Com a adesão do Código Civil de 2002 à Teoria Moderna acerca da definição do instituto da prescrição, passando a mesma a não mais se operar sobre o direito de ação, mas sobre a pretensão decorrente da lesão ao direito, consertou-se uma situação contraditória que se instalara entre as definições privatista e processualista do instituto em questão. O molde delineado pelo novel Código Civil me parece, em juízo perfunctório, devidamente acertado, até porque, em face do Princípio da Ubiqüidade ou da Intangibilidade do acesso ao judiciário, o direito de ação, como direito abstrato de agir e autônomo em relação ao direito material questionado, e que não se confunde com demanda, que é o exercício do direito de ação e pode exigir condições preliminares, não permite restrições por constituir ampla garantia constitucional, onde emana a plena eficácia do Princípio da Máxima Efetividade.
Para Didier Jr., interpretando Liebman, a ação é direito ao julgamento do mérito da causa. Para tanto, deve a mesma ter presentes os requisitos necessários sob pena do Estado não apreciar a demanda proposta. Ausentes os requisitos, o Estado deixa de apreciar a demanda, não a ação. A carência dos mesmos implica, na nomenclatura adotada pelo CPC, carência de ação, e conduz à prolação judicial extintiva sem mérito, no escorço talhado pelo art. 267, VI do CPC.
Em análise da prescrição, ao ordenar o julgamento meritório (art. 269, IV), o CPC equaciona toda a disceptação, reconhecendo que a ação independe da inexistência de prescrição. Louvável a simplicidade colacionada pelo CC/02 (art. 189), interpretando o complicado mecanismo trazido pelo CPC com a simples asserção: "Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição... "
PRESCRIÇÃO E A LEI 11.280/06
A implementação da primeira parte da reforma processual civil brasileira surge como uma consolidação da tendência ditada pela Emenda Constitucional n.º 45/04, massificando os poderes judiciais das instâncias imediatas e deslocando competências para a égide da ordem pública.
Em face da ordem anterior, salvo quando beneficiasse a absolutamente incapaz ou quando versasse sobre direitos não patrimoniais, não se poderia declarar ex officio a prescrição (CPC/73 c/c CC/16). Alguns questionamentos foram imediatos: primeiro acerca da possibilidade de reconhecimento da prescrição que beneficiasse a Fazenda Pública, haja vista a supremacia do interesse público, noutro tanto, indagou-se acerca do que viria a ser direito não patrimonial abrangível pelo espectro de incidência do art. 219, §5º do CPC.
A posição jurisprudencial, hoje amplamente pacificada, mormente no âmbito do STJ, admite a prolação de ofício da prescrição que aproveite à Fazenda Pública. Inclusive o Ministério Público, que ordinariamente carece de competência para argüir prescrição quando atua como fiscal da lei, poderá suscitar a mesma quando envolver interesse Fazendário.
Em outra feita, a imprestabilidade parcial do antigo art. 219, §5º do CPC casou perplexidade na doutrina pátria, que não anteviu qualquer caso de prescrição operante sobre direito não patrimonial. Com efeito, não há que se falar em prescrição de direito não patrimonial, mas decadência. Quanto a eles, perdura a eterna possibilidade de modificação da situação jurídica, revelando a natureza potestativa do direito em questão. Exatamente por tal impossibilidade, passou desapercebido o novo art. 194 do Código Civil de 2002, que passou a permitir unicamente o reconhecimento ex officio nos casos em que fosse favorecido absolutamente incapaz. Inobstante a plena prescindibilidade, é necessário frisar que o retromencionado dispositivo derrogou o CPC.
Com o advento da lei 11.280/06, a qual, modificando o já revogado art. 219, §5º (se é que isso é formalmente possível), possibilitou o amplo reconhecimento da prescrição de ofício, pondo fim a um período literalmente obscuro da ordem processual brasileira, nada obstante a lei passar a ter vigência somente a partir de 17 de maio de 2006. Com a nova disposição, a diferença entre os institutos da decadência e prescrição fica de sobremaneira reduzida. Passa a prescrição, em qualquer contexto, a ser considerada como matéria de ordem pública, a ser reconhecida pelo juiz ex officio, surtido idênticos efeitos práticos aos da decadência.
BREVE ANÁLISE DA PRESCRIÇÃO EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA
Prefacialmente, cumpre ressaltar que o conceito de Fazenda Pública tem análise restritiva, abrangendo apenas a administração direta, autárquica e fundacional (art. 2º, DL. 4579/42); para os demais entes que compõem a Administração Pública, a Súmula 39 do STJ, superada em parte, haja vista os novos prazos prescricionais trazidos pelo CC/02, garantem a aplicação dos prazos da lei civil, observando, no ponto, o disposto no art. 173, §1º, II da CF.
A prescrição envolvendo direitos positivos ou negativos da Fazenda Pública reclama algumas pormenorizações que devem ser delineadas. Em primeiro aspecto, vale ressaltar que a prescrição que prejudica a Fazenda segue o padrão imposto pelo direito privado, ressalvados os casos dispostos no art. 54 da Lei 9784/99, que regula o Processo Administrativo no âmbito da Administração Federal, o qual fixa prazo decadencial para fins de anulação dos atos administrativos que operem efeitos favoráveis aos destinatários do mesmo, bem como no art. 1º da Lei 9873/99, que estabelece o prazo prescricional para o exercício da ação punitiva decorrente do poder de polícia imanente à Administração Federal, e, por fim, o disposto na Lei 8112/90, acerca dos variados prazos para aplicação de sanção disciplinar.
Atinente à prescrição que beneficia a Fazenda Pública, o que a melhor doutrina convencionou chamar de Prescrição Administrativa, é válido o ensinamento de José dos Santos Carvalho Filho que, citando Celso Antônio Bandeira de Melo, aduz que em regra a pretensão contra Fazenda extingue-se em 5 (cinco) anos, quando então tem advento a prescrição. Neste ponto, ainda tem aplicação o longínquo Decreto 20.910/32, que afirma em seu art. 1º que as dívidas passivas da Fazenda Pública prescrevem em cinco anos, admissíveis, no caso, interrupção e suspensão, na forma exposta pelos arts. 7º a 9º. A Medida Provisória n.º 2.180-35/01, a qual até o presente momento não foi convertida em lei, modificando a Lei 9.494/97, acrescentando-lhe o art. 1º-C, especificou a prescrição qüinqüenal para o caso de responsabilidade civil extracontratual do Estado.
Carvalho Filho, apaziguando o tema, frisa que os prazos acima assinalados somente são aplicáveis em órbita de direitos pessoais, sob pena de inovar em matéria atinente a usucapião, o qual, no ponto, guarda profundo sentido lógico.
PRESCRIÇÃO E DÍVIDA ATIVA
Em seara tributária, a diferença entre os institutos da prescrição e decadência já perderam relevo desde o advento do CTN de 1966, o qual consignou que igualmente à decadência, a prescrição operaria a extinção do direito material fazendário, qual seja, a extinção do Crédito Tributário (art. 156, V, CTN). Nesta feita, uma vez que a prescrição revela traços muito mais marcantes de relevância que no direito administrativo, em direito tributário a regulamentação especial merece abordagem diferenciada.
Em primeiro aspecto, vale ressaltar que a legislação esparsa acerca de prescrição envolvendo a Fazenda Pública não adentra a seara tributária, como se pode verificar no art. 5º da Lei 9873/99. É que a própria Constituição Federal, em seu art. 146, III, "b", reservou competência à Lei Complementar. A Lei Complementar referida é, obviamente, o CTN, o qual fora recepcionado como Lei Complementar ratione materiae. O mesmo, tratando do assunto, exige o exercício do direito de execução da dívida ativa em 5 (cinco) anos, contado da formalização do crédito fiscal (ressalvados os casos de contribuições para custeio da seguridade social, as quais, regulamentadas pela Lei 8212/91, exigem prazo prescricional de 10 anos, consoante art. 46).
A Lei de Execuções Fiscais (Lei 6.830/80), em seus arts. 2º, §3º e 40, caput, regulamentam matéria destinada à LC, conforme trazido pela CF. No ensejo, alguns pontos devem ser sopesados. Mister destacar, inicialmente, que já resta consolidado o entendimento de que não há qualquer inconstitucionalidade com os mesmos dispositivos, divergindo-se a jurisprudência na ratio do fenômeno: o que promana nas decisões do STJ é que o CTN, que se sobrepõe à LEF, deve ser interpretando conjuntamente com esta, de forma que esta busque legitimidade para dar efetividade aos seus dispositivos.
Inobstante ser a jurisprudência mais consolidada, deve-se destacar que o fenômeno da receptividade material da CF/88 não se operou, em matéria atinente a normas gerais de direito tributário, somente em direção ao CTN. Quando da promulgação da referida Carta Constitucional, assim como o CTN, a Lei 6830/80 era vigente, inclusive constando os dispositivos em questão na redação original da referida lei. No momento de vigência da nova Constituição, operando-se o efeito de recepção material, tudo que a lei ordinária eventualmente existente regulamentasse, e que passou a ser reservado à LC, passou a ter o status material reclamado pela CF, conforme se operou sobre o CTN. Sendo assim, veiculando, nos artigos citados, matéria reservada pela CF à LC, ganhou a LEF, em parte, sólido status de Lei Complementar, equiparando-se ao CTN. Assim, não há que se questionar acerca da constitucionalidade dos casos de suspensão trazidos pela referida lei.
Ainda em âmbito da LEF, sem considerar o novo dispositivo aposto no CPC, a Lei 11.051/04 acrescentou ao art. 40 um §4º, possibilitando o juiz conhecer de ofício a prescrição intercorrente em processos parados durante o prazo prescricional aplicável ao crédito executado. Por ocasião, questionou-se acerca da constitucionalidade do dispositivo, alegando, agora sim, que a matéria é afeta à LC, não podendo a Lei Ordinária n.º 11.051/04 veicular matéria deste jaez. Outros aduziram que a matéria é eminentemente processual, motivo pelo qual não há se falar em inconstitucionalidade. O STJ, aceitando a constitucionalidade do dispositivo, editou a Súmula 314, aclarando como se consolidaria a aludida prescrição.
Vale destacar que não existe fundamento lógico que induza qualquer constitucionalidade ao art. 40, §4º da LEF. Primeiro por ofender reserva à Lei Complementar. Segundo, por ter sido tal mudança veiculada por lei posterior à CF, motivo pelo qual não há que se falar em recepção material, culminado em sua inconstitucionalidade. Em terceiro ponto, ao aduzir que a interpretação conjuminada com o CTN preserva a constitucionalidade da lei, abre-se forte precedente de burla à reserva complementar, uma vez que, doravante, não mais é necessário haver lei em sentido estrito complementar para validamente regulamentar a matéria; é bastante tão somente qualquer ato normativo consonante com o CTN para poder legislar acerca de qualquer dos pontos reservados pelo art. 146 da CF, ao ponto de, no futuro, não ser surpresa admitir definição de tributo por resolução, uma vez que a mesma guardou harmonia com o CTN.
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