Até bem pouco tempo atrás o entendimento a respeito da intimação do órgão do Ministério Público se bifurcava em dois rumos: 1- o prazo para recurso começava a fluir a partir da data de remessa dos autos ao MP, sem qualquer comprovação de efetivo conhecimento da decisão pelo órgão ministerial; 2- o prazo só começa a fluir a partir da inequívoca ciência por parte do Ministério Público, através do "ciente" datado e assinado pelo respectivo órgão.
É necessário bem delinear o problema para melhor equacioná-lo. Assim, deve-se perscrutar a intimação pessoal e a forma de efetivá-la, como prerrogativa do Ministério Público, no sentido de direito excepcional, que exorbita do regime comum, conferido no interesse público e não como privilégio que é concedido a alguém, no seu próprio interesse.
Basileu Garcia esclarece que "tomando conhecimento da sentença, o órgão do Ministério Público deve apor-lhe o seu ‘ciente’, datado e assinado" ("Comentários ao Código de Processo Penal", Rio de Janeiro, Forense, 1945, V. III, p. 557).
Por sua vez, leciona Eduardo Espínola Filho que "ao Ministério Público, o escrivão levará os autos pessoalmente, obtendo dele o ‘ciente’, datado e assinado, o que serve para assinalar o termo inicial do prazo de recurso" ("Código de Processo Penal Brasileiro Anotado", Rio de Janeiro, Borsoi, 1955, V. IV, p. 180).
Ainda tratando do assunto, anota José Roberto Baraúna que "a intimação do órgão do Ministério Público é sempre feita pessoalmente. Compreende-se que seja assim, porque se trata de órgão de presença obrigatória nos juízos criminais. O art. 390 do CPP estabelece que o escrivão, dentro de três dias após a publicação, dará conhecimento da sentença ao órgão do Ministério Público. Da data dessa intimação começarão a contar os prazos para interposição de recursos (art. 800, §2º)" ("Lições de Processo Penal", São Paulo, Bushatsky, p. 188).
Em outras palavras, isto significa que, para a própria segurança do escrivão (livrar-se de possível falta disciplinar, por negligência no cumprimento do dever), faz-se necessária a coleta da nota de "ciente" do Promotor de Justiça, ficando patenteada sua intimação pessoal.
A certidão genérica, onde não conste o motivo de eventual recusa do Promotor de Justiça de ser intimado de decisão, é, desse modo, insuficiente para que se considerem preenchidos os requisitos para a perfeição do ato intimatório.
Vê-se, portanto, que o entendimento predominante está jungido ao II item, ou seja, a intimação do Ministério Público há de ser feita à pessoa de seu órgão, e o prazo para o respectivo recurso ou manifestação é de se contar da data em que lança o "ciente" do julgado.
Não é a toa, que a Lei nº 5.869, de 11.01.73 (Código de Processo Civil), em seu art. 236, §2º, já dispunha que:
"A intimação do Ministério Público, em qualquer caso, será feita pessoalmente".
Na trilha da norma processual civil e visando melhor esclarecer a prerrogativa ministerial, foi que o legislador dispôs na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/93) que:
"Art. 41 - Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica:
IV - receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição, através da entrega dos autos com vista".
O STF, analisando hipótese que se encaixa na nossa análise, assim se manifestou:
"No tocante ao primeiro fundamento, a ausência do ciente pelo órgão do Ministério Público, em 10.1.75, não faz presumir que ele se negou a apô-lo, pois, se assim fosse, o escrivão teria de certificar esse fato, o que não ocorreu - no documento à fl. 28, só se lê, no espaço em branco deixado pelo carimbo de praxe: ‘intimei as partes dos termos da sentença de fl. e fl.’. E tendo em vista a punição a que se refere o art. 390 do CPP o normal é o escrivão exigir a aposição do ciente, ou certificar a negativa de sua aposição. A simples afirmação de intimação não é bastante para assinalar o termo inicial do prazo de recurso" (RHC 53.663-ES, 2ª T., Rel. Min. Moreira Alves, em 29.8.75, v.u., RTJ 75/442).
No mesmo sentido já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo:
"Não constando dos autos a ciência da sentença, mediante cota assinalada pelo promotor de justiça, não prevalece a certidão do escrivão para a contagem do prazo recursal" (RT 533/317).
Dirimindo qualquer dúvida, assim vem deliberando o Pretório Excelso:
"O prazo para recurso do Ministério Público começa a fluir da data em que referido órgão teve ciência da decisão recorrida.
Não se contesta que o escrivão possa certificar, nos autos, a intimação do órgão do Ministério Público, e que dela decorra o prazo recursal. Porém, para tanto, é necessário que o escrivão certifique a intimação específica e nominal do órgão do MP, e também, que este tenha se recusado a apor o ‘ciente’. Caso contrário, não prevalece a certidão genérica e inespecífica, contra o ‘ciente’ do Ministério Público" (HC 59.684-3-SP, 2ª T., rel. Min. Cordeiro Guerra, em 23.4.82, v.u., DJU de 4.6.82, p. 5.460; cf. RDA 176/51).
"Ministério Público. Intimação da sentença. Em recentes julgados do E. Plenário do STF, ficou entendido que a intimação do Ministério Público deve ser pessoal, isto é, há de ser feita à pessoa de seu representante, e o prazo para o respectivo recurso é de se contar da data em que lança o ‘ciente’ do julgado - e não daquela em que os autos são remetidos pelo cartório ou secretaria do Tribunal a uma repartição administrativa do Ministério Público, encarregada apenas de receber os autos, e não autorizada legalmente a receber intimações em nome deste (grifamos)" (STF, RE 111.550-5-SP - 1ª T., Rel. Min. Sydney Sanches, RDA 176/48).
Como decorrência do disposto no CPC de que "a intimação do Ministério Público, em qualquer caso, será feita pessoalmente", surgiu questão interessante a cerca da intimação do Ministério Público quando agisse na defesa da Fazenda Pública. Continuaria sendo pessoal ou seria por meio de publicação em órgão oficial, como as demais?
Hélio Tornaghi, abordando a questão, assinalou:
"Qualquer que seja a posição do Ministério Público no processo, parte (art. 81) ou interveniente (art. 82), deve ele ser citado pessoalmente. Regra de prudência que evita aos órgãos do Ministério Público o dispêndio de tempo para a leitura de órgãos oficiais. O advogado, por mais atarefado que seja, funciona em número reduzido de causas e, por outro lado, pode ter auxiliar com a função de ler diariamente o órgão oficial para alertá-lo. Os membros do Ministério Público não dispõem de secretários ou assessores com essas atribuições" ("Comentários ao Código de Processo Civil", Ed. RT, Vol. II, p. 204).
À mesma conclusão chegou Pontes de Miranda, verbis:
"Os órgãos do Ministério Público não são partes, de modo que têm de ser intimados pessoalmente (2ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 27 de novembro de 1945, RT 162/226).
Pergunta-se: se o órgão do Ministério Público atua como parte, tem-se de respeitar
o artigo 236, §2º?
Sim, porque, aí, não se faz qualquer distinção, entre a atividade fiscal ou de assistência e a de parte. A lei foi clara: ‘em qualquer caso’ " ("Comentários ao Código de Processo Civil", Tomo III, p. 301).
O Supremo Tribunal Federal teve oportunidade de se pronunciar a respeito da matéria, e decidiu que quando o Ministério Público atue em defesa de interesse da Fazenda Pública, como advogado, a intimação deixa de ser pessoal e passa a ser através do órgão oficial. Vejamos a ementa do acórdão:
"MINISTÉRIO PÚBLICO - INTIMAÇÃO PESSOAL - EXIGÊNCIA LEGAL - INTELIGÊNCIA DA NORMA - CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ART. 236, §2º.
Intimação. Dispõe o §2º do art. 236 do Cód. De Proc. Civil: ‘A intimação do Ministério Público, em qualquer caso, será feita pessoalmente’. A regra assegura a intimação pessoal única e exclusivamente ao representante do Ministério Público quando atua apenas como Ministério Público, em nome de um interesse geral, e não quando defende a Fazenda Pública, figurando como parte. Aí a sua intimação se faz por meio de publicação no órgão oficial. Recurso extraordinário não conhecido" (RE n. 93.268/2, Rel. Min. Djaci Falcão, j. 5/12/1980, in: Jurisprudência Brasileira, Vol. 52, p. 106).
No mesmo sentido, Recurso Extraordinário n. 91.728, relatado pelo Min. Leitão de Abreu, em acórdão com a seguinte ementa:
"Ação de Usucapião. Intervenção da União. Questão não examinada pelo acórdão local. Aplicação do princípio da Súmula 282. 2- Intimação do Ministério Público. Como representante dos interesses da União em juízo, aplica-se o caput do art. 236, não o §2º, do CPC. 3- Recurso extraordinário não conhecido (grifamos)" (in: Jurisp. Brasileira, Vol. 52, p. 109).
Na mesma trilha: TFR, 4ª T., AC n. 47.160, Rel. Min. Carlos Mário Velloso, j. 24/11/1980, JB 52/121.
De fato, interpretar literalmente a norma do art. 236, §2º sem ver o aspecto teleológico, é, sem dúvida, tratar desigualmente as partes, o que violaria o princípio isonômico que a Constituição Federal consagra e que o Código de Processo Civil, art. 125, I, ordena que o juiz pratique.
Atualmente, a matéria encontra-se superada, visto que, pela Constituição Federal, art. 127, o Ministério Público só atua na defesa "da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis". E pelo art. 129, inc. IX, da CF, foi-lhe "vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas". Assim, já não funciona como advogado da Fazenda Pública, sendo-lhe vedada a defesa de interesses que não sejam os de caráter geral, conforme expresso na Carta Magna.
Por fim, é bom que se diga, que a intimação pessoal com a entrega dos autos com vista constitui prerrogativa processual do Ministério Público (art. 41, inc. IV, da LONMP) e como tal, inerente ao exercício de suas funções e irrenunciável, sendo dever do membro velar pela sua observância, sob pena, inclusive, de cominação disciplinar.