7- LEGITIMIDADE
Havia diferenças no rol de legitimados para as ações de inconstitucionalidade e constitucionalidade. Cumpre referir, antes de ingressar-se nas hipóteses específicas, que, cuidando-se de processos objetivos e não havendo invocação de um direito subjetivo passível de ameaça de lesão ou lesão, a legitimação é restrita às hipóteses elencadas em numerus clausus.
Consoante o rol do artigo 103 da CF/88, repetido pelo artigo 2º, da Lei nº 9.868/99, estão legitimados a propor ação direta de inconstitucionalidade: o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assembléias Legislativa ou Câmara Legislativa do Distrito Federal, Governador de Estado ou do Distrito Federal [20], o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
O Governador do Distrito Federal e a Câmara Legislativa do Distrito Federal foram incluídos através da recente Emenda Constitucional nº 45/04.
A legitimidade dos elencados, todavia, não é ampla como soe sugerir o texto da norma. Destarte, criou o Excelso Pretória o critério limitativo da "pertinência temática" em contraponto à "legitimação ativa universal", quiçá objetivando impor controle ao elevado número de demandas que aportaram naquele sodalício.
A pertinência temática implica em que exista uma relação lógica entre a questão constitucional controvertida e a atividade desenvolvida pelo suscitante. Assim, segundo o STF, "a legitimidade ativa da confederação sindical, entidade de classe de âmbito nacional, Mesas das Assembléias Legislativas e Governadores, para a ação direta de inconstitucionalidade, vincula-se ao objeto da ação, pelo que deve haver pertinência da norma impugnada com os objetivos do autor da ação". [21]
Esta, não é a única limitação. No caso das federações sindicais e entidades de classe de âmbito nacional, por exemplo, "a existência de diferentes organizações destinadas a representação de determinadas profissões ou atividades e a não-existência de disciplina legal sobre o assunto tornam indispensável que se examine, em cada caso, a legitimação dessas diferentes organizações." [22]
A interpretação acerca destes legitimados é feita, por conseguinte, de forma rígida e restritiva. No que diz respeito à entidades de classe, recentemente o STF decidiu que: "O conceito de entidade de classe é dado pelo objetivo institucional classista, pouco importando que a eles diretamente se filiem os membros da respectiva categoria social ou agremiações que os congreguem, com a mesma finalidade, em âmbito territorial mais restrito. É entidade de classe de âmbito nacional — como tal legitimada à propositura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103, IX) — aquela na qual se congregam associações regionais correspondentes a cada unidade da Federação, a fim de perseguirem, em todo o País, o mesmo objetivo institucional de defesa dos interesses de uma determinada classe. Nesse sentido, altera o Supremo Tribunal sua jurisprudência, de modo a admitir a legitimação das ‘associações de associações de classe’, de âmbito nacional, para a ação direta de inconstitucionalidade". [23]
A jurisprudência do STF desconsidera como entidades de classe para os fins de propositura de ação direta de inconstitucionalidade organizações formadas por associados de categorias diversas, pessoas jurídicas de direito privado que reunam associações civis e sindicais, e que reunam órgãos públicos sem personalidade jurídica. Por classe, há que se tomar profissão, carreira, e "não mero segmento social!".
Já no que diz respeito às confederações sindicais, "o Supremo Tribunal Federal, em inúmeros julgamentos, tem entendido que apenas as confederações sindicais têm legitimidade ativa para requerer ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103, IX), excluídas as federações sindicais e os sindicatos nacionais." [24]
Quanto aos partidos políticos, a representação processual da agremiação deve se dar pelo Diretório Nacional [25], sendo que a posterior perda da representação parlamentar não subtrai-lhe a legitimidade. [26] Basta um parlamentar para que o requisito esteja satisfeito.
Os legitimados à ação direta declaratória de constitucionalidade compunham um rol mais restrito. O parágrafo 4º do artigo 103, incluído pela Emenda nº 03, elencava o Presidente da República, as mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados (que não se confundem com a mesa do Congresso Nacional), e o Procurador Geral da República. Hoje, porém, em vista da Emenda Constitucional nº 45, a legitimação para a ADC é a mesma para a ADIN, tendo sido este parágrafo revogado.
8- OBJETO
O controle concentrado de constitucionalidade via ações diretas volta-se exclusivamente a atos de natureza normativa ou norma legal. No caso da ADI, podem ser federais, estaduais e distritais. No caso da ADC, podem ser federais ou estaduais.
Leis Municipais não podem ser objeto de controle abstrato pela ADI e ADC em relação à Constituição Federal [27], mas podem em relação à respectiva Constituição Estadual (assim como as leis estaduais) em ações a serem processadas nos Tribunais de Justiça, o que será adiante observado.
Em relação à abrangência que deve ser deferida à interpretação de atos normativos, lembra Alexandre de Moraes que o objeto das ações de controle de constitucionalidade "além das espécies normativas previstas no artigo 59 da Constituição Federal, engloba a possibilidade de controle de todos os atos revestidos de indiscutível conteúdo normativo. Assim, quando a circunstância evidenciar que o ato encerra um dever-ser e veicula, em seu conteúdo, enquanto manifestação subordinante de vontade, uma prescrição destinada a ser cumprida pelos órgãos destinatários, deverá ser considerado, para efeito de controle de constitucionalidade, como ato normativo." [28]
Estão abrangidas as próprias disposições constitucionais, os decretos legislativos e executivos relativos a convenções e tratados [29], atos normativos oriundos de pessoas jurídicas de direito público criadas pela União, medidas provisórias e regimentos internos de tribunais [30], mas "a súmula, porque não apresenta as características de ato normativo, não está sujeita a jurisdição constitucional concentrada". [31]
Neste último caso, ou seja, das súmulas, há manifestações doutrinárias pela possibilidade de um remédio supletivo, materializado na argüição de descumprimento de preceito fundamental. A respeito, pertinentes as colocações de Lênio Luiz Streck, in verbis: "Creio, de todo o modo, que essa questão, agora, pode ser solucionada através do artigo 4º da Lei nº 9.882/99, que regulamentou a argüição de descumprimento de preceito fundamental. Assim, por entender que a argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) é, efetivamente, um remédio supletivo para os casos em que não caiba ação direta de inconstitucionalidade (ADIn) ou ação declaratória de constitucionalidade, parece razoável afirmar que, na hipótese de não se verificar um meio apto a solver a controvérsia constitucional de forma ampla, geral e imediata há de se entender possível a utilização da ADPF, inclusive para declarar a inconstitucionalidade de uma Súmula...". [32]
No caso das disposições constitucionais, somente o denominado "direito constitucional secundário", decorrente do poder constituinte derivado, pode ser objeto de aferição de constitucionalidade. Assim sendo, "as cláusulas pétreas não podem ser invocadas para sustentação da tese da inconstitucionalidade de normas constitucionais originárias inferiores em face de normas constitucionais superiores, porquanto a Constituição as prevê apenas como limites ao Poder Constituinte derivado reformador, não englobando a própria produção originária". [33]
No que diz respeito às medidas provisórias, instaura-se instigante questão relativamente a possibilidade de controle pelo Poder Judiciário acerca dos pressupostos de urgência e relevância. A respeito, decidiu o STF que "a ocorrência dos pressupostos de relevância e urgência para a edição de medidas provisórias não estão de todo imunes ao controle jurisdicional, restrito, porém, aos casos de abuso manifesto, dado caráter discricionário do juízo político que envolve, confiado ao Poder Executivo, sob censura do Congresso Nacional". [34]
Mas de qualquer forma, "o Supremo Tribunal Federal já assentou o entendimento de que é admissível a Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional, quando se alega, na inicial, que esta contraria princípios imutáveis ou as chamadas cláusulas pétreas da Constituição originária (art. 60, § 4º, da CF)." [35]
Esta premissa passa a ser aplicável aos tratados e convenções internacionais que tratem de direitos humanos, os quais, por força da Emenda Constitucional, nº 45/04, passam a ser equiparados à emendas constitucionais. [36]
O ato objeto do controle de constitucionalidade concentrado deve ter densidade normativa, não se admitindo o controle em relação a atos de efeitos concretos. [37] Com efeito, "segundo o STF, leis de conteúdo concreto ou de destinatário predeterminado ou determinável não se submetem ao controle abstrato pela via das ações diretas, por impossibilidade jurídica do pedido." [38]
Há que se ressaltar, porém, a oportuna ressalva quanto aos atos "editados sob a forma de lei", levada a efeito por Gilmar Ferreira Mendes, em trecho que merece transcrição. Lembra o Ministro do STF: "A extensão desta jurisprudência, desenvolvida para afastar do controle abstrato de normas os atos administrativos de efeito concreto, às chamadas leis formais suscita, sem dúvida, alguma insegurança, porque coloca a salvo do controle de constitucionalidade um sem-número de leis. Não se discute que os atos do Poder Público sem caráter de generalidade não se prestam ao controle abstrato de normas, porquanto a própria Constituição elegeu como objeto desse processo os atos tipicamente normativos, entendidos como aqueles dotados de um mínimo de generalidade e abstração. Ademais, não fosse assim, haveria uma superposição entre a típica jurisdição constitucional e a jurisdição ordinária. Outra há de ser, todavia, a interpretação se se cuida de atos editados sob a forma de lei. Nesse caso, houve por bem o constituinte não distinguir entre leis dotadas de generalidade e aqueloutras, conformadas sem o atributo da generalidade e abstração. Essas leis formais decorrem ou da vontade do legislador ou da vontade do próprio constituinte, que exige que determinados atos, ainda que de efeito concreto, sejam editados sob a forma de lei (v.g., lei de orçamento, lei que institui empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia e fundação pública). Ora, se a Constituição submete a lei ao processo de controle abstrato, até por ser este o meio próprio de inovação na ordem jurídica e o instrumento adequado de concretização da ordem constitucional, não parece admissível que o intérprete debilite esta garantia da Constituição, isentando um número elevado de atos aprovados sob a forma de lei do controle abstrato de normas e, muito provavelmente, de qualquer forma de controle. É que muitos desses atos, por não envolverem situações subjetivas, dificilmente poderão ser submetidos a um controle de legitimidade no âmbito da jurisdição ordinária". [39]
Há também a dificuldade de se estabelecer critério seguro acerca da classificação de uma norma como de efeitos concretos. A respeito, pondera Lênio Luiz Streck: "De minha parte, entendo que o critério para aferição do que seja uma lei de efeitos concretos não passa de mera contraposição entre geral e individual, mas entre abstrato e concreto (deixando de lado, aqui, qualquer perspectiva ontológica, até porque, nestes termos, o abstrato é também concretude e o concreto é também abstratividade). O interesse estará em saber se um ato normativo pretende regular em abstrato (em tese) determinados fatos ou se se destina especialmente a certos fatos ou situações concretos. Um dos fundamentos para tanto é que uma lei pode ser geral, mas pensada em face de determinado pressuposto de fato que acabaria por lhe conferir uma dimensão individual." [40]
Apesar da ampla acepção de norma e ato normativo, certamente só a norma vigente pode ser objeto de controle concentrado de constitucionalidade por ação direta, pois "o direito constitucional positivo brasileiro, ao longo de sua evolução histórica, jamais autorizou — como a nova Constituição promulgada em 1988 também não o admite — o sistema de controle jurisdicional preventivo de constitucionalidade, em abstrato. Inexiste, desse modo, em nosso sistema jurídico, a possibilidade de fiscalização abstrata preventiva da legitimidade constitucional de meras proposições normativas pelo Supremo Tribunal Federal." [41]
De fato, "o controle abstrato tem por objetivo preservar a integridade da ordem constitucional vigente, daí porque não lhe interessam padrões paramétricos baseados em modelos constitucionais ultrapassados, nem sequer as normas da Constituição em vigor que já tenham sido revogadas". [42]
Já no que tange ao direito infraconstitucional anterior ao texto tomado em face do paradigma constitucional, manifestou-se o STF na ADI nº 888, tendo por relator o Ministro Eros Roberto Grau, da seguinte forma: "A questão referente ao controle de constitucionalidade de atos normativos anteriores à Constituição foi exaustivamente debatida por esta Corte no julgamento da ADI. 2. Naquela oportunidade, o Ministro Paulo Brossard, relator, sustentou que: ´´A teoria da inconstitucionalidade supõe, sempre e necessariamente, que a legislação, sobre cuja constitucionalidade se questiona, seja posterior à Constituição. Porque tudo estará em saber se o legislador ordinário agiu dentro de sua esfera de competência ou fora dela, se era competente ou incompetente para editar a lei que tenha editado. Quando se trata de antagonismo existente entre Constituição e lei a ela anterior, a questão é de distinta natureza; obviamente não é de hierarquia de leis; não é, nem pode ser exatamente porque a lei maior é posterior à lei menor e, por conseguinte, não poderia limitar a competência do Poder Legislativo, que a editou. Num caso o problema será de direito constitucional, noutro de direito intertemporal. Se a lei anterior é contrariada pela lei posterior, tratar-se-á de revogação, pouco importando que a lei posterior seja ordinária, complementar ou constitucional. (...)´´. A respeito do tema, esta Corte tem decidido que, nos casos em que o texto da Constituição do Brasil foi substancialmente modificado em decorrência de emenda superveniente, a ação direta de inconstitucionalidade fica prejudicada, visto que o controle concentrado de constitucionalidade é feito com base no texto constitucional em vigor e não do que vigorava anteriormente (ADI 1.717-MC, DJ de 25/02/00; ADI 2.197, DJ de 02/04/2004; ADI 2.531-AgR, DJ de 12/09/2003; ADI 1.691, DJ de 04/04/2003; ADI 1.143, DJ de 06/09/2001 e ADI 799, DJ de 17/09/2002)."
O mesmo entendimento pode ser visto no julgamento da ADI 74, Rel. Min. Celso de Mello: "A ação direta de inconstitucionalidade não se revela instrumento juridicamente idôneo ao exame da legitimidade constitucional de atos normativos do Poder Público que tenham sido editados em momento anterior ao da vigência da Constituição sob cuja égide foi instaurado o controle normativo abstrato. A fiscalização concentrada de constitucionalidade supõe a necessária existência de uma relação de contemporaneidade entre o ato estatal impugnado e a Carta Política sob cujo domínio normativo veio ele a ser editado. O entendimento de que leis pré-constitucionais não se predispõem, vigente uma nova Constituição, à tutela jurisdicional de constitucionalidade in abstrato — orientação jurisprudencial já consagrada no regime anterior (RTJ 95/980 — 95/993 — 99/544) — foi reafirmado por esta Corte, em recentes pronunciamentos, na perspectiva da Carta Federal de 1988. A incompatibilidade vertical superveniente de atos do Poder Público, em face de um novo ordenamento constitucional, traduz hipótese de pura e simples revogação dessas espécies jurídicas, posto que lhe são hierarquicamente inferiores. O exame da revogação de leis ou atos normativos do Poder Público constitui matéria absolutamente estranha à função jurídico-processual da ação direta de inconstitucionalidade." [43]
Esta solução não passa indene à críticas. O Ministro Gilmar Ferreira Mendes, escudando-se nos magistérios de Ipsen e Castro Nunes e em manifestação do Ministro Sepúlveda Pertence no julgamento da ADI nº 02, lembra que as regras de direito intertemporal pressupõe normas de "idêntica densidade normativa", o que não ocorre na hipótese, onde o que há, em verdade, é a supremacia da norma constitucional em relação ao direito infraconstitucional precedente. [44]
Este é o caso da denominada teoria da inconstitucionalidade superveniente a qual recebe pontuações críticas de Juliano Taveira Bernardes: "Nada obstante, tão-só pelo argumento a fortiori, conclui-se que a superior hierarquia das normas constitucionais não lhes reduz a capacidade revogatória em face de atos normativos de patamar inferior. Ademais, a alteração informal do texto da constituição, por força da mutação constitucional, implica modificação do conteúdo das normas constitucionais. Daí, por conseqüência, acarreta a revogação da legislação infraconstitucional incompatibilizada, a despeito da inexistência de posterior formalização de ato normativo constitucional. Assim, ainda que adotada a tese do conflito cronológico, poder-se-ia sustentar a ocorrência de revogação implícita a partir do momento em que identificada a incompatibilidade decorrente da mutação" [45]
A revogação ulterior da lei ou ato normativo sujeito a controle torna sem objeto a demanda, consoante decidiu o STF na ADI 943, relatada pelo Ministro Moreira Alves [46], o que também carreou crítica da doutrina, uma vez que restam situações ocorridas durante a vigência da lei que ficarão sem solução. Este raciocínio também vale para o controle de constitucionalidade por omissão. [47]
A incompatibilidade, de seu turno, deve verter do texto da lei contraposta, não bastando divergência em relação ao enunciado da ementa. [48] Igualmente inadmissível a declaração, na via concentrada, da inconstitucionalidade reflexa, pois "o ato normativo considerado inconstitucional deve sofrer uma confrontação direta com a Constituição." [49] Na hipótese, tem-se que "a incompatibilidade que se constata na regulamentação de norma primária, por intermédio de norma secundária, representa simples controvérsia situada no campo da ilegalidade, ainda que a norma primária tenha conteúdo similar ao da norma constitucional paramétrica." [50]