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O problema do substabelecimento

28/12/1997 às 00:00
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No Título IV, CAPÍTULO VII o Código Civil cuida do Mandato. Na Seção I, trata das disposições gerais, e em seu Art.1297, cuida do excesso de poderes, e vinculado este ao Art.1313, exime o mandante de obrigação quando há excesso de poder. Ou seja, quando o mandatário excede qualquer dos poderes a ele conferidos pelo mandato, não obriga o mandante, podendo até ser considerado ato nulo pois pacta sunt servanda.

O Código Civil brasileiro, resolveu por tratar de forma particular, um dos poderes passíveis de outorga através de mandato, o substabelecimento. Isso é confirmado pela análise do Código Civil comentado por Clóvis, no que afirma o dever do mandatário de cumprir pessoalmente, o mandato, sempre que lhe for possível . No Art.1300 caput trata do substabelecimento sem autorização, com a seguinte solução para o caso; responde por culpa sua ou daquele a quem substabelecer , sem autorização, poderes que deveria exercer pessoalmente. Dando, a contrario senso, a seguinte solução para o substabelecimento consentido; será o substabelecimento neste caso feito livremente, respondendo o mandatário somente por culpa in eligendo.

É de grande relevo a questão de estar o mandatário proibido expressamente de substabelecer. Dos comentários ao Código Civil por Clóvis, fica a seguinte lição: " Se porém, o mandato vedava a substituição , e, não obstante , o mandatário transferir a outrem os poderes, que lhe tenham sido confiados, privativamente, responderá ao constituinte até pelos prejuízos provenientes de caso fortuito..." parece que a exegese feita pelo grande jurista, de seu Código, não traria discussão, in claris cessat interpretatio, parece bastante óbvio que quis ele tratar de tal assunto particularmente em relação aos demais poderes.

Dos comentários de Carvalho Santos ao Código, fica a clareza da afirmativa que defendemos, de o Código tratar de tal assunto de forma particular: "Ora, nulo o ato tudo seria reposto no seu antigo estado e dificilmente poderia vir a verificar-se qualquer prejuízo para o mandante. E quando ocorresse essa hipótese, pouco provável, não precisaria o Código estabelecer um preceito especial determinando a responsabilidade do mandatário, porque esta responsabilidade já estaria implícita com a prática de ato nulo que praticara, abrangendo todas as suas conseqüências. ", "De fato, se o substabelecimento não valesse, não tinha o Código de cogitar da hipótese que ele mesmo não admitia como realizável, sob pena de nulidade dos atos praticados, a não ser que fosse contraditório, regulando efeitos do ato por ele mesmo considerado nulo."

Há outros juristas com o mesmo entendimento: Miguel Maria de Serpa Lopes entende, "a despeito do caráter intuitu personae do mandato e sem quebra dessa feição, permite-se ao mandatário o substabelecimento dos seus poderes.", " O substabelecimento do mandato não representa qualquer violação por parte do mandatário, aos seus deveres. Tudo quanto pode acontecer é uma exacerbação gradativa da sua responsabilidade, consoante haja sido ou não autorizado o substabelecimento ...", "Havendo proibição de substabelecer, nem por isso o mandatário está impedido de transferir a outrem os seus poderes, mas, preceitua o Art.1300, § 10 , se, não obstante proibição do mandante, o mandatário se fizer substituir na execução do mandato, responderá ao seu constituinte pelos prejuízos ocorridos sob a gerência do substituto, embora provenientes de caso fortuito....", "O que se deduz, então é a possibilidade do substabelecimento, mesmo numa circunstância máxima que é a proibição expressa de substabelecer.", Orlando Gomes no mesmo sentido afirma: " Havendo proibição, ainda assim não estará tolhido de substabelecer, mas sua responsabilidade se agrava. Nesse caso, responde até pelos prejuízos resultantes do caso fortuito, a menos que prove sobreviriam ainda não houvesse substabelecimento.", Caio Mário da Silva Pereira "Do exame da nossa lei, como do estudo da nossa doutrina, resulta que, entre nós , é sempre possível substabelecer...", Arnoldo Wald "O procurador, mesmo não autorizado, pode substabelecer, mas, se houver proibição de faze-lo responderá até por caso fortuito."

É indiscutível que o Código trata o substabelecimento como poder especial, e como tal deve ser tratado, sob pena de tornar-se inócuo o Art.1300 e parágrafos do Código Civil . A lei há de ser interpretada em todo seu conjunto, "é contra o Direito julgar ou emitir parecer , tendo diante dos olhos, ao invés da lei em conjunto, só uma parte da mesma". No livro Hermenêutica e Aplicação do Direito, do ilustre Carlos Maximiliano, temos como uma das regras para disposições contraditórias, "Apure o intérprete se é possível considerar um texto como afirmador de princípio, regra geral; o outro, como dispositivo de exceção; o que não cabe neste, deixa-se para a esfera de domínio daquele." Não há também que se falar que, em sendo possível substabelecimento quando este expressamente vedado, poderia se descomprir qualquer dos poderes, por que "A lei que abre exceção a regras gerais, ou restringe direitos, só abrange os casos que especifica".

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Solução diversa do legislador pátrio, foi dada alhures no Código Civil Português nos Arts.1165º e 264º transcritos a seguir;

Art.1165º - O mandatário pode, na execução do mandato, fazer-se substituir por outrem ou servir-se de auxiliares, nos mesmos termos em que o procurador pode fazer.

Art. 264º
1. O procurador pode fazer-se substituir por outrem se o representado o permitir ou se a faculdade de substituição resultar do conteúdo da procuração ou da relação jurídica que a determina.
2. A substituição não envolve exclusão do procurador primitivo, salvo declaração em contrário.
3. Sendo autorizada a substituição, o procurador só é responsável para com o representado se tiver agido com culpa na escolha do substituto ou nas instruções que lhe deu.
4. O procurador pode servir-se de auxiliares na execução da procuração, se outra coisa não resultar do negócio ou da natureza do ato que haja de praticar.

O projeto de Código Civil, que está tramitando na Câmara dos Deputados ,o legislador busca por fim a duvida, com a seguinte solução:

Art. 667. O mandatário é obrigado a aplicar toda sua diligência habitual na execução do mandato, e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização, poderes que devia exercer pessoalmente.
§ 1º Se, não obstante proibição do mandante, o mandatário se fizer substituir na execução do mandato, responderá ao seu constituinte pelos prejuízos ocorridos sob a gerência do substituto, embora provenientes de caso fortuito, salvo provando que o caso teria sobrevindo, ainda que não tivesse havido substabelecimento.
§ 2º Havendo poderes de substabelecer, só serão imputáveis ao mandatário os danos causados pelo substabelecido, se tiver agido com culpa na escolha deste, ou nas instruções dadas a ele.
§ 3º Se a proibição de substabelecer constar da procuração, os atos praticados pelo substabelecido não obrigam o mandante, salvo ratificação expressa, que retroagirá à data do ato.
§ 4º Sendo omissa a procuração quanto ao substabelecimento, o procurador será responsável se o substabelecido proceder culposamente.

A solução dada foi pela não vinculação dos atos praticados, se a proibição de substabelecer constar da procuração, salvo ratificação expressa. Resta saber se a proibição de que fala o § 1º do Art. 667, se refere a proibição expressa ou não. Inclinamo-nos a entender que se trata da proibição não constante da procuração, visto que a solução para este caso se encontra no § 3º. O § 1º do Art. 667 vincula o mandante, pois, é a solução para o caso de não constar da procuração a proibição, resguardado assim o direito do terceiro que, através do instrumento da procuração, não tinha como saber se o substabelecimento era proibido ou não.

Sendo assim, no que se refere ao Código de 1916, como dito antes, pelo professor Caio Mario da Silva Pereira, em nosso Direito, é sempre possível substabelecer, variando a responsabilidade do mandatário; quando do silêncio ou da proibição para tanto. Já, no que se refere ao Projeto de Código Civil a solução é a seguinte: quando a proibição constar da procuração, os atos do substabelecido não vinculam o mandante; quando o mandatário estiver proibido mas não constar da procuração, a solução é do § 1º do Art. 667, o mandatário responderá ao seu constituinte pelos prejuízos ocorridos sob a gerência do substituto, embora provenientes de caso fortuito, salvo provando que o caso teria sobrevindo, ainda que não tivesse havido substabelecimento; quando a procuração for omissa, o procurador será responsável se o substabelecido proceder culposamente.

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Sobre o autor
Leonardo Azevedo Corrêa

acadêmico de Direito na PUC/RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORRÊA, Leonardo Azevedo. O problema do substabelecimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 22, 28 dez. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/804. Acesso em: 21 nov. 2024.

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