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Aspectos controvertidos do leasing no direito brasileiro

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05/03/2006 às 00:00
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5 – Responsabilidade Civil

Outra questão que deve ser analisada e merece algumas considerações diz com a responsabilidade da empresa arrendadora, em decorrência de atos ilícitos praticados pelos detentores da coisa, no seu uso, principalmente em se tratando de veículos automotores [100] ou maquinário industrial.

Na responsabilidade civil pela prática de ato ilícito o elemento subjetivo, ou seja, o dolo ou culpa, é condição essencial para caracterizar o dever de indenizar. Assim, havendo culpa exclusiva da arrendatária, exsurge o dever de indenizar. Contudo, há situações em que a doutrina tem responsabilizado, além da arrendatária, a sociedade arrendadora.

Tem como fundamentação tal imputação a posição do STF, o qual editou a Súmula 492 que reza: "a empresa locadora de veículos responde, civil e solidariamente com o locatário, pelos danos por este causados a terceiros, no uso do carro locado." Creio que não se aplica esta sumula ao contrato de arrendamento mercantil. Trata-se, na verdade, de responsabilidade pelo fato de outrem, no caso a arrendatária. A responsabilidade, neste particular, surge de acontecimento alheio, independente, à maioria das vezes, da culpa do locador, mas sem prescindir da culpa do titular da posse, autor do ato lesivo do direito. [101]

Alvino Lima menciona que dois sujeitos deparam-se perante a vítima:

De um lado, o agente, o autor do fato material ou da omissão lesivos do direito de outrem; de outro lado, os civilmente responsáveis pelas conseqüências do ato do autor material do dano, nos casos prefixados, limitativamente, em dispositivo legal. Esta responsabilidade assume aspectos diversos:

1º) o responsável civilmente responde pelos efeitos do ato do autor material do dano, havendo, sem dúvida, uma responsabilidade pelo fato material de outrem, em virtude de culpa própria presumida juris tantum. Trata-se da responsabilidade dos genitores, tutores, mestres, diretores de colégio, etc..;

2º) o civilmente responsável pelo fato de outrem, em face de uma presunção irrefragável de culpa, segundo a doutrina mais acolhida, mas criticada amplamente e substituída por outras. Trata-se de responsabilidade dos patrões, comitentes, etc., pelos atos ilícitos dos seus prepostos, desde que existam os requisitos legais daqueles atos ilícitos. [102]

No caso do leasing, a responsabilidade da sociedade arrendadora é puramente objetiva. O dever de ressarcir sem sempre se consubstancia na culpa do proprietário na entrega do veículo ao autor material. Pode ser comparada a entrega do veiculo à arrendatária com a entrega de um veículo do pai ao filho menor sem habilitação.

Os princípios fundamentais reguladores da responsabilidade pelo fato de outrem são os mesmos que regem a responsabilidade indireta, sem culpa.Tão certa a responsabilidade do proprietário, que se verifica, na clássica lição de José de Aguiar Dias [103], ainda que "o uso se faça a sua revelia, desde que se trate de pessoa a quem ele permitia o acesso ao carro ou a local em que o guarda", devendo ele responder pelos danos resultantes.

Não obstante a posição acima referida, deve ser ressaltado que não é o domínio que enseja a responsabilidade civil, e sim, a posse do veículo. Daí que não se poderia admitir a responsabilização da arrendadora pelos atos praticados pela arrendatária.

Assim, verifica-se que a jurisprudência, ao contrário da doutrina, tem firmado posição no sentido de não responsabilizar a arrendadora pelos danos provocados pela arrendatária, o que me parece a decisão mais apropriada ao caso em comento:

Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. LEASING.Desnecessidade de registro do contrato de "leasing" para que a empresa "lessee" responda por dano resultante de acidente com o veiculo arrendado.UNANIME. [104]

Ementa: ARRENDAMENTO MERCANTIL (´´LEASING´´). ARRENDADORA. RESPONSABILIDADE. TEORIA DO RISCO. INAPLICABILIDADE. A arrendadora não e responsável pelos danos provocados pelo arrendatário. o ´´leasing´´ e operação financeira, na qual, o bem em regra objeto de promessa unilateral de venda futura, tem sua posse transferida antecipadamente. a atividade, aliás, própria do mercado financeiro, não oferece potencial de risco capaz de por si acarretar a responsabilidade objetiva, ainda que a coisa arrendada seja automotor. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. II - RECURSO DESPROVIDO. [105]

Ementa: ARRENDAMENTO MERCANTIL - "Leasing" - Danos causados pelo arrendatário - Inexistência de responsabilidade do arrendador. [106]

Ementa: ACIDENTE DE TRÂNSITO - Responsabilidade civil - Veículo objeto de arrendamento mercantil - Hipótese em que o arrendador não é solidariamente responsável pelos danos causados a terceiros pelo arrendatário no uso do carro - Contrato que não se confunde com o de locação - inaplicabilidade, portanto, da Súmula 492 do STF, desconhecido o instituto do "leasing" à época de sua edição. [107]

Ementa: INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ARRENDAMENTO MERCANTIL. ARRENDANTE. ILEGITIMIDADE. SÚMULA 492 DO STF. [...]. I. Tratando-se de veiculo, objeto de arrendamento mercantil, a ação de responsabilidade civil por acidente de transito deve ser ajuizada somente contra o arrendatário ou seu preposto, jamais contra a arrendante, eis que na espécie ´´leasing´´ há a opção de compra e não meramente locação eventual de automóvel. Ilegitimidade passiva ad causam da arrendante confirmada. Inaplicabilidade nestes casos da sumula 492 do STF. [...]. Agravo retido e improvido. Apelo conhecido e provido. Sentença reformada". [108]

Ementa: Responsabilidade Civil. Se o veículo que se afirma causador do acidente é objeto de contrato de leasing, a arrendadora é solidária com a arrendatária na obrigação de indenizar e, conseqüentemente, parte legítima para integrar o pólo passivo da relação processual na ação de reparação de dano proposta por terceiros. [109]

Finalizando, no âmbito da responsabilidade civil, cabe lembrar que o direito positivo brasileiro contempla, basicamente, a responsabilidade subjetiva, exigindo a constatação da culpa do agente, quando resultar dano a terceiro, para que venha a caber o direito deste terceiro de ser indenizado. Do ponto de vista subjetivo, é fácil ver,desde logo, que o arrendador não opera o bem, não podendo ser culpado por negligência, imprudência ou imperícia próprias. No arrendamento mercantil, o arrendador não tem a menor possibilidade jurídica de interferir, positiva ou negativamente, na utilização do bem, notadamente quando ocorra em desconformidade com as normas administrativas aplicáveis; o ato infracional, portanto, é inteiramente estanha a ele arrendador; independe de qualquer atuação sua e não pode ser evitado por ele, por nenhum meio porventura a seu alcance.


6 – Indexação e Variação Cambial das contraprestações

Aspecto não menos controvertido é a possibilidade ou não de indexação do contrato de arrendamento mercantil em moeda estrangeira, ainda mais após a alta do dólar ocorrida em janeiro de 1999. De uma análise dos dispositivos legais aplicáveis, verifica-se que é perfeitamente legal a indexação dos valores estipulados no contrato de arrendamento mercantil em moeda estrangeira.

A questão da estipulação de obrigações em moeda estrangeira veio a ser inteiramente disciplinada pelo artigo 6º, da Lei 8.880. de 27 de maio de 1994, que estabeleceu, como regra geral, a nulidade plena dessas estipulações, exceto mediante autorização expressa em lei federal e nos contratos e leasing baseados na captação de recursos provenientes do exterior.

Veja-se que é "indiscutível a possibilidade de indexação dos valores estipulados no contrato de arrendamento mercantil, quer para as prestações, quer para o valor residual de compra do bem arrendado." [110]

O que se discute é o repasse do risco cambial em operações com recursos obtidos do exterior, uma vez que podem ocorre altas na variação cambial que tornem extremamente oneroso o contrato à arrendatária.

Deve ser destacado que os dólares captados no exterior para lastrear operações de leasing são de "boa qualidade", segundo Miranda Leão [111], por duas razões importantes: primeiro, são contratados para retornar no prazo de dois ou três anos, não sendo portanto dinheiro volátil, que some do país a qualquer sinal de alarme; segundo, porque esses recursos são, necessariamente, utilizados para comprar bens duráveis – pois é essa a atividade das empresas de leasing – o dinheiro é injetado no incremento da produção, gerando riquezas – pagamentos de tributos como ICMS e IPI - e contribuindo para aumentar o PIB.

Da mesma forma, ressalta-se que os juros internos brasileiros são superiores aos praticados no exterior. Dessa forma, as operações de captação de recursos no exterior pelas sociedades de arrendamento mercantil são mais baratas, contudo estão sujeitas à variação cambial, porquanto as obrigações devem ser cumpridas no exterior, em divisas.

Torna-se incabível, destarte, que as sociedades arrendadoras, visando adquirir bens no país e arrendá-los, tendo captado capital no exterior para tanto, não possam indexar as prestações do contrato estipulado com base na variação cambial, porquanto, caso haja elevação da variação cambial, terão de efetuar o pagamento do empréstimo no exterior em moeda estrangeira, sendo que a arrendatária, que é quem está usufruindo do bem adquirido com este dinheiro, continuará pagando as parcelas sem haver acréscimo algum. Esta situação vai contra as leis de mercado e faria com que as sociedades arrendadoras diminuíssem seus investimentos no país, tendo em vista que as modernas práticas administrativas recomendam equilíbrio na indexação das operações ativa e passivas

Nesse particular reside a controvérsia nos pretórios pátrios. A arrendadora, para indexar à variação cambial o contrato de arrendamento mercantil, deve provar que o fez com capital captado no exterior. Nesse sentido, trazemos à colação as seguintes decisões:

Ementa: Civil e processual civil. Agravo no agravo de instrumento. Contrato de arrendamento mercantil (leasing). Cláusula de reajuste vinculado à variação cambial. É ônus da arrendadora a prova de captação de recursos provenientes de empréstimo em moeda estrangeira, sob pena de violar o art. 6° da Lei n. 8.880/94. Agravo não provido. [112]

LEASING. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. PRESTAÇÕES REAJUSTADAS PELA VARIAÇÃO CAMBIAL. O aumento do dólar americano no mês de janeiro/99 representa fato superveniente capaz de ensejar a revisão contratual, devendo o ônus respectivo ser repartido entre credor e devedor. Precedentes. Recurso especial conhecido, em parte, e provido. [113]

ARRENDAMENTO MERCANTIL - Leasing - Teoria da imprevisão - Aplicabilidade - Contrato indexado pelo dólar norte americano - Variação cambial abrupta - Circunstância que possibilita a substituição do indexador representado pela moeda estrangeira pelo INPC, que melhor reflete a inflação, repondo as partes às condições existentes no momento da celebração da avenca. [114]

ARRENDAMENTO MERCANTIL - Reajuste do contrato pela variação cambial do dólar norte-americano - Admissibilidade, se pactuado com recursos obtidos no exterior pela arrendante. [115]

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EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. ARRENDAMENTO MERCANTIL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO. 1. [...] 5. CLÁUSULA DE VARIAÇÃO CAMBIAL. Não havendo prova de que recursos captados no estrangeiro foram aplicados no contrato, para aquisição do bem arrendado, e diante da superveniência da alta cotação do dólar norte-americano, que causou onerosidade excessiva ao consumidor, deve ser afastada a correção monetária pela variação cambial. [...] Apelação desprovida, com disposições de ofício. Recurso adesivo provido. [116]

EMENTA: ARRENDAMENTO MERCANTIL. LEASING. REVISÃO DE CONTRATO. [...]. CORREÇÃO MONETÁRIA DE ACORDO COM A CLÁUSULA DE VARIAÇÃO CAMBIAL. Não obstante o disposto no art. 6º da Lei nº 8.880/94, a indexação da correção monetária à variação cambial, prevista no contrato, não pode ser aplicada, porquanto não fez a entidade arrendadora prova de que os recursos aplicados na compra do bem tenham sido, efetivamente, captados no mercado internacional e, para isso, efetivamente utilizados. [...]. Primeiro apelo provido, segundo apelo desprovido, com disposições de ofício. [117]

O artigo 9º da Resolução 2.309 estabelecia que "os contratos de arrendamento mercantil de bens cuja aquisição tenha sido efetuada com recursos provenientes de empréstimos contraídos, direta ou indiretamente, no exterior, devem ser firmados com clausula de variação cambial." Este dispositivo fazia com que as sociedades arrendadoras não pudessem utilizar outro indexador para as operações de leasing com recursos captados no exterior, provocando o engessamento de suas operações.

Ocorre que, em 20 de fevereiro de 2004, o Banco Central do Brasil editou a Resolução nº 3.175, a qual alterou o artigo 9º da Resolução 2.309, tornando faculdade da arrendadora a pactuação de cláusula de variação cambial, mesmo que o bem arrendado tenha sido adquirido com recursos provenientes do exterior: "Art. 9º É facultada a pactuação de cláusula de variação cambial nos contratos de arrendamento mercantil de bens cuja aquisição tenha sido efetuada com recursos provenientes de empréstimos contraídos direta ou indiretamente no exterior."

Apesar de as sociedades arrendadoras repassarem o risco de recursos obtidos no exterior aos contratos de arrendamento mercantil cuja aquisição de bens tenha sido efetivada com recursos provenientes do exterior, a edição desta resolução abre uma nova perspectiva, possibilitando o fomento da indústria brasileira.

Analisando a questão da variação cambial em contratos de arrendamento mercantil, conclusivas são as palavras de Miranda Leão [118]:

Ao se deparar com um contrato que contenha cláusulas de variação cambial, o jurista deve se preocupar em verificar se a vantagem consistente no custo financeiro mais baixo foi repassada para o arrendatário; se foi, é justo e correto repassar também o risco da variação cambial, pois a vantagem correspondente a esse risco beneficia o arrendatário. Entendo, assim, que se poderia até falar em abusividade, quando comprovadamente o arrendador, embora estipulando no contrato a variação cambial, tenha operado a um custo financeiro semelhante as que pratica nas operações em reais, porque nesse caso ele repassou o risco sem repassar o correspondente benefício.

Parece que a solução encontrada por Miranda Leão é a mais apropriada, uma vez que leva em consideração os benefícios que o repasse do risco à arrendatária pode gerar.

As discussões mais sérias, no entanto, não estão centradas na questão da legalidade da cláusula, haja vista que esta questão já encontra-se ultrapassada pela análise dos dispositivos legais aplicáveis á espécie, mas sim na eventual caracterização de um fato imprevisível que enseje a aplicação da cláusula rebus sic stantibus [119] para interferir no âmbito da obrigatoriedade estrita dos compromissos assumidos.

Data vênia, não há qualquer imprevisão na previsão. Apesar de o câmbio manter-se estável durante quase 5 anos, o que deve ter encorajado muitos a crer que continuaria assim indefinidamente, não foram poucos os especialistas que alertavam à supervalorização do real em relação ao dólar.

Não se quer sustentar a impossibilidade de haver a revisão dos contratos ou modificação nos contratos em dólar. O mais correto, em se tratando de discussão acerca de indexador com variação cambial, é ser analisado o caso concreto e, naqueles casos em que a falta de revisão contratual empurrar a arrenadatária á inadimplência, a modificação se faz necessária através da dilação do prazo do arrendamento, devendo ser preservado, ao mesmo tempo, a capacidade de pagamento e o cumprimento das obrigações contratuais, gize-se, livremente pactuadas.

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Sobre o autor
Pablo Berger

advogado em Porto Alegre (RS), especializando em Direito Processual Civil pela PUC/SP, especializando em Direito Empresarial pela PUC/RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERGER, Pablo. Aspectos controvertidos do leasing no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 977, 5 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8054. Acesso em: 25 abr. 2024.

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