3 NEXO CAUSAL ENTRE CONDUTA E RESULTADO
O tipo pertence à lei, mais precisamente à parte especial do Código Penal e às leis especiais (ex: matar alguém – art. 121 do Código Penal Nacional). Além disso, o tipo é predominantemente descritivo e sua função é a individualização das condutas humanas.
Como bem assinala Eugenio Raúl Zaffaroni, citando Max Ernst Mayer, a tipicidade é um indício da antijuridicidade e toda conduta típica é antinormativa. [39]
Os elementos do fato típico são: a conduta, o resultado, a relação de causalidade e a tipicidade. [40]
A relação de causalidade, ou nexo causal, é o vínculo existente entre a conduta e o resultado.
O resultado de um crime subdivide-se em resultado jurídico (aquele visto como a conseqüência da ação no aspecto do ordenamento jurídico) e resultado naturalístico (que nada mais é do que a modificação que a conduta provoca no mundo exterior). [41]
Não existe crime sem resultado jurídico, entretanto é possível existir crime sem o resultado naturalístico (no caso dos crimes de mera conduta ou formais). E daí conclui-se inexistir relação de causalidade nos delitos de mera atividade.
Considerando nosso Código Penal, evidencia-se que, determinando o art. 13, caput, 1º parte, que o resultado naturalístico, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa, o sistema só tem aplicação aos tipos de crimes materiais (que exigem a produção do resultado naturalístico). Diante disso, ficam excluídos os crimes de mera conduta e os formais, uma vez que nos primeiros o tipo só descreve o comportamento e nos segundos, não exige a produção do evento. [42]
O problema inicial de toda investigação que tenha por fim imputar um resultado ao agente e, posteriormente, fixar sua responsabilidade penal analisando a culpabilidade, é concluir se o agir ou não agir do sujeito ocasionou a ocorrência típica. [43]
É interessante fazer uma pequena distinção entre imputatio facti (consistente na imputação de um resultado ao agente pela sua conduta) e imputatio juris (que seria uma análise do conteúdo antijurídico ou culpável do episódio). [44]
O nexo de causalidade é um dos elementos do fato típico de maior complexidade, tendo sido construídas várias teorias acerca do tema. As mais importantes são a da equivalência das condições de Julius Glaser e da causalidade adequada de Johannes Von Kries [45], porém a doutrina ainda não encerrou a discussão acerca do tema, já que a Imputação Objetiva nos apresentou novas visões principalmente através dos pensamentos de Claus Roxin e Günther Jakobs e, cada vez mais, autores nacionais estão enveredando por esse caminho.
O objetivo deste capítulo é apresentar algumas dessas teorias de maneira crítica, demonstrando suas falhas para então apontarmos os novos rumos tomados pelos adeptos do funcionalismo.
3.1 TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DAS CONDIÇÕES (CONDITIO SINE QUA NON)
A teoria da equivalência das condições (ou dos antecedentes) foi idealizada por Julius Glasser e adaptada por Von Buri, que foi o primeiro a introduzir essa teoria na jurisprudência por ser magistrado do Tribunal Supremo do Reich. [46]
Nas palavras de Hans Welzel, na teoria da equivalência das condições considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
Esta teoria parte da idéia de que todo efeito tem uma multiplicidade de relações causais, e cada uma dessas condições, na relação de causalidade, é igualmente necessária para o resultado, e, por conseguinte, todas as condições têm o mesmo valor. [47]
Günther Jakobs critica a metodologia dessa teoria. [48] Para ele, a lógica da teoria da equivalência dos antecedentes é inútil e redundante, uma vez que a sua aplicação só é possível quando de antemão sabe-se qual é a causa do ocorrido. Um exemplo deste problema é o do calmante Contergan (ou Talidomida). Para saber se o calmante, quando tomado por mulheres grávidas, é a causa de má formação do feto, devemos eliminar este fato para saber se o resultado teria ocorrido. [49] Para responder a essa pergunta é necessário saber se o remédio em questão causa má formação dos fetos. Ora, sabendo que o remédio em questão causa o resultado, é inútil a aplicação da teoria de Julius Glasser.
3.1.1 Preceito Legal da Relação de Causalidade
Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
Superveniência de causa relativamente independente
§ 1º A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.
Relevância da omissão
§ 2º A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a)tenha por lei obrigação de cuidado, proteção e vigilância;
b)de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c)com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. [50]
3.1.2 Crítica à Teoria da Conditio Sine Qua Non à Luz do Art. 13 do Código Penal
A denominada teoria da conditio sine qua non foi adotada pelo nosso legislador penal, seguindo o exemplo do Código Italiano. Francisco de Assis Toledo critica o legislador pelo fato de ter se pronunciado expressis verbis sem deixar o problema "às elucubrações da doutrina". [51] Mais adiante veremos que mesmo com a legislação adotando a teoria da conditio sine qua non podemos aplicar a imputação objetiva em âmbito nacional, o que acaba por invalidar a afirmação do autor.
Como já visto anteriormente, segundo essa teoria, tudo que concorre para o resultado é causa dele, isto é, todos os antecedentes do resultado naturalístico são relevantes e desse princípio decorre o nome da teoria de "equivalência dos antecedentes". [52]
Para atender à questão de quando a ação deve ser considerada causa, a doutrina acabou por adotar o método da eliminação hipotética [53]de Thyrén. Se com a exclusão de uma ação o resultado teria deixado de ocorrer, considera-se causa. É um juízo ex post.
Analisar-se-á o seguinte exemplo proposto por Damásio de Jesus: [54]
Uma vítima é dolosamente atingida por disparos de revólver e vem a ser internada em um hospital onde ocorre um incêndio e ela vem a falecer em conseqüência exclusiva das queimaduras.
O § 1º do art. 13 do CP acaba por restringir a aplicação da teoria da conditio sine qua non. "A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou".
Ora, o parágrafo citado estabelece que as causas relativamente independentes supervenientes que por si só produzem o resultado, é que quebram o nexo de causalidade. Logo, se as causas que provocam o resultado mais grave forem preexistentes ou concomitantes, o agente do delito que praticou a conduta superveniente menos grave responderá pelo resultado, mesmo que este seja não seja desejado. [55]
A seguir vemos mais alguns exemplos: [56]
a) causa preexistente absolutamente independente da conduta do sujeito: Caio toma um veneno com o fim de cometer o suicídio e vem a ser atingido posteriormente por golpes de Tício, vindo a morrer instantes depois em conseqüência do envenenamento;
b) causa concomitante absolutamente independente: Tício Fere Mévio no exato momento em que este vem a falecer exclusivamente por um enfarto. No caso, coexistem a agressão e o mal cardíaco;
c)causa superveniente absolutamente independente: Tício coloca veneno na refeição de Caio que vem a falecer pela queda de uma viga em sua cabeça, antes do veneno operar em seu organismo.
No caso de causa absolutamente independente o agente não pode ser responsabilizado pelo resultado morte, pois sua conduta não tem nenhuma relação com o resultado morte. No terceiro exemplo, Tício, por ter ministrado o veneno, responde por tentativa de homicídio. [57]
E agora analisemos os exemplos de causas relativamente independentes: [58]
a) causa preexistente relativamente independente: Tício atira em Caio, errando os disparos, mas a vítima morre do coração pois o susto desencadeou uma taquicardia;
b)causa concomitante relativamente independente: Tício persegue Caio na via pública, atirando contra o mesmo, sendo que Caio vem a ser atropelado enquanto foge, morrendo em decorrência do atropelamento;
c) causa superveniente relativamente independente: Tício atira em Caio causando-lhe lesões leves na mão direita, mas a vítima vem a morrer no caminho do hospital em decorrência de traumatismo craniano provocado por um acidente automobilístico que envolveu o veículo utilizado em seu socorro.
Quando há uma relação entre a causa da morte da vítima com a conduta do sujeito diz-se que a causa é relativamente independente.
Nos exemplos A e B o agente será responsabilizado pelo resultado morte. No caso do exemplo C, há uma ruptura do nexo causal, [59] isto é, o agente não pode ser responsabilizado pelo resultado segundo o §1º do art. 13 do nosso Código Penal, como se viu anteriormente.
3.1.3 Jurisprudência relacionada [60]
a) A respeito do caput do art. 13 do Código Penal Nacional:
Sem que haja relação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente e o resultado morte, não pode ele ser responsabilizado por esta (TACrSP, Julgados 78/210; RT 529/368), sendo inadmissível, no Direito Penal, a culpa presumida ou a responsabilidade objetiva (STF, RTJ 111/619). Se é incerta a relação de causalidade entre a atividade do agente e a morte do ofendido, absolve-se (TACrSP, Julgados 66/227). Se a vítima, para escapar à agressão, feriu-se na fuga, responde pela lesão o agente que a quis agredir, pois há relação de causa e efeito (TACrSP, Julgados 86/311, 69/327).
b) A respeito do § 1º do art. 13 do Código Penal Nacional:
- Admitindo:
O nexo causal, tanto nos crimes dolosos como nos culposos, não suporta a superveniência de causa que, por si só, afete o resultado e possa isentar a responsabilidade do agente (TACrSP, Julgados 84/407; RT 598/349). "A cirurgia facial, que não tinha por objetivo afastar o perigo de vida, provocado pela lesão, mas tão-só corrigir o defeito, constitui-se causa independente, apta, por si só, a produzir a morte" (TJSP, RT 530/329). Se o evento resultou de ato da vítima, consistente na ação independente de descer do veículo em movimento, que se intercalou na relação causal iniciada pelo agente ao abrir a porta antes do ponto de desembarque, a interrupção da causalidade afasta a culpa do agente (TACrSP, RT 453/401). Se a morte da vítima decorreu de sua condição pessoal de cardíaca, ignorada pelo agente, não a tendo atingido os tiros desfechados por este, responde ele por tentativa e não por homicídio consumado (TJSP, RT 405/128).
- Não admitindo:
Não é superveniência de causa independente o surgimento de infecção nas meninges ou broncopneumonia durante o tratamento das lesões sofridas (TACrSP, Julgados 82/305; TJSP, RJTJSP 161/276). Não importa que a condição de diabética tenha concorrido para a morte da vítima de delito de trânsito (TACrSP, RT 527/362). Responde pelo crime o agente que, ameaçando a vítima de submetê-la à prática de atos libidinosos, deu causa a que se atirasse do veículo em movimento (TJRJ, RT 637/290). Também responde se a vítima, ao fugir de roubo às margens de rodovia, vem a ser atropelada e morta (TJSP, RJTJSP 158/304).
3.2 TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA (TEORIA DA ADEQUAÇÃO)
Essa teoria, elaborada por Von Kries, nasceu após a reforma do Código Penal Alemão de 1953 para evitar algumas injustiças (ou absurdos) na aplicação irrestrita da teoria da equivalência dos antecedentes. Anteriormente, aplicava-se a responsabilidade objetiva nos delitos agravados pelo resultado, [61] isto é, se uma pessoa viesse a ferir outra de forma superficial e essa viesse a falecer por um acidente automobilístico a caminho do hospital, o sujeito responderia por lesões corporais seguidas de morte.
Para a teoria da causalidade adequada só se considera como causa a conduta que isolada, tenha probabilidade mínima de provocar o resultado, ou aquela condição "que, segundo as relações comuns da vida social, possua idoneidade genérica para produzir tais lesões". [62] São deixados de lado os acontecimentos extraordinários e excepcionais.
Analisemos a morte de um passageiro atingido por um raio quando o cocheiro, ao dormir, seguiu equivocadamente o caminho errado: Ao aplicarmos a teoria da equivalência dos antecedentes temos que se o condutor não tivesse dormido a carruagem não teria seguido o caminho errado e, por isso, o raio não cairia sobre o passageiro.
Mediante um critério puramente físico, naturalístico, não há como recusar a existência de um liame causal entre a conduta omissiva do cocheiro e a morte do viajante. A causalidade adequada, contudo, temperando os excessos decorrentes da conditio sine qua non, vai afastar, do ponto de vista jurídico, a relação de causa e efeito, por considerar a absoluta imprevisibilidade e improbabilidade entre uma efêmera soneca e um relâmpago assassino. [63]
É exatamente nessa oposição ao critério naturalístico que a teoria da adequação se excede. [64] Quem também pensa assim é o doutrinador Juarez Cirino dos Santos quando aduz que essa teoria "procura resolver, simultaneamente, questões de causalidade e questões de atribuição, porque identificar a causa adequada para o resultado típico é, também, identificar o fundamento da atribuição do resultado ao autor, como obra dele". [65]
A teoria da causalidade adequada foi base para a construção das modernas teorias da imputação, pois além de demonstrar as falhas da teoria da conditio sine qua non também tornou os fatos imprevisíveis irrelevantes para o campo penal.
3.3 TEORIA DA ADEQUAÇÃO SOCIAL
Teoria desenvolvida por Hans Welzel (que, como vimos anteriormente, foi quem introduziu o finalismo), essa é uma teoria precursora do movimento da Imputação Objetiva, e se fundamenta na adequação social. O autor foi o primeiro a estabelecer um contato entre o fato punível e a realidade social e hermenêutica.
A teoria fundamenta-se na premissa que o Direito Penal só tipifica as condutas que tem alguma relevância social. As condutas que se adequam socialmente não poderiam ser delitos e, dessa forma, "devem ser excluídas do âmbito da tipicidade". [66] Um fato não pode ser aceito pela sociedade e ao mesmo tempo ser definido em lei como infração penal.
Esse conceito de adequação social se aproxima do que a doutrina adepta da Imputação Objetiva chama de "risco permitido", porém, por ainda ser uma idéia imprecisa, ela não foi aceita como uma teoria e sim como uma interpretação. [67]
3.3.1 Jurisprudência relacionada [68]
Se o descaminho referiu-se a objetos de pequeno valor para comércio de sacoleiro, além do princípio da insignificância, aplica-se o da adequação social, pois a sociedade não considera a prática de tal comércio como ilícito penal (TRF da 1ª Região, RT 727/601).