, do artigo 1º, o estabelece como: “ (...) a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. ” Entretanto, o ordenamento jurídico ainda dispõe de outros tipos penais, os quais criminalizam a conduta de reunir-se para a pratica de determinados ilícitos. É o caso, por exemplo, da associação para o tráfico de drogas e associação criminosa, tipificados, respectivamente, na Lei 11.343/2006 e no Código Penal: “Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei: (...). Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: (...)” Pois bem, da análise, ainda que suscinta, dos citados delitos, verifica-se a singularidade de cada um, tendo, entre outros, objetivos, requisitos e cominações penais diversas. Vale frisar, que ao elaborar e implementar uma Lei, o Estado deve se ater a princípios. Dentre eles, ressalta-se o da Legalidade/Reserva Legal, segundo o qual, pelo viés jurídico, conforme dispõe a doutrina do Professor Cleber Masson “ (...) implica, por parte do legislador, a determinação precisa, ainda que mínima do conteúdo do tipo penal, da sansão penal, a ser aplicada, bem como, da parte do juiz, na máxima vinculação ao mandamento legal, inclusive na apreciação de benefícios legais. ” (Masson, Cleber. Direito Penal. Parte Geral, pág. 98. 2019, 13ª Edição. Editora Método). Portanto, através de uma intepretação, literal, sistemática e sociológica dos comandos legais, chega-se a conclusão de que somente o delito de organização criminosa, tipificado na Lei nº 13.850/13, é capaz de impedir a concessão da progressão de regime. Isso porque, o legislador, ao incluir citar o crime no inciso V, do artigo 112, da LEP, selecionou qual espécie de criminalidade não deverá ser agraciadas pelo benefício, constituindo verdadeira interpretação extensiva “in malan partem” incluir outros crimes, que não literalmente descritos no comando legal da Lei de Execução Penal, o que, destaca-se, é vedado em matéria penal. Nessa linha de raciocínio, em aresto representativo, o E. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná concedeu a progressão de regime, com base no parágrafo 3º do artigo 112 da LEP, a mulher condenada pelo crime de associação para o tráfico de drogas. Veja-se: RECURSO DE AGRAVO EM EXECUÇÃO – TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O MESMO FIM – PROGRESSÃO ESPECIAL DE REGIME – ART. 112, § 3º, INCISOS II E V DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL – IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA – DECISÃO REFORMADA – RECURSO PROVIDO. A condenação de mulher pelo crime de associação para o tráfico ilícito de drogas (art. art. 35, da Lei nº 11.343/2006), não se equipara ao crime de organização criminosa (art. 1º da Lei nº 12.850/2013), porque cada qual tem características próprias, finalidades específicas e desideratos distintos. Consequentemente, a associação para o tráfico ilegal de entorpecentes não é óbice para a aplicação da progressão especial de regime. Pensar-se diferente seria dar interpretação à novel lei “in malam partem”, o que é defeso no Direito Penal e Processual Penal. Observados os requisitos exigidos no § 3º, do artigo 112, da Lei de Execução Penal, admite-se a progressão, recentemente criada pela Lei nº 13/769/2018. Recurso conhecido e provido. (TJPR - 5ª C.Criminal - 0009763-12.2019.8.16.0075 - Cornélio Procópio - Rel.: Desembargador Jorge Wagih Massad - J. 05.12.2019). Por fim, ainda, da leitura do novel disposto legal, verifica-se que não é necessária a condenação nos termos do art. 2º, caput, da Lei 12.850/2013 para a não concessão da benesse, mas tão somente, não ter a sentenciada integrado organização criminosa. Nesse sentido: AGRAVO. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. REEDUCANDA QUE PRETENDE A APLICAÇÃO DA FRAÇÃO REDUZIDA PREVISTA NO ART. 112, § 3º, III, DA LEP. IMPOSSIBILIDADE. CONDENAÇÕES POR CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. SENTENÇA CONDENATÓRIA QUE, A DESPEITO DE OS FATOS TEREM SIDO PRATICADOS ANTES DA LEI QUE TIPIFICOU O CRIME ESPECÍFICO, TRAZ ELEMENTOS MAIS DO QUE SUFICIENTES PARA CONCLUIR QUE A AGRAVANTE INTEGRAVA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. FIGURA JURÍDICA JÁ PREVISTA NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO, EMBORA NÃO CONSTITUÍSSE CRIME. RECURSO DESPROVIDO. V (TJSC, Agravo de Execução Penal n. 0005057-90.2019.8.24.0033, de Itajaí, rel. Des. Alexandre d'Ivanenko, Quarta Câmara Criminal, j. 06-06-2019). EXECUÇÃO PENAL – PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO – PLEITO FORMULADO COM BASE NO ART. 112, §3º, DA LEP – SENTENCIADA CONDENADA POR ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE ENTORPECENTES – NÃO PREENCIMENTO DO INCISO V DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL – Entendimento Descabe, nos termos do art. 112, § 3º, V, da LEP, a progressão de regime de reeducanda gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, no caso de condenação por associação para o tráfico de entorpecentes, por tratar-se de pessoa que integrou organização criminosa. (TJSP; Agravo de Execução Penal 0000363-49.2019.8.26.0154; Relator (a): Grassi Neto; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Criminal; São José do Rio Preto/DEECRIM UR8 - Unidade Regional de Departamento Estadual de Execução Criminal DEECRIM 8ª RAJ; Data do Julgamento: 25/04/2019; Data de Registro: 02/05/2019). Portanto, muito embora tenha a Lei nº 13.769, de 2018 promovido importante avanço na seara dos direitos humanos, com vistas ao melhor interesse da criança e também da pessoa com deficiência, não se pode admitir que no dia a dia a progressão de regime não seja concedida por interpretação equivocada das normas, ocasionada, na maior parte dos casos, por um viés punitivista, ou mesmo, político.

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Sobre o autor
Hugo de Oliveira

Formado pela Pontifícia Universidade Católica do Estado do Paraná. Título de Especialização em Direito "Latu Sensu" pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná. Título de Especialização em Direito Penal pela Faculdade Damásio.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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