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Crime de subtração de incapazes:

anotações críticas

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10/03/2006 às 00:00

Resumo:


  • Estudo crítico da dogmática jurídico-penal sobre o crime de subtração de incapazes versus crime de sequestro.

  • Doutrina dividida sobre a natureza do crime, com foco na liberdade como bem jurídico preponderante.

  • Análise da discrepância entre a gravidade do crime de subtração de incapazes e a pena aplicada, em comparação a crimes contra o patrimônio.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

7. Pequena observação crítica

            E as outras letras da lei, como ficam? Com efeito, se o crime já está consumado, integralmente consumado com a subtração, não é lícito fechar o Código Penal e ignorar o restante das mensagens normativas, que devem ser lidas dentro de uma abordagem lógico-sistemática. Por exemplo, o sujeito que, logo após a subtração, emprega violência ou grave ameaça contra pessoa a fim de assegurar a impunidade ou a detenção da coisa, para si ou para terceiro, já não mais responde por furto exatamente porque existem outras palavras que advertem para a ocorrência de roubo (CP, art. 157, § 1º). Se ele mata a pessoa no dia seguinte, responde por homicídio, em concurso material. E assim por diante.

            Examine-se também a subtração do art. 312, parágrafo primeiro, capítulo dos crimes contra a administração pública. Outras palavras da lei, distintas das palavras do artigo 155, conduzem à certeza de que se está diante de um peculato-furto.

            Ora, na legislação anterior a negativa de restituição do menor implicava prisão celular de dois a dozes anos (Consolidação das Leis Penais, 1932, art. 291 e art. 292, V, parágrafo único). Por motivos análogos, a subtração em andamento, ou já consumada, no Código atual (art. 249), não iria conferir ao delinqüente carta de alforria em relação a qualquer conduta mais grave, em prejuízo do menor.

            Portanto, se a subtração integra um contexto de maior envergadura, como a servir de meio para a execução de outro delito, deve ceder-lhe espaço e exclusividade. Trata-se de imposição legal: "se o fato não constitui elemento de outro crime" (art. 249).

            O outro crime, em regra, no atual sistema do Código, se chama seqüestro, simples ou qualificado (art. 148); ou extorsão mediante seqüestro (art. 159).

            Com uma novidade. O Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 237, salvo quanto aos interditos, reproduziu literalmente o tipo do artigo 249 do CP, acrescentando-lhe o fim de colocação em lar substituto. Desta feita, não há que se falar em crime de seqüestro, por força dos princípios hermenêuticos da especialidade e subsidiariedade. Ficou implícito que a privação da liberdade sob a forma de forçada e constrangedora sujeição da vítima ao lar substituto encontrou específico agasalho normativo, que prevalece sobre o tipo mais amplo do crime de seqüestro.


8. Síntese crítico-metodológica

            Há outras divergências, mas de pequeno porte. É que o roteiro não muda ou muda muito pouco se a dogmática se isola no interior do artigo — o texto legal — e dele procura arrancar, com aparente rigor lógico, respostas meramente burocráticas, sem conteúdo crítico, que se nivelam na monotonia das insensibilidades compartilhadas.

            Prefiro continuar com minha própria sensibilidade e, em conseqüência, participar de um grupo minoritário que encontra no sistema do Código respostas compatíveis com as premissas fundamentais da Constituição da República: liberdade e dignidade da pessoa humana. Subtração de menores ao poder e companhia dos pais ou responsáveis significa seqüestro se a conduta em si, ou em seus desdobramentos, implica ou acarreta privação da liberdade. Mantida a essência, não importa se ele muda de nome, como na hipótese do artigo 237 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

            Feitas essas ressalvas, lembro que doutrina diversa persiste na literatura jurídico-penal e na prática dos tribunais. Sendo assim, convém realçá-la mais uma vez como expressão de um direito efetivo, um direito que não se confunde necessariamente com o sentimento do justo, com as expectativas racionais ou ideológicas da sociedade.

            Por isso mesmo, para concluir, sirvo-me de observações constantes de compêndio relativo aos crimes de perigo individual, utilizado na Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina. De caráter genérico, elas valem igualmente para a compreensão dos encontros e desencontros da dogmática penal centrada no tema ora em análise.

            A lógica do direito — de qualquer direito: oficial, emergente ou alternativo — é fático-valorativa, quer dizer, ela se deixa levar por uma dinâmica social que se nutre e se alimenta de força, poder, vontade e liberdade.

            Essas categorias é que sustentam a tríade ou tripé dialético da lei, ideologia e intérprete, que ensejam, de seu turno, na doutrina jurídica, como hipótese ou sugestão, e no foro criminal, como realidade concreta, o fato normativo compatível com a historicidade do direito.

            Não fogem desse esquema os fatos normativos concernentes aos delitos de seqüestro e subtração de incapazes. Seu estudo crítico ilustra e ratifica, ao mesmo tempo, a essência contraditória de um direito penal de várias fontes e matizes, construído e reconstruído aleatoriamente, ao sabor das circunstâncias históricas.


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Sobre o autor
João José Caldeira Bastos

professor de Direito Penal da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina, professor de Direito Penal (aposentado) da Universidade Federal de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BASTOS, João José Caldeira. Crime de subtração de incapazes:: anotações críticas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 982, 10 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8082. Acesso em: 22 dez. 2024.

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