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Apontamentos e críticas à delação premiada no direito brasileiro

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15/03/2006 às 00:00
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II - DELAÇÃO PREMIADA NO BRASIL

2.1 Disciplinas normativas

Seguindo uma tendência político-criminal moderna, o legislador disciplinou a colaboração premiada no Brasil.

Tratando do tema em comento, Eduardo Araújo da Silva afirma:

Reforça-se, portanto, o instituto da colaboração premiada no Direito nacional, com a introdução da figura assemelhada aos pentiti do Direito italiano, como forma de possibilitar aos agentes do Estado romper as rígidas regras da lei do silêncio que caracterizam a criminalidade organizada (a omertá das organizações mafiosas italianas). (1999, p. 05)

A primeira lei a cuidar da delação premiada no Brasil foi a Lei n.º 8.072, de 26 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, a qual previu a redução da pena de 01 (um) a 02 (dois) terços para o participante ou associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento. Após, não obstante os mais diferentes termos utilizados, diversas legislações trouxeram-na em seu corpo.

Em 03 de maio de 1995, foi sancionada a Lei n.º 9.034 que dispõe "sobre a utilização de meios operacionais para a repressão de ações praticadas por organizações criminosas", considerando, nos moldes da lei anterior, a delação causa de diminuição de pena.

Houve, no entanto, uma suavização da expressão utilizada na Lei que dispõe sobre Organizações Criminosas em relação à dos Crimes Hediondos, vez que nesta o legislador foi explícito ao utilizar o verbo "denunciar" enquanto naquela teve primazia a expressão "colaboração espontânea", consoante se verifica das transcrições:

Lei nº 8.072/90, art. 8º, parágrafo único – O participante que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços).

Lei nº 9.034/95, art. 6º - Nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria.

Após, a Lei nº 9.080, de 19 de julho de 1995, também tratou da delação premiada ao acrescentar um dispositivo à Lei nº 7.492/86, chamada de Lei dos Crimes de Colarinho Branco, que trata dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, prevendo a delação premiada nas infrações praticadas em co-autoria ou por quadrilha, mediante a redução da pena de 01 (um) a 02 (dois) terços, utilizando, no entanto, a expressão "confissão espontânea".

Importante também a Lei nº 9.269/96, que alterou o artigo 159, §4º, do Código Penal, estabelecendo a delação premiada com a redução de pena acima exposta, quando o crime for cometido em concurso e o concorrente denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado.

Na Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/98), foi disciplinada a diminuição de pena para o "colaborador espontâneo". Esta Lei quis abranger a iniciativa do criminoso em colaborar com o Estado na apuração da materialidade e autoria do delito ou na localização do seu objeto material.

Lei nº 9.613/98, art. 1º, § 5º - A pena será reduzida de um a dois terços e começará a ser cumprida em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos, se o autor, co-autor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.

Com efeito mais significativo, a Lei n.º 9.807/99 estabeleceu a possibilidade de perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado colaborador (art. 13, da Lei n.º 9807/99), dispondo:

Lei nº 9.807/99, art. 13 - Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:

I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;

II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;

III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.

Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.

Além de disciplinar a delação premiada, esta Lei prevê a aplicação de medidas especiais de segurança e proteção à integridade física do réu colaborador, demonstrando um avanço em relação às demais legislações.

2.2 Motivações fáticas

As notícias oferecidas sobre a delação premiada, nas legislações penais permitem verificar a preocupação, sempre crescente, do legislador pátrio com o estímulo à busca da verdade material na persecução penal.

Acerca da busca da verdade real no processo penal, José Frederico Marques (2000, pp. 352/353) cita a observação de Jean Patarin, no sentido de que a defesa da sociedade e o interesse da repressão exigem que se empreguem todos os meios para a descoberta do culpado e para a aquisição de exato conhecimento de todas as circunstâncias da infração, no entanto, traz limitações à investigação e à prova afirmando ser inadmissível, na Justiça Penal, a adoção do princípio de que os fins justificam os meios para legitimar a procura da verdade por qualquer fonte.

Em fins da década de 80, o Brasil apresentava índices crescentes da prática de tráfico de entorpecentes, furtos, roubos, extorsões mediante seqüestro, dentre outros delitos considerados violentos pela sociedade em geral (FRANCO, 1994, p. 78/100 passim).

Embora o Brasil não tenha efetivamente sofrido com o terrorismo político como a Alemanha, a Itália, a França e a Inglaterra, sofreu algumas ações isoladas de grupos e organizações, surgindo assim, a necessidade de resposta enérgica e eficaz (ibidem, p. 315).

A criminalidade e a violência acentuavam-se e a divulgação emotiva dos índices de criminalidade pela mídia contribuiu sobremaneira para a edição de leis penais na década de 90, pois fazia com que a sociedade reclamasse soluções imediatas e eficientes.

José Augusto de Souza Rodrigues contextualiza:

As metáforas utilizadas pela grande imprensa ao longo dos anos oitenta para narrar o que era definido então como a selvagem irrupção da barbárie nas ruas do Rio, tinham a sua raiz no diagnóstico de que a cidade caminhava inexoravelmente para o modelo de Medellin de guerra civil não declarada entre, de um lado, o poder público corrupto e omisso e, de outro, um estado paralelo representante do poder bandido. A partir disso, todo o noticiário sobre violência urbana passou a interpretar todos os acontecimentos como prefigurações desse futuro sombrio. (1996, p. 275)

Nesse ambiente de medo e insegurança, legisladores brasileiros audazes, inseriram, na legislação comum, mais precisamente na Lei dos Crimes Hediondos, o instituto da delação premiada.

O fundamento da introdução da delação premiada na legislação pátria é exclusivamente político, pois se objetivou instituir um estímulo à colaboração com a justiça.

Damásio Evangelista de Jesus, um dos grandes penalistas brasileiros, em sua obra Novíssimas questões criminais, consigna que:

Criaram-se as figuras que batizamos, respectivamente, de delação premiada e traição benéfica (Anotações à Lei 8.072/90 – crimes hediondos, Fascículos de Ciências Penais, Porto Alegre, n. 4, p. 11, 1990). Recheados de imperfeições, expressões dúbias e termos tecnicamente impróprios, como se tivessem sido elaborados por leigos em matéria penal, os dispositivos que instituíram os dois casos de delação premiada deram-nos intenso trabalho de interpretação [...] (Ob. Cit. p.27)

Alberto Silva Franco, ao comentar a criação da delação premiada, assim conclui:

É lamentável que o legislador de 90, tão pressuroso em alongar penas, não tenha observado que o único benefício, por ele concedido, encerre uma conseqüência punitiva tão injusta e signifique até um estímulo para a formação de quadrilha ou bando. (1994, p. 142)

A consagração de artigos de lei tratando especificamente da delação premiada como medida de estímulo ao agente do crime, mitigando sua pena, induzem ao pensamento de que sua função principal é a de conceder benefícios ao agente do crime que, arrependido, contribui para o combate da macrocriminalidade.

No entanto, com a Lei dos Crimes Hediondos, vislumbrava-se a explícita finalidade de libertar o seqüestrado, provocando o comprometimento e conseqüente punição dos demais autores ou partícipes do delito. Incoerente, pois, a afirmação de que se tratava, neste caso, de um instituto com fim precípuo de premiar o colaborador (ibidem, p. 319).

Consoante o entendimento do mesmo Alberto Silva Franco:

Através do expediente de premiar o delator (crownwitness), o legislador de 90 procurou atenuar a responsabilidade criminal do delinqüente que empreste sua colaboração, fornecendo à autoridade dados úteis que facilitem a libertação do seqüestrado. O prêmio punitivo, conforme a observação de Emiro Sandoval Huertas, constitui "uma nova forma de reforçar a tutela de interesses basicamente individualistas mediante manipulação dos parâmetros punitivos" (ob. cit. p. 61). E tanto é exato que a delação premiada foi incluída, no ordenamento penal comum, na figura delituosa da extorsão mediante seqüestro, ou seja, no tipo que tutela, de forma explícita, os interesses de pessoas do mais alto segmento social e econômico do país. (2002, p. 1238)

O Estado nacional, com a ajuda da delação, procurou atingir o objetivo da luta contra o crime, em defesa da segurança social.

Com efeito, nos sistemas penais modernos, denota-se a presença marcante de inovações no combate à criminalidade, entretanto, nos moldes em que foi instituída no Brasil, a delação premiada consistiu em uma inovação de aplicação reduzida, vez que, inicialmente, era empregada apenas em relação à extorsão mediante seqüestro e à quadrilha ou bando.

Ademais, no início, o Estado não garantia a segurança do colaborador, o qual fatalmente seria exterminado pelos demais criminosos.

O juiz federal Élio Wanderley de Siqueira Filho (1995, p. 43), ao tecer comentários acerca da Lei nº 9.034/95, ressalta que a delação é uma figura jurídica que, caso bem empregada, muito auxiliará na busca da verdade material acerca das infrações penais.

Importante salientar que, embora o instituto tenha sido repetido em legislações subseqüentes à Lei dos Crimes Hediondos, a omissão acerca da proteção perdurou. Tão-somente com a Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999, que dispõe, dentre outras coisas, sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal, pôde-se vislumbrar um avanço rumo a diminuição da impunidade.

Destarte, por visar a proteção e a integridade dos réus colaboradores e a satisfação do "princípio da verdade real", que deve nortear o processo penal pátrio, a legislação supra gerou a crença de que, a partir de sua vigência, muitos crimes seriam esclarecidos. Ocorre que, após 04 (quatro) anos de sua entrada em vigor pouca coisa mudou.

2.3 Conceito

O verbo delatar significa denunciar o autor do crime; trair (BUENO, 1996, p. 184).

De Plácido e Silva, em sua obra Vocábulo Jurídico (1982, p. 23), ao definir delação consigna que: originado de delatio, de deferre (na sua acepção de denunciar, delatar, acusar, deferir), é aplicado na linguagem forense mais propriamente para designar a denúncia de um delito [...].

Segundo José Q. T. de Camargo Aranha (1999, p. 122), delação, ou chamamento de co-réu, trata-se da afirmativa feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido na polícia, e pela qual, além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação como seu comparsa.

Fernando Capez (2003, p. 298) define a delação premiada como sendo a afirmativa feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido na polícia. Além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação como comparsa.

Assim, tem-se que delação premiada é a atribuição da prática de um crime a terceiro, realizada pelo acusado, em seu interrogatório, concomitantemente com a confissão de sua participação no delito.

A delação não é confissão (strictu sensu), pois para sua configuração o fato é tão somente dirigido a quem depõe.

Também não se trata de testemunho, porque quem presta seu testemunho mantém-se eqüidistante das partes.

Assim, se o interrogado apenas atribuir o fato a terceiro, sem confessar, estará somente prestando seu testemunho, uma vez que a delação somente ocorre quando o réu também confessa.

Trata-se de um estímulo à verdade processual, semelhantemente à previsão da confissão espontânea como circunstância atenuante no Código Penal (art. 65, III, "d", do Código Penal), sendo, portanto, instrumento que ajuda na investigação e repressão de certas formas de crimes, notadamente aqueles que apresentam conotações organizadas.

2.4 Benefícios e requisitos para sua concessão

2.4.1 Perdão Judicial

A Lei de proteção a vítimas, testemunhas e réus colaboradores (Lei nº 9.807/99) concedeu duas benesses ao réu colaborador, quais sejam, o perdão judicial e a redução de pena de um a dois terços.

David Teixeira de Azevedo assim define o perdão judicial:

O perdão judicial é medida de política-criminal por meio da qual, reconhecida a existência de todos os pressupostos de existência do delito, e com fundamento na prevenção especial e geral de crimes, considera-se extinta a punibilidade do delito, para o qual a pena se mostra desnecessária e inútil. Trata-se, como adverte Mario Duni, de um desvio lógico do magistério punitivo, que deixará de punir uma conduta que preenche todos os requisitos legais de punição. (1999, p. 06)

Guilherme de Souza Nucci (2002, p. 346) admite tratar-se da clemência do Estado para determinadas situações expressamente previstas em lei, quando não se aplica a pena prevista para determinados crimes, ao serem preenchidos certos requisitos objetivos e subjetivos que envolvem a infração penal.

Logo, tem-se que o perdão judicial é a regra pela qual o juiz, não obstante comprovada a prática do delito pelo acusado, deixa de aplicar a pena em face de justificadas particularidades. O Estado abdica, por meio da declaração do magistrado, na própria sentença, à pretensão da imposição da pena.

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Para a concessão do supramencionado benefício, deverá o réu ser primário e ter colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, bem como deverá sua colaboração ter resultado na identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa, na localização da vítima com a sua integridade física preservada ou na recuperação total ou parcial do produto do crime.

Não obstante muitos asseverem ser um direito subjetivo do réu delator, o qual, desde que preenchidos os requisitos legais de natureza objetiva e subjetiva, fará jus ao benefício, há quem diga que não se trata de puro direito subjetivo público, vez que, após a verificação de que o acusado preenche todos os requisitos objetivos expressos em lei, o magistrado, consoante seu prudente arbítrio, apreciará os requisitos subjetivos (NUCCI, 2002, p. 06).

Destarte, foi dada ao julgador a possibilidade de não conceder o perdão judicial, mesmo presentes todos os requisitos, no entanto, deverá o juiz substituir pela redução da pena.

Urge ressaltar que a expressão "poderá" disposta no artigo legal não tem natureza de simples faculdade, no sentido de o magistrado, sem fundamentação, dispensar ou não a pena.

Os requisitos objetivos, para a obtenção dessa benesse, consistem na colaboração efetiva com a investigação e o processo criminal decorrente da identificação dos demais co-autores ou partícipes do delito, ou a localização da vítima com sua integridade física preservada, ou a recuperação total ou parcial do produto do crime, consoante já noticiado.

A colaboração efetiva deve ter sido eficaz, ou seja, permitindo os efeitos exigidos pela norma (identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa, a localização da vítima com sua integridade física preservada, ou a recuperação total ou parcial do produto do crime) (JESUS, 1999, p. 05).

Vale salientar que acerca da eficácia, David Teixeira Araújo assim entende:

O requisito da efetividade da colaboração não se confunde, portanto, com sua eficácia, dada a condição prevista na parte final do dispositivo. Para a concessão do perdão judicial, deve a colaboração ser voluntária, efetiva e de algum modo ser eficaz, a produzir ao menos um dos efeitos desejados que empolgaram o acusado a colaborar [...] A eficácia, destarte, coloca-se como resultado posterior que independe da natureza da colaboração. Isto é, sendo a colaboração voluntária e efetiva, dela poderá surgir ou não um dos três resultados previstos nos incisos, qualquer deles capazes de justificar o perdão judicial, que se funda, como se verá a seguir, na menor culpabilidade do agente e na finalidade da sanção penal em face dessa menor reprovabilidade. Se, todavia, nenhum dos resultados advier de uma colaboração caracteristicamente voluntária e efetiva, faltará um requisito de ordem objetiva. (1999, p. 06)

A Lei menciona em seu artigo 13, inciso I, "identificação dos demais co-autores ou partícipes". Assim, não é possível conceder o perdão judicial se não forem identificados todos os participantes da ação criminosa.

O requisito que se refere à localização da vítima com sua integridade física preservada (artigo 13, inciso II, da Lei nº 9.807/99) impede que se conceda a benesse se for verificado que a vítima sofreu maus-tratos, não bastando que o sujeito passivo seja encontrado vivo.

Como a Lei menciona "vítima" no singular, o entendimento mais coerente é no sentido de que quando houver mais de um sujeito passivo, ou seja, concurso de vítimas, a localização de apenas uma delas não permite a concessão do perdão judicial (JESUS, 1999, p. 05).

Por último, tem-se a recuperação total ou parcial do produto do crime (artigo 13, inciso III, da Lei nº 9.807/99), que dispensa maiores comentários.

Na verdade, tratam-se de requisitos alternativos, ou seja, uma vez atendido um deles, o réu colaborador poderá, se preencher os requisitos subjetivos, receber o perdão judicial.

Há quem entenda que não existe uma cumulatividade, tampouco uma alternatividade propriamente dita e sim condições cumulativas restritas ao tipo penal, isto é, uma cumulatividade temperada ou condicionada (KÖNIG, 2000, p. 06).

Para o advogado Sérgio Donat König (2000, p. 06), se houver co-autores e partícipes todos deverão ser identificados, se, além disso, houver vítimas também deverão ser libertadas todas as vítimas com sua integridade física preservada. Por fim, nos crimes em que há co-autores ou partícipes, vítimas e produtos do crime, devem todos ser identificados, todas as vítimas localizadas e com sua integridade física preservada e os produtos do delito recuperados total ou parcialmente.

Com isso, para que o acusado goze do direito ao perdão judicial, deve satisfazer todos os incisos do artigo 13, da Lei nº 9.807/99, voluntariamente.

Contudo, não é esta a opinião que prevalece, pois os pré-requisitos de ordem objetiva, como já salientado acima, devem ser alternativamente considerados.

Consoante Antré Stefan Araújo Lima:

Os requisitos do art. 13 são alternativos, de modo que não é preciso sempre permitir a identificação dos demais autores, mais a recuperação do produto do crime e mais a libertação da vítima. Fossem cumulativos os requisitos, somente a extorsão mediante seqüestro o admitiria. (on-line)

As condições pessoais ou subjetivas são a voluntariedade da colaboração; a primariedade e personalidade favorável do beneficiado (art. 13, caput e parágrafo único, da Lei nº 9.807/99).

No que refere à voluntariedade, a doutrina é unânime ao asseverar ser desnecessária a espontaneidade do ato.

A lei requer unicamente que o ato seja voluntário e, portanto, conclui-se que a exigência da espontaneidade para aplicação do benefício é ilegal.

Ademais, saliente-se que há nítida diferença, realizada pelo próprio legislador pátrio, entre ato voluntário e ato espontâneo.

O ato espontâneo reveste-se da qualidade do arrependimento, é um ato que nasce unicamente da vontade do agente sem qualquer interferência na idéia inicial. A pessoa, por si só, julga conveniente tomar certa atitude.

Já o ato voluntário é aquele sem qualquer coação, no qual a idéia inicial pode ou não ter partido do agente, sendo irrelevante o motivo que o fez tomar tal atitude.

Nesse sentido é que David Teixeira de Azevedo Araújo (1999, p. 06) explica a voluntariedade, asseverando que o imprescindível é ter sido a contribuição voluntária e efetiva, isto é, não resultante de nenhuma coação externa irreversível e caracterizada pela presença positiva e interessada do acusado.

Alberto Silva Franco salienta que:

Para que se possa reconhecer a delação premiada, a conduta do delator deve ser relevante do ponto de vista objetivo e voluntária, sob o enfoque subjetivo. [...] A atitude do delator deve ser voluntária, isto é, uma manifestação própria, pessoa, no sentido de abandonar quer o propósito de protrair a duração do seqüestro, quer o de conseguir o proveito econômico. Pouco importa que tal conduta não tenha sido espontânea. Tem o mesmo significado a declaração que resulte do um arrependimento efetivo e sincero, ou que tenha sido feito por mero cálculo, ou que tenha decorrido de um sentimento de vingança. Não interessa para efeito da delação a motivação do delator. (1994, p. 320)

O segundo requisito pessoal a ser analisado pelo magistrado trata-se da primariedade.

Entende-se por primário aquele que não possui sentença penal condenatória transitada em julgado contra si. Assim, não basta que o colaborador possua bons antecedentes, a lei exige que ele seja primário.

Por derradeiro, tem-se a apreciação da personalidade do acusado, e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do delito. Todas essa questões estão diretamente ligadas à atividade estatal de avaliar adequação, oportunidade e conveniência de se aplicar o perdão judicial mediante a apreciação da culpa do agente e da finalidade da resposta jurídica da qual se vai abdicar. Aí repousa a coerência legislativa de permitir ao magistrado a aplicação ou não do instituto (ARAÚJO, 1999, p. 06).

O perdão judicial deve ser aplicado na sentença de mérito, sendo inadmissível no inquérito policial e sua natureza jurídica, conforme orientação jurisprudencial, é declaratória da extinção da punibilidade (art. 107, IX, do Código Penal) (RT 608/352, 607/319, 604/359, 610/367, 624/369, 626/310, dentre outras).

Constitui instrumento de despenalização, descabendo, destarte, a inclusão do nome do réu no rol dos culpados e sua condenação em custas, conforme pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça.

2.4.2 Causa de diminuição de pena

O artigo 14, da Lei nº 9.807/99 prevê a diminuição da pena dispondo que, se o indiciado ou acusado colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de 01 (um) a 02 (dois) terços.

Portanto, se embora o acusado tenha colaborado voluntária e eficientemente com a justiça, mas desta colaboração não houver decorrido a eficácia, ou seja, um dos resultados legalmente previstos, o juiz poderá reduzir a reprimenda de 01 (um) a 02 (dois) terços.

O requisito para a diminuição da pena é a colaboração voluntária e efetiva.

Nesse sentido:

Como requisito traz a contribuição voluntária e efetiva, efetividade não obstante omitida do texto legal, contudo requisito conatural à concessão do benefício. Não há referência, como se viu à efetividade de tal colaboração, mas esse dado é da natureza do instituto. Não se refere também o legislador à consecução do resultado consistente na identificação dos ‘comparsas’, na localização da vítima ou na recuperação total ou parcial do produto do crime. (AZEVEDO, 1999, p. 07)

Mister ressaltar, ainda, que mesmo não tendo o legislador ordinário estabelecido requisitos para a redução da pena, não fazendo, inclusive, menção à primariedade, há, em certos casos, uma certa facultatividade para sua concessão, principalmente quando não se fizer presente a efetividade.

Destarte, a lei não fez maiores exigências para a concessão da redução da pena, no entanto, a redução poderá advir ou da não efetividade da colaboração ou da ineficácia da mesma.

Assim, se o réu colaborar na investigação voluntariamente, mas sem muito esforço, ou seja, sem o real fornecimento de informações e sem caráter contínuo, a colaboração não terá efetividade, mas mesmo assim permitirá a redução da reprimenda (AZEVEDO, 1999, p. 07).

Por outro lado, se houver colaboração voluntária e efetiva, mas sem eficácia, de rigor a diminuição da pena.

Dessa forma, tem-se que, se não houver efetividade na colaboração, poderá haver a redução. Ora, se apenas não se fizer presente a eficácia, tendo o réu se empenhado na descoberta da realidade delituosa fornecendo dados, informações e trabalhando permanentemente junto à polícia ou ao juízo, pontual deverá ser a diminuição.

Explica Paulo Martini que:

O quantum da diminuição é exatamente idêntico ao previsto nos casos de tentativa e arrependimento posterior, fato este que faz a delação, ainda que não tenha sucesso, ter os mesmos efeitos de tais institutos, conquanto apresentem desvalor social diferentes. (2000, p. 29)

É de todo conveniente salientar, que o instituto da delação premiada está ligado a uma corrente de política criminal que dá especial relevo ao fornecimento de dados verossímeis e úteis à investigação criminosa.

2.5 Momento da delação

Segundo Damásio Evangelista de Jesus (1999, p. 05), a oportunidade para a colaboração se dá durante a investigação criminal ou a ação penal.

Em torno do momento juridicamente apropriado para a delação repousa questão interessante.

Gonçalo Farias de Oliveira Júnior (2001, p. 281) considera que, pelo fato das leis regulamentadoras da delação premiada não fixarem qualquer limite temporal para o oferecimento das informações delatoras, a delação pode ser oferecida em qualquer fase da persecutio, sendo possível até mesmo posteriormente ao trânsito em julgado da sentença, estando ou não o condenadosubmetido à execução penal.

Ocorre que a colaboração do réu após o trânsito em julgado não se encontra expressamente contemplada na lei, no entanto, a ausência de disposição explícita a esse respeito não autoriza a negação da validade dessa argumentação jurídica (NASCIMENTO, on-line).

Assente é que o Direito Penal permite analogia de normas não-incriminadoras, e que os dispositivos relativos ao Direito Premial não descrevem qualquer figura típica, tratando-se, na verdade, de normas não-incriminadoras de caráter permissivo (ibidem, on-line).

A analogia para beneficiar o réu é sempre bem vinda no Direito Penal, merecendo destaque o ensinamento de Aníbal Bruno:

A proibição da analogia, que vigora para as normas de incriminação, resulta de um princípio que se insere no próprio contexto da lei penal. A analogia é inadmissível se dela resulta definição de novos crimes ou de novas penas, ou, se, de qualquer modo, se agrava a situação do agente. [...] Nas normas não incriminadoras, que escapam ao absoluto rigor dêsse princípio, e onde não há também que falar em excepcionalidade ou não excepcionalidade, porque essas normas não são exceções às normas incriminadoras, mas expressões, por si mesmas, de princípios gerais que se aplicam à matéria de que elas se ocupam, o processo de integração, por analogia, de possíveis lacunas tem todo cabimento, desde que não conduza a agravar a situação do delinqüente. É a chamada analogia in bonam partem. Não se apóia, portanto, essa aplicação da analogia em razões sentimentais, mas em princípios jurídicos, que não podem ser excluídos do Direito Penal, e mediante os quais situações anômalas podem escapar a um excessivo e injusto rigor. (1967, p. 211)

Diante das colocações transcritas, entende-se que as normas penais não-incriminadoras podem ser integradas por meio da aplicação analógica.

Diga-se, por conseguinte, que, quando a norma for permissiva, poderá ser estendida para o caso não disciplinado, desde que para suprir a omissão legislativa existente o aplicador da lei obedeça ao critério do favorabilia amplianda (NASCIMENTO, on-line).

Não bastasse a fundamentação trazida, os argumentos práticos expendidos por Antônio Vicente da Costa Júnior de que a melhor ocasião para se efetuar a delação é na fase de execução penal são deveras interessantes:

[...] durante a execução da pena, o abatimento pela ‘derrota’ enseja o momento de verdade. Os elos da cumplicidade são vencidos, os vínculos do solidarismo espúrio são dissolvidos, o temor do revide é desaquecido e, então, a fala da verdade é externada. Escassos serão os casos de colaboração efetiva e voluntária, durante a investigação ou o processo, ainda que insinuantes as compensações. E ainda quando ocorrerem constituirão afronta aos fundamentos da ordem jurídica que repele a impunidade, em troca de um dever de informação, convertido em obséquio à Justiça. (on-line)

Somando-se essas ponderações à disposição do artigo 621, inciso III, do Código de Processo Penal, que admite a revisão criminal quando, após a sentença, forem descobertas circunstâncias que determinem ou autorizem a diminuição especial da pena, coerente é a aplicação da analogia para permitir que o réu colabore com a justiça e receba o prêmio, mesmo após o trânsito em julgado da sentença.

2.6 A delação como meio de prova

Prova, do latim probatio, trata-se do conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz e por terceiros visando levar ao juiz a certeza sobre a existência ou não de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação. Trata-se de qualquer meio de compreensão empregado com a finalidade de demonstrar a veracidade de uma alegação (CAPEZ, 2003, p.251).

Com a prova, o que se busca é a configuração real dos fatos sobre as questões a serem decididas no processo. Para a averiguação desses fatos, é da prova que se serve o juiz, formando ao depois sua convicção.

No Brasil, vigora o sistema da verdade real, ou da persuasão racional para apreciação das provas, portanto tem o juiz a liberdade de formar sua certeza.

O sistema ou princípio do livre convencimento ou da persuasão racional consiste no fato de que o juiz só pode decidir de acordo com as provas existentes no bojo dos autos. Mas, na sua apreciação, tem inteira liberdade de valorá-las. Não há hierarquia de provas. Se é certo ficar ele adstrito às provas constantes dos autos, não é menos certo que não fica subordinado a nenhum critério apriorístico no apurar, por meio delas, a verdade real - princípio norteador do Direito Processual Penal.

Em decorrência desse sábio princípio, a pacífica jurisprudência brasileira firmou a seguinte posição:

É válido, de acordo com o sistema adotado pelo Código de Processo Penal, que o Juiz forme sua convicção através de prova indireta, ou seja, a partir de indícios vementes que induzam àquele convencimento de maneira induvidosa.(RT 673/357)

José Q. T. de Camargo Aranha (1999, p. 122) consigna que o elemento essencial da delação é a confissão, pois admite que com a escusa de modo algum poderá atingir a pessoa apontada.

Assim, conforme já foi afirmado no item 2.3, quando o interrogado apenas confere o fato a terceiro, sem confessar, estará apenas prestando seu testemunho.

Ada Pelegrini Grinover abordando o dogma da verdade material afirma que:

O termo verdade material há de ser tomado em duplo sentido; de um lado, no sentido da verdade subtraída à influência das partes, por seu comportamento processual, queiram exercer sobre ela; de outro, no sentido de uma verdade que, não sendo ´´absoluta´´ ou ´´ontológica´´, há de ser antes de tudo uma verdade judicial prática, sobretudo, não uma verdade obtida a todo preço: uma verdade, isto é, processualmente válida. (1982, pp. 34/35)

Sendo assim, a delação, quando efetuada sem abusos por parte de agentes estatais, é apta a formar a convicção do magistrado, vez que se trata de prova processualmente admitida.

2.6.1 Natureza jurídica de prova

No que diz respeito à sua natureza como prova, mister algumas ponderações.

A delação não pode ser considerada tão-somente confissão, que vem a ser apenas a aceitação pelo réu das acusações que lhes são feitas, porque carece, para sua configuração, além da confissão, que o réu impute o mesmo fato a outrem.

Por outro diapasão, não pode ser considerada testemunho, pois neste há uma pessoa estranha ao feito que firma a existência do fato sem se comprometer.

Por isso, com acerto José Q. T. de Camargo Aranha (1999, p. 123) assevera não haver semelhança entre a delação e qualquer outra prova nominada. Concluindo tratar-se de prova anômala.

2.6.2 Valor como prova

Relativamente ao seu valor como prova, repousa divergência na doutrina e jurisprudência nacionais, havendo quem atribua à delação força incriminadora e quem renegue, podendo apenas ser valorada se tiver respaldo nas demais provas constantes dos autos.

Fernando Capez (2003, p. 289), com propriedade, atribui à delação força incriminadora salientando que tem o valor de prova testemunhal na parte referente à imputação e admite reperguntas por parte do delatado (Súmula n. 65 da Mesa de Processo Penal da USP).

José Q. T. de Camargo Aranha, ao emitir sua opinião a respeito, sustenta:

Temos para nós que a camada do co-réu, como elemento único de prova acusatória, jamais poderia servir de base a uma condenação, simplesmente porque violaria o princípio constitucional do contraditório.

Diz o art. 5º, LV, da Constituição Federal, que a instrução criminal será contraditória.

Ora, se ao atingido pela delação não é possível interferir no interrogatório do acusado, fazendo perguntas ou reperguntas que poderão levar à verdade ou ao desmascaramento, onde obedecido o princípio do contraditório? Se as partes, o acusado com seu defensor, obrigatoriamente devem estar presentes nos depoimentos prestados pelo ofendido e pelas testemunhas, podendo perguntar e reperguntar, sob pena de nulidade por violar o princípio do contraditório, como dar valor pleno à delação, quando no interrogatório e na ouvida só o juiz ou a autoridade policial podem perguntar?

No modesto entender não vale como prova incriminatória. E se outras existem, a condenação será uma resultante delas e não da chamada do co-réu. (1999, p. 125-126)

Malgrado o posicionamento supra, entende-se que não obstante seja o interrogatório um ato personalíssimo do juiz, o mesmo é realizado na presença do membro do Ministério Público e, eventualmente, na assistência do defensor tanto do delator quanto do delatado. Assim, o ato é fiscalizado pelo Ministério Público, por imposição legal, e também pelos defensores casualmente presentes, não se olvidando que, independentemente de tal "fiscalização", o juiz, que goza de absoluta idoneidade e de indiscutível imparcialidade, preside a marcha processual sempre tendo em vista o princípio da verdade real, ou seja, visando determinar os acontecimentos exatamente como se sucederam, a fim de permitir a justa resposta estatal, como já frisado anteriormente.

Ademais, é um momento em que o julgador tem a possibilidade de analisar minuciosamente todos os gestos, feições e palavras do réu.

Pode-se afirmar, sem dúvidas, que o interrogatório é um dos atos processuais penais mais importantes. É o meio pelo qual o juiz ouve o acusado sobre o fato que lhe é imputado e ao mesmo tempo colhe dados para o seu convencimento.

Ademais, o Código de Processo Penal determina que o juiz, ao interrogar o réu, lhe inquira a respeito de todas as circunstâncias que envolveram o fato, bem como se foi ele o seu autor, além de outros questionamentos indispensáveis.

Primeiramente, há o interrogatório de qualificação, ao réu será perguntado seu nome, naturalidade, filiação, residência, meios de vida ou profissão, lugar onde exerce a sua atividade e se sabe ler e escrever (artigo 188, caput).

Após, o réu será cientificado pelo juiz de qual acusação pesa sobre ele, passando, então, a ser interrogado acerca do mérito.

Assim, será o réu perguntado sobre onde estava ao tempo em que foi cometida a infração e se teve notícia desta (inciso I); se, tem conhecimento das provas contra ele apuradas (inciso II); conhece a vítima e as testemunhas (inciso III); sabe qual o instrumento com que foi praticada a infração ou qualquer dos objetos que com esta se relacione e tenha sido apreendido (inciso IV); ainda, se verdadeira a imputação que lhe é feita (inciso V).

O réu tem inteira liberdade de dizer o que quiser e bem entender, sendo assim, pode negar ou admitir a acusação, total ou parcialmente, ou ainda, calar-se.

Se o acusado admitir a acusação, reconhecendo ser o autor do delito, ou seja, confessar, deve o juiz indagar a respeito dos motivos que o levaram a cometer a infração e em que circunstância o fato ocorreu (artigo 190, do Código de Processo Penal), bem como sobre todos os demais fatos e pormenores que conduzam a elucidação dos antecedentes e circunstâncias da infração (inciso VII, do artigo 188, do Código de Processo Penal).

Neste caso, o acusado deve informar ao magistrado todas as circunstâncias que envolveram o crime, inclusive se havia co-autores ou partícipes.

Aqui entra o chamamento de co-réu e, possivelmente, a delação premiada.

Frise-se que ao magistrado é facultada a formulação de quaisquer perguntas que julgar pertinentes para a elucidação da verdade.

Na opinião de Fernando da Costa Tourinho Filho (1999, p. 389), a regra do artigo 188, do Código de Processo Penal, trata-se de excelente roteiro que não merece censura.

A maioria dos doutrinadores admite a natureza híbrida do interrogatório, isto é, que ele é tanto um meio de prova quanto de defesa.

Portanto, concomitantemente com sua defesa, o acusado ministra ao juiz elementos úteis à apuração da verdade, seja pelo confronto com provas existentes, seja por circunstâncias e particularidades das próprias declarações que presta.

Sendo assim, não há porque não admitir o valor condenatório da delação, cuja oportunidade para sua realização, embora ampla, se dá principalmente no interrogatório.

A esse respeito alguns julgados:

As declarações do co-réu de um delito têm valor quando, confessando a parte que teve no fato incriminatório, menciona também os que nele cooperaram como autores, especificando o modo em que consistiu essa assistência ao delito. (ACrim 20.994, TASP, Rel. Cunha Camargo, RT 419/295)

Confissão minudente e harmoniosa de comparsas na Polícia e em Juízo,supre a posição evasiva de réu que nega a co-autoria do delito. (Rv. Crim. 129.827, Rel. Ferreira Leite)

Prova. Confissão de co-autor. No campo probatório são valiosas tanto a palavra da vítima como as declarações de co-autor que, confessando sua atuação no delito, menciona o nome de outro participante, bem como a forma pela qual ele se deu.(JTACrim, 71/190)

PROVA CRIMINAL - Palavra de co-réus - Valor probante - Condenação. As palavras de co-réus que se mostram desprovidas de qualquer interesse ou paixão podem servir de suporte à condenação, na veemente prova circunstancial colhida nos autos. (TJMS-AP-Rel. José Rizkallah - RT 660/330)

A chamada de co-réu, que, na fase policial, não visou a eximir-se da própria responsabilidade, é suficiente para condenar o parceiro de roubo surpreendido na posse da res furtiva, quando, escoteiro a negativa deste, a prova testemunhal também confirmou, no contraditório, a apreensão em poder do mesmo, de parte do produto do crime e a delação do co-autor. (TACRIM-SP-AP - Rel. Haroldo Luis - RJD 20/147).

A chamada co-réu, isto é, a confissão do acusado envolvendo também outro personagem do crime, constitui valioso elemento probatório, ensejando a condenação da pessoa referida, se com apoio em outros elementos do processo. (TJSC-RC - Rel. Marcílio Medeiros - RT 479/381)

Percebe-se, no entanto, que a jurisprudência só admite valor probatório à delação quando o réu, além de assumir a sua culpa, indica seus comparsas na ação delitiva.

Danilo Lovisaro do Nascimento assim consigna:

A Lei não se afastou evidentemente desta orientação pretoriana, pois, caso contrário, seria um grande estímulo a todo criminoso que por vingança ou imbuído exclusivamente pelo sentimento de eliminar o concorrente, resolvesse, por meio de afirmações falsas, delatar seus inimigos.

Sem assumir qualquer responsabilidade e ainda buscado a auto-exculpação com suas declarações, uniria o útil ao agradável. Não confessa o crime, delata os inimigos e é beneficiado no processo em que não confessou e em outros para os quais sequer colaborou efetivamente, como determina a lei. (on-line)

Destaque-se que, por tratar-se o interrogatório de um meio de prova pelo qual, por meio de questionamentos que o juiz pode fazer ao acusado, é possível chegar à verdade dos fatos, obtendo-se, ademais, tanto a confissão quanto a delação, pode, certamente, fundamentar a sentença condenatória, não se olvidando que, em casos de delação, deve esta se respaldar em outros elementos de convicção, bem como observar o princípio do contraditório.

2.7 O princípio do contraditório na delação

Contraditoriedade significa participação, participação ativa de contraposição (PEDROSO, 1994, p. 65).

Dentre os princípios constitucionais do processo, o contraditório, é extrema garantia concedida ao cidadão, por isso nunca pode faltar dentro do processo penal.

Toda vez que houver uma alegação por uma das partes, deve ser concedida oportunidade à parte contrária para manifestar-se a respeito, mantendo assim igualdade de tratamento entre ambas. Nisto consiste o contraditório.

Segundo o artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Não se tratam de garantias absolutas. Há situações em que o contraditório não pode ser garantido desde logo, tendo sua aplicação diferida, como ocorre nos casos de delação, sob pena de total insucesso da verdade material.

Necessário nesta hora fazer uma pausa para algumas reflexões. A assertiva não declara a inexistência do contraditório no chamamento de co-réu, apenas afirma que nesses casos o contraditório é realizado após a colheita da prova, ou seja, em momento posterior ao da delação.

Relativamente ao contraditório no chamamento de co-réu, tem-se os seguintes julgados:

CRIMINAL. PROVA. CONDENAÇÃO. DELAÇÃO DE CO-RÉ INVOCAÇÃO DO ART. 5º, INCISOS LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO: AFRONTA INOCORRENTE.

É certo que a delação, de forma isolada, não respalda decreto condenatório. Sucede, todavia, que, no contexto, está consentânea com as demais provas coligidas.

Mostra-se, portanto, fundamentado o provimento judicial quando há referência a outras provas que respaldam a condenação.

Ademais, deixando a defesa de requerer o procedimemento previsto no art. 229 do Código de Processo Penal - a acareação descabe, ante a preclusão, argüir a nulidade do feito.

Em verdade, o recorrente, embora sustente a existência uma questão de direito, consistente na suposta ofensa aos incisos e LVI do art. 5º da Constituição, busca, na verdade, o reexame questão de fato, pretendendo que esta Corte reavalie a convicção instância ordinária.

Recurso não conhecido.

(Recurso Extraordinário nº 213.937-8 - Pará - Relator: Min. Ilmar Galvão em 36.03.1999)

Não basta a mera e simples delação de um co-réu para se afirmar a culpabilidade de outro acusado. É preciso que ela venha acompanhadas de outros elementos de informação processual produzidos no curso da instrução judicial contraditória, formando um todo coerente e encadeado, designativo de sua culpa. A adoção dessa declaração isolada do co-réu como base e fundamento de pronunciamento condenatório constitui profunda ofensa ao princípio constitucional do contraditório consagrado no art. 5º, LV, da Carta Magna, porque acolhe-se como elemento de convicção um dado probante sobre o qual imputado não teve a mínima oportunidade ou possibilidade de participar ou influir ou reagir. (TACRIM-SP – AP – Rel. Márcio Bártoli – 10ª C. – j. 02.06.1993 – RT 706/328).

Assegurando-se, portanto, ao imputado como co-réu ou partícipe as garantias constitucionais do contraditório, a delação formará, juntamente com as demais provas dos autos, prova apta a ensejar um decreto condenatório.

Qualquer acusação realizada em processo penal tem, sem exceção, que ser acompanhada da defesa, trata-se do sistema de provas e contra-provas, como já dito. Havendo oportunidade para reperguntas pelo defensor do réu, não existirá qualquer desequilíbrio processual desfavorável ao delatado, tampouco violação ao princípio do contraditório. Outrossim, merece destaque o fato de que, para garantir o contraditório, doutrinadores sugerem que o delator seja arrolado como testemunha do juízo e inquirido no curso da instrução.

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Sobre a autora
Juliana Conter Pereira Kobren

advogada em Curitiba (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KOBREN, Juliana Conter Pereira. Apontamentos e críticas à delação premiada no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 987, 15 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8105. Acesso em: 24 abr. 2024.

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