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Federalismo e federalismo fiscal:

controvérsias sobre o sistema brasileiro de desenvolvimento regional

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31/03/2006 às 00:00
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SUMÁRIO: INTRODUÇÃO - 1 O FEDERALISMO - 1.1Aspectos históricos - 1.2 Direito comparado- 1.2.1 O federalismo na Itália - 1.2.2 O federalismo na Espanha - 1.3 A Ordem Jurídica - 1.4 Autonomia e soberania - 2 O FEDERALISMO BRASILEIRO - 2.1 Autonomia legislativa - 2.1.1 Autonomia legislativa da União - 2.1.2 Autonomia legislativa dos Estados - 2.1.3 Autonomia legislativa dos Municípios - 2.2 O controle de constitucionalidade - 3 FEDERALISMO FISCAL - 3.1 Centralização e descentralização - 3.2 Competências tributárias - 3.3 As transferências e os repasses de recursos pela União - 3.3.1 Os fundos de participação - 4 ALGUNS PROBLEMAS DO FEDERALISMO NO BRASIL - 4.1 A guerra fiscal - 4.2 As receitas não repassáveis - OBRAS CONSULTADAS.


INTRODUÇÃO

            O federalismo, como forma de Estado, está presente em vários países do mundo nos dias atuais. O ordenamento jurídico de cada país federalista é determinado pela distribuição de competências entre os estados, seja política, econômica ou administrativa, através da constituição. Portanto, para se estudar a distribuição de competências entre os entes federados no Brasil, mister se faz um aprofundamento nas raízes históricas do instituto, bem como na comparação com outros países que o adotam como forma de Estado.

            O federalismo fiscal trata das competências tributárias dentro do território nacional, e, portanto, das regras que regem o desenvolvimento econômico das regiões. Mas, num país de proporções territoriais imensas, como é o Brasil, e, conseqüentemente, de distorções de ordem distributiva de recursos, como fazer para o Estado federado se desenvolver com eqüidade? A atual forma de distribuição da competência tributária, e o sistema de repasses de recursos aos estados pela federação têm eficácia na sua função desenvolvimentista? Quais as reais conseqüências da guerra fiscal?

            Tais temas, diretamente relacionados às distorções históricas que permeiam o federalismo brasileiro, serão tratados nas linhas seguintes do presente estudo. A busca da origem dos problemas, bem como a atuação dos entes políticos que formam o cenário atual, talvez tracem uma rota que leve à correção das conseqüências nefastas da guerra fiscal. Para tanto, é necessário ver o Estado federal como unitário, onde o problema de um Estado é o problema de todos, e, principalmente, onde a solução encontrada para um Estado, deverá ser para toda a federação. Porém, não se pode confundir a visão unitária do Estado com o conceito de Estado Unitário, em que o governo central assume, exclusivamente, a direção de todas as atividades. A visão unitária remete aos conceitos de cooperação e solidariedade entre os entes da federação, na composição de um todo harmônico e sem distorções que beneficiem uns em detrimento de outros de maneira globalmente prejudicial.


1 O FEDERALISMO

            Não existe uma acepção unânime em relação ao termo federalismo. Um conceito genérico define o pacto federativo como a união de entes federados (estados, colônias, regiões) dotados de autonomia e submetidos a um poder central, geral, dotado de soberania. A hierarquização do poder central para com os entes federados pode ou não ocorrer, e a autonomia destes pode ser de várias amplitudes, conforme a disposição constitucional. A constituição, aliás, é a Carta Magna, reguladora da federação e das competências de seus entes; é o texto legal que determina de que maneira funciona o pacto federativo em função de uma ordem jurídica estabelecida.

            1.1.Aspectos históricos

            O primeiro pacto federativo de que se tem notícia ocorreu com a união das treze colônias norte-americanas que, para se livrarem do jugo inglês, criaram os Estados Unidos da América, formalizado através da Constituição de 1787. Nelson de Freitas PORFÍRIO JÚNIOR diz que, "embora alguns autores apontem a Confederação Helvética, surgida em 1291, como o primeiro exemplo de aliança federativa entre Estados, reconhece-se geralmente que o Estado Federal moderno nasceu apenas em 1787, com o surgimento dos Estados Unidos da América [...]" [01]. Ressalte-se que a proclamação da independência das colônias se deu em 1776, mas o pacto federativo, com a formalização constitucional e distribuição de competências, data de 1787.

            Os Estados Unidos não surgiram, inicialmente, como uma federação, mas como uma confederação, passando a um Estado federal posteriormente. Régis Fernandes de OLIVEIRA descreve a confederação como uma união de Estados independentes, soberanos, ou seja, a confederação é pessoa de direito público que representa os Estados confederados internacionalmente, sem que estes percam a sua soberania. Dessa forma, os estados confederados guardam o direito de secessão, de se opor ao pacto federativo. [02] A confederação americana foi formalizada com os Artigos de Confederação, de 1781 e, segundo PORFÍRIO JÚNIOR,

            O objetivo maior dos Artigos era a preservação da independência das ex-colônias perante a Inglaterra. Nessa primeira etapa, certamente em virtude da lembrança do recente passado de forte opressão e dominação pelo poder inglês, as ex-colônias optaram por manter intactas "soberania, liberdade e independência" recém adquiridas, concedendo à então criada União (denominada de Estados Unidos da América) somente alguns poucos poderes que, na prática, limitavam-se à autorização para realização de negociações internacionais e à manutenção de uma força armada comum. [03]

            Tal direito de secessão, ao passo que os Estados confederados possuem interesses econômicos e políticos divergentes, causou um colapso no sistema americano. Myriam Passos SANTIAGO diz que, "quanto à forma de Estado, o texto de 1787 adota o federalismo, como uma coexistência vertical de ordens jurídico-políticas desiguais, cujo verdadeiro significado se confundiu com as teses confederais, até o triunfo unicionista na Guerra da Secessão." [04]

            1.2.Direito comparado

            Como referido, não existe um conceito único que descreva uma forma unânime de federalismo. Diversos países adotam a forma federada de Estado, mas todas elas possuem pontos, principalmente político-econômicos, divergentes que impedem uma conceituação única. Portanto, antes de aprofundar o estudo sobre o federalismo brasileiro, serão traçadas algumas diretrizes do federalismo lato sensu por meio do estudo comparado.

            1.2.1 O federalismo na Itália

            Após a descrição do pacto federativo considerado precursor pela doutrina, ou seja, o norte americano, é cabível uma análise de alguns modelos sui generis de federalismo. Um deles é o federalismo vigente na Itália, que, mesmo diferindo em vários aspectos do paradigma originário, ainda pode ser considerado como pacto federativo.

            A transição do governo monárquico para a República, na Itália, ocorreu com uma série de rupturas institucionais que tiveram o regime fascista, com Benito Mussolini na figura de primeiro-ministro, como um governo intermediário para a consolidação da democracia republicana através de um referendo popular. Criou-se, com a consolidação da República, a Constituição de 1947, que estabeleceu o pacto federativo italiano e suas diretrizes, das quais, segundo Ana Luíza Duarte WERNECK, podem ser destacadas:

            Os eleitores possuem duas funções distintas: a eleitoral e a normativa. A primeira consiste na designação dos componentes dos órgãos colegiados: as duas Câmaras do Parlamento nacional, os membros italianos do Parlamento europeu e os membros dos Conselhos Regional, Provincial, Comum e, às vezes, até Circunscricional. A segunda função consiste na decisão relativa aos assuntos que constituem objeto de referendum. [05]

            Por participar como membro efetivo da Comunidade Européia, a Itália, uma República Parlamentarista, tem o direito de exercício de sua soberania. Internamente, o País está dividido em regiões, em não em estados, e o sistema bicameral do Congresso Nacional tem suas cadeiras determinadas conforme a população de cada uma. WERNECK diz que "a República se divide em Regiões, Províncias e Comunas" [06], sendo que somente as Regiões possuem autonomia funcional e político-administrativa, conforme os limites estabelecidos na Constituição. Não possuem governadores, mas são administradas diretamente pelo Conselho Regional (legislativo), pela Junta (executivo) e seu presidente.

            As Regiões possuem competência para instituir tributos previamente determinados pela Constituição, devidamente coordenados com as finanças da República, das Províncias e das Comunas. WERNECK diz que, para diminuir as desigualdades regionais e, "particularmente, para valorizar a Itália Meridional e as Ilhas, o Estado destina, por lei, contribuições especiais para regiões particulares." [07] Cabe ressaltar que as Províncias são entidades autônomas que compõem a Região e são compostas pelas Comunas, representando os interesses destas, e cuja administração cabe ao Conselho Provincial, à Junta e ao Presidente e Secretários de cada setor da administração. As Comunas, por sua vez, são entes autárquicos territoriais dotados de personalidade jurídica, administrados pelo Conselho Comunal, a Junta e o Síndico, e podem atuar conjuntamente na forma de associação ou consórcio, a fim de realizar objetivos comuns [08].

            1.2.2 O federalismo na Espanha

            Outro Estado Federado que merece atenção para fins de comparação é o Estado Autonômico da Espanha, um regime de governo que, segundo Adriana Belli de Souza Alves COSTA, consiste em uma Monarquia parlamentar com Monarquia Hereditária Constitucional, cujo território é dividido em 70 comunidades autônomas, governadas por um estatuto autônomo proveniente de uma Assembléia Legislativa unicameral [09].

            As comunidades autônomas são estabelecidas conforme a região em que se encontram, ou seja, é composta por municípios de uma mesma região, os quais possuem autonomia administrativa mas não legislativa, estando limitados à formulação de regulamentos. Os municípios estão submetidos à Província, "cuja função é a de executar as atividades do governo central" [10], sendo administrada por um Conselho Provincial que também não possui autonomia legislativa, "mas pode estabelecer regulamentos baseados na legislação das Cortes ou do Parlamento Regional" [11].

            1.3.A ordem jurídica

            Não existe um modelo rígido de estado federal, mas sempre devem existir ordens jurídicas parciais com autonomia constitucional, com esferas territoriais de validades distintas. Rafael Munhoz de MELLO diz que "o Estado, sob o ponto de vista estritamente jurídico, é a personificação de uma ordem jurídica, válida num determinado espaço territorial e temporal [...], [sendo] o poder, por sua vez, a própria validade e eficácia da ordem jurídica nacional" [12].

            A ordem jurídica nacional pode ser centralizada ou descentralizada, conforme o órgão, a pessoa jurídica de direito público interno, que detém o poder. Quando centralizada, tem o Estado como única esfera de poder, única esfera territorial de validade da ordem jurídica, ao passo que, quando descentralizada, impera a co-existência de normais centrais (válidas em todo o território nacional) com normas locais. José Afonso da SILVA diz que:

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            O Estado, como estrutura social, carece de vontade real e própria. Manifesta-se por seus órgãos que não exprimem senão vontade exclusivamente humana. Os órgãos do Estado são supremos (constitucionais) ou dependentes (administrativos). Aqueles são os que a quem incumbe o exercício do poder político, cujo conjunto se denomina governo ou órgãos governamentais. Os outros estão em plano hierárquico inferior, cujo conjunto forma a Administração Pública, considerados de natureza administrativa. [13]

            Dessa forma, pode-se considerar que, no pacto federativo, a autonomia dos Estados não pode ser confundida com hierarquia, eis que supremos, ao passo que a subordinação se dá entre os órgãos administrativos. O poder político, seja territorial, regional ou federal, é exercido consoante as competências estabelecidas na Constituição, as quais servem, também, de limites ao seu exercício. Juarez FREITAS diz que, apesar de não haver hierarquia entre os entes federados, "não há, com efeito, ato administrativo insindicável, porquanto inexiste ato exclusivamente político [...]. A tarefa de efetuar o controle não é a de emperrar ou de usurpar competências," [14] mas aproximar os atos político-administrativos das necessidades reais da população.

            Geraldo Ataliba, apud PORFÍRIO JÚNIOR, define as características da federação, sob o aspecto jurídico:

            a) Existência de uma Constituição Federal rígida, para garantir a estabilidade do Estado;

            b) presença de poder constituinte próprio nos Estados-membros;

            c) território próprio;

            d) conjunto de cidadãos (povo) próprio;

            e) repartição constitucional de competências entre os Estados-membros;

            f) dois órgãos legislativos federais (bicameralismo), um integrado por representantes do povo, eleitos proporcionalmente à população, e outro integrado paritariamente por representantes dos Estados-membros;

            g) corte constitucional que assegure a supremacia da Constituição Federal. [15]

            Pode-se dizer que a ordem jurídica total é o Estado federal, composto por ordens jurídicas parciais locais (estados-membros e municípios) e pela ordem jurídica parcial central (federação). A União é pessoa jurídica de direito público, corresponde à ordem jurídica central subordinada à ordem jurídica global, ou total, regida pela Constituição e formada pela aliança das ordens jurídicas parciais.

            1.4 Autonomia e soberania

            O estudo do federalismo requer uma distinção importante entre autonomia e soberania, para que não haja confusão a respeito das competências e do poder dos entes federados. Apesar de todos os entes serem autônomos, somente o poder central detém soberania. A autonomia, que o Dicionário Aurélio descreve como "a faculdade de se governar por si mesmo", é a capacidade do ente federado possuir governo próprio e ter competências político-administrativas exclusivas, podendo legislar e atuar dentro dos limites previamente estabelecidos pela Constituição Federal. SILVA descreve a autonomia como o poder limitado e circunscrito no qual se verifica o equilíbrio da federação [16].

            A República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal; constitui-se em Estado Democrático de Direito [17], eis que os representantes das esferas políticas são eleitos pelo povo por voto direto. Os entes federados detêm autonomia, que, segundo PORFÍRIO JÚNIOR, compreende a auto-organização, o auto-governo e a auto-administração, participando na organização e na vontade da federação através de competências estabelecidas na Constituição Federal [18].

            Soberania, por sua vez, não é característica comum aos entes da federação, mas somente da República Federativa, sendo seu principal fundamento [19]. Roque Antônio CARRAZZA descreve soberania como "poder supremo, absoluto e incontrastável, que não reconhece, acima de si, nenhum outro poder." [20] É a capacidade de auto-determinação, de estabelecer seu ordenamento jurídico interno e reconhecer e participar dos ordenamentos jurídicos internacionais. A soberania é una, originária, indivisível e inalienável. É a faculdade de reconhecer outros ordenamentos e de disciplinar as relações com eles. SILVA diz que "o Estado federal, o todo, como pessoa reconhecida pelo Direito internacional, é o único titular da soberania, considerada poder supremo consistente na capacidade de auto-determinação" [21].

            A autonomia é o limite de ação do poder estipulado pela Constituição Federal, sendo que esta, por sua vez, somente é criada por quem tem soberania, que é o todo da federação. A autonomia dos entes federados lhes permite criarem constituições próprias, mas estas devem estar em conformidade com a Carta Magna, sob pena de serem invalidadas em função da inconstitucionalidade.


2 O FEDERALISMO BRASILEIRO

            O pacto federativo, no Brasil, está disposto na distribuição das competências político-administrativas da Constituição Federal, sendo que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos da Constituição [22]. A forma federativa do Estado é cláusula pétrea, rígida, e não pode ser abolida por meio de emenda constitucional, mas, somente, mediante a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, na sua condição de poder constituinte originário [23].

            Compreendem a Federação brasileira, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Os bens que pertencem à União [24] e aos Estados [25] estão especificados na Constituição, sendo bens públicos e, portanto, impenhoráveis. A Constituição não faz referência expressa a quais sejam os bens dos Municípios e do Distrito Federal, sendo-lhes atribuído, de maneira residual, o domínio daqueles bens que estiverem dentro dos seus limites territoriais e não pertencerem à União ou aos Estados.

            As competências administrativas de cada ente federado estão dispostas na Constituição, sendo que a administração pública direta e indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, e eficiência [26]. Existem outros princípios inerentes à administração pública, implícitos ou explícitos por todo o texto constitucional, os quais FREITAS diz que "revestem-se de eficácia jurídica imediata e direta, no cerne de suas prescrições, donde segue o dever de retirá-los da vacuidade ou do limbo" [27].

            2.1 Autonomia legislativa

            A autonomia de cada ente da federação confere e limita-lhes o exercício dos poderes legislativos e administrativos, consoante os limites de suas competências. Dentre esses limites, a autonomia legislativa é o poder conferido a todos os entes da federação para constituírem Poder Legislativo próprio, fazer as leis de seu interesse dentro dos limites de sua competência, para vincular a administração e melhor atender aos anseios da população.

            Além do Poder Legislativo de cada ente parcial, a federação possui o Congresso Nacional, composto por um sistema bicameral que inclui a Câmara dos Deputados Federais e o Senado. A Câmara dos Deputados Federais é composta por representantes do povo de cada Estado, que os elegerá conforme os interesses regionais, eis que não existe um número de vagas que comporte um representante para cada Município. Por sua vez, o Senado da República é composto por representantes dos Estados e do Distrito Federal, sendo três representantes por ente federado [28].

            2.1.1 Autonomia legislativa da União

            A União, além da competência administrativa exclusiva [29], possui competências legislativas exclusiva e concorrente. Legislações que tratem de direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho, desapropriação, águas, energia, mineração, informática, telecomunicações e radiodifusão, serviço postal, política de crédito, câmbio, comércio exterior e interestadual, transportes, entre outros são de competência exclusiva da União [30], que poderá autorizar os Estados a legislarem sobre essas matérias por meio de Lei complementar.

            Existem matérias em que a União não tem competência exclusiva para legislar, mas compete-lhe comum ou concorrentemente com os Estados e o Distrito Federal, mas não com os Municípios [31]. Dentre as competências concorrentes, estão as matérias de Direito Tributário, Financeiro, Econômico e questões orçamentárias, nas quais a União se limita a estabelecer normas gerais, cabendo aos Estados a competência complementar.

            O Congresso Nacional, composto pelo Senado e pela Câmara dos Deputados, é responsável pela legislação de competência da União. SILVA, nesse sentido:

            No bicameralismo brasileiro, não há predominância substancial de uma câmara sobre outra. Formalmente, contudo, a Câmara dos Deputados goza de certa primazia relativamente à iniciativa legislativa, pois é perante ela que o Presidente da República, o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior de Justiça e os cidadãos promovem a iniciativa do processo de elaboração das leis (arts. 61, § 2º e 64). [32]

            O procedimento legislativo deve obrigatoriamente passar pelo Senado e pela Câmara dos Deputados para ser aprovado, mesmo quando a iniciativa do projeto de lei não parte de nenhum deles. Hely Lopes MEIRELLES diz que o processo legislativo tem contorno constitucional de observância obrigatória em todas as Câmaras [33], como característica própria de controle legislativo do sistema bicameral.

            2.1.2 Autonomia legislativa dos Estados

            Os Estados também possuem competência legislativa autônoma, mas, nas leis em que existe competência concorrente com a União, deve legislar de acordo com as normas gerais pré-estabelecidas. Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades [34]. Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios [35].

            Os Estados devem organizar-se e reger-se pelas Constituições que adotarem, mas estas deverão estar em conformidade com a Constituição Federal e seus princípios. O Poder Legislativo estadual é formado pela Assembléia Legislativa, composta por deputados estaduais que aprovarão ou não os projetos de lei que vigorarão dentro das fronteiras do território do ente federativo. É um sistema unicameral, vedada a criação de um senado estadual, e o projeto de lei aprovado pela Câmara está sujeito ao veto do Governador do Estado.

            2.1.3 Autonomia legislativa dos Municípios

            Aos municípios, diferentemente dos outros entes da federação, não é permitida a criação de uma constituição própria. Também regido pelo sistema unicameral, o procedimento legislativo municipal deve ser aprovado pela Câmara Municipal de Vereadores, que terá suas funções estabelecidas pela lei orgânica do Município, que SILVA descreve como "uma espécie de constituição municipal" [36].

            A lei orgânica dos municípios, bem como as constituições estaduais, deverá atender aos princípios estabelecidos na Constituição Federal e na Constituição do respectivo Estado [37]. A Câmara Municipal de Vereadores terá, além da função legislativa, as funções meramente deliberativa, fiscalizadora e julgadora, nos casos de infrações político-administrativas cometidas por agentes políticos municipais. Além da Lei Orgânica do Município, a Câmara de Vereadores legisla sobre todos os temas referentes à administração pública municipal, inclusive o orçamento anual, alienação ou venda de patrimônio municipal etc.

            2.2 O controle de constitucionalidade

            A Constituição brasileira é rígida, pois vários dos institutos por ela regulados não podem ser modificados ou abolidos mediante emenda constitucional [38]. Para garantir que a legislação dos entes federativos esteja de acordo com os princípios estabelecidos na Constituição Federal, o Poder Judiciário exerce o controle de constitucionalidade de duas formas: difuso e concentrado. Todas as normas devem estar de acordo com a Constituição, sejam emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos ou resoluções [39].

            Pelo controle difuso, os juizados de primeiro e segundo graus têm competência para declarar a inconstitucionalidade da lei na aplicação ao caso em julgamento. Mas essa inconstitucionalidade é oponível somente para as partes e os elementos do processo julgado, dentro dos limites da lide. Pelo controle concentrado, o órgão competente para o julgamento da inconstitucionalidade de uma lei é o Supremo Tribunal Federal, por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade [40], por iniciativa das instituições competentes [41]. Ao ser julgada inconstitucional pelo STF, e lei perde sua eficácia dentro do âmbito nacional, não estando limitada a nenhum processo, ou seja, a ADIn atinge a lei inconstitucional no seu âmago, fazendo-a perder a validade em todo o território brasileiro.

            Outra forma de controle de constitucionalidade é o preventivo, ou político, que não cabe ao Poder Judiciário, mas às Comissões de Constituição e Justiça, que analisam o projeto de lei antes de sua aprovação pela(s) Câmara(s) e apontam possíveis inconstitucionalidades. Os pareceres dessas comissões não vinculam obrigatoriamente o legislativo, mas ajudam a evitar que a lei, após aprovada pelo procedimento formal, seja declarada inconstitucional pelo Poder Judiciário. Tal rigidez no controle de constitucionalidade tem por função, também, evitar que o Poder Legislativo dos entes federados parciais ultrapassem suas esferas de competência e legislem sobre matérias que não lhes concernem.

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Sobre o autor
Luiz Gustavo Lovato

advogado, especialista em Direito Privado pela UNIJUÍ, corretor de imóveis, mestrando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOVATO, Luiz Gustavo. Federalismo e federalismo fiscal:: controvérsias sobre o sistema brasileiro de desenvolvimento regional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1003, 31 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8179. Acesso em: 22 nov. 2024.

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