CONCLUSÃO
Não podemos esquecer que muitas vezes o Legislativo se movimenta após a adequação da norma à realidade. São recorrentes os casos em que a nova lei corrobora o entendimento dos Tribunais.
Em uma rápida e despretensiosa análise do dia-a-dia forense, podemos citar outras situações de mera ausência de dicção legal, o que em nada se confunde com a ausência de lei, como por exemplo: uma liminar em Habeas Corpus, uma adequação perfeita entre norma e realidade, mesmo na ausência de uma dicção legal. Outro exemplo é a transformação da pena restritiva em direito em cesta básica, quando a lei diz, expressamente, pena pecuniária. Cesta básica não tem nada de pecúnia. Ora, o que queremos demonstrar é a diferença entre ausência de lei e ausência de mera dicção legal. E outra, qualquer tentativa de ofuscar o trabalho do delegado de polícia em trazer os conceitos de prisão como último recurso, na concessão das demais cautelares alternativas parece um apeguismo à ausência de uma mera dicção legal.
A prisão em flagrante é o momento mais ativo do delegado de polícia, segundo ensinamentos de Guilherme Nucci. Assim, melhor seria a aplicação das proibições previstas no art. 319, do CPP, a assinatura dos termos de responsabilidade e a liberação do conduzido pela própria autoridade policial, evitando o deslocamento desnecessário e a potencial disseminação do vírus. O ganho social é imensurável com a adoção das medidas ora expostas, as quais sua concreta e efetiva implementação se daria com o envolvimento dos demais agentes envolvidos no controle social formal para a confrontação da hipótese lançada, entre eles, Ministério Público, Defensoria Pública, Judiciário e OAB.
Indubitável que, em tempos de covid-19, a concessão das medidas cautelares alternativas pelo delegado de polícia como consequência do reconhecimento da situação flagrancial, cuja decisão se sujeita a imediato controle do Poder Judiciário, coloca em tela, efetivamente, princípios explícitos e implícitos na Constituição Federal, outrora expostos, bem como ampara e garante direitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana e o direito à saúde.
Em verdade, é uma forma de se evitar a experimentação momentânea do cárcere, e o contágio efêmero e desnecessário entre novos ingressos do Sistema Prisional e os já reclusos. Do outro lado da ponta, os argumentos de perigo de contaminação e disseminação da covid-19 dentro dos presídios acabam por sofrer um duro golpe.
Em outras palavras é o estreitamento das portas de entrada e de saída dos presídios brasileiros, tão somente com o uso da interpretação extensiva e da simetria entre as regras processuais de restrição de liberdade e o flagrante delito. Assim se diminuem os impactos da covid-19 no sistema criminal.
Referências:
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