9- INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO
A inconstitucionalidade por omissão suscita uma problemática complexa. Sendo a Constituição de 1988 um diploma social, normativo e dirigente, ampla gama de comportamentos positivos foi carreada ao Estado. Urge esclarecer quais omissões em relação a estes comportamentos positivos legitimam o controle de constitucionalidade. Esta relação entre uma Constituição dirigente e o controle das omissões é realçada por Lênio Luiz Streck quando afirma que: "O caráter normativo da Constituição, a vinculatividade da obra do poder constituinte, a função transformadora que trazem ínsitos os textos constitucionais contemporâneos e a existência de um determinado tipo de normas constitucionais (os deveres/encargos do legislador) são poderosos argumentos jurídicos para defender a introdução de em um ordenamento jurídico da ação de inconstitucionalidade por omissão." [51]
Neste contexto de amplas atribuições do Estado, para os fins do controle de constitucionalidade, "a omissão que interessa não é o evento naturalístico tipificado pelo simples não fazer, mas a abstenção em implementar satisfatoriamente determinadas providências necessárias para tornar aplicável norma constitucional." [52]
A propósito, conclui Juliano Taveira Bernardes, observando a doutrina de Canotilho, que estabelece distinção entre "imposições abstratas" e "imposições constitucionais concretas", que: "Nesse rumo, não é todo tipo de lacuna da constituição que pode propiciar o surgimento de omissões inconstitucionais. A omissão inconstitucional juridicamente sindicável decorre tão-só das lacunas constitucionais intencionais que representam opção consciente do constituinte em transferir a órgãos constituídos a tarefa de implementar a plena aplicabilidade da regulação referente a determinados bens jurídicos constitucionalizados. Assim, embora igualmente intencionais, as lacunas que sinalizam ‘silêncio eloqüente’ da constituição ou que dizem respeito a campos temáticos que o Constituinte não quis ocupar não dão ensejo a omissões inconstitucionais." [53]
Feita esta distinção, há que se considerar que há "omissão legislativa não apenas quando o órgão legislativo não cumpre o seu dever, mas, também, quando o satisfaz de forma incompleta." [54] A partir desta premissa, tem-se que a omissão pode ser absoluta ou relativa. [55]
De qualquer forma, "a principal problemática da omissão do legislador situa-se menos na necessidade da instituição de determinados processos para o controle da omissão legislativa do que no desenvolvimento de fórmulas que permitam superar, de modo satisfatório, o estado de inconstitucionalidade." [56]
Esta problemática encontra solução nas técnicas decisórias do controle de constitucionalidade, que serão oportunamente analisadas.
10- PARADIGMA CONSTITUCIONAL
Tecidas breves considerações acerca dos atos passíveis de serem subsumidos no gabarito de ato normativo ou disposição de lei, mister esclarecer em relação a que serão confrontados.
A questão que se coloca é: há necessidade de um conflito com a norma expressa ou também os princípios constitucionais podem ser tomados por paradigma constitucional? Em síntese, qual é o bloco de constitucionalidade que embasa o controle de constitucionalidade?
A questão da força normativa dos princípios é antiga e de controvertida resolução. Há que considerar, ainda, o fator da positivação dos princípios. Se o direito constitucional positivado prevê determinado princípio a dificuldade é superada pela presença de norma. O problema maior reside nos denominados princípios implícitos, que não encontram menção expressa, servindo de exemplo clássico os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Superada a fase do positivismo jurídico absoluto, que é conseqüência que sucede à elaboração da estruturação científica do Direito, compreende-se hoje que este não se reduz à dimensão da norma positivada. Os princípios não só integram o sistema normativo como, ainda, desemprenham importante papel dentro de sua funcionalidade.
Nesta ordem de idéias, o bloco de constitucionalidade que materializa o paradigma constitucional para o efeito da parametricidade abrange não somente as normas positivadas, mas também os princípios, sejam explícitos ou não. [57]
Diversa e mais complexa é a situação da inconstitucionalidade por omissão, onde é fator ponderável a natureza da norma. Efetivamente, "se a fiscalização da constitucionalidade omissiva opera, como visto, no campo da implementação da aplicabilidade das normas constitucionais, então já se poderiam excluir do parâmetro de controle de constitucionalidade das ‘autênticas’ omissões constitucionais todas aquelas normas dotadas de auto-aplicabilidade, ou na dicção de José Afonso da Silva, de ‘aplicabilidade direta.’" [58]
11- PROCEDIMENTO
Como suso referido, apesar da especialidade do seu objeto e de certas peculiridades procedimentais, as demandas de controle concentrado são processos, havendo necessidade de uma petição inicial, com indicação de causa de pedir e pedido.
Na causa de pedir, devem ser mencionados os dispositivos da lei ou ato normativo, sendo que os fundamentos jurídicos devem ser articulados em relação a cada um.
No caso da ação declaratória de constitucionalidade, há, ainda, a questão da legitimação para agir in concreto. Esta se materializa na necessidade de indicação de "um estado de incerteza gerado por dúvidas ou controvérsia sobre a legitimidade da lei. Há de se configurar, portanto, situação hábil a afetar a presunção de constitucionalidade, que é apanágio da lei." [59] Segundo Lênio Luiz Streck, "tal exigência se impõe, sob pena da ação declaratória de constitucionalidade transformar-se em uma ação de controle preventivo de constitucionalidade, mecanismo não previsto pelo legislador constituinte de 1988, e que nas Constituições da Espanha e de Portugal é reservada para situações especiais." [60]
A propósito, decidiu o STF na ADC 8-MC, relatada pelo Ministro Celso de Mello: "Ação declaratória de constitucionalidade — Processo objetivo de controle normativo abstrato — A necessária existência de controvérsia judicial como pressuposto de admissibilidade da ação declaratória de constitucionalidade — Ação conhecida. O ajuizamento da ação declaratória de constitucionalidade, que faz instaurar processo objetivo de controle normativo abstrato, supõe a existência de efetiva controvérsia judicial em torno da legitimidade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal. Sem a observância desse pressuposto de admissibilidade, torna-se inviável a instauração do processo de fiscalização normativa in abstracto, pois a inexistência de pronunciamentos judiciais antagônicos culminaria por converter, a ação declaratória de constitucionalidade, em um inadmissível instrumento de consulta sobre a validade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal, descaracterizando, por completo, a própria natureza jurisdicional que qualifica a atividade desenvolvida pelo Supremo Tribunal Federal." [61]
É interessante observar, no entanto, que, não obstante a necessidade de indicação dos fundamentos jurídicos, não fica o STF adstrito aos invocados pelo autor. A respeito, consta da decisão da ADI nº 561-MC, relatada pelo Ministro Celso de Mello: "O Supremo Tribunal Federal não está condicionado, no desempenho de sua atividade jurisdicional, pelas razões de ordem jurídica invocadas como suporte da pretensão de inconstitucionalidade deduzida pelo autor da ação direta. Tal circunstância, no entanto, não suprime à parte o dever processual de motivar o pedido e de identificar, na Constituição, em obséquio ao princípio da especificação das normas, os dispositivos alegadamente violados pelo ato normativo que pretende impugnar. Impõe-se ao autor, no processo de controle concentrado de constitucionalidade, sob pena de não-conhecimento da ação direta, indicar as normas de referência — que são aquelas inerentes ao ordenamento constitucional e que se revestem, por isso mesmo, de parametricidade — em ordem a viabilizar a aferição da conformidade vertical dos atos normativos infraconstitucionais." [62]
O postulante, se pessoa jurídica, deve comprovar a regularidade de sua constituição, e em qualquer caso, deverá estar devidamente representado, seja no que tange à capacidade ad processum, seja no que diz respeito à capacidade postulatória.
A inicial será apresentada em duas vias, acompanhada de cópia da legislação ou ato normativo impugnado e de documentos que sustentem a impugnação (artigo 3º, parágrafo único da Lei nº 9.868/99). É admissível o aditamento e a cumulação de pedidos. [63]
Em caso de inépcia, ausência de fundamentação ou manifesta improcedência, está o relator legitimado a indeferir a inicial de plano, em decisão sujeita a recurso de agravo.
A inépcia manifesta-se nos casos previstos no artigo 295, parágrafo único do CPC, abarcando casos de falta de pedido ou causa de pedir, incongruência entre fatos e conclusões, impossibilidade jurídica do pedido e incompatibilidade de pedidos. A consideração destas hipóteses frente às demandas de controle concentrado de constitucionalidade deve observar as especificidades que lhes são peculiares.
A completa ausência de fundamentação é fato difícil de ocorrer, não se podendo tomar a deficiência de fundamentação como sinônimo. A deficiência da fundamentação deve conduzir à improcedência, não à rejeição liminar.
A manifesta improcedência, de seu turno, colmata uma fórmula de julgamento de mérito escudado na evidência da impropriedade da argüição.
Como não está em jogo direito subjetivo individual, apresentando o processo natureza objetiva, não se admite a desistência da ação [64]. Há o interesse público no esclarecimento da questão constitucional.
O relator pode solicitar informações a órgãos ou entidades das quais emanou o ato questionado. Este pedido não é obrigatório. É uma faculdade.
Também do caráter objetivo do processo decorre a limitação à intervenção de terceiros (art. 7º da Lei nº 9.868//99), ficando, porém, ressalvada a possibilidade de, por despacho irrecorrível, ser admitida a manifestação de outras entidades ou órgãos além daqueles aos quais se pediu informações, caracterizando-se a figura do amicus curiae. [65]
A oitiva do Procurador-Geral da República e do Advogado-Geral da União é obrigatória, em prazo de quinze dias. A este último, compete na ação direta de inconstitucionalidade "a defesa da norma legal ou ato normativo impugnado, independentemente de sua natureza federal ou estadual, pois atua como curador especial do princípio da presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos, não lhe cumprindo opinar nem exercer a função fiscalizadora já atribuída ao Procurador-Geral da República, mas a função eminentemente defensiva." [66]
Porém, o STF já decidiu que "o munus a que se refere o imperativo constitucional (CF, artigo 103, § 3º) deve ser entendido com temperamentos. O Advogado-Geral da União não está obrigado a defender tese jurídica se sobre ela esta." [67]
Com as manifestações, remeterá o relator o feito a julgamento, exarando seu voto. Caso entenda necessário, antes ainda poderá valer-se de peritos ou de pedidos de informação, se insuficientes as existentes nos autos.
Vale referir que as ações de controle de constitucionalidade concentrado não estão sujeitas a prazo decadencial ou prescricional. [68]
12- MEDIDA CAUTELAR
O artigo 10 da Lei nº 9.868/99 prevê a possibilidade de pedido de medida cautelar. De proêmio, é de se salientar, embora pareça óbvio, que a natureza desta medida é efetivamente cautelar, e não satisfativa. Por outras palavras, cuida-se de liminar cautelar, e não de antecipação de tutela. Isto se deve ao fato de que as ações declaratórias de constitucionalidade e inconstitucionalidade têm eficácia preponderante declaratória, a qual não é compatível com a antecipação de efeitos da tutela. [69]
É importante ressaltar, constatada a natureza cautelar da medida, que "a Lei nº 8.437/92, viabilizadora da suspensão de cautelar contra ato do Poder Público, não tem aplicação no processo objetivo mediante o qual se chega ao controle concentrado de constitucionalidade" [70]
No caso da ADI, a cautelar susta a aplicação do ato inquinado de inconstitucionalidade, implicando, ainda, a repristinação da legislação anterior (art. 11, § 2º, da Lei nº 9.868/99), salvo disposição em contrário.
No caso da ação declaratória de constitucionalidade, o efeito da cautelar consiste em determinar a juizes e tribunais que suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou ato normativo até o julgamento do processo de controle concentrado, que deverá ser procedida em até 180 dias.
Não cabe pedido cautelar em ação de inconstitucionalidade por omissão. É que na hipótese, "é incompatível com o objeto da referida demanda a concessão da liminar. Se nem mesmo o provimento judicial último pode implicar o afastamento da omissão, como salientou o próprio Supremo Tribunal Federal, o que se dará quanto ao exame preliminar." [71]
Antes de proferir-se decisão acerca da cautelar, devem ser ouvidos, em prazo de cinco dias, o órgão ou autoridade do qual emanou o ato ou norma impugnado, podendo-se, igualmente, se se reputar indispensável, ouvir em prazo de três dias, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União (art. 10 da Lei nº 9.868/99). Em hipóteses excepcionais, porém, a oitiva dos órgãos ou autoridade pode ser dispensada.
Já em situações onde o pedido de liminar ocorra em caso onde se observe relevância da matéria e especial significado para a ordem social e segurança jurídica, poderá o relator, após apresentação das informações e ouvidos sucessivamente o Advogado-Geral da União e Procurador Geral da República, em prazo de cindo dias, submeter o processo diretamente ao plenário, que poderá julgar definitivamente o feito.
Duas características despontam em relação à eficácia da medida cautelar. Primeiro, o efeito é erga omnes, vale dizer, tem eficácia contra todos [72]. Segundo, será concedida em regra com efeito ex nunc, ou seja, não retroativo, salvo disposição em sentido diverso pelo Tribunal.
O efeito ex nunc se deve à presunção de legitimidade de que se reveste toda norma, a qual regula situações jurídicas que teriam de ser necessariamente revistas em caso de efeitos ex tunc. Logo, somente em casos excepcionais os efeitos são retroativos. [73]
A decisão tem de ser tomada pela maioria, presentes pelo menos oito julgadores.