O uso de sistema integrado de pesquisa e seleção em unidades de fronteira no combate ao descaminho de pneus provenientes do Paraguai.

20/03/2020 às 11:36
Leia nesta página:

Como a implantação de um sistema integrado de controle de veículos e mercadorias pode auxiliar a Aduana Brasileira no combate de crimes como o descaminho.

RESUMO

Há anos as unidades de controle aduaneiro que fazem fronteira com o Paraguai se deparam com uma ilicitude em veículos estrangeiros de carga, destinada à importação, que introduzem pneus novos no território nacional, instalados e rodando nos eixos. Valendo-se da condição de automaticamente submetidos ao regime de admissão temporária, conforme inciso I, do artigo 5º da Instrução Normativa RFB nº 1.600 de 2015, tais veículos entram no país usando pneus novos, mas retornam ao Paraguai com pneus diferentes, desgastados e sem valor comercial, lucrando com a venda indevida dos primeiros no Brasil. Para combater esta prática de descaminho, cada unidade fronteiriça adota um controle diferente, registrando em termo as placas dos veículos com pneus novos para posteriormente, no retorno dos mesmos ao Paraguai, verificar se tais pneus continuam ali ou não, e tomar as medidas necessárias, muitas vezes com diferentes interpretações. Como é frequente os transportadores não utilizarem o mesmo ponto fronteiriço de entrada e saída, esse controle se perde. O estudo presente visa à integração e à padronização da forma de ação, além do compartilhamento de dados, informações e planilhas entre as unidades através de sistema integrado, de forma a se antecipar aos suspeitos de cometer o ilícito, gerando uma maior precisão na seleção para fiscalização, além da elevação do número de infrações identificadas e penalidades aplicadas.


 

DESCRIÇÃO DO PROCESSO

A problemática de importação irregular de pneus novos em veículos procedentes do Paraguai já é antiga, com registros desde o início dos anos 2000. Nesta época era comum ao Fisco aplicar a “multa por embaraço à fiscalização”, prevista no art. 107, IV, c), do Decreto-Lei nº 37/66, erroneamente interpretada, para tentar repreender e coibir a prática.

Ressalte-se que o descaminho de pneus é prática delituosa prevista no código penal, conforme transcrito a seguir:


 

Decreto-Lei nº 2.848/40 (Código Penal):

(...)

Descaminho (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)

Art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

(...)


 

A partir 2012, uma das unidades de controle aduaneiro na fronteira com o Paraguai iniciou um processo de catalogação dos veículos e pneus envolvidos na prática. Quando um veículo estrangeiro que adentrava o país com pneus novos rodando era identificado, este era encaminhado para ter seus pneus “marcados” com uma numeração a ferro quente. Fotos também eram tiradas de cada pneu marcado, além de anotadas as características essenciais de identificação dos itens, como marca, modelo, número de série e data de fabricação. Com esta informação em mãos era possível que, quando o veículo passasse novamente por fiscalização na mesma unidade dentro de um período de 5 meses (tempo mínimo de vida útil de um pneu de caminhão), o Fisco identificasse se os pneus marcados ainda estavam ali, ou se foram trocados por outros, o que comprovaria a infração de internalização e importação ilegal daqueles marcados.

Todavia, nem sempre o transporte internacional de carga utiliza a mesma rota. Muitas vezes os veículos entram por um ponto no país, mas saem por outro, depois entram por um terceiro, e assim sucessivamente. O controle desta unidade estava restrito somente aos veículos que passavam por ali, sendo que a fronteira com o Paraguai possui diversos pontos de passagem, terrestres e fluviais, nos seus mais 1.300 km de extensão.

Meses depois, tendo como referência o trabalho da unidade pioneira, outros 4 pontos de controle aduaneiro, igualmente na fronteira com o Paraguai, passaram a também a catalogar os veículos e pneus em admissão temporária para seus controles, porém cada um de forma diferente, sem a utilização da gravação a ferro quente, e sem comunicação de informações entre nenhuma das unidades. Ou seja, cada unidade possuía sua própria forma de atuação com seus próprios documentos. Portanto, se um veículo que já possuísse pneus novos registrados em termo por uma unidade, ao reentrar por ponto de fronteira diverso alguns dias depois, e ainda tivesse seus pneus com características visuais de produtos novos e com valor comercial elevado, era então parado para repetir todo o processo de emissão de documentação, afligindo motoristas com uma burocracia repetitiva.


 

IMPLEMENTAÇÃO DAS MUDANÇAS

Diante dos fatos apresentados, busca-se a melhoria na prestação de serviços nas unidades aduaneiras. A proposta é a consolidação do controle, tanto na consulta como na alimentação de dados, num âmbito regional entre as unidades de fronteira com o Paraguai, através de um software desenvolvido para este fim.

Como meta de curto prazo, objetiva-se aumentar a identificação de pneus novos em veículos estrangeiros de carga, mantendo igual o número de veículos fiscalizados. A utilização de informações sobre os veículos-alvo, coletadas por diferentes unidades, seria a responsável por uma melhor e mais eficiente seleção para fiscalização daqueles já suspeitos, liberando espaço e tempo para os outros selecionados por fator aleatório.

Já no médio e longo prazo, o objetivo passa a ser a diminuição da identificação de grandes quantidades pneus novos num mesmo veículo estrangeiro de carga (como todos os 22 pneus do veículo sendo novos por exemplo). O aumento de rigor do Fisco com a nova iniciativa, elevando a presença fiscal nas fronteiras e a percepção de risco por parte dos infratores, seria a razão para a diminuição da prática ao longo do tempo, especialmente em maiores quantidades.

Além destes, também são objetivos das mudanças: reduzir a burocracia; evitar o retrabalho no processo de emissão dos documentos necessários ao controle das admissões temporárias de pneus novos; padronizar a tomada de decisão; e utilizar-se de tecnologias simples, de forma inteligente e integrada, a fim de modernizar, agilizar, e inovar os processos de trabalho do serviço público.

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PÚBLICO CONTEMPLADO

Pode-se afirmar que há diversos intervenientes atingidos pelo presente estudo. Primeiramente, com a melhoria dos processos de trabalho, os próprios servidores envolvidos na fiscalização do transporte internacional de cargas serão beneficiados em seus postos, especificamente nas importações vindas do Paraguai. Com mais dados e de melhor qualidade disponíveis em fácil acesso, há mais segurança na tomada de suas decisões.

Têm-se também, com a maior acurácia e fluidez na fiscalização in loco, vantagens para os transportadores internacionais de carga, proprietários de caminhões e motoristas, visto que se poderá reduzir o tempo dispendido nas aduanas.

Além desses, ainda a indústria nacional e os importadores legais de pneus serão impactados, os quais terão maior competitividade no mercado decorrente de uma maior eficácia da Aduana Brasileira no combate ao descaminho de pneus, com o estrangulamento da concorrência desleal cometida por borracharias praticantes do comércio ilegal. Como exemplo, um pneu de caminhão descaminhado do Paraguai, sem pagamento de tributo algum, chega a custar 40% do valor de um vendido legalmente no Brasil.


 

RESULTADOS QUANTITATIVOS E/OU QUALITATIVOS

A partir da implementação do estudo proposto em fase de testes, num primeiro momento em 5 unidades fronteiriças diferentes, já se pôde observar uma elevação considerável na identificação de pneus novos, conforme o objetivo previsto, resultado do choque inicial de melhoria na seleção de veículos para a fiscalização. Nos primeiros meses testados, houve aumento de aproximadamente 300% na quantidade de pneus novos identificados, segundo dados consolidados das 5 unidades da Aduana testadas.

É importante ressaltar que também houve um decréscimo nos resultados durante os meses imediatamente subsequentes. Atribuiu-se o ocorrido ao aumento da qualidade na presença fiscal, desincentivando a prática do descaminho após a percepção do risco por parte dos infratores recorrentes.

Entretanto, ainda que menores se comparados ao início dos testes, os resultados do controle têm se mantido superiores à média normal antiga, sem o uso do sistema integrado.

Ressalta-se ainda a possibilidade de se aplicar a pena de perdimento dos pneus em certos casos observados, aumentando o rigor da fiscalização. Notou-se que, por algumas vezes, veículos que possuíam pneus novos registrados pela Aduana, quando fiscalizados novamente dentro do período de 5 meses, estavam com pneus idênticos em marca, modelo e fabricação, exceto por flagrantes falsificações dos números de série dos pneus. Como cada item possui um número distinto, esta é uma tentativa de burlar o Fisco, passível de perdimento do bem com base no inciso VII, do artigo 689 do Decreto 6.759/09, regulamento aduaneiro.


 

Decreto 6.759/09 (Regulamento Aduaneiro):

(...)

Art. 689. Aplica-se a pena de perdimento da mercadoria nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 105; e Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, art. 23, caput e § 1º, este com a redação dada pela Lei no 10.637, de 2002, art. 59):

(…)

VIII - estrangeira, que apresente característica essencial falsificada ou adulterada, que impeça ou dificulte sua identificação, ainda que a falsificação ou a adulteração não influa no seu tratamento tributário ou cambial;


 

CONCLUSÃO

O estudo presente se propôs a aprimorar um processo de trabalho da Aduana Brasileira, utilizando-se de recursos tecnológicos e ideias inovadoras, a fim de tornar mais efetivo o controle do comércio internacional, pontualmente na fronteira com o Paraguai.

Com o resultado obtido em testes de implementação, foi possível observar a melhoria na qualidade do controle empregado pelo Fisco relativo ao combate à prática de descaminho, resultando na maior eficiência na prestação do serviço público.

Sobre o autor
Rafael Laska Domingues

Servidor Público Federal na Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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