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A atividade empresária e a adaptação às disposições do Código Civil de 2002

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27/02/2006 às 00:00
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6. Conclusão

            O Direito de Empresa pós-Código Civil de 2002 muda significativamente sua posição acadêmica, aderindo à teoria da empresa e posicionando-se cada vez mais perto do Direito das Obrigações em termos positivos. As novas diretrizes presentes na legislação empresarial consubstanciada no novel diploma civil apontam para o futuro da realidade econômica brasileira, permitindo a maior número de atividades a aquisição de registro e, consequentemente, de regularidade para o desenvolvimento de seu objetivo.

            O Código Civil de 2002, porém, não consegue desburocratizar eficientemente a atividade do pequeno empresário urbano, como fez com o empresário rural que se volta para a subsistência familiar – a quem é facultado o registro. Daí o questionamento que levantamos no presente artigo. Ele a nada mais se refere do que aos impactos provocados nos pequenos empresários brasileiros quanto a mais uma exigência burocrática. Seria necessário que o legislador estabelecesse uma disciplina mais clara para a pequena atividade empresária nas fileiras do novo Direito de Empresa positivo.

            Sendo a atividade empresária o grande motor das civilizações contemporâneas, como resultado direto das revoluções burguesas da Idade Média e Moderna, e surtindo efeitos cada vez mais sensíveis na economia mundial, através do forte apelo dos meios de comunicação frente às massas, bem como das necessidades individuais cada vez mais crescentes, há que ser lembrada a necessidade constante de revisão das normas jurídicas que a tem por objeto. A atividade empresária não é abstrata, mas concreta e mutável, em constante movimento, e cabe às normas jurídicas acompanhar o seu desenvolvimento: não são as normas jurídicas que disciplinam a atividade empresária, é a atividade empresária que disciplina as normas jurídicas.

            A normatização comercial dos primeiros momentos da intensificação do comércio na Europa já é prova de que o costume e a prática mercantis é que traçam as normas jurídicas empresariais. Daí a adoção constante de novas disciplinas, mais adequadas à realidade daqueles que praticam a empresa, bem como da formação de correntes jurisprudenciais em torno de determinadas matérias controvertidas pertinentes à atividade empresária.

            Assim sendo, a unificação do regramento empresarial e civil é um passo à frente para o ordenamento jurídico brasileiro, a despeito da opinião de muitos juristas que apontam tendência à separação, nas legislações alienígenas. Não se pode olvidar que o Brasil é um país de pouquíssima cultura jurídica, apesar dos grandes nomes que possui no meio jurídico. Nos referimos ao vulgo, e até mesmo aos profissionais de outras áreas, os quais devem ter conhecimento da lei tanto quanto for possível, até para que se possa preservar o princípio da isonomia previsto na Constituição Federal. Em outras palavras, não nos basta mostrar a lei ao povo, mas sim fazer com que o povo alcance a lei tanto quanto esta deve alcançá-lo, e, deste ponto de vista, a unificação do regramento civil e empresarial aponta uma tendência de simplificação legislativa.

            Ao mesmo tempo que é uma solução, o novo regramento empresarial brasileiro se nos apresenta como um problema, pelos mesmos motivos. Além de não haver suprido convenientemente as necessidades dos pequenos empresários, maioria absoluta no país (talvez pelo fato de o legislador preferir relegar a matéria à lei complementar, para a qual já há projetos, anteriormente referidos), apresenta sérios problemas de completude, como as questões envolvendo o empresário individual e a personalidade jurídica (cuja solução é de conhecimento de uma parcela muito menor do que o desejado pelo legislador pátrio), a definição de pequeno empresário (divergente até na doutrina, conforme analisamos alhures), e também, principalmente, flagrante inconstitucionalidade (em seu artigo 2.031), que parecem passar despercebidos na realidade empresária.

            Referindo-nos especificamente ao artigo 2.031, podemos traçar um paralelo entre a abstração normativa e a realidade dos empresários e profissionais da área contábil: enquanto há uma garantia constitucional de defesa ao ato jurídico perfeito (de acordo com a lei vigente ao tempo em que se efetuou), reconhecida – embora não expressamente, como seria desejável – pelo próprio Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC), vistas aos citados "Manual da Sociedade Limitada" e Parecer Jurídico 125/03, de outro lado há uma fortíssima pressão psicológica causada pela imperatividade do referido artigo do diploma civil de 2002, elevada pelo "fantasma" da responsabilidade ilimitada próprio das sociedades em comum.

            Ainda que se houvesse de considerar a sociedade por quotas de responsabilidade limitada (que corresponde a 95% das sociedades registradas nas Juntas Comerciais, por isso tomada como base desta análise) como irregular caso não procedesse à devida "consolidação" de suas cláusulas contratuais nos termos do Código Civil de 2002, como recomendam as Juntas Comerciais, não haveria de ser temido o "fantasma" da responsabilidade ilimitada das sociedades em comum, visto que é pacífico, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, que a personalidade jurídica só termina com a dissolução total da sociedade, seja judicial ou extrajudicial. Não há sanção para o descumprimento da famigerada norma civil, e qualquer distinção que fornecedores, clientes ou bancos venham a fazer em relação aos empresários que não procederam à adaptação constitui violação ao princípio da isonomia, esta sim punível.

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            É com tristeza que constatamos o flagrante desconhecimento a respeito destes princípios básicos de Direito por parte dos empresários e dos profissionais envolvidos. A impositividade da norma inválida e a análise superficial de alguns "orientadores" ferem não só o Direito Positivo em sua segurança, mas retiram a própria dispositividade dos envolvidos quanto a sua auto-determinação. Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, mas se a lei (ou melhor, norma) é inconstitucional, não poderá produzir os efeitos a que se propõe.

            Contudo, em nome da mesma segurança jurídica, não há lei inconstitucional antes de se ter reconhecida sua inconstitucionalidade. Se, por um lado, deve ser privilegiada a interpretação sistemática, para que se evite a insegurança e a injustiça, por outro deve ser respeitado o princípio do devido processo legal através do controle de constitucionalidade das leis. Para que seja impugnado o artigo 2.031 do Código Civil, é necessário provocação da jurisdição constitucional do Supremo Tribunal Federal pela parte legitimada nos termos do artigo 103 da Constituição Federal, visto que a referida norma encontra-se meramente "em tese", por não estar em vigor. De outra forma, não poderá ser. Não se pode defender a segurança jurídica indo contra a própria segurança jurídica.


Bibliografia

            COELHO, Fábio Ulhôa. Manual de Direito Comercial: atualizado de acordo com o novo Código Civil e alterações da lei das sociedades por ações, e ampliado com estudo sobre o comércio eletrônico. São Paulo: Saraiva, 2003.

            DINIZ, Maria Helena. Teoria geral do direito civil. 12a ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

            DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 9a ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

            GOMES, Orlando. Contratos. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1975.

            HENTZ, Luiz Antonio Soares. Direito de empresa no Código Civil de 2002. 3a ed. rev. e atual. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005.

            REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 21a ed. São Paulo: Saraiva, 1993.


Notas

            01

Este item foi totalmente baseado nas lições dos mestres Requião e Hentz.

            02

Cf. DINIZ 2002a, p. 206.

            03

Não se trata de capital social, porque empresário, encarado stricto sensu, não se equipara a sócio de sociedade. Seu capital é seu fundo de comércio, sua azienda, os recursos financeiros que possui para levar a cabo seu empreendimento, não limitando a sua responsabilidade.

            04

A Lei nº 9841/99 (Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), no entanto, não comete este "deslize", ao afirmar que enquadram-se nela as pessoas jurídicas e as firmas individuais que obedeçam aos limites de receita bruta estabelecidos. Porém, esta lei não possui relação direta com as obrigações tributárias; trata tão-somente da inscrição e dos efeitos dela decorrentes (não estando compreendidos nestes efeitos as obrigações tributárias, vez que não houve menção expressa à ab-rogação da Lei do Simples, que, convenhamos, se faria necessária). Com a vênia do Prof. Hentz, em HENTZ 2005, p. 207.

            05

Vide COELHO 2003, pp. 34-36, e atente para a redação da Lei do Simples e do referido Decreto-Lei.

            06

Este valor está atualizado pelo Decreto nº 5.028, de 31 de março de 2004.

            07

Conforme mencionado alhures, defendemos serem leis distintas a 9.317/96 e a 9.814/99. A favor, vide Fabio Ulhôa Coelho, COELHO 2003, pp. 34-36 ; contra, HENTZ 2005, p. 207.

            08

Chamado "Projeto Pré-Empresa".

            09

Em opinião diversa da nossa, e tomando pequena empresa e pequeno empresário como sinônimos, Fabio Ulhôa Coelho, em COELHO 2003, p. 47.

            10

A propósito, HENTZ 2005, p. 180 ss.

            11

A esse respeito, GOMES 1975.

            12

A propósito, vide HENTZ 2005, p. 116 ss.

            13

O sócio de serviços não é admitido para a sociedade empresária.

            14

É vedada a cláusula leonina, que trará sérios efeitos jurisprudenciais para os infratores.

            15

Verificamos, aqui, muito mais um elemento dispositivo, vista a possibilidade de omissão.

            16

A capacidade do agente, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC), não deverá se referir à participação na sociedade, mas à administração.

            17

A dissolução automática da sociedade em caso de falecimento de sócio não mais é regra, como já fora, mas é fórmula que poderá ser adotada, posto que estamos em sede de direito dispositivo.

            18

Recomenda-se estudo sobre a organização funcional do Registro do Comércio, bem como visita ao sítio do DNRC, através do endereço www.dnrc.gov.br.

            19

Aqui, fazemos referência ao "modelo" de contrato de sociedade difundido pelo DNRC. Presenciamos casos em que este é preferido (e, porque não dizer, imposto) em detrimento de outro, elaborado diversamente do "modelo", muito embora haja seguido todas as formalidades exigidas em lei, supra analisadas.

            20

Cf. DINIZ 2002b.

            21

A postura informal da JUCESP contraria até o disposto no "Manual da Sociedade Limitada" expedido pelo DNRC (disponível em seu sítio), visto que o órgão nacional não exige adaptação de forma expressa, salvo no caso de transferência do Cartório de Registro Civil.

            22

A este respeito, é indispensável ler a íntegra deste parecer no sítio do DNRC.
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Sobre o autor
Thiago da Silva Saes

bacharelando em Direito pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), em Franca (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAES, Thiago Silva. A atividade empresária e a adaptação às disposições do Código Civil de 2002. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 970, 27 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8034. Acesso em: 28 nov. 2024.

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