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Da natureza jurídica da prisão decorrente da sentença penal condenatória conforme interpretação jurisprudencial do princípio da presunção de inocência

Apologia da execução provisória da pena

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4. Repercussão da Execução Provisória no Processo Penal.

            4.1 Benefícios aos Condenados.

            Quando os condenados não dispuserem em suas apelações de efeito suspensivo, expondo-os, segundo a exegese apresentada neste ensaio, à execução provisória da pena, estará o condenado apto a gozar das benesses concedidas pela lei àqueles que se encontram sob execução da pena, o que não poderia ocorrer se a prisão fosse tida como cautelar.

            Diversos são os exemplos em que isso ocorreria, dentre os quais alguns são destacados na seqüência quanto aos casos de livramento condicional, progressão de regime, dentre outros.

            O livramento condicional, por exemplo, é instituto característico da execução penal, o qual não pode ser aplicado em relação ao preso por medida cautelar, diante de seu fundamento de urgência e razoável evidência do direito a ser aplicado na espécie. Trata-se de incidente da execução não aplicável ao procedimento cautelar.

            Dessa forma, o condenado estaria na absurda situação em que teria mais vantagem em não recorrer e sair da prisão do que lutar por sua inocência e se arriscar a uma demora longa para o julgamento do recurso na esperança de que seja absolvido, pela reforma da sentença.

            Não é conveniente que assim seja, tanto para o réu quanto para o Estado. O réu poderia ser penalizado além do que a lei autoriza sem que lhe fosse garantido um processo penal destinado à proteção de suas garantias. Isso é uma perversão do sistema que pode ser afastada pela execução provisória sob pena de macular as garantias de liberdade constitucionais do cidadão bem como a face material do princípio do devido processo legal.

            Haveria, em tese, com a admissão de execução provisória, um mínimo de coerência do sistema quanto à aplicação da pena, possibilitando ao réu recorrer de forma mais consentânea com o estado do processo, atentando para os benefícios decorrentes da execução da pena.

            Imagine-se, por outro lado, uma condenação em que a pena seja o regime aberto. Identificada a prisão decorrente da sentença condenatória como cautelar, não seria possível a estada no albergue referente ao regime da condenação em razão exclusivamente da prisão ser considerada cautelar.

            Novamente aqui o sistema afirma ao réu condenado em primeira instância que é melhor que não recorra, que não lute pela inocência que acredita ter, porque as conseqüências disso serão menos vantajosas, encarando cárcere mais grave do que deveria somente no intuito de ver suas razões julgadas pela segunda instância, o que pode levar anos para ocorrer.

            Evidencia-se uma vez mais que, verificada a execução provisória da pena, suas conseqüências para os condenados seriam muito mais vantajosas do que admiti-la como prisão cautelar.

            Também seria verificada essa situação de vantagem quando se coloca em perspectiva os benefícios de mudança de regime de cumprimento de pena, remissão da pena pelo trabalho, saídas temporárias disciplinadas, postulação aos direitos referidos no art. 41 da lei de execuções penais, etc. Todos esses benefícios também seriam negados em caso de caracterização dessa prisão como medida cautelar.

            Essas razões evidenciam que longe de ser algo que prejudique o réu, a execução provisória da pena é naturalmente emanada do sistema do processo penal nacional somente tem a tornar mais adequadas com o ordenamento a prisão decorrente da sentença.

            Em última análise, trata-se tão somente de ter uma visão sistêmica e adequada do ordenamento processual penal, impedindo que o réu tenha seus direitos com relação ao cárcere desrespeitados.

            4.2 A Prisão Cautelar posterior à Sentença no Sistema de Execução Provisória da Pena.

            Não obstante a caracterização da prisão decorrente de sentença condenatória recorrível como execução provisória, é de se destacar que essa não impede de qualquer forma o cárcere cautelar, quando forem evidenciados seus os requisitos.

            Mesmo nos casos em que o ordenamento permite ao condenado recorrer em liberdade, preenchidos os requisitos do art. 594 do CPP, nada impede que ele seja submetido a uma prisão de natureza cautelar, caso exista algum dos motivos autorizadores da custódia preventiva. Este fenômeno merece análise cuidadosa, pois não é bem compreendido pelos aplicadores do processo penal.

            Se a apelação do réu não tiver efeito suspensivo, inicia-se imediatamente a execução provisória da pena, sendo o único fundamento da prisão a própria sentença condenatória, eis que representa um de seus efeitos automáticos. Até então nenhuma novidade: neste caso, se o condenado estava solto, será recolhido à prisão; se já estava preso, será conservado no cárcere, nos termos do art. 393, I, do CPP.

            Caso o recurso de apelação do condenado tenha "efeito suspensivo", preenchida uma das condições do art. 594 do CPP, não pode ser iniciada a execução provisória da pena, ou seja, em regra, o réu aguardará o julgamento de seu apelo em liberdade. Entretanto, excepcionalmente, a prisão preventiva pode vir a ser decretada, se o réu se enquadrar nas hipóteses do art. 312 do CPP.

            Desse modo, presente um dos motivos autorizadores da prisão preventiva, o réu, mesmo tendo o direito de apelar em liberdade, em função do efeito suspensivo da apelação, pode ser recolhido à prisão, não sob o título de efeito da sentença penal condenatória, e sim com base na decisão judicial que decretou sua custódia cautelar.

            O mesmo raciocínio deve ser utilizado para o réu que se encontrava preso durante o processo. Apesar de ter direito de apelar em liberdade, como conseqüência do efeito suspensivo do recurso, sua permanência na prisão dependerá da continuidade dos motivos que o levaram a sofrer prisão cautelar.

            Se os fundamentos da prisão preventiva persistirem, o réu continuará preso, não com base na sentença condenatória, mas pelo título da decisão anterior que reconheceu a necessidade de prisão provisória, isto é, a sua custódia não será efeito natural da condenação (art. 393, I, do CPP), como execução provisoriamente da pena.

            Ao contrário da jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça já citada, a custódia de réu que esteve preso no decorrer de todo processo não se dá automaticamente em razão da sentença condenatória, mesmo existentes os requisitos do art. 594 do CPP para recorrer em liberdade. Nesta situação, a ordem de prisão deverá ser fundamentada num dos motivos previstos para custódia preventiva.

            Assim como o motivo que determinou a prisão cautelar durante o processo pode subsistir, também pode cessar no momento da sentença; dessa forma, neste último caso, se a apelação do réu tiver efeito suspensivo, recorrerá em liberdade, mesmo que tenha ficado preso por todo processo. Enfim, a prisão só será efeito automático da sentença, com natureza de execução provisória da pena, se o réu não se enquadrar no preceito do art. 594 do CPP.

            Repita-se, o entendimento de que o réu que esteve preso durante a instrução processual não tem direito a apelar em liberdade não é correto, pois, como visto, a manutenção dessa prisão, que tem natureza cautelar, só terá legitimidade se persistirem os motivos que determinaram a custódia cautelar.

            Parte da doutrina já reconhece a posição defendida neste trabalho. Também nesse particular, o magistério de Afrânio Silva Jardim:

            "(...) se o condenado está preso em flagrante e não mais estão presentes os motivos que autorizariam a sua prisão preventiva solto estivesse, deve ele gozar da liberdade provisória do parágrafo único do art. 310 do Código de Processo Penal.

            Da mesma forma, não se iniciando a execução provisória da pena, se o réu condenado estava preso preventivamente somente deverá permanecer preso enquanto persistirem os motivos desta prisão. A contrario sensu, desaparecendo os motivos que determinaram a prisão preventiva, deve a custódia cautelar ser revogada, em obediência ao disposto no art. 316 do Código de Processo Penal. (...)" [08]

            Antônio Scarance Fernandes também corrobora com esse entendimento:

            "Se o acusado já se encontrava preso antes da sentença condenatória, não poderá apelar em liberdade, ainda que primário e com bons antecedentes, caso persistam os motivos ensejadores de sua custódia cautelar. Essa orientação, aceita pela doutrina e pela jurisprudência, não afronta a Constituição Federal, pois, se o acusado esteve preso até a sentença em face de necessidade cautelar, não haveria razão para que, justamente depois de condenado, viesse a ser libertado. Não, contudo, quando no momento da sentença desaparece o motivo que, antes, sustentava a prisão. Assim, se o acusado estava preso para garantia da instrução criminal em virtude de ter ameaçado determinada testemunha, só por esse motivo não teria fundamento a manutenção da custódia na sentença, pois a prova já foi colhida e houve inquirição da testemunha ameaçada" [09] [grifos apostos]

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            A prisão cautelar do réu que não satisfaz os requisitos do art. 594 do CPP, então, deve ser fundamentada num dos motivos que autorizam a custódia preventiva, seja por persistirem os motivos que o levaram à prisão durante o processo, seja pela superveniência de outro fato que imponha a medida cautelar para preservação da efetividade da futura execução penal.

            Dessa forma, é possível a decretação da custódia cautelar, no sistema de prisão e liberdade provisória, nos casos em que não é possível a execução provisória da pena pelo efeito suspensivo da apelação, independente de o réu estar solto ou preso no momento da prolação da sentença condenatória recorrível, desde que seja fundamentada a prisão provisória, pois, incidindo a hipótese do art. 594 do CPP, a regra é sempre pela possibilidade de se recorrer em liberdade.


5. Conclusão.

            A análise do sistema processual penal na forma disposta na legislação conduz à conclusão de que a prisão decorrente de sentença condenatória é verdadeira execução provisória da pena, diante dos dispositivos acima analisados e sua íntima relação com os efeitos da sentença e dos recursos.

            A questão mais grave a ser oposta a esse entendimento não é verificada no âmbito legal, mas constitucional: o princípio da presunção de inocência. Já que a prisão decorrente de sentença penal condenatória é anterior ao seu trânsito em julgado, como admitir uma execução provisória, instituto que pela lógica seria incompatível com esse postulado central?

            Apesar da oposição desse princípio ser questão séria, a jurisprudência já estratificou seu entendimento tanto no Supremo Tribunal Federal, quanto no Superior Tribunal de Justiça. Neste último, inclusive é objeto da Súmula 09, em que se afasta a incidência da presunção de inocência como impedimento à prisão decorrente de sentença condenatória, autorizando a prisão provisória com base nos maus antecedentes. [10]

            O mesmo argumento é capaz de ensejar a execução provisória da pena, ainda que não se concorde com tal intelecção. A execução também tem o caráter provisório mantendo a intelecção referente à presunção de inocência, acentuando, por outro lado, todos os outros direitos que o ordenamento confere aos réus, motivo pelo qual esse entendimento privilegia muito mais as garantias do cidadão pela possibilidade de verificação dos benefícios do que se fosse entendida como medida cautelar.

            Daí porque dentro do panorama da jurisprudência brasileira, em que a presunção de inocência não impede uma prisão decorrente da sentença, a alternativa mais consentânea com a interpretação do conjunto das garantias constitucionais do cidadão é o reconhecimento da execução provisória da pena.

            Afastado o argumento constitucionalista por uma questão de realidade jurisprudencial e sendo certo de que a interpretação proposta é respaldada pelo sistema, não há como negar validade a intelecção proposta.

            Apesar da assente maioria dos julgados das instâncias superiores não entenderem dessa forma, há posicionamentos que já aceitam a tese, ainda que não em termos integrais. Isso é que se vislumbra no julgado o Superior Tribunal de Justiça abaixo relacionado, no qual resta admitida a prisão como execução provisória decorrente de decisão impugnada na instância oficial:

            HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. ARGÜIÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL ANTE A NÃO-CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DO APELO EM LIBERDADE. NÃO-OCORRÊNCIA. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. QUESTÃO SUPERADA.

            1. A alegação de constrangimento ilegal, com base na negativa do benefício do apelo em liberdade, não se sustenta diante da admissibilidade da execução provisória da pena, já que os recursos especial e extraordinário, mesmo quando admitidos, o que não é o caso, não possuem efeito suspensivo capaz de impedir o regular curso da execução da decisão condenatória.

            2. A custódia do sentenciado em cárcere, decorrente de sua condenação na instância ordinária, em sede de recurso de apelação, é providência compatível com o sistema processual vigente.

            3. Ademais, tal assertiva encontra-se superada diante do trânsito em julgado superveniente da decisão respectiva.

            4. Ordem denegada.

            (HC 23.770/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 03.02.2005, DJ 07.03.2005 p. 287)

            No Supremo Tribunal Federal, o Ministro Sepúlveda Pertence há muito reconhece que nos casos de prisão decorrente de sentença penal condenatória há verdadeira execução provisória [11], e que tal instituto seria inconstitucional quando confrontado com o princípio da presunção de inocência. Demonstrando isso, vai de encontro inclusive a Súmulas e posicionamentos assentes dos tribunais superiores, apesar de ser coerente e correto o raciocínio apresentado.

            A discussão, entretanto, ainda aguarda por julgamento que reaprecie o posicionamento da corte, devendo ser retomada no plenário daquele tribunal, de forma a unificar a jurisprudência e estabelecer a orientação sobre a matéria (HC 85.591/SP) [12].

            De qualquer maneira, afastando-se o entendimento da violação do princípio da presunção de inocência (por razões de realidade jurisprudencial) e aceitando-se a tese como viável, passa-se às conclusões conseqüentes, como imposição do sistema de garantias constitucionais e institutos do processo penal verificados no aparato legislativo infraconstitucional:

            a) A prisão decorrente de sentença condenatória recorrível no momento em que tem como fundamento sua existência exclusivamente na sentença e na produção de seus efeitos, obstável pela interposição de recurso em determinadas condições, não pode ter o rótulo de cautelar nem ser produzir efeitos como tal.

            b) Caracteriza-se, diante da inexistência dos requisitos cautelares, como execução provisória da pena respaldada na análise sistêmica dos dispositivos legais que a sustentam.

            c) Possibilita respeito às garantias constitucionais do cidadão principalmente relacionadas ao processo e à execução das penas, conferindo coerência ao ordenamento jurídico processual penal, tendo como conseqüência benefícios ao réu condenado pela execução da pena.

            d) Harmoniza-se facilmente com o instituto da prisão cautelar sem se confundir com essa. Atua em situação diferente, afastados dos requisitos cautelares, e não impede a superposição entre uma e outra no caso de presença dos requisitos.

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Sobre os autores
Daniel Coutinho da Silveira

advogado em Belém (PA), pós-graduando em Direito Processual pela Universidade da Amazônia e Instituto Educar, membro do Instituto dos Advogados do Pará

Leandro Nascimento Rodrigues

advogado em Belém (PA), pós-graduando em Direito Processual pela Universidade da Amazônia e Instituto Educar

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVEIRA, Daniel Coutinho ; RODRIGUES, Leandro Nascimento. Da natureza jurídica da prisão decorrente da sentença penal condenatória conforme interpretação jurisprudencial do princípio da presunção de inocência: Apologia da execução provisória da pena. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 995, 23 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8142. Acesso em: 30 abr. 2024.

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