3. DA PROVA PROIBIDA
Conforme já mencionado a prova ilícita em regra não tem seu acolhimento permitido no ordenamento jurídico pátrio, não poderá servir como embasamento ou como influenciadora de resultados no processo penal, tal previsão dá-se justamente no sentido de não se permitir excessos que possam ocasionar a violação de direitos individuais em prol do interesse estatal e coletivo.
3.1. PROVA ILÍCITA
A ilicitude da prova está caracterizada na forma em que é produzida, sendo que quando obtida através de meios vedados legalmente não deverá ser utilizada no processo penal, sua inadmissibilidade está prevista no artigo 5º, LVI, da Constituição Federal de 1988: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” (BRASIL, 1988) e no artigo 157 do Código de Processo Penal brasileiro: “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.”
Consoante a isso apresenta-se o entendimento de Guilherme de Souza Nucci:
A vedação à produção de provas ilícitas é preceito constitucional (art. 5.º, LVI, CF), agora regulado pelo art. 157. do CPP. Não se admite a prova ilícita, quando obtida em violação de normas constitucionais ou legais. Em nossa visão, consagrou-se a tese de que o ilícito é o genero, do qual temos as espécies ilegais (provas produzidas ao arrepio de normas penais) e ilegítimas (provas produzidas contrariamente às normas processuais penais). (NUCCI, 2012, p. 138).
A vedação a utilização das provas ilícitas provém de ditame constitucional, contudo, foi incluída no rol de disposições gerais acerca da prova com o advento da Lei 11.690/2008 que trouxe nova redação ao artigo 157 do Código de Processo Penal. (BRASIL, 2008).
Guilherme de Souza Nucci assim as define:
Em primeiro lugar, tomou-se como gênero a expressão provas ilícitas, do qual surgem as espécies: as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. Naturalmente, constituem provas ilegais as que afrontam qualquer norma da legislação ordinária, por isso, envolvem tanto as penais quanto as processuais penais. Uma prova conseguida por infração à norma penal (ex.: confissão obtida por tortura) ou alcançada violando-se norma processual penal (ex.: laudo produzido por um só perito não oficial) constitui prova ilícita e deve ser desentranhada dos autos. (NUCCI, 2014, p. 284).
As provas ilícitas violam expressamente os direitos e garantias fundamentais ao contraditório e a ampla defesa, o princípio da inocência, de que ninguém será considerado culpado até sentença condenatória transitada em julgado. Viola ainda, o princípio da não autoincriminação, de que ninguém deverá produzir prova contra si mesmo, como por exemplo nos casos de interceptação telefônica e gravações de imagem/áudio sem a devida permissão judicial. (PACELLI, 2017, p. 183).
No caso da prova ilícita, o que se pode compreender é que sua existência se dá não somente pela forma como é obtida, mas também pelo fato de originar resultados igualmente ilícitos, em ampla infração as normas e princípios legais, às liberdades públicas e individuais, aos direitos de personalidade, entre outros.
Constatada a ocorrência de ilicitude da prova, conforme determinação da Lei 11.690/2008 incorporada ao artigo 157 do Código de Processo Penal, deverá ser esta, desentranhada dos autos sendo inutilizada através de decisão do julgador. (BRASIL, 1940).
3.2. PROVA ILEGÍTIMA
Integrante do rol das provas ilegais ao lado da prova ilícita, a ocorrência da caracterização da prova ilegítima se dá quando essa é obtida em expressa transgressão as normativas processuais, ou seja, sempre no âmbito processual e não anterior a sua formação.
Diferencia-se das provas ilícitas, já que essas são aquelas produzidas em violação a forma e meio previsto em lei, ou seja, obtida por meios vedados legalmente violando direito material, já a prova ilegítima apresenta-se como aquelas que são produzidas em transgressão ao direito processual. (DONZELE, 2004).
Norberto Avena explica a definição e traz exemplificação acerca da prova ilegítima:
Levando em conta o entendimento de que ilícitas são apenas as provas que violam normas de conteúdo material com reflexo constitucional, devem-se considerar como ilegítimas aquelas produzidas a partir da violação de regras de natureza eminentemente processual, isto é, normas que têm fim em si próprias. É o caso da perícia realizada por apenas um perito não oficial: viola-se, com isso, a regra geral do art. 159, § 1.º, do CPP, determinando que, “na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame”. Ora, por que essa regulamentação? Porque assim entendeu o legislador. Quisesse, poderia ter estabelecido de modo diverso, à semelhança do que fez no art. 50, § 1º, da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), possibilitando a realização da perícia provisória por apenas um expert (fala-se em “perito”, no singular). Como se vê, diversamente do que ocorre com a ilicitude, na ilegitimidade é possível imaginar a norma violada com disposição oposta à que contém, sem que, com isso, nela se vislumbre qualquer inconstitucionalidade. (AVENA, 2017, p. 329).
A prova ilegítima tem sua manifestação pertencente ao andamento do processo, ou seja, quando produzida sem a observância de ditames processuais cabíveis, como por exemplo: ouvir como testemunha a quem é vedado ser ouvido nessa qualidade, apresentar durante ocorrência do júri provas que não tenham feito parte do processo até ali ou que não tenham sido apresentadas no prazo legal. (LIMA, 2017, p. 622).
3.3. TEORIA DO FRUTO DA ÁRVORE ENVENENADA
Teoria pela qual tem-se entendimento de que não bastando serem as provas ilícitas dado os meios pelos quais foram obtidas, as provas que delas derivadas também são abarcadas por esse vício. Originou-se no direito americano, a partir de sua aplicação pela Suprema Corte Americana, o Supremo Tribunal Federal brasileiro passou a utilizá-la mesmo antes de previsão especifica em lei.
A respeito de sua origem comenta Eduardo Santos Cabette:
Importante mencionar, em se tratando de provas ilícitas por derivação, a consagrada teoria importada da Suprema Corte Americana "the fruit of the poisonous tree" ou, em bom português, dos “frutos da árvore envenenada”, consagrada pelo STF: a regra é a não validade da prova ilícita, e a prova colhida a partir dela é ilícita por derivação, considerando-a contaminada. (CABETTE, 2012)
Tem essa teoria na previsão legal do § 1º do artigo 157 do Código de Processo Penal, de onde se ressalta a vedação à prova ilícita por derivação. Para que seja aplicada é imprescindível a ocorrência de que a prova a ser considerada nula tenha seu fundamento direto em prova ilícita, conforme preconiza Norberto Avena: “a contaminação determinada pela aplicação da Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada exige relação de exclusividade entre a prova posterior e a anterior que lhe deu origem. [...] faz-se necessário que a prova tida como contaminada tenha sido decorrência de uma outra, manifestamente viciada, ou de uma situação de ilegalidade”. (AVENA, 2017, p. 330).
Um exemplo deste caso seria uma confissão obtida por meio ilícito através da tortura do acusado que resulta obviamente na confirmação de fatos que se necessita descobrir, considerando que esta confissão é a árvore e nela ocorre que o indivíduo acusa um comparsa, vindo este último a ser preso; tem-se que esta segunda prisão é o fruto a árvore que estava venenada e, portanto, também é considerada ilícita.
Imperioso é o entendimento de que a teoria da árvore envenenada retrata fielmente a aplicabilidade do mandamento de inadmissibilidade das provas ilícitas, é no caso, uma base lógica pela qual se tornam ilícitas inclusive provas – que são em sua essência lícitas – mas que derivam especificamente de prova considerada ilícita e sendo assim restam prejudicadas.
Conforme mencionado o Supremo Tribunal Federal há muito vem se utilizando da aplicabilidade da teoria da arvore envenenada e, a título de exemplificação traz-se a seguir dois julgados um mais antigo – comprovando o tempo que a teoria é aceita no ordenamento jurídico pátrio – e outro mais recente:
HABEAS CORPUS – ACUSAÇÃO VAZADA EM FLAGRANTE DE DELITO VIABILIZADO EXCLUSIVAMENTE POR MEIO DE OPERAÇÃO DE ESCUTA TELEFÔNICA, MEDIANTE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL – PROVA ILÍCITA – AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO REGULAMENTADORA – ART. 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – FRUITS OF THE POISONOUS TREE – O Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, assentou entendimento no sentido de que sem a edição de lei definidora das hipóteses e da forma indicada no art. 5º, inc. XII, da Constituição não pode o juiz autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação criminal. Assentou, ainda, que a ilicitude da interceptação telefônica – à falta da lei que, nos termos do referido dispositivo, venha a discipliná-la e viabilizá-la – contamina outros elementos probatórios eventualmente coligidos, oriundos, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta. Habeas corpus concedido.
(STF – HC 73351 – 1ª T. – Rel. Min. Ilmar Galvão – DJU 19.03.1999 – p. 9).
AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA – BANDO OU QUADRILHA – PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL – CONSUMAÇÃO. O prazo prescricional do delito, à luz da pena máxima cominada em abstrato, é de oito anos. Recebida a denúncia há mais de treze, à míngua de qualquer causa ulterior interruptiva ou suspensiva, opera-se a prescrição da pretensão punitiva estatal. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA – ARTIGO 1º, INCISO I, DO DECRETO-LEI Nº 201/1967 – TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA – ADEQUAÇÃO. Mostrando-se ilícita a prova originária, porque obtida por Comissão Parlamentar de Inquérito, anulada por pronunciamento jurisdicional transitado em julgado, absolve-se o réu em razão de o acervo probatório restante ser dela derivado. Precedente: Habeas Corpus nº 69.912, Pleno, relator ministro Sepúlveda Pertence, julgado em 16 de dezembro de 1993, Diário de Justiça de 25 de março de 1994.
(AP 341, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 25/08/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-198 DIVULG 01-10-2015 PUBLIC 02-10-2015).
Depreende desses julgados um melhor entendimento a respeito de como a prova obtida de forma ilícita pode prejudicar todo o conjunto probatório no que se referir as provas dela derivadas.
4. RELATIVIZAÇÃO
Esse tópico destina-se a tecer uma rápida abordagem sobre o fato de que a inadmissibilidade das provas ilícitas pode ser relativizada com base em parâmetros dispostos no ordenamento jurídico brasileiro que visam justamente a possibilidade de aproveitar essa produção de prova, com base no princípio da proporcionalidade tanto em prol do réu – quando por exemplo, esta for a única prova de sua inocência – como em prol da sociedade.
4.1. TEORIA DA TINTA DILUÍDA
Partindo da análise anterior, resumidamente, verificou-se que pela teoria da árvore envenenada a prova obtida por vias não legais não poderá ser aceita como embasamento do processo penal, mesmo que na prática a prova obtida corresponda a uma realidade confirmada.
A teoria da tinta diluída é a relativização da teoria da árvore envenenada prevê que se uma prova obtida por meio ilícito leva à medida – momentaneamente ilegal – que posteriormente pode ser embasada por prova licita, aquela em sua posteridade se tornará legal, ou seja, sua ilicitude é atenuada pelo lapso temporal existente. (BOAVENTURA, 2017).
Também conhecida como a teoria da limitação da mancha purgada é explicada por Renato Brasileiro de Lima:
De acordo com essa limitação, não se aplica a teoria da prova ilícita por derivação se o nexo causal entre a prova primária e a secundária for atenuado em virtude do decurso do tempo, de circunstâncias supervenientes na cadeia probatória, da menor relevância da ilegalidade ou da vontade de um dos envolvidos em colaborar com a persecução criminal. Nesse caso, apesar de já ter havido a contaminação de um determinado meio de prova em face da ilicitude ou ilegalidade da situação que o gerou, um acontecimento futuro expurga, afasta, e lide esse vício, permitindo-se, assim, o aproveitamento da prova inicialmente contaminada. (LIMA, 2017, p. 631).
Em que pese a teoria em tela não ter aplicabilidade ainda exarada pelos Tribunais Superiores brasileiros, parcela da doutrina a encaixa em expressa previsão do artigo 157, § 1º do Código de Processo Penal, como relativização da prova ilícita quando não presente o nexo causal entre a prova obtida e a fonte considerada ilícita, entretanto de forma mais clara, não corresponderia a uma ausência desse nexo, mas sim de uma atenuação a essa ligação por fato superveniente. (BOAVENTURA, 2017).
De forma a compreender-se melhor o procedimento da prova nessa teoria, vê-se o seguinte exemplo: ocorre a prisão ilegal por tráfico, nesta ocorre ainda a confissão ilegal em que o indivíduo preso acusa outro possível envolvido no crime levando a prisão deste, dá-se assim a caracterização do fruto da árvore envenenada, entretanto, esse outro preso resolve por sua livre espontânea vontade confessar que cometeu o crime. O que ocorrer então é que a “tinta” da ilicitude foi diluída não sendo aquela prova ilícita, a mancha foi purgada e desapareceu.
4.2. FONTE INDEPENDENTE
Consiste basicamente no entendimento de que, se for comprovado nos autos que a prova vem de uma fonte independente daquela contaminada ela poderá então ser considerada lícita, não correspondendo então a uma espécie de fruto da árvore venenada.
A teoria da fonte independente está elencada na segunda parte do que dispõe o § 1º do artigo 157 do Código de Processo Penal ao prever como regra inicial a inadmissibilidade da prova ilícita, do qual se lê: “§ 1º [...] salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”, configurando expressa exceção à regra de forma a estabelecer essa relativização. (BRASIL, 1940).
Vale ressaltar que a teoria em comento é de igual forma originada em jurisprudência norte-americana. Sobre isso Victor Eduardo Rios Gonçalves explica:
A regra que determina a exclusão da prova ilícita por derivação (exclusionary rule), todavia, não é absoluta, na medida em que a ilicitude remota só contaminará a prova derivada quando houver inequívoca relação de causalidade entre ela e a ação ilegal (art. 157, § 1º), ou seja, quando se puder concluir que a ação ilícita originária foi conditio sine qua non do alcance da prova secundária. Por essa razão, não será impregnada pela ilicitude a evidência obtida por meio de fonte independente. (GONÇALVES, 2016, p. 326).
Em um exemplo prático relativo ao seu surgimento: um homem que foi preso nos Estados Unidos de forma ilegal, teve colhida suas impressões digitais que no caso de constituiria uma prova decorrente de uma prisão ilícita, todavia após sua prisão constatou-se que suas impressões digitais já estavam arquivadas no controle do FBI, ou seja, sendo considerada de forma independente essa prova e não ilícita como era taxada no início. Não se aplica então o fruto da arvore venenada.
Não pode esta teoria servir a intento de induzir o julgador a erro a fim de utilizar de prova ilícita em sua derivação, substancial, portanto, que a prova tenha sido produzida de forma autônoma e não oriunda de prova ilícita. Ou seja, existindo duas possibilidades de obtenção de uma prova, em que uma não se revele ilícita, a prova deverá ser acolhida, mesmo que a mesma evidencia possa ser obtida de fonte ilícita. Em entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal pode-se ter real dimensão da aplicabilidade da teoria da fonte independente:
EXTRADIÇÃO INSTRUTÓRIA. GOVERNO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. NULIDADE DO PROCESSO EM RAZÃO DE PROVA ILÍCITA. NÃO OCORRÊNCIA. PEDIDO INSTRUÍDO COM OS DOCUMENTOS NECESSÁRIOS À SUA ANÁLISE. ATENDIMENTO AOS REQUISITOS DA LEI 6.815/1980 E DO TRATADO BILATERAL VIGENTE ENTRE AS PARTES. CONCURSO DE JURISDIÇÕES. AUSÊNCIA DE DEFLAGRAÇÃO, EM SOLO NACIONAL, DA PERSECUTIO CRIMINIS SOBRE OS MESMOS FATOS OBJETO DA EXTRADIÇÃO. POSSIBILIDADE DE ENTREGA DO SÚDITO ALIENÍGENA AO ESTADO REQUERENTE. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO PENAL, NO BRASIL, POR FATOS ALHEIOS AOS QUE MOTIVARAM O PLEITO EXTRADICIONAL. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE AO SEU DEFERIMENTO. IMPUTAÇÃO DOS CRIMES DE CONSPIRACY E FRAUDE ELETRÔNICA. DUPLA TIPICIDADE CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE PRESCRIÇÃO DOS DELITOS EM AMBOS OS ESTADOS. REVOGAÇÃO OU SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. IMPOSSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DE SITUAÇÃO EXCEPCIONAL QUE AUTORIZE A FLEXIBILIZAÇÃO DA NECESSIDADE DE CUSTÓDIA CAUTELAR ATÉ O TÉRMINO DO PROCESSO. PEDIDO DEFERIDO, ASSEGURANDO-SE A DETRAÇÃO. 1. Não é ilícita a prova decorrente de colheita de objeto deixado livremente pelo extraditando em área comum do condomínio em que reside. Ausência de menoscabo a quaisquer das inviolabilidades constitucionais gozadas pelo súdito estrangeiro e de descompromisso com o seu direito à não autoincriminação, expresso pelo brocardo latino nemo tenetur se detegere. 2. A sanção processual cominada para o reconhecimento da ilicitude da prova é a sua inadmissibilidade nos autos, tendo o inciso LVI do art. 5º da Constituição Federal de 1988 contemplado o chamado direito de exclusão (exclusionary rule), gestado na jurisprudência da Suprema Corte norte-americana (e.g. Case Boyd v. United States, 116 U.S. 616, 1886). Não há, pois, a contaminação de todo o processo, permanecendo válidas as provas lícitas dela não decorrentes ou que advieram de fontes autônomas, consoante o vetusto entendimento deste Supremo Tribunal [...] 9. Pedido deferido, ficando condicionada a entrega à formalização, pelo Estado requerente, do compromisso de promover a detração, subtraindo, da pena a ser executada em seu território, o tempo em que o extraditando permaneceu preso em solo brasileiro, para fins de extradição.
(Ext 1486, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 15/08/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-190 DIVULG 25-08-2017 PUBLIC 28-08-2017).
No caso transcrito foi acolhido a inocorrência de prova ilícita tendo em vista que não se consubstanciou nenhuma das situações que evidenciasse transgressão a direitos ou a normas legais, sendo a prova produzida de maneira autônoma e que, portanto, não pode ser reputada por contaminada.
4.3. DESCOBERTA INEVITÁVEL
Outra teoria do direito americano recepcionada pelo ordenamento jurídico brasileiro, da qual decorre o entendimento de que no caso de que uma comprovação seja obtida de forma ilegal, porém, contudo venha a ser confirmada que já se haviam empreendido esforços – dentro dos limites legais – que levariam a sua obtenção, a prova deverá ser aceita. Ou seja, se comprovado que a possível prova ilícita poderia ser descoberta de forma lícita e inevitavelmente ela será aceita no processo.
Adilson José Bressan faz a seguinte narrativa sobre o início da aplicação dessa teoria:
Surgiu no caso Nix v. Williams (1984), no qual após o desaparecimento de uma criança, a polícia do local obteve, de forma ilegal, a indicação pelo acusado, do local onde o corpo estava enterrado. Porém, cerca de duzentos voluntários e policiais já estavam fazendo uma varredura no terreno apontado pelo assassino, antes da confissão ser obtida, de forma que a descoberta do cadáver era apenas questão de tempo. Com a confissão somente foi antecipado o encontro do cadáver, pois o acusado indicou o local exato. No julgamento a defesa tentou excluir a utilização do corpo como prova material no processo, alegando que a descoberta se deu através de uma prova ilícita. Entretanto, o entendimento da Suprema Corte foi de que o corpo seria encontrado independente da confissão, em razão da busca que estava sedo realizada, motivo pelo qual a prova era válida. (BRESSAN, 2015).
Nessa conjuntura, pode-se constatar que não obstante a prova tenha sido produzida através de depoimento do acusado em circunstância ilegal, o fato de que já havia um grupo de aproximadamente duzentos voluntários imbuídos nessa busca, inegável é que o resultado fosse o de encontrar a localização da evidência.
Em breve exemplificação, verifica-se a ocorrência de uma morte, em seguida o suspeito foi preso e torturado para poder dizer onde estava o corpo enterrado – o que gera uma prova ilícita -, porém onde ocorreu o delito é em um pequeno vilarejo e toda comunidade começou a escavar para poder encontrar o corpo da vítima. A prova apesar de inicialmente obtida de forma ilícita, torna-se aceitável ante ao inevitável fato de que o corpo acabaria sendo encontrado pela população que tinha empreendido esforços para tal, então também é considerado lícita a confissão de onde estava o corpo. Não se aplica então o fruto da arvore venenada.
A respeito da definição da teoria da descoberta inevitável Renato Brasileiro de Lima leciona:
De acordo com a teoria da descoberta inevitável, também conhecida como exceção da fonte hipotética independente, caso se demonstre que a prova derivada da ilícita seria produzida de qualquer modo, independentemente da prova ilícita originária, tal prova deve ser considerada válida. A aplicação dessa teoria não pode ocorrer com base em dados meramente especulativos, sendo indispensável a existência de dados concretos a confirmar que a descoberta seria inevitável. Somente com base em fatos históricos demonstrados capazes de pronta verificação será possível dizer que a descoberta seria inevitável. Em outras palavras, não basta um juízo do possível. É necessário um juízo do provável, baseado em elementos concretos de prova. (LIMA, 2017, p. 629).
Irrefutável é a conclusão de que esta teoria guarda grandes semelhanças a teoria da fonte independente, por isso talvez o autor Thiago André Pierbom Ávila a denominada de Exceção da Fonte Hipoteticamente Independente, ou seja, face a hipótese de que pudesse obter os mesmos resultados, as mesmas provas dadas as circunstâncias empregadas. (CRISTINA, 2014).
Nesse sentido tem sido exarado o entendimento do Supremo Tribunal Federal:
HABEAS CORPUS. NULIDADES: 1 INÉPCIA DA DENÚNCIA; 2 ILICITUDE DA PROVA PRODUZIDA DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL; VIOLAÇÃO DE REGISTROS TELEFÔNICOS DO CORRÉU, EXECUTOR DO CRIME, SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL; 3 ILICITUDE DA PROVA DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS DE CONVERSAS DOS ACUSADOS COM ADVOGADOS, PORQUANTO ESSAS GRAVAÇÕES OFENDERIAM O DISPOSTO NO ART. 7º, II, DA LEI 8.906/96, QUE GARANTE O SIGILO DESSAS CONVERSAS. VÍCIOS NÃO CARACTERIZADOS. ORDEM DENEGADA. 1. Inépcia da denúncia. Improcedência. Preenchimento dos requisitos do art. 41. do CPP. A denúncia narra, de forma pormenorizada, os fatos e as circunstâncias. Pretensas omissões – nomes completos de outras vítimas, relacionadas a fatos que não constituem objeto da imputação –- não importam em prejuízo à defesa. 2. Ilicitude da prova produzida durante o inquérito policial - violação de registros telefônicos de corréu, executor do crime, sem autorização judicial. 2.1. Suposta ilegalidade decorrente do fato de os policiais, após a prisão em flagrante do corréu, terem realizado a análise dos últimos registros telefônicos dos dois aparelhos celulares apreendidos. Não ocorrência. 2.2. Não se confundem comunicação telefônica e registros telefônicos, que recebem, inclusive, proteção jurídica distinta. Não se pode interpretar a cláusula do artigo 5º, XII, da CF, no sentido de proteção aos dados enquanto registro, depósito registral. A proteção constitucional é da comunicação de dados e não dos dados. 2.3. Art. 6º do CPP: dever da autoridade policial de proceder à coleta do material comprobatório da prática da infração penal. Ao proceder à pesquisa na agenda eletrônica dos aparelhos devidamente apreendidos, meio material indireto de prova, a autoridade policial, cumprindo o seu mister, buscou, unicamente, colher elementos de informação hábeis a esclarecer a autoria e a materialidade do delito (dessa análise logrou encontrar ligações entre o executor do homicídio e o ora paciente). Verificação que permitiu a orientação inicial da linha investigatória a ser adotada, bem como possibilitou concluir que os aparelhos seriam relevantes para a investigação. 2.4. À guisa de mera argumentação, mesmo que se pudesse reputar a prova produzida como ilícita e as demais, ilícitas por derivação, nos termos da teoria dos frutos da árvore venenosa (fruit of the poisonous tree), é certo que, ainda assim, melhor sorte não assistiria à defesa. É que, na hipótese, não há que se falar em prova ilícita por derivação. Nos termos da teoria da descoberta inevitável, construída pela Suprema Corte norte-americana no caso Nix x Williams (1984), o curso normal das investigações conduziria a elementos informativos que vinculariam os pacientes ao fato investigado. Bases desse entendimento que parecem ter encontrado guarida no ordenamento jurídico pátrio com o advento da Lei 11.690/2008, que deu nova redação ao art. 157. do CPP, em especial o seu § 2º. 3. Ilicitude da prova das interceptações telefônicas de conversas dos acusados com advogados, ao argumento de que essas gravações ofenderiam o disposto no art. 7º, II, da Lei n. 8.906/96, que garante o sigilo dessas conversas. [...] 4. Ordem denegada.
(HC 91867, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 24/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-185 DIVULG 19-09-2012 PUBLIC 20-09-2012).
Dessa decisão provém a compreensão da aplicação da teoria da descoberta inevitável ao caso concreto, expurgando qualquer possibilidade de contaminação da prova obtida, tendo em vista que seria obtida de qualquer forma dadas as circunstâncias e aos esforços empregados conforme o caso concreto.