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Crimes previstos no Estatuto do Desarmamento.

Regras atinentes às atividades com produtos controlados e complementação às suas normas penais em branco

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Em que pese ter abrangido várias condutas consideradas ilícitas, ressente-se a omissão da lei em criminalizar, expressamente, algumas tidas como pertinentes, por exemplo:

  • a importação e exportação ilegal de explosivos e seus componentes (especialmente o material utilizado para produzi-los, tais como pólvora, acessórios de explosivos e outras substâncias);

  • a posse, importação e exportação de material para recarga (paquímetro, dosador, balança etc) – ressalte-se que o Projeto de Lei do Estatuto do Desarmamento original, apresentado pelo Senado Federal (de n.º 1.555/03), previa em seu artigo 12 também ser crime a posse de "equipamento de recarga" sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, mas foi retirado, sem maiores justificativas, do projeto final apresentado para votação;

  • a posse, importação e exportação de outros produtos controlados, além das peças ou componentes de arma de fogo, munição, acessórios e equipamentos (tais como armação, ferrolho, cano, cartuchos, espoletas, pólvora, projéteis, coletes, escudos e capacetes a prova de bala etc) 7 - é sabido que os traficantes de armas costumam desmontar o armamento para facilitar seu transporte ou introdução em território nacional.

Ainda assim, em alguns casos, tais condutas poderão ser subsumidas às prescrições do art. 334, alínea "c", do CP, e da parte não derrogada do art. 253. do CP (contrabando e posse de substância destinada a fabricação de explosivo sem autorização), não sendo o fato, necessariamente, atípico.

Podemos perceber que os crimes previstos no Estatuto, ao demandarem o exercício de atividade analítica e de interpretação conforme da lei, exige conhecimento específico de matéria, que, à primeira vista, fugiria da alçada jurídica para alçada adstrita ao conhecimento militar.

Inclusive, para se adaptar aos termos do Estatuto, o Comando do Exército tem revogado e modificado o teor das diversas portarias normativas que tratam de produtos controlados e das pessoas que com eles exercem atividades, pois o descumprimento de suas disposições agora é considerado não só infração administrativa mas também infração penal.

Questiona-se o fato de se considerar uma norma penal de grau hierárquico inferior, tal como uma portaria, por exemplo, como suficiente para criminalizar uma conduta, pela simples referência, em sentido amplo, que lhe é feita. Essa impugnação se mostra ultrapassada na medida em que a complementação de "normas penais em branco impróprias ou heterólogas" (complementadas por normas de outra hierarquia) é uma prática doutrinária e juridicamente admitida, podendo ser citada, como exemplo, a tipificação dos crimes relacionados ao abuso de substâncias entorpecentes, em que a lei prevê a existência do crime quando a substância esteja relacionada em portaria de órgão do Ministério da Saúde (art. 36. da Lei n.º 6.368/76 e seu par. único).

Outro argumento que se contrapõe aos dispositivos penais do Estatuto do Desarmamento diz respeito ao extremo rigor e até à desproporcionalidade de algumas condutas ou circunstâncias que passaram de meras irregularidades a crimes graves, punidos com penas consideráveis, pelo simples fato do agente estar "em desacordo com determinação legal ou regulamentar".

Por hora, enquanto vigente a lei no estado em que se encontra, não havendo declarações judiciais de ilegalidade ou inconstitucionalidade de seus artigos, deve ser ela cumprida em sua totalidade, sob pena das autoridades públicas, especialmente as policiais, virem a ser responsabilizadas administrativamente, ou até mesmo, se for o caso, por crime de prevaricação. Como dispunha o conhecido brocardo jurídico, "dura lex, sede lex" (a lei é dura mas é lei), não sendo crível deixa-la de aplicar por se levar em conta o sentimento pessoal do justo e do injusto.

De todo o exposto, e apenas em linhas gerais, é este o quadro das disposições penais relacionadas à posse, fabricação e comércio interno e internacional de armas, açambarcando as diversas condutas que passaram a ser consideradas como delituosas com o advento do Estatuto do Desarmamento, e que, em última instância, busca controlar de maneira mais eficaz a circulação de armas no país.


Bibliografia

BARROS, Walter da Silva. Estatuto do Desarmamento Comentado, Rio de Janeiro, Ed., Espaço Jurídico, 2004.

CORDEIRO, Vantuil Luis; DANTAS, Marcus Vinicius da Silva; e JUNIOR, Orlando Rincon. Caderno Didático Crime Organizado – Tráfico Ilícito de Armas de Fogo, Brasília, ANP, 2005.

BRUNO, Aníbal. Direito Penal, Rio de Janeiro, Ed. Nacional de Direito, 1956.

LEGISLAÇÃO

Constituição Federal de 1988.

Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento).

Lei nº 10.446, de 8 de maio de 2002.

Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 2004.

Decreto nº 3.665, de 20 de novembro de 2000 (aprovou o Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados R-105).

Portaria/MJ nº 1300, de 4 de setembro de 2003.

Instrução Normativa n.º 023/05-DG/DPF, de 01.09.05, publicada no Boletim de Serviço n.º 169, de 2 de setembro de 2005.

Instrução Normativa n.º 013/2005-DG/DPF, publicada no Suplemento ao Boletim de Serviço n.º 113, de 16 de junho de 2005.

Portaria Ministerial n.º 1.024-ME, de 04.12.97, do Ministério do Exército (Recarga de Munição).

Portaria Normativa n.º 019-DMB, de 14.11.97, do Exército Brasileiro (Instrutor de Tiro).

Portaria Normativa n.º 036-DMB, de 09.12.99, do Exército Brasileiro (Comércio).

Portaria Normativa n.º 024-DMB, de 25.10.00, do Exército Brasileiro (Colecionadores).

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Portaria Normativa n.º 004-DLOG, de 08.03.01, do Exército Brasileiro (Atiradores).

Portaria Normativa n.º 005-DLOG, de 08.03.01, do Exército Brasileiro (Caçadores).

Portaria Normativa n.º 016-DLOG, de 28.12.04, do Exército Brasileiro (Marcação de Munição).

Portaria Normativa n.º 040/MD, de 17.01.2005, do Ministério da Defesa (Quantidade de Munição Adquirida e Acessórios).

Portaria Normativa n.º 014-DLOG, de 30.10.05, do Exército Brasileiro (Dispositivos intrínsecos de segurança e identificação).

Portaria Normativa n.º 018-DLOG, de 07.11.05, do Exército Brasileiro (Explosivos).


Notas

1 No dizer de Aníbal Bruno, é aquela em que "a descrição das circunstâncias elementares do fato, tem de ser completada por outra disposição legal já existente ou futura" (Direito Penal - Ed. Nacional de direito - 1956 - Vol. I - pág. 198).

2 R-105 (Dec. n.º 3.665/00):

Art. 3º - (...)

I - acessório: engenho primário ou secundário que suplementa um artigo principal para possibilitar ou melhorar o seu emprego;

II - acessório de arma: artefato que, acoplado a uma arma, possibilita a melhoria do desempenho do atirador, a modificação de um efeito secundário do tiro ou a modificação do aspecto visual da arma;

(...)

XIII - arma de fogo: arma que arremessa projéteis empregando a força expansiva dos gases gerados pela combustão de um propelente confinado em uma câmara que, normalmente, está solidária a um cano que tem a função de propiciar continuidade à combustão do propelente, além de direção e estabilidade ao projétil;

(...)

LXIV - munição: artefato completo, pronto para carregamento e disparo de uma arma, cujo efeito desejado pode ser: destruição, iluminação ou ocultamento do alvo; efeito moral sobre pessoal; exercício; manejo; outros efeitos especiais;

(...)

3 Com base no inc. VIII do art. 2º c/c a primeira parte do art. 24. do Estatuto, o Comando do Exército deixou de expedir Certificado de Registro aos armeiros, apesar destes utilizarem e comercializarem produtos controlados.

4 Não confundir com os caçadores de subsistência, cuja arma é registrada no SINARM e o porte é expedido pelo DPF.

5 O "end-user certificate" é a autorização emitida pelo país importador certificando que o governo tem conhecimento da importação e que não reexportará as armas.

6 Para a consecução das importações e exportações, é necessário proceder ao desembaraço alfandegário. O desembaraço alfandegário é o conjunto de rotinas adotadas para o ingresso ou saída do país de armas e munições (comércio exterior, trânsito para outros países, ou quando trazidas como bagagem).

7 Acreditamos que a classificação dos componentes de arma e de munições (armação, cano, ferrolho e cartuchos, espoletas, pólvora, projéteis), além dos equipamentos para recarga e coletes a prova de bala como acessórios em geral, até mesmo com base no art. 21. do Decreto n.º 5.123/04, poderá ser mais bem delineada pela jurisprudência. Nos moldes em que a lei se apresenta, conjugada com o Decreto n.º 3.665/00, essa classificação nos parece temerária.

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Sobre o autor
Marcus Vinicius da Silva Dantas

delegado de Polícia Federal em Brasília, professor da Academia Nacional de Polícia, bacharel em Direito e em Administração

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS, Marcus Vinicius Silva. Crimes previstos no Estatuto do Desarmamento.: Regras atinentes às atividades com produtos controlados e complementação às suas normas penais em branco. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 995, 23 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8143. Acesso em: 21 nov. 2024.

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