A cada dia que passa, o nosso Município aperfeiçoa a arte de elaborar leis confusas, dúbias e caóticas, ora para confundir o julgador, ora para frustrar os efeitos da coisa julgada, o que é gravíssimo por implicar quebra do princípio federativo da independência e harmonia dos Poderes.
Em matéria de precatórios é useiro e vezeiro em driblar as normas constitucionais e legais mediante o artifício de sonegar, parcialmente, a inclusão das verbas requisitadas e de desviar aquelas consignadas, para atender ‘outras prioridades’, como se tratasse de verbas pertencentes ao Executivo. Querem que todos aceitem esse gravíssimo fato como normal e corriqueiro, a exemplo do Caixa 2, na esfera federal.
Em matéria de ISS, a Lei nº 13.701/03, parcialmente alterada pela Lei nº 14.042/05, confunde deliberadamente substituição tributária passiva (em que o tomador substitui o prestador do serviço), prevista na lei de regência nacional do imposto sobre serviços, com o regime de retenção do imposto na fonte, conduzindo à absurda hipótese de obrigatoriedade de o sujeito passivo reter na fonte o próprio imposto que ele deve. Na prática, o tomador vem retendo o imposto como se o prestador do serviço fosse o contribuinte. Pretende-se, com essa confusão, arrecadar o imposto pertencente a outros Municípios.
Na esfera do ITBI, o Decreto nº 46.228/05 altera parcialmente o Regulamento do ITBI (Decreto nº 31.134/92), para introduzir o valor venal concreto de cada imóvel cadastrado, o qual, será ‘atualizado’ periodicamente por meio de ‘pesquisa e coleta amostral permanente dos preços correntes das transações e ofertas à venda no mercado imobiliário’.
Claríssima a confusão entre atividade administrativa do lançamento do imposto (por sinal o ITBI é tributo de lançamento por homologação), com a atividade legislativa, consistente na elaboração de normas hipotéticas e abstratas elegendo critérios objetivos para a apuração de valor unitário do m2 do terreno e da construção.
Finalmente, para não alongar este artigo, destinado a demonstrar, por amostragem, a balbúrdia legislativa, cita-se a recente Lei de nº 14.125/05, que concedeu isenção condicional da taxa de lixo domiciliar e, ao mesmo tempo, revogou os arts. 84 a 92 da Lei nº 13.478/02 concernentes às definições do fato gerador, da base de cálculo e dos contribuintes dessa taxa. Duas são as hipóteses de isenção: a) a dos munícipes que gerarem até 200 litros de resíduos por dia; b) a dos que habitem local de ‘difícil acesso, caracterizado pela impossibilidade física de coleta de resíduos porta a porta’. Pergunta-se, como ficam os casos de munícipes que não se enquadram nas hipóteses isentivas? E mais, uma das hipóteses de isenção é o fato de o munícipe habitar local onde há impossibilidade física da prestação de serviço público. Assemelha-se aquele outro dispositivo da mesma lei, que isenta da contribuição de iluminação pública os munícipes que habitam locais desprovidos desse melhoramento público. Nessa linha de raciocínio, o benefício poderia ser estendido aos camelôs, por exemplo, isentando-os da contribuição previdenciária do servidor público. Outrossim, a primeira hipótese de isenção, se fosse levada a sério, implicaria despesa com a fiscalização do preenchimento do requisito legal, para fruição do benefício, em valor maior do que resultaria do pagamento da taxa.
Sem sombra de dúvida, houve dupla confusão legislativa. Primeiramente, confundiu-se a extinção da taxa com hipóteses de isenção condicional da taxa. Em seguida, confundiu-se isenção condicional com a não-incidência da taxa, por inexistência do serviço público específico e divisível. Nos idos de 2003, ao comentarmos a legislação do lixo afirmamos que o tumulto legislativo era de tal ordem que só faltou o Município tributar a si próprio. Tudo indica que esse tumulto continua e de forma agravada, não se sabe, exatamente, com que propósito. É possível que essa isenção-extinção tenha por objetivo contornar o art. 11 da Lei Complementar nº 101/03, que elege como um dos requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal, a arrecadação de todos os tributos de competência constitucional do ente político.
Porém, nem tudo é negativo. Em meio a essa barafunda, consegui vislumbrar um fator positivo. Descobri que os nebulosos instrumentos normativos, despejados periodicamente, vêm alimentando o crescimento vertiginoso de atividades voltadas para o desenvolvimento de seminários, simpósios, painéis, debates, mesas-redondas etc. em torno de tributos municipais, pelas diferentes instituições jurídicas de São Paulo, gerando recursos financeiros e contribuindo para o crescimento de nossa economia.