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Aspectos controvertidos do leasing no direito brasileiro

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05/03/2006 às 00:00
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7 – Questões tributárias

Não surpreende o fato de que a Lei nº 6.099/74 tenha enfatizado os aspectos fiscais do negócio, quando se verifica que ele surgiu como uma excelente alternativa de planejamento tributário às empresas que necessitassem renovar ou atualizar seus equipamentos. Ao adquirir a propriedade destes, fosse mediante compra a prazo, fosse mediante obtenção de empréstimo, as empresas estariam necessariamente imobilizando capital, devendo lançar como despesas operacionais apenas os custos financeiros – juros – pagos na compra, além do coeficiente de depreciação presumida do bem, nos limites admitidos pela legislação tributária.

Através do contrato de leasing, tornou-se possível às empresas equipar-se ou renovar seus equipamentos, mediante arrendamento. Pagando pelo uso do bem, e não pelo direito de propriedade, tornou-se possível às empresas considerar como despesa operacional praticamente todo o desembolso relacionado com a aquisição do equipamento de que necessitavam para operar.

Pelo regime estabelecido pela Lei nº 6.099/74, as contraprestações paga pelos arrendtários podem ser deduzidas como despesa operacional, de modo a reduzir o lucro tributável. As arrendadoras, por sua vez, que devem registrar essas mesmas contraprestações como receita, recebem o direito de deduzir como despesa operacional uma taxa de depreciação acelerada, também colhendo assim um benefício tributário. [120]

O valor estipulado como residual [121], no entanto, ainda quando seja antecipado pelo arrendatário sob forma de depósito caucionário, não pode ser deduzido como despesa deste, nem deve ser considerado como receita operacional do arrendador. A margem tributável referente à receita com a venda do bem, ao término da relação de arrendamento, é apurada pelo confronto do preço dessa venda com o valor contábil do patrimônio: se o valor apurado na venda do bem for superior ao valor depreciado do mesmo, essa diferença deve ser oferecida á tributação. Contudo, no caso de o valor de venda ser inferior ao valor depreciado, essa diferença não pode ser considerada como prejuízo para efeito de tributação.

7.1 – Imposto sobre serviços (ISS) X imposto sobre operações de crédito (IOF)

Como visto, o contrato de leasing é uma das manifestações jurídicas do fenômeno econômico do financiamento. No entanto, é uma vez que o núcleo desse contrato é uma utilização remunerada de um bem infungível, ele não pode ser classificado como uma operação financeira, ou uma operação de crédito, para efeitos tributários.

Em matéria tributária vigora rigidamente o princípio da estrita legalidade, não se podendo formular hipóteses de incidência por analogia. Ao disciplinar o imposto federal sobre operações de crédito, câmbio e seguros [122], o Código Tributário Nacional caracterizou o fato gerador como sendo a "entrega total ou parcial do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado". [123]

Portanto, para que se caracterize o fato gerador desde tributo é necessário que exista a entrega ou a disponibilização de dinheiro do credor para o devedor.

Destarte, no contrato de leasing o arrendador não entrega nem disponibiliza dinheiro para o arrendatário: adquire a propriedade de um bem de escolha deste último, e disponibiliza esse bem para utilização dele, mediante pagamento de uma renda mensal. O núcleo contratual refoge, inteiramente, pois à hipótese de incidência definida no Código Tributário Nacional para o chamado IOF, sigla pela qual é conhecido o imposto federal sobre operações de crédito, câmbio e seguros.

Em face da semelhança existente entre o contrato de leasing e a locação tradicional, já nos primeiros anos de vigência da Lei nº 6.099/74, os municípios trataram de lançar, sobre essas operações, o imposto sobre serviços (ISS), sempre que o objeto do contrato com base na lista de serviços anexa ao Decreto-lei 406, de 31 de dezembro de 1968, item 69.

Houve e ainda há contestação judicial dessa tributação, sob o argumento de que, embora se aproximasse ou se assemelhasse á locação, o leasing constituía uma operação diferente dela, por distinções claras e definidas [124]. Assim, não teria enquadramento das operações de leasing como locação, impossibilitando a incidência do ISS, em face do princípio da estrita legalidade.

Essa tese acabou sendo acolhida pelos pretórios, permanecendo as operações de leasing inatingidas pelo tributo municipal até o advento da Lei Complementar 56, de 15 de dezembro de 1987, que modificou a redação do item 79 da lista para contemplar, expressamente, o arrendamento mercantil como hipótese de incidência desse imposto. [125]

Comprovando o supra exposto, temos:

Ementa: Tributário. Processual Civil. Arrendamento Mercantil (leasing). ISS. Lei Complementar nº 57/87. Decreto-Lei nº 406/68 (item 79 – tabela anexa). CPC, artigos 535, II, e 538, Parágrafo Único. Súmulas 98 e 138/STJ. [...] 2. O ISS somente passou a incidir nas operações de leasing a partir da vigência da Lei Complementar 57/87, quando o arrendamento mercantil foi incluído na lista de serviços anexa ao Dec. Lei 406/68 (item 79). 3. Precedentes jurisprudenciais. 4. Recurso parcialmente provido para escandir a multa e, no caso, alforriar da incidência do ISS as operações de leasing efetivadas no período de 1984 a 1987. Incidência após o vencimento desse interregno. [126]

A questão tomou contornos definitivos pela edição da Súmula 138 do superior Tribunal de Justiça, que estabeleceu que "o ISS incide na operação de arrendamento mercantil de coisas móveis".

7.2 – Imposto sobre circulação de mercadoriais – ICMS

O imposto sobre circulação de mercadorias também se apresenta como um aspecto obre o qual existam divergências. Não foram poucos os estados que lançaram tal tributo sobre as operações de arrendamento mercantil, entendendo que a habitualidade caracterizaria as empresas de arrendamento como contribuintes, e as vendas por ela efetuadas como fatos geradores desse imposto.

A polêmica foi apaziguada, aparentemente, pela atual redação do inciso VII, do artigo 3º, da Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996, que declara a não incidência do imposto sobre operações de arrendamento mercantil; no entanto, a ressalva contida nesse dispositivo –"não compreendida a venda do bem arrendado ao arrendatário"- parece deixar margem a dúvidas.

Na realidade, segundo Miranda Leão [127], não há como vislumbrar fato gerador desse imposto nas operações de arrendamento mercantil, mesmo quando o arrendatário venha, ao cabo do contrato, exercer a opção de compra do bem, porque de maneira alguma há como compreender esses bens no conceito de mercadoria, que é utilizado pela Constituição Federal – artigo 155, inciso II – e que tem conteúdo próprio. Mercadorias são os bens, produzidos pelas indústrias ou não, adquiridos por comerciantes para revenda, já por atacado, já a varejo.

As empresas arrendadoras não adquirem bens para revender, mas para arrendar. A aquisição feita pela arrendadora situa-se na etapa final do ciclo de produção e comercialização: sobre essa compra, incide o imposto estadual, mas depois dela o bem vai entrar em uso, ou seja, vai prestar-se para a utilidade para a qual foi produzido e comercializado.

Quando vier a ser futuramente alienado pela arrendante, não se configura circulação de mercadoria, até porque a arrendadora compra um bem novo e vende um bem usado, por valor inferior à aquisição.

Não é devido, da mesma forma, o pagamento do tributo no caso de importação de mercadoria mediante contrato de leasing, conforme a seguinte decisão:

Ementa: REGIME DE ARRENDAMENTO MERCANTIL - "LEASING" - ICMS - FATO GERADOR - INOCORRÊNCIA - PRECEDENTES. A jurisprudência desta eg. Corte é iterativa, no sentido de que a importação de mercadorias mediante contrato de arrendamento mercantil (leasing) não caracteriza fato gerador do ICMS. Nego provimento ao agravo regimental. [128]

Ementa: EXECUÇÃO FISCAL. ARRENDAMENTO MERCANTIL. Contrato misto, o leasing tornou-se um negócio típico, nominado e autônomo, definido e regrado pela Lei n 6099/74. Sobre esta operação incide o ISS, nos termos do Decreto-lei n 406/68, item 79 da lista de serviços. Não incidência do ICMS. Precedentes jurisprudenciais. Súmula 138 do STJ. Apelo provido. [129]

Assim, nem na importação, nem na operação interna, cabe a cobrança do imposto sobre a circulação de mercadoria, posição esta firmada pelo Superior Tribunal de Justiça.

7.3 – Imposto sobre produtos industrializados

O Código Tributário Nacional [130], em seu artigo 46, escolheu, para fato gerador do tributo em questão, três hipóteses diversas, ou momentos característicos da coisa no circuito econômico de sua utilização, no dizer de Aliomar Baleeiro [131]:

Em primeiro lugar, quanto às mercadorias importadas, o fato gerador é o desembaraço aduaneiro destas, nos portos ou lugares alfandegados, podendo o imposto ser pago concomitantemente com os direitos alfandegários ou mesmo depois, mas antes de a mercadoria sair das docas ou da estação aduaneira.

Em segundo lugar, em relação às mercadorias saídas do estabelecimento produtor ou fabricadas em estabelecimento nacional, o fato gerador ocorre quando da saída da coisa do estabelecimento industrial, ou equiparado a industrial.

Por último, no tocante às mercadoria apreendidas, ou abandonadas pelos condutores ou importadores nas docas e estações alfandegárias, desinteressando-se de seu desembaraço, o fato gerador é o ato do leilão. O arrematante está obrigado a recolher o imposto antes da saída dos produtos. [132]

No leasing, as hipóteses mais correntes situam-se na importação e na saída do produto do estabelecimento industrial, ou equiparado a industrial. Com a destinação dos bens à locação pelo regime do leasing, verificar-se-á o fato gerador do imposto, incidindo o ônus fiscal no importador ou fabricante. Isto quanto aos produtos importados [133].

Contudo, se a aquisição de bens ocorrer no mercado interno, para fins de posterior arrendamento, nenhum imposto será devido, consoante Parecer Normativo CST-259, de 10.08.1971. Esta também é a posição de Arnoldo Wald [134], segundo o qual, "quanto aos equipamentos adquiridos pela companhia de leasing no mercado interno, entendemos que permanecem em vigor as disposições do Parecer 529, de acordo com o qual nenhum imposto será devido pela companhia de leasing"

Nesse sentido se manifesta a jurisprudência:

Ementa: CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. IPI. LEASING FINANCEIRO. IMPORTAÇÃO. TRIBUTOS DEVIDOS. 1. Se o arrendatário assume a condição de importador direto do equipamento objeto de leasing mercantil do tipo financeiro, assume o status de importador e arca com os tributos (II e IPI) decorrentes do desembaraço aduaneiro. [...] 4. Apelações improvidas. [135]

7.4 – Imposto de Importação e Exportação

Um produto que é importado sobre a incidência de três tributos distintos: o IPI, ICMS e Imposto de Importação (II), cujo fato gerador é a entrada de mercadoria estrangeira em território nacional.

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Através deste encargo, exerce o governo uma política de controle ou incentivo da economia interna, limitando ou desestimulando a importação, com o que prestigia a indústria nacional. Para Luiz Emídio F. Da Rosa Júnior, "é o imposto estabelecido com o fim precípuo de servir de instrumento para intervenção no domínio econômico ou social, sendo meramente secundária a intenção de arrecadar". [136]

O disposto pelo artigo 17 da Lei 6.099, modificado pela Lei 7.132, estabelece: "A entrada no território nacional dos bens objeto de arrendamento mercantil, contratado com entidades arrendadoras domiciliadas no exterior, não se confunde com o regime de admissão temporária de que trata o Decreto-lei 37, de 18,11,1966, e se sujeitará todas as normas legais que regem a importação".

Em suma, é devido o pagamento do imposto de importação nas operações de leasing, mesmo que o equipamento não permaneça definitivamente no território nacional. A entrada no país constitui fato gerador à incidência. [137]

Sobre o Imposto de Exportação (IE), o leasing se opera com firma estabelecida no exterior, mas tomando por base produto de procedência nacional. O arrendador está domiciliado no Brasil, e o arrendatário-comprador no exterior. O fato gerador se dá no momento da expedição da guia de exportação ou documento equivalente. A compra e venda, nesse caso particular, é equiparada á exportação, redundando idênticos benefícios.

A Lei nº 6.099, em seu artigo 19, equipara à exportação a compra e venda de bens no mercado interno, para realização de arrendamento mercantil em favor de arrendatário domiciliado no exterior, assegurando ao vendedor os incentivos fiscais à exportação, desde que preenchidos os demais requisitos legais. O artigo 21 autoriza o Ministro da Fazenda a estender aos arrendatários de máquinas, aparelhos e equipamentos de produção nacional,objeto de arrendamento mercantil, os benefícios do Decreto-lei 1.136, de 07.12.1970.


8 – Antecipação do valor residual garantido – novo posicionamento do STJ

Talvez a questão que mais tenha suscitado controvérsias nos tribunais e na doutrina acerca do contrato de arrendamento mercantil tenha sido a antecipação do valor residual garantido, tendo em vista que existia divergência entre turmas do Superior Tribunal de Justiça acerca dos efeitos desta antecipação. Ocorre que esta situação restou sanada pelo julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 213.828/RS, tendo o pretório superior cancelado a Súmula 263.

Antes de adentrar nas particularidades do julgamento acima referido, torna-se primordial estabelecer a diferença existente entre o valor residual garantido (VRG) e o valor residual (opção de compra), haja vista que muitas das divergências verificadas surgiram em face da confusão existente entre os dois institutos, as quais são diferenciadas e se aplicam em situações diversas.

Jorge G. Cardoso diferenciou brilhantemente VRG de opção de compra:

O valor residual garantido é, portanto uma obrigação assumida pelo arrendatário quando da contratação do arrendamento mercantil, no sentido de garantir que o arrendador receba, ao final do contrato, a quantia mínima final de liquidação do negócio, em caso do arrendatário optar por não exercer seu direito de compra e, também, não desejar que o contrato seja prorrogado.

O valor residual é o preço estipulado para o exercício da opção de compra, ou valor contratualmente garantido pela arrendatária como mínimo que será recebido pela arrendadora na venda a terceiros do bem arrendado, na hipótese de não ser exercida a opção de compra. [138]

Verifica-se, portanto, que são institutos absolutamente diferentes, não podendo ser confundidos, sob pena de desfigurar completamente o contrato ora em estudo, descaracterizando-o para compra e venda a prestações, o que efetivamente ocorreu.

Nas palavras de Silvia Vanti, [139] "podemos dizer que o valor residual corresponde ao preço para o exercício da opção de compra. Se o arrendatário optar pela compra do bem, pagará um valor residual garantido."

Nesse diapasão, surgiram duas correntes: a primeira, que defendia que o contrato de arrendamento mercantil não seria descaracterizado em face do pagamento antecipado do Valor Residual Garantido, e a segunda que defendia a descaracterização do contrato de leasing em face do pagamento antecipado do VRG.

Os que defendem a primeira tese, alegam que o valor residual pago antecipadamente funciona como uma espécie de garantia à arrendadora, isto é, se o arrendatário não exercer a opção de compra no final do contrato, devolve o bem. Por conseguinte, a arrendadora alienará e terá em seu poder uma espécie de caução proveniente da antecipação. Em sendo o preço da venda superior ao VRG, a arrendadora devolverá o excedente ao arrendatário. Se inferior, existirá um débito a ser satisfeito pela arrendatária.

A antecipação do VRG, destarte, não descaracterizaria o contrato de leasing, porquanto mesmo em sendo pago antecipadamente, a arrendatário não teria exercido a opção de compra, que é um ato voluntário ocorrido após o adimplemento de todas as contraprestações. Continuaria em vigor a opção da arrendatária ao final do contrato em optar pela compra, devolução ou renovação do contrato. O arrendatário tem ciência que está pagando o VRG antecipadamente, pois são enviados bloquetos diversos dos enviados a título de pagamento das contraprestações.

Torna-se evidente, portanto, que a assunção e o cumprimento da obrigação representada pelo pagamento do VRG não implica em antecipar a opção de compra. Portanto, quando o arrendatário antecipa numerário a título de VRG, o correto é entender essa antecipação como um depósito que ele faz em mãos do arrendador, para utilização futura. Se ele vier a optar pela compra, utilizará esse depósito para pagar o preço. Se não optar, os depósitos servirão de garantia do valor mínimo: caso, na venda a terceiros, o bem não alcance o montante estipulado no contrato, o arrendador lançara mão do depósito para cobrir o valor faltante, e devolverá o resto ao arrendatário.

Verifica-se, desse modo, que a diluição do pagamento do VRG ao longo do contrato surgiu frente à necessidade das arrendadoras em garantir a segurança do capital investido, sem que esta garantia significasse, às arrendatárias, desembolso significativo a onerasse demasiadamente.

A outra corrente, que dominou as discussões acerca da descaracterização do contrato frente à antecipação do VRG, defendem que este ato estaria desnaturando o contrato de leasing, pois nada mais seria do que uma compra e venda a prestações. Deve ser ressaltado que a descaracterização ocorre quando o pagamento do VRG é efetuado antes de terminado o contrato. Uma situação é antecipar o VRG em uma única prestação; outra é fazer a opção de compra do bem. Dentre os defensores desta tese encontra-se o renomado Arnaldo Rizzardo [140], segundo o qual "instituiu-se mais uma obrigação, sem que nada constasse em lei, e descaracterizando a própria natureza do leasing[...]"

Salientam que para que o contrato de leasing seja caracterizado como tal, tendo todos os benefícios fiscais inerentes, um dos requisitos é a cláusula que permite a opção de compra do bem arrendado ao final do contrato. Não possuindo isto, não se considera arrendamento mercantil, pois não conteria um dos elementos exigidos em lei.

A discussão gira em torno do disposto pelo artigo 10 da Resolução 2309:

"A operação de arrendamento mercantil será considerada como de compra e venda a prestação se a opção de compra for exercida antes de decorrido o respectivo prazo mínimo estabelecido no art. 8º deste regulamento".

Veja-se, por outro lado, o que diz o artigo 7º, inc. VII, letra a:

"A previsão de a arrendatária pagar o valor residual garantido em qualquer momento durante a vigência do contrato, não caracterizando o pagamento do valor residual garantido o exercício de opção de compra".

Agora pergunta-se o porquê desta divergência instaurada, ou melhor, quem é interessado em que o contrato seja descaracterizado. Nessa perspectiva, as discussões chegaram ao Poder Judiciário, oriundas de duas situações divergentes.

A primeira refere-se a defesa apresentada pelo arrendatário em ação de reintegração de posse ajuizada pelas sociedades arrendadoras, tendo em vista o inadimplemento das obrigações. Na defesa alegava-se que o pagamento antecipado do VRG significava o exercício antecipado da opção de compra, o que iria de encontro às disposições específicas aplicáveis e descaracterizaria o contrato de leasing para contrato de compra e venda a prestação, em face do disposto pelo art. 10 da Res. 2.309 do BACEN. Assim, como na compra e venda a propriedade é transferida pela tradição do bem, não há que se falar em reintegração de posse, uma vez que as sociedades arrendadoras não seriam as proprietárias dos bens arrendados.

Este entendimento foi predominante perante as Turmas de Direito Privado do STJ, sendo que até mesmo súmula fora editada no sentido acima exposado – Súmula 263: "A cobrança antecipada do valor residual (VRG) descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil, transformando-o em compra e venda a prestação".

Note-se que esta tese ganhou relevância à medida que foi acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça e pela maioria dos pretórios estaduais, fazendo com que as sociedades arrendadoras vissem os prejuízos em face do inadimplemento aumentar significativamente, podendo, inclusive, comprometes as operações no País.

Como exemplo desse posicionamento do STJ, transcrevemos a seguinte decisão:

Ementa: ARRENDAMENTO MERCANTIL. LEASING. ANTECIPAÇÃO DO PAGAMENTO DO VALOR RESIDUAL GARANTIDO. DESCARACTERIZAÇÃO DA NATUREZA CONTRATUAL PARA COMPRA E VENDA À PRESTAÇÃO. LEI 6.099/94, ART. 11, § 1º. NÃO OCORRÊNCIA. AFASTAMENTO DA SÚMULA 263/STJ. 1. O pagamento adiantado do Valor Residual Garantido- VRG não implica necessariamente antecipação da opção de compra, posto subsistirem as opções de devolução do bem ou prorrogação do contrato. Pelo que não descaracteriza o contrato de leasing para compra e venda à prestação. 2. Como as normas de regência não proíbem a antecipação do pagamento da VRG que, inclusive, pode ser de efetivo interesse do arrendatário, deve prevalecer o princípio da livre convenção entre as partes. 3. Afastamento da aplicação da Súmula 263/STJ. 4. Embargos de Divergência acolhidos. [141]

A segunda situação refere-se às demandas ajuizadas pelas autoridades fiscais, as quais postulavam a descaracterização do contrato de leasing, com conseqüente perda dos benefícios fiscais à arrendatária, argumentando que o pagamento antecipado do VRG resultava em valor irrisório a ser pago ao final do contrato pelo arrendatário, no caso de vir a exercer a opção de compra.

Ao contrário das demandas julgadas pela Turmas de Direito Privado, as Turmas de Direito Público entendiam que a antecipação do valor residual garantido não descaracterizaria o contrato de leasing, mantendo o benefício tributário legalmente conferido às arrendatárias. Note-se que o fundamento para tal decisão é de que a autonomia da vontade deve prevalecer em toda a sua extensão.

Exemplificativamente, transcrevemos a seguinte decisão, oriunda da Seção de Direito Público do STJ:

Ementa: TRIBUTÁRIO. "LEASING". IMPOSTO DE RENDA. DESCARACTERIZAÇÃO DO CONTRATO. 1. O contrato de "leasing", em nosso ordenamento jurídico, recebe regramento fechado pela via da Lei nº 6.099, de 1974, com a redação que lhe deu a Lei nº 7.032, de 1983, pelo que só se transmuda em forma dissimulada de compra e venda quando, expressamente, ocorrer violação da própria lei e da regulamentação que o rege. 2. Não havendo nenhum dispositivo legal considerando como cláusula obrigatória para a caracterização do contrato de "leasing" e que fixe valor específico de cada contraprestação, há de se considerar como sem influência, para a definição de sua natureza jurídica, o fato das partes ajustarem valores diferenciados ou até mesmo simbólico para efeitos da opção de compra. 3. Homenagem ao princípio de livre convenção pelas partes quanto ao valor residual a ser pago por ocasião da compra. 4. Não descaracterização de contrato de "leasing" em compra e venda para fins de imposto de renda. 5. Recurso desprovido. [142]

Embora se tratando de teses completamente distintas, os julgamentos que redundaram nos Embargos de Divergência que cancelaram a Súmula 263 do STJ tinham o mesmo objetivo: descaracterizar o contrato de arrendamento mercantil, seja para retirar benefícios tributários das arrendatárias, seja para manter-se na posse do bem. Foram colocadas em lados opostos as Turmas de Direito Privado e de Direito Público do STJ.

Tendo em vista a divergência instaurada, foram opostos Embargos de Divergência no Recurso Especial, sendo apreciado pela Corte Especial do STJ, que é a competente para dirimir conflitos de entendimentos sobre o mesmo assunto.

No julgamento dos Embargos opostos, a Corte Especial reconheceu a validade da pactuação do pagamento antecipado da VRG, como elemento ínsito aos contratos de arrendamento mercantil, e de interesses das próprias arrendatárias.

A decisão levou em consideração o fato de que o pagamento antecipado do VRG não implica antecipação da opção de compra, tendo em vista que continuariam disponíveis as opções de compra, renovação e devolução do objeto arrendado. Nesse diapasão, a cláusula não descaracteriza o contrato de leasing, tampouco o transforma em compra e venda a prestações. Ressalte-se que o referido julgamento redundou no cancelamento da Súmula 263 do STJ.

Abaixo transcreve-se a ementa do acórdão dos Embargos de Divergências supracitados, os quais modificaram o posicionamento das Turmas de Direito Privado do STJ:

Ementa: ARRENDAMENTO MERCANTIL. LEASING. ANTECIPAÇÃO DO PAGAMENTO DO VALOR RESIDUAL GARANTIDO. DESCARACTERIZAÇÃO DA NATUREZA CONTRATUAL PARA COMPRA E VENDA À PRESTAÇÃO. LEI 6.099/94, ART. 11, § 1º. NÃO OCORRÊNCIA. AFASTAMENTO DA SÚMULA 263/STJ. 1. O pagamento adiantado do Valor Residual Garantido- VRG não implica necessariamente antecipação da opção de compra, posto subsistirem as opções de devolução do bem ou prorrogação do contrato. Pelo que não descaracteriza o contrato de leasing para compra e venda à prestação. 2. Como as normas de regência não proíbem a antecipação do pagamento da VRG que, inclusive, pode ser de efetivo interesse do arrendatário, deve prevalecer o princípio da livre convenção entre as partes. 3. Afastamento da aplicação da Súmula 263/STJ. 4. Embargos de Divergência acolhidos. [143]

Consoante Informativo da ABEL nº 165, a trajetória do leasing retomou o crescimento após a decisão do STJ declarando que a antecipação do valor residual garantido não descaracteriza o contrato para compra e venda a prestações. Salienta tal informativo que

"desde a decisão da Justiça, em relação à legalidade do Valor Residual Garantido (VRG), o número de contratos e valores negociados tem crescido de maneira expressiva. Em agosto deste ano(2003) os novos negócios somaram R$ 510 milhões. Valor 99,75% maior do que os R$ 255 milhões registrados no mesmo mês do ano passado (2002)."

Contudo, apesar de cancelada a Súmula 263, que descaracterizava o contrato de leasing, em maio de 2003, alguns tribunais estaduais, especialmente o Tribunal de Justiça de São Paulo, Goiás e Rio Grande do Sul, mantêm o entendimento de que o pagamento antecipado do VRG descaracteriza o leasing para compra e venda a prestações [144].

Impende seja destacado que a Súmula 263 foi substituída pela Súmula 293 do Superior Tribunal de Justiça com a seguinte redação, publicada no site do e. STJ [145] em 05.05.2004:

"Súmula 293 – STJ A cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil."

Verifica-se, portanto, que, não obstante a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, a questão do pagamento antecipado do Valor Residual Garantido continua gerando controvérsias nos tribunais estaduais. De um lado há os arrendatários e o fisco para os quais a descaracterização, embora com efeitos diferentes, tornar-se-ia benéfica, uma vez que impossibilitaria a reintegração de posse e a extinção dos benefícios legais que o contrato de leasing possibilita ao arrendatário. De outro lado, as sociedades arrendadoras, com capital elevadíssimo investido no setor, a qual não quer ver o seu investimento frustrado.

Não resta dúvida, em face de todo o exposto, que a controvérsia continuará sendo discutida nos tribunais, haja vista a importância dos valores e interesses envolvidos.

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Sobre o autor
Pablo Berger

advogado em Porto Alegre (RS), especializando em Direito Processual Civil pela PUC/SP, especializando em Direito Empresarial pela PUC/RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERGER, Pablo. Aspectos controvertidos do leasing no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 977, 5 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8054. Acesso em: 24 nov. 2024.

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