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Penhor legal:

a desnecessidade de sua homologação

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01/04/2006 às 00:00
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5.A Prescrição

Segundo Sílvio Venosa [23], após a homologação o credor tem o prazo prescritivo de um ano para a cobrança executiva, quando se tratar de hospedagem ou similar, de acordo com o art. 206, § 1º, I do CC. O prazo é de três anos quando se referir a aluguéis, segundo o art. 206, § 3º, I, também do CC. No mesmo sentido se coloca Maria Helena Diniz [24]. Não é feita menção, contudo, ao prazo prescricional referente às demais hipóteses de penhor legal. Sendo assim, poder-se-ia argumentar que incide, na hipótese, o art. 205 do CC, o qual afirma que a prescrição corre em 10 (dez) anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor. Ocorre que, por outro lado, a medida cautelar de homologação do penhor legal, apesar de ter caráter satisfativo, foi colocada entre os procedimentos cautelares e, por conseguinte, segundo Humberto Theodoro Júnior [25], fica o credor sujeito às regras gerais dos arts. 796 a 812 do CPC, estando o mesmo jungido ao dever de ajuizar a ação de cobrança no prazo de 30 (trinta) dias (art. 806 do CPC). Assim, cabível a pergunta qual prazo a de ser obedecido diante desta discordância dos autores: o disposto na parte geral do CC ou o estatuído no art. 806 do CPC?

É de se indagar, nesse ponto, da real observância dos arts. 796 a 812 do CPC quanto a este procedimento, pois há autores que afirmam não dever ser observado, para a homologação desse penhor, os artigos que dizem respeito ao procedimento cautelar [26].

Inobstante as indagações acima, em virtude do art. 875 do CPC restringir a matéria possível de ser alegada na defesa, que só pode consistir em nulidade do processo, extinção da obrigação ou não estar a dívida compreendida entre as previstas em lei ou não estarem os bens sujeitos a penhor legal, diverge a doutrina a respeito da possibilidade de se alegar prescrição como defesa, havendo julgados, como o do Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, colacionado abaixo, que permite referida alegação:

Prescrição. Argüição em homologação do penhor legal. Admissibilidade. Exegese do art. 875 do CPC. A prescrição é matéria que pode ser alegada em resposta ao pedido de homologação do penhor legal e reconhecida, vez que, prescrita a obrigação principal, não há porque se lhe dê garantia (penhor), eis que não pode ser cobrada. ( 1ª Câm., Ap 232.632, rel Juiz Ruiter Oliva, r. 14.06.1989, JTA ( RT) 119/420).

Alguns autores, afirmando não ser a prescrição causa de extinção da obrigação, mas apenas fator capaz de encobrir sua eficácia, impedindo que o pagamento seja exigido judicialmente, não admitem sua alegação. É certo, porém, que boa parte da doutrina admite a alegação de prescrição, com base no inciso II do art. 875, que ora se comenta.


6.Algumas Questões Processuais

O CC, no seu art. 1471, dispõe que tomado o penhor, o credor requererá, em ato contínuo, a sua homologação judicial. No mesmo sentido, repetindo quase que integralmente a dicção do CC, dispõe o CPC no seu art. 874.

Aqui, há autores, como Ribeiro Leitão [27], que afirmam que o penhor legal já estaria constituído antes, com a apreensão dos bens. Por outro lado, grande parte da doutrina afirma o inverso: o penhor legal apenas se constituirá com a sua homologação.

Apesar de referido procedimento se encontrar no Código de Processo Civil entre os cautelares típicos, não há uma opinião pacífica a esse respeito na doutrina. Moura Rocha [28] o considera como cautelar, havendo, ainda, quem o considere como procedimento de jurisdição voluntária e outros, como Baptista da Silva, que o considerem como jurisdição contenciosa [29].

Quanto à possibilidade de homologação de plano do penhor legal, dispõe o parágrafo único do art. 874 do CPC que "estando suficientemente provado o pedido nos termos deste artigo, o juiz poderá homologar de plano o penhor legal"

Há a indagação, nesse ponto, da possibilidade do juiz, inaudita altera parte, proferir sentença homologatória do penhor legal, pois haveria aí, segundo Álvares de Oliveira [30], violação ao contraditório, garantia essa constitucional que não pode ser afastada em nenhuma hipótese. Isto pelo seguinte: o ato que homologa o penhor legal é sentença, sendo, pois, capaz de por termo ao processo, não se justificando, assim, que nos casos em que haja a homologação liminar, sem a ouvida da outra parte, o demandado deva ser citado apenas para pagar. Se o procedimento acaba com a homologação do penhor legal, e tendo de se observar o contraditório em qualquer processo judicial, parece evidente que a única conclusão compatível com o sistema constitucional vigente é a que afirma ser sempre necessária a prévia citação do demandado para se defender.

Não bastasse a discordância acima apontada, é de se indagar acerca da natureza da sentença homologatória do penhor legal. Sim, porque a depender de sua natureza, haverá de se ressaltar (ou não) sua importância para a satisfação do débito.

Humberto Theodoro Júnior [31] afirma que a sentença de homologação, in casu, não é executiva, nem condenatória. É apenas constitutiva de garantia real. O penhor legal homologado confere privilégio ao credor, mas não lhe assegura, por si só, direito à execução, pois esta depende de título líquido, certo e exigível, documento de que nem sempre disporá a parte.

Por outro lado, Vicente Greco Filho [32], Maria Helena Diniz [33], entre outros autores, afirmam configurar referida sentença homologatória título executivo a dar ensejo a um processo de execução.

Se dermos razão a esta última posição, caracterizando-a como título executivo, haveremos de considerá-la como sentença condenatória, sendo, pois, título executivo judicial. Ou, então, poderíamos enquadrar referida modalidade de garantia entre os títulos executivos extrajudiciais dispostos no art. 585, III, do CPC, que faz menção aos contratos de hipoteca, de penhor, de anticrese, de caução, seguro de vida e de acidentes pessoais, os quais, segundo Fidélis dos Santos [34], seja qual for a espécie de garantia, são contratos como qualquer outro.

Se considerarmos a primeira hipótese (sentença constitutiva de garantia real, sem eficácia executiva), teremos, como conseqüência, o fato do credor ter que ajuizar a ação que for compatível com seus documentos e aguardar a satisfação do débito, mediante expropriação dos bens apenhados, na devida oportunidade, o que nos leva a duvidar da viabilidade dessa sentença homologatória.


7.Tipificação Penal

Vale aqui dizer que, como bem atesta Washington de Barros [35], algumas hipóteses de penhor legal, dispostas no CC, configuram infração penal, de acordo com o art. 176 do Código Penal, que dispõe:

Art. 176. Tomar refeição em restaurante, alojar-se em hotel ou utilizar-se de meio de transporte sem dispor de recursos para efetuar o pagamento:

Pena – detenção, de quinze dias a dois meses, ou multa.

De acordo com Julio Fabbrini Mirabete [36], trata-se de um tipo de estelionato de pequena gravidade e que, por isso, é definido em separado, com penas diminuídas e possibilidade de aplicação do perdão judicial, sendo sujeito passivo desse crime não só a pessoa física ou jurídica que preste o serviço, como também o empregado (garçom, porteiro, motorista etc) que, não arcando com o prejuízo, é enganado pelo agente. A fraude que dá conteúdo ao tipo penal e o diferencia de uma simples obrigação civil é a que o agente, com seu comportamento, atua como se pudesse efetuar o pagamento, iludindo a vítima. O silêncio do agente, não revelando não dispor de numerário, é o meio fraudulento (RT 404/124).

Nas modalidades de condutas definidas no art. 176, do Código Penal, o agente está contraindo obrigação que não pode solver. Assim, não há crime quando o consumidor dispõe de numerário, mas não efetua o pagamento por não concordar, por exemplo, com a conta apresentada. Exige-se o dolo específico, que é o de obter uma vantagem ilícita (refeição, alojamento ou transporte), ou seja, o propósito de não cumprir a obrigação (RT 374/204; JTA, v. II, p. 50, n 21): é a vontade de praticar uma das ações típicas, sabendo que não tem condições de efetuar o pagamento. Aquele que se arrisca, consumindo mais do que pode pagar, comete o delito por agir com dolo eventual.

A primeira figura típica é a de tomar refeição em restaurante. Nesse caso, a palavra restaurante tem sentido amplo e engloba bares, boites, cafés, lanchonetes etc (RJDTACRIM 22/204-205) e a expressão tomar refeição faz com que não se cometa o crime em apreço quem é servido em sua residência ou quem adquire o jantar para consumi-lo em outro local.

A segunda figura típica é a de alojar-se em hotel, abrangendo essa expressão qualquer tipo de casa em que se aceitem hóspedes: pensão, pensionato, motel, albergue etc.

Por fim, a última conduta típica é utilizar-se de meio de transporte (ônibus, trem, táxi, barco etc), nos casos em que o pagamento é feito durante ou ao final da mesma.


8.A Autotutela no Direito Civil

Como afirma Frederico dos Santos Messias [37], desde os tempos mais antigos, quando os homens passaram a manter relações entre si, sempre houve nítida preocupação de salvaguardar a segurança dos negócios entre eles convencionados, de modo que não se permitisse a perpetração de abusos de direito ou de enriquecimentos ilícitos em detrimento de um prejudicado. Este, sem dúvida, foi o escopo da positivação do ordenamento, vale dizer, o estabelecimento de regras escritas que pudessem ser objeto da apreciação por um órgão imparcial, visando, ao fim, a solução dos conflitos sem a necessidade da justiça pelas próprias mãos, como era praxe nas épocas bárbaras.

Entretanto, em algumas oportunidades viu-se que tão somente o julgamento por um órgão autônomo, a lume do ordenamento escrito, não seria suficiente para coibir a lesão a determinados direitos, posto que a situação emergencial reclamava uma atuação de plano. Não por outro motivo o próprio direito positivo tratou de prever estas hipóteses: situações de emergência em que se autoriza ao lesado, independentemente do socorro do judiciário, atuar na defesa do seu direito. Trata-se das hipóteses que a doutrina civilista convencionou chamar de legítima defesa.

Cabe, aqui, fazermos uma distinção em relação à legítima defesa penal. Conquanto ambas tenham repouso no mesmo fundamento, qual seja, a autoproteção de um direito próprio, diferem no seguinte sentido: a legítima defesa penal consiste em repelir uma agressão injusta, atual ou iminente, cuja conseqüência da sua ocorrência repercute estritamente no campo penal. É o caso, por exemplo, da defesa contra uma tentativa de homicídio. Já em relação à segunda - legítima defesa civil -, ao revés, a repercussão da sua ocorrência dá-se na esfera civil, gerando o direito, por exemplo, à manutenção da posse de um imóvel ou à retenção de determinada coisa, como forma de garantir o adimplemento de uma obrigação assumida.

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Destarte, realizando-se uma análise do ordenamento civilista, podemos apontar, com clareza, cinco hipóteses específicas, em que a lei autoriza a pessoa que teve seu direito violado a utilizar-se dos seus próprios meios para por fim a lesão perpetrada. São os seguintes: o embargo extrajudicial na ação de nunciação de obra nova, o direito de retenção, o penhor legal, a legítima defesa da posse e o desforço imediato. Nessas duas últimas hipóteses, vide o disposto no CC, in verbis:

Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.

§1º O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.

Quanto ao embargo extrajudicial de obra nova, havendo justificada urgência (casos extremos), o prejudicado, que no caso será o proprietário ou possuidor de imóvel vizinho àquele em que a obra está sendo feita e que procura evitar que a mesma prejudique seu prédio, os fins a que ele é destinado ou suas servidões, poderá notificar verbalmente o proprietário da obra ou, em sua falta, o construtor, objetivando a imediata paralisação da atividade. Requisito indispensável, nesse caso, é que se faça perante duas testemunhas. O conceito de obra não está adstrito ao vocábulo "edificação", mas é, sim, um conceito amplo, podendo também consistir em remodelação, reforma, escavações, terraplenagem, extração de minérios, colheita, corte de madeira ou qualquer atividade que coloque em risco o direito de propriedade sobre imóveis vizinhos ou contíguos [38].

Washington de Barros Monteiro [39], no que se refere, por sua vez, ao direito de retenção, procura diferenciá-lo do penhor legal enumerando algumas diferenças entre os dois institutos:

a) no penhor legal, o credor toma posse do objeto que se encontra em poder do devedor, enquanto no direito de retenção a coisa já se acha em seu poder;

b) o penhor legal inicia-se por um ato de ordem privada do credor, posteriormente completado pela intervenção do juiz, ao homologar o penhor, ao passo que o direito de retenção se exerce sem essa intervenção judiciária;

c) ao penhor legal, depois de judicialmente homologado, segue-se a excussão pignoratícia, ao passo que o direito de retenção constitui simples arma de defesa;

d) sendo ativo o penhor legal, exige-se que o credor tome a iniciativa, apossando-se de coisa pertencente ao devedor, enquanto o direito de retenção é passivo, limitando-se seu titular a reter consigo a coisa sobre a qual tinha a posse atual;

e) o penhor legal existe somente em favor das pessoas indicadas, com limitação exclusiva das pessoas indicadas em lei, enquanto o direito de retenção é dotado de maior elasticidade, outorgando-se a qualquer credor que, embora adstrito a restituir a coisa, tem crédito conexo à guarda desta;

f) finalmente, o penhor legal incide tão somente sobre bens móveis, ao passo que o jus retentionis se aplica tanto aos móveis quanto aos imóveis.

Relativamente ao penhor legal, a inspiração do legislador foi no sentido de proteger determinadas pessoas, em certas situações, de forma a garantir-lhes o resgate dos seus créditos. O credor pignoratício legal, pois, havendo fundado receio de que o perigo da demora possa acarretar o não cumprimento da obrigação, independentemente de prévia ida ao judiciário, apossa-se de determinados bens para que sobre eles possa constituir sua garantia real. Tem por fulcro autorização contida na lei civil:

Art. 1.470. Os credores, compreendidos no artigo 1.467, podem fazer efetivo o penhor, antes de recorrerem à autoridade judiciária, sempre que haja perigo na demora, dando aos devedores comprovante dos bens de que se apossaram.

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Sobre o autor
Gustavo Barros Queiroz

bacharel em Direito pela UFPE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUEIROZ, Gustavo Barros. Penhor legal:: a desnecessidade de sua homologação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1004, 1 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8151. Acesso em: 19 mar. 2024.

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