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Moralidade pública nas relações de trabalho:

a responsabilidade do agente público perante o Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho

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9.Ações penais decorrentes da violação da moralidade pública nas relações de trabalho

A promoção da ação penal pública é imanente ao Ministério Público, inexistindo regra excepcionadora desta atribuição ao MPT, portanto, pacífica a legitimidade do Parquet especializado.

Quanto à Justiça do Trabalho, em breves linhas, considerando o já que sustentamos no artigo "O Ministério Público do Trabalho frente à ampliação de competência da Justiça do Trabalho: uma visão crítico-construtiva" [07], é suficiente dizer que, em recente decisão do STF, (28.06.2005), no julgamento do HC 85096, o Ministro Relator SEPÚLVEDA PERTENCE deixou assentado que: "sendo o habeas corpus de natureza penal, a competência para o seu julgamento será sempre de juízo criminal, ainda que a questão material subjacente seja de natureza civil, como no caso de infidelidade de depositário em execução de sentença". Este entendimento espanca de vez a interpretação restritiva de alguns ao inciso IV do novo art. 114, no sentido de que a competência ali prevista para o habeas corpus se referiria apenas aos casos de depositário infiel na Justiça do Trabalho.

Como a EC 45/04 inseriu, no inciso IV do art. 114, a competência para processar e julgar habeas corpus no âmbito da Justiça do Trabalho, resta concluir pela competência criminal, que, por ser residual, não necessita vir explícita.

Corroborando este entendimento, decisão da Vara Federal Criminal de Blumenau/SC reconheceu a competência criminal da Justiça do Trabalho com fundamento no art. 114, III, da CF, para as questões sindicais, in verbis:

"Processo nº 2004.72.05.004394-8

Vistos, etc.

Trata-se de notícia crime onde o Ministério Público Federal requereu a remessa dos presentes autos à Justiça do Trabalho, entendendo ser esse o juízo competente para processar e julgar as irregularidades, em tese, na fundação do Sindicato dos Empregados do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios, Tecidos e Vestuário de Brusque.

Como aduziu o Parquet Federal, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 8º, inciso I, garantiu a liberdade para a formação de associações sindicais, sendo vedada a intervenção estatal em sua organização, litteram:

‘Art. 8º. É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical; (...)’

Entretanto, o inciso II deste dispositivo legal veda a criação de mais de uma organização sindical representativa de categoria profissional ou econômica na mesma base territorial, conforme teria ocorrido, em tese, no caso dos autos.

Todavia, tal irregularidade apontada pelo Parquet Federal não se constitui crime cujo processamento caiba à Justiça Federal, mas sim à Justiça do Trabalho, nos termos do art. 114, III, da CF/88 (Inciso incluído pela Emenda Constitucional nº 45/2004).

Assim, acolho as razões do Ministério Público Federal, e determino a remessa dos autos à Justiça do Trabalho de Brusque/SC, competente para processar e julgar o feito.

Intimem-se.

Blumenau(SC), 1 de fevereiro de 20005.

RAFAEL SELAU CARMONA

Juiz Federal Substituto"

E existem já os seguintes precedentes na Justiça do Trabalho:

- TC’s ns. 001-A-2005/SR/DPF/Itajaí, 001-B-2005/SR/DPF/SC e 0016/2005-SR/DPF/SC, lavrados pela Polícia Federal e encaminhados, respectivamente, às Varas do Trabalho de Indaial, Joaçaba e Curitibanos, todos com transação penal proposta pelo MPT, aceita pelos indiciados e homologada pelo Juízo trabalhista;

- Denúncia-Crime n. 06578-2005-026-12-00-0, em processamento na 3ª Vara do Trabalho de Florianópolis, com sursis processual concedido aos denunciados.

Espancadas as dúvidas existentes quanto à legitimidade do MPT e da competência da Justiça do Trabalho, no particular, passa-se a elencar algumas formas de responsabilização criminal do administrador público por violação à moralidade pública nas relações de trabalho:

- quanto aos prefeitos, por infração ao disposto no art. 1º, XII e XIII, do Dec.-Lei 201/67, que capitula como crime de responsabilidade "antecipar ou inverter a ordem de pagamento a credores do Município, sem vantagem para o erário" e "nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei", gerando pena de detenção de três meses a três anos, e, ainda, sujeitando o acusado à prisão preventiva e afastamento do cargo, na forma do art. 2º do mesmo Diploma Legal. A condenação acarreta ainda a perda do cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, sem prejuízo da reparação civil pelo dano causado ao patrimônio público ou particular;

- em relação a outros agentes públicos, eventual tipificação de crimes contra a Administração Pública, notadamente pela conjugação dos dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000), em especial os arts. 21 a 23;

- etc.

Saliente-se que o Dec.-Lei 201/67 prevê outra forma de responsabilização dos Prefeitos e Vereadores, capitulando como infração político-administrativa, sujeita ao julgamento da Câmara com cassação do mandato, pelos primeiros (art. 4º, VII), "praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência ou omitir-se na sua prática", e pelos segundos (art. 7º, I), "utilizar-se do mandato para a prática de atos de corrupção ou de improbidade administrativa".


10.Conclusões

- O Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho têm relevante papel na defesa da moralidade administrativa, cabendo sua atuação sempre que nos desdobramentos trabalhistas se detectar violação aos princípios que regem a Administração Pública, ilegalidades, omissão ou ineficiência do administrador.

- Cabe ainda ao Parquet Trabalhista zelar para que o princípio da eficiência administrativa seja observado pelo agente público, provendo a população de um serviço público digno e eficiente, e velando para que os servidores públicos estejam aptos e capacitados para a realização de suas tarefas, a começar pelo ingresso no serviço público através de concurso hígido, e, depois, atendendo às qualificações exigidas para o desempenho de suas funções e dotados dos meios materiais para tanto, ou seja, de condições de trabalho.

- Quanto mais ineficiente for o administrador, maior será o espaço de atuação do Ministério Público e, por conseguinte, do Poder Judiciário, seja na correção de irregularidades/ilegalidades na Administração Pública, seja suprindo omissão ou ineficiência do administrador, e, sem que isso represente ofensa ao princípio tripartite dos Poderes, mas pelo contrário, um poder-dever de agir na busca da harmonia entre executivo, legislativo e judiciário, e pela realização da atividade administrativa estatal pelo povo e para o povo.

- O balizamento de atos administrativos em critérios de conveniência e oportunidade não obsta a discussão de mérito pela sociedade através de seu órgão defensor, o Ministério Público, ou pelo órgão que distribui Justiça, o Poder Judiciário, através do devido processo legal, como decorrência mais que natural em um regime verdadeiramente democrático de direito.

- Deve-se consagrar o instituto da administração judicial para saneamento do serviço público em situações em que a incúria administrativa acarretar grave dano à população.

- O agente público deve ser responsabilizado solidária ou exclusivamente em ação trabalhista ajuizada em face de ente da administração, promovida por pessoa contratada sem concurso público.

- O Ministério Público do Trabalho detém legitimidade suficiente, na forma da Constituição e da LOMPU, para o ajuizamento de ações de improbidade administrativa perante a Justiça do Trabalho, como perante qualquer Justiça, e também de denúncias-crimes em face de maus administradores, sempre que decorrentes de suas atribuições peculiares na defesa dos interesses sociais e do interesse público.

- A Justiça do Trabalho, na forma do art. 114, I e IX, da Constituição, combinado com os arts. 83, I; 84, caput; e 6º, XIV, f, e XVII, a, da LOMPU, detém competência para processar e julgar ações de improbidade administrativa, quando decorrentes das relações de trabalho, verbi gratia, em contratações irregulares de servidores públicos; ainda, com base no art. 114, I, IX e IX, conjugado ao disposto no art. 83, I; 84, caput; e 6º, V, da LOMPU, detém competência também para processar e julgar ações penais decorrentes da violação da moralidade pública nas relações de trabalho.

- O Ministério Público e o Judiciário, em especial, pelos seus ramos especializados trabalhistas, devem zelar para que haja formação de um corpo de Estado na Administração Pública, evitando solução de continuidade nas políticas voltadas ao interesse público pela alternância de facções no Poder, resguardando a permanente realização de concurso público para admissão de pessoal, a qualificação/reciclagem de servidores, as condições dignas de trabalho do servidor, a organização e cumprimento de plano de cargos e salários segundo os ditames constitucionais-legais, o adequado gerenciamento de recursos humanos e o meio ambiente de trabalho hígido no serviço público.

- Finalmente, deve-se buscar a instituição de uma política judiciária que permita o mais amplo controle e resguardo da moralidade pública nas relações de trabalho, com a dinâmica de redimensionamento da atuação do Ministério Público do Trabalho e competência ampliada da Justiça do Trabalho nos moldes configurados na Emenda Constitucional 45/04.


11.Referências Bibliográficas

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, 18.ed., São Paulo: Atlas, 2005.

GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo, 9.ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2004.

LEÃO, Maria do Carmo. A improbidade administrativa. Jus Navigandi, Teresina, a. 3, n. 30, abr. 1999. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/360>.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, 24.ed. atual., São Paulo: Malheiros, 1999.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, 4.ed.amp.,rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 1993.

PALERMO, Fernanda Kellner de Oliveira. Improbidade administrativa e a atuação do Ministério Público. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2732>.

Responsabilização do administrador público, na Justiça do Trabalho, pelos valores pagos ao trabalhador admitido irregularmente, ação de improbidade administrativa e Ministério Público do Trabalho. Estudo elaborado pela Comissão de Estudos da CONAP do MPT, composta por Carlos Henrique Bezerra, João Batista Berthier e Viviann Rodriguez Mattos.

TOURINHO, Rita Andréa Rehem Almeida. A prescrição e a Lei de Improbidade Administrativa. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3124>.

TOURINHO, Rita Andréa Rehem Almeida. O ato de improbidade administrativa e a impossibilidade de compromisso de ajustamento em virtude do art. 17, §1º, da Lei nº 8.429/92. Avanço ou retrocesso?. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 62, fev. 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3742>.

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Notas

01 LEÃO, Maria do Carmo. A improbidade administrativa. Jus Navigandi, Teresina, a. 3, n. 30, abr. 1999. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/360>.

02 Valendo lembrar sempre a dicção do art. 8º da CLT ao prescrever que "as autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. (Grifou-se e sublinhou-se)

03JC 58/72: "...

Hely Lopes Meirelles, em sua obra Direito Administrativo Brasileiro, 9ª ed., Ed. RT, 1982, págs. 149/152, assim se manifesta:

‘No direito público, o que há de menos relevante é a vontade do administrador. Seus desejos, suas ambições, seus programas, seus atos não têm eficácia administrativa, nem validade jurídica, se não estiverem alicerçados no direito e na lei. Não é a chancela da autoridade que valida o ato e o torna respeitável e obrigatório. É a legalidade a pedra de toque de todo o ato administrativo’ (fls. 149).

A lição de modernos publicistas, a começar por Bielsa, é de que: ‘Por princípio, as decisões administrativas devem ser motivadas formalmente, vale dizer que a parte dispositiva deve vir precedida de uma explicação ou exposição dos fundamentos de fato (motivos pressupostos) e de direito (motivos determinantes da lei)’. E, rematando, o mesmo jurista afirma: ‘No direito administrativo a motivação – como dissemos – deverá constituir norma, não só por razões de boa administração, como porque toda autoridade ou poder em um sistema de governo representativo deve explicar legalmente, ou juridicamente, suas decisões.

‘Entre nós, Bilac Pinto invocando Jèse, expõe que ‘o princípio da motivação dos atos administrativos constitui moderna tendência do direito administrativo dos países democráticos’.

‘A motivação, portanto, deve apontar a causa e os elementos determinantes da prática do ato administrativo bem como o dispositivo legal em que se funda.

‘A teoria dos motivos determinantes funda-se na consideração de que os atos administrativos, quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tais motivos é que determinam e justificam a realização do ato, e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade. Mesmo os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados a esses motivos como causa determinante de seu cometimento e sujeitam-se ao confronto da existência e legitimidade dos motivos indicados. Havendo desconformidade entre os motivos determinantes e a realidade, o ato é inválido’ (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 9ª ed. Atualizada, Ed. Revista dos Tribunais, SP, 1982, pág. 151).

‘Por aí se conclui que, nos atos vinculados, a motivação é obrigatória, nos discricionários, é facultativa; mas, se for feita, atua como elemento vinculante da administração aos motivos declarados, como determinantes do ato. Se tais motivos são falsos ou inexistentes, nulo é o ato praticado’ (fls. 152).

(...)

Diante de tais fatos, a sentença é de ser mantida.

Participou do julgamento, com voto vencedor, o Exmo. Sr. Des. Erwin Rubi Peressoni Teixeira.

Florianópolis, 17 de novembro de 1987.

May Filho, Presidente com voto; Wilson Guarany, Relator. Everton Jorge da Luz, Procurador de Justiça."

04 Sendo certo que a inovação da EC 45/04 permitirá o alargamento da competência da Justiça do Trabalho para discutir não só a obrigatoriedade de realização de concurso público, como também critérios e condições do certame.

05 "A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS."

06 Autos do Processo n. 00333.2001.001.14.00-0, da 1ª Vara do Trabalho de Porto Velho/RO.

07In Revista LTr.-69-07/811, Julho de 2005, pp. 811-7.

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Sobre o autor
Marcelo José Ferlin D'Ambroso

Procurador do Trabalho da 12ª Região (Santa Catarina), pós graduado em Trabalho Escravo pela Faculdade de Ciência e Tecnologia da Bahia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

D&#39;AMBROSO, Marcelo José Ferlin. Moralidade pública nas relações de trabalho:: a responsabilidade do agente público perante o Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 996, 24 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8145. Acesso em: 18 nov. 2024.

Mais informações

Exposição apresentada no painel "Moralidade Pública nas Relações do Trabalho", no 2º Encontro de Juízes do Trabalho e Procuradores do Trabalho da 12ª Região, em 21/10/2005, em Florianópolis (SC).

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