Em meio à pandemia do Covid-19 tem ocorrido fatos dos quais fogem a normalidade, afinal é um estado de exceção. Atos do Executivo e do Legislativo tem alterado a vida dos brasileiros. Temos acompanhado medidas das quais atingem certas áreas da sociedade, principalmente a econômica, onde empresários, microempresários e autônomos formais e informais tiveram o impedimento de exercerem de forma plena as suas atividades laborais em razão das quarentenas decretadas pelos Governos Estaduais, bem como os empregados diante desta situação estão tendo a ameaça da estabilidade de seus empregos.
O governo por meio da Medida Provisória nº 936/2020 flexibilizou a relação patrão e empregado permitindo a suspensão do emprego por até 60 dias e redução de jornada de trabalho por até 90 em troca de uma relativa estabilidade, maiores detalhes podem ser observados no artigo: “Sobre a Medida Provisória nº 936 de 2020 (Covid-19)”, cujo link segue:
A novidade foi o instrumento “acordo individual”, que é realizado entre empregadores e empregados com a comunicação ao Ministério da Economia e aos sindicatos da respectiva categoria no prazo de dez dias. O texto deixou claro que não era necessária a anuência pelo Sindicato, apenas autorizou a negociação tão somente entre patrão e empregado limitando-se apenas à comunicação.
Ocorre que certos elementos do contrato de trabalho contidos na Legislação somente podem ser alterados mediante convenção coletiva de trabalho com a participação dos sindicatos, levantando-se assim questionamentos sobre a constitucionalidade da Medida Provisória 936/2020, especificamente sobre a negociação através do acordo individual sobre a redução da jornada de trabalho e do salário.
Esta discussão foi concretizada através da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6363 DF), que foi ajuizada pelo Partido Rede Sustentabilidade no Supremo Tribunal Federal - STF, onde alegou que os dispositivos da MP 936/2020, quais sejam inciso II do art. 7º, §1º e inciso II do §3º do art. 8º, inciso I do §1º do art. 9º, §4º do art.11 e parágrafo único e caput do art. 12, violam os arts. 7º, VI, XIII e XXVI, e 8º, III e VI, da Constituição Federal.
Nesta ação pleiteou-se a concessão de medida cautelar com fim de suspender o uso do instrumento “acordo individual” para tratar da suspensão e redução da jornada de trabalho, e ao final ser declarada a inconstitucionalidade dos dispositivos citados para afastar o uso do “acordo individual” pela alegada afronta à Constituição.
Os dispositivos da Constituição citados na ADI 6363 possuem a seguinte redação:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[...]
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
[...]
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
[...]
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
[....]
Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
[...]
III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; [...]
VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;
[...]” (grifo nosso).
Embora a Constituição impõe uma obrigatoriedade de negociação coletiva juntamente com o sindicato sobre alteração da jornada de trabalho, importante lembrar que a MP 936/2020 foi criada diante do estado de calamidade pública instaurada em razão da pandemia do Covid-19, ou seja, foi uma exceção em momento de exceção.
Não obstante concluiu assim o Ministro Relator Ricardo Lewandowski:
“Pois bem. Tudo indica que a celebração de acordos individuais “de redução da jornada de trabalho e redução de salário ou de suspensão temporária de trabalho”, cogitados na Medida Provisória em comento, sem a participação dos sindicatos de trabalhadores na negociação, parece ir de encontro ao disposto nos arts. 7, VI, XII e XVI, e 8, III e VI, da Constituição.”
E ao final proferiu a seguinte decisão:
“Isso posto, com fundamento nas razões acima expendidas, defiro em parte a cautelar, ad referendum do Plenário do Supremo Tribunal Federal, para dar interpretação conforme à Constituição ao § 4º do art. 11 da Medida Provisória 936/2020, de maneira a assentar que “[os] acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho [...] deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração”, para que este, querendo, deflagre a negociação coletiva, importando sua inércia em anuência com o acordado pelas partes.” (Grifo nosso)
Desta forma, todos os acordos individuais realizados segundo as diretrizes da Medida Provisória nº 936/2020, somente terá validade com a chancela dos sindicatos dos trabalhadores, seja de forma ativa ou omissa.
Como visto, não só os atos do Executivo e Legislativo alterarão o cotidiano dos brasileiros durante a pandemia do Covid-19, mas também o do Judiciário através da decisão proferida na ADI 6363.
Difícil avaliar se a decisão inviabilizou as medidas da MP em comento, vez que não sabemos como cada sindicato se portará a cada negociação individual realizada, porém é de notório conhecimento que dificilmente abrem mão dos direitos dos trabalhadores. Fato é que o Judiciário, certo ou não, criou uma burocracia a mais nos procedimentos colocando em risco o sucesso das medidas emergenciais e provisórias.
Não devemos agir de forma contrária à Constituição, porém é necessário que os Poderes (Executivos, Legislativo e Judiciário) sejam harmônicos entre si, a fim de se evitar situações como o da ADI 6363, a qual abre intermináveis discussões que adiam a aplicação efetiva das medidas emergenciais que visam a manutenção dos empregos.
A decisão tomada pelo Ministro Ricardo Lewandowski tem caráter provisório até a análise e julgamento pelo Plenário do STF, porém pode ter barrado inúmeros acordos individuais que estavam em andamento, agora é analisar o comportamento dos sindicados diante desta situação, se cooperarão com a flexibilidade das negociações entre empregador e empregado ou se resolverão abrir discussões para atrasar os trabalhos das empresas em tentar manter os empregos e suas atividades no mercado.
Fontes:
http://stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6363.pdf