2.A TUTELA DO MEIO AMBIENTE ARTIFICIAL
O meio ambiente artificial vai coincidir, contudo, com os limites territoriais impostos pelo Município, de forma que a atuação deste esteja restrita à sua área territorial, cumprindo assim suas atribuições constitucionais.
É nesse aspecto que ao Município vão caber competências legislativas e administrativas de forma a organizar o meio ambiente artificial da maneira mais satisfatória, voltando-se às necessidades dos munícipes que vivem sob sua égide.
2.1. O Município
O município é ente que compõe a República Federativa do Brasil, estando de acordo com o art. 1º da Constituição Federal de 1988. E seguindo o mesmo instituto, vai-se até o art. 18, que imprime caráter autônomo ao município.
Esta característica é da natureza do ente federativo desde as constituições mais antigas, da monarquia até a constituição atual. Acontece que tal natureza se limitava à letra da lei, não chegando à sua efetivação. No decorrer das edições constitucionais que vigoraram no país, somente a partir de 1946 é que se pôde sentir alguma aplicação de sua tão pregada autonomia. Foi daí que começaram a viger as Cartas Estaduais e as leis orgânicas municipais, regulamentando o exercício dessa autonomia. Antes disso, as tentativas de tornar o município num ente independente no que tange as suas competências foi meramente figurativa, pois o caráter descentralizador não era bem vindo nas conjunturas políticas e sociais que vigoravam nas épocas passadas.
Para Hely Lopes Meireles (2003, p. 74) não cabe atualmente ao município papel de entidade meramente administrativa. Suas atribuições políticas são tão vastas, principalmente no que diz respeito ao seu autogoverno, que adquiriu status de entidade político-administrativa de terceiro grau.
Desta forma a autonomia municipal é trazida pela Constituição Federal nos arts. 29 e 30, de modo a retratar o que ao Município foi atribuído: sua auto-organização, seu autogoverno e sua auto-administração.
Em se tratando de autogoverno municipal, coloca-se que o mesmo se dá no instante em que o próprio município rege e elege seus governantes, sejam prefeitos, vice-prefeitos ou vereadores, na forma de pleito eleitoral realizado concomitantemente em todo o país. Essa atribuição política se mostrou importante devido ao fato de que dessa forma os próprios munícipes fazem parte do processo eleitoral, divergindo assim das antigas formas de governos locais, os quais eram determinados de forma centralizadora, não dando, portanto, a chance das localidades exercerem suas atribuições com o objetivo de atender os interesses puramente locais.
A auto-organização municipal vai ser implantada através da Lei Orgânica do Município, resultando de ato legislativo municipal. É ela quem vai dar as diretrizes de como deve agir o município no que tange aos aspectos organizacionais. É nela que vai estar determinada a forma que o município vai executar sua política urbana, sua distribuição e limitações territoriais, como também determinar diretrizes de caráter administrativo.
Por fim, das atribuições municipais, a auto-administração é a mais ampla. É através dela que o Município cuida de seus interesses locais. Institui e arrecada os impostos necessários como forma de custeio de seus serviços; promove a prestação dos serviços públicos, educação e saúde; cria, organiza e suprime distritos, cuidando do adequado ordenamento territorial, através de planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano; como também tutelando o patrimônio histórico e cultural local. Tais aspectos são diretamente tratados pelo art. 30 da Constituição Federal, e é com base nele que são criadas leis como forma de regulamentação de dadas ações.
É na atribuição de autonomia que tem respaldo a atuação do Município. Seus interesses não poderão ser objetos de ação de ente estatal nem federal, nos quais está inserido. A autonomia vem no sentido de preservar o atendimento dos interesses peculiares da determinada localidade, não podendo, portanto, o Estado e nem a União intervirem na forma que o Município atua no seu espaço territorial, até porque os atos tomados pelo Município refletirão interesses que também fazem parte das atribuições estaduais e federais.
A questão é tratada no art. 35 da Constituição Federal, onde estão elencados os quatro incisos que cuidam, excepcionalmente, dos casos em que a intervenção é permitida. Entenda-se, portanto, que a não-intervenção é regra geral, caindo o ato de intervir no campo da excepcionalidade, a qual é esgotada no dispositivo legal mencionado.
2.2. Competências da União, dos Estados e do Município na tutela do meio ambiente
O meio ambiente vem a ser tutelado em todas as esferas de governo. Desta feita, têm-se atribuições que cabem à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.
A princípio, cabe à União competência para "elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social" (art. 21, IX) e "instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos" (art. 21, XX).
A Constituição Federal traz em seu art. 23 as competências comuns de todos os entes federativos. Já o art. 24 determina no seu § 1º que a União possui competêncialegislativa na edição de leis gerais sobre os assuntos enumerados nas competências comuns entre estes entes (art. 23 e seus incisos), reservando aos Estados competência legislativa, também em termos gerais, de caráter suplementar (Art. 24, I, § 2º).
Seguindo o raciocínio colocado por José Afonso da Silva (2000, p. 62), nos quesitos onde o Município possui competência comum com os outros entes federativos, vai restar a ele a suplementação de legislação federal e estadual no que couber (art. 30, inciso II). Ou seja, a competência do município em suplementar as leis federais e estaduais vai surgir no momento em que se fizer necessária legislação de ordem específica, voltadas para a execução da política de desenvolvimento urbano trazida no art. 182 da Constituição brasileira.
Tem-se, então, quando se tratar de normas que visem a "proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos" (inciso III, art. 23, CF); "impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural" (inciso IV, art. 23, CF); "proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas" (inciso VI, art. 23, CF); "preservar as florestas, a fauna e a flora" (inciso VII, art. 23, CF); "promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico" (inciso IX, art. 23, CF) e "combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos" (inciso X, art. 23, CF); caberá ao município as atribuições a ele concedidas pelo art. 30, inciso II, podendo o ente suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, dentro das especificidades que a localidade demanda.
2.2.1 Da competência urbanística
Em se tratando de competência urbanística, esta é atribuída aos entes federados da mesma forma como já descrito anteriormente.
Caberá à União legislar de forma geral sobre direito urbanístico, que no entender de Hely Lopes Meireles (apud, SILVA, 2000, p. 37) possui duas formas de ser tratado: uma delas de maneira objetiva, quando se tratar especificamente de dispositivos legais que regulamentem as questões de ordenação das cidades, e outra sistêmica, onde essas normas devem ser analisadas de forma conexa, havendo uma interação interpretativa entre elas.
Nesse sentido, a União vem legislar naquilo que for tido como interesse geral em termos de cooperação entre os entes federativos.
Daí vem a se cuidar das competências suplementares e complementares. Daniela Campos Libório Di Sarnos (2002, p. 64) escalona as omissões da União nesse aspecto. Em não havendo normas gerais que poderiam ter sido editadas pela União, podem vir os estados-membros e o Distrito Federal editar normas sobre determinada matéria necessária de regulamentação, mas ainda não tratada, de forma suplementar, até que a União se manifeste sobre a questão, dando aos estados e ao Distrito Federal a possibilidade de complementá-las.
Os preceitos urbanísticos estão estreitamente ligados às questões de interesse especificamente local por cuidarem justamente daquilo que mais afetará diretamente no âmbito municipal, seja no planejamento ou na execução dos planos urbanísticos. E é nesse aspecto que o art. 30, no seu inciso II, da Constituição Federal cuida da competência suplementar do município, pois este poderá suprir a ausência da União e do estado em dada matéria, desde que esteja se tratando de questão de específico e peculiar interesse local, obedecendo aos preceitos já estabelecidos pela Lei Federal nº 10.257/01 – Estatuto da Cidade.
2.3. A Competência Municipal
É dentro da auto-organização e da auto-administração que estão as questões de competências municipais. O Município vai se utilizar de características concedidas pela Constituição Federal Brasileira para exercer suas prerrogativas, que adquirem traços de competências do ente municipal.
A princípio, o Município não pode ser criado por ele mesmo. No entender de Hely Lopes Meireles (2003, p. 66), a Constituição dá ao ente federativo estadual a competência legislativa para a criação de seus municípios. É seguindo os preceitos do § 4º do art. 18 da Constituição que se chega a exigência do cumprimento de certos requisitos para que se viabilize a criação de um ente municipal. É o plebiscito um dos critérios para a sua criação. Este será determinado em seguida à publicação, conforme a lei, dos Estudos de Viabilidade Municipal.
Criado este, pode-se então falar em competências municipais. A primeira delas seria justamente a edição de sua Lei Orgânica Municipal, determinada pelo art. 29 da Constituição. Sob uma ótica municipalista, a Lei Orgânica Municipal é tida como uma espécie de Constituição Municipal, visto sua forma de criação. O procedimento especial utilizado para sua feitura é equivalente ao utilizado para confecção de uma Constituição Federal.
Portanto, é na L.O.M. que se concretizam as autonomias política, administrativa e financeira, pois é nela que estão as formas de organização dos poderes; a estrutura dos órgãos voltados para a sua administração, regendo seus servidores e tratando de seus orçamentos e tributações; e ainda a abordagem dada à política urbana dentro da ordem econômica e social, abrangendo vários aspectos como habitação, sistema coletivo de transportes e plano diretor, dentre outros.
2.4. A Competência Municipal na tutela do meio ambiente artificial
O Município, como ente federativo, é detentor do poder de salvaguardar o meio ambiente no qual seus munícipes interagem. Como já foi visto anteriormente, este é tido como meio ambiente artificial, ou seja, no qual existe a intervenção do homem de forma a satisfazer suas necessidades dentro do perímetro urbano.
A competência especifica de atuar e legislar em favor do meio ambiente artificial seguirá o colocado no item anterior, onde ao município caberá atuar de acordo com o que determina os artigos 182, no qual existe uma política de desenvolvimento urbano a ser seguida; 225, cuidando do meio ambiente como um todo sendo o município mero detentor do Poder Público local e os incisos do art. 23, sendo todos estes dispositivos da Constituição Federal.
Aqui que vai ser tratada a questão do peculiar interesse local, ou seja, medidas que venham a satisfazer aqueles que estão sob os cuidados dos poderes municipais. Hely Lopes Meireles (2003, p. 109) faz questão de ressaltar a diferença entre o que seria interesse exclusivo (ou privativo) do município e peculiar interesse local. No argumento do municipalista, não há que se falar de interesses privativos do município, visto estes serem igualmente interesses tanto do estado como também da União nos quais está colocado; sabendo-se ainda que os interesses destes encontram-se refletidos na administração municipal. O que há de ser verificar são os fatores ligados a uma determinada localidade, dela característicos, para daí serem levados em consideração no momento de se planejar e ordenar o espaço territorial urbano disponível.
Sob esta visão, a Lei Orgânica do Município traz em seu art. 7º rol de atos municipais voltados para o bem estar daqueles que estão sob sua égide. Nele existem ordenações voltadas para a satisfação dos interesses de determinada localidade. Há aqui um limite territorial a ser respeitado e devido a esse freio, nota-se a existência de interesses voltados particularmente à faixa territorial delimitada.
Art. 7º. Compete ao Município:
[...]
IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação federal e estadual;
V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluindo o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;
[...]
VII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, ou parcelamento e da ocupação do solo urbano;
[...]
IX – ordenar as atividades urbanas, fixando condições e horário para funcionamento de estabelecimentos industriais, comerciais, empresas prestadoras de serviços e similares;
X – promover a proteção do patrimônio histórico cultural local, observada a legislação e ação fiscalizadora federal e estadual;
[...]
XVIII – sinalizar as vias públicas urbanas e rurais, regulamentando e fiscalizando a utilização de vias e logradouros públicos;
[...]
XX – efetuar a drenagem e a pavimentação de todas as vias de Fortaleza;
É dentro destas diretrizes, a princípio, que o Município deverá pautar suas ações, voltando-se para a melhor ordenação dos fatores existentes na vida da localidade.
Um pouco mais adiante, a Lei Orgânica do Município de Fortaleza trata a questão da Política Urbana dentro do título que diz respeito à Ordem Econômica e Social. Isto porque não há como não enquadrar o bom desenvolvimento local num contexto que reflete as necessidades sociais como também as práticas econômicas que se movimentam como resultado das relações entre os munícipes. É neste capítulo que vão ser desenvolvidas as questões ligadas a execução do ordenamento e planejamento urbanos. São competências de caráter específico que o município deve seguir para a consecução das atribuições constitucionais a ele concedidas.
A política de desenvolvimento urbano deve levar em conta fatores que resguardem as condições tanto daqueles que já estão fixados na localidade como também das características físicas apresentadas pelo local. Para melhor entender, exemplificando: comunidades que vivem em área de risco só podem ser remanejadas para outra localidade se realmente for verificado que não há condições de adaptação local às suas necessidades. Caso contrário, a comunidade deve ser reassentada no mesmo bairro em que se desenvolveu, respeitando assim ao máximo suas características locais, inclusive o fluxo econômico já criado para a subsistência da comunidade (inciso I, art. 149, Lei Orgânica Municipal). Um outro inciso do mesmo artigo 149 da L.O.M. garante que "a utilização racional do território e dos recursos naturais, mediante a implantação e o funcionamento de atividades industriais, comerciais, residenciais e viárias" (inciso VII). Ou seja, é possível notar que as características peculiares de cada localidade abrangida pela Lei no espaço devem ser atendidas para assim resultar uma melhor interação entre os fatores que compõem o Município.
Segue-se com dispositivos que tratam da executoriedade do Plano Diretor, de obras de saneamento, de habitação e de serviços de transportes coletivos. E é no capítulo reservado aos cuidados com o meio ambiente que a L.O.M. (capítulo II, do Título V) que veremos reiterados os princípios colocados pela Constituição Federal em seu art. 225.