A situação da população carcerária no Brasil: problemas e soluções

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05/05/2020 às 17:38
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1. INTRODUÇÃO

A situação da população carcerária no Brasil é um assunto que não deixa de ser atual na pauta de discussões das autoridades competentes e da sociedade como um todo, tendo em vista os mais variados problemas que são pertinentes ao tema com todas as suas implicações.

A disciplina legal e jurídica que permeia o tema, na verdade são incipientes, se levadas em consideração a complexidade dos problemas carcerários brasileiros, bem como a cultura que predomina tanto na mente das autoridades, como na do cidadão comum.

Muito se tem em termos de leis, todavia, muito pouco se desenvolveu em termos de consciência, visão e comprometimento com os mais variados problemas deletérios das prisões brasileiras.

Os problemas são diversos, tais como: situações de superlotação, as barbáries que decorrem dela, o ambiente de insalubridade total até a omissão propriamente dita dos poderes competentes para sanar essas questões, que colocam a política carcerária brasileira nos cenários nacional e internacional de forma negativa.


2. O STATUS CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE IR E VIR

O direito de ir e vir é uma das espécies do direito à liberdade e se expressa como sendo um dos Direitos Humanos de 1ª dimensão (geração), representando verdadeira resistência a eventuais arbitrariedades do Estado, de modo que tal direito só pode ser cerceado em se garantindo o devido processo legal para tanto.

Por serem repressores do poder estatal, os direitos fundamentais de primeira geração são reconhecidos como direitos negativos, liberdades negativas ou direitos de defesa do indivíduo frente ao Estado. (ALEXANDRINO; PAULO, 2012. p. 102).

Os direitos de primeira geração ou direitos de liberdades têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. (BONAVIDES, 2010, apud, LENZA, 2019).

O artigo 5º, inciso XV aduz que: XV – “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. (BRASIL, 2020).

Os direitos humanos da 1.ª dimensão marcam a passagem de um Estado autoritário para um Estado de Direito e, nesse contexto, o respeito às liberdades individuais, em uma verdadeira perspectiva de absenteísmo estatal.

Seu reconhecimento surge com maior evidência nas primeiras Constituições escritas, e podem ser caracterizados como frutos do pensamento liberal-burguês do século XVIII.

Tais direitos dizem respeito às liberdades públicas e aos direitos políticos, ou seja, direitos civis e políticos a traduzir o valor liberdade. (LENZA, 2019, p.1760).

Desse modo, por ser um Direito fundamental, o indivíduo, sempre que tiver a sua liberdade de locomoção ameaçada ou tolhida de forma arbitrária, com ilegalidade ou abuso de poder, poderá se valer da via do Habeas Corpus, que é um remédio constitucional cabível a ser eventualmente impetrado, para se ter o direito de ir e vir resguardado.

Ressalte-se ainda que a liberdade de ir e vir é protegida por outro instituto constitucional, que é a Liberdade Provisória, Art.5º, LXVI, CF, conforme narra o texto: “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. (BRASIL, 1988).


3. PRINCIPAIS FATORES PARA O AGRAVAMENTO DA CRISE CARCERÁRIA

3.1 Superlotação e possibilidade de execução da pena antes do trânsito em julgado

Sem dúvida, um dos principais fatores que contribuem para o agravamento da crise carcerária brasileira é a superlotação. A recorrência das prisões cautelares é um dos fatores que contribui para o crescimento da população nos presídios.

O §6º do artigo 232 do Código de Processo Penal informa que:

“§ 6º A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada.      (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) ”. (BRASIL, 2020, Art. 232, §6º).

Mesmo a lei processual informando que as prisões cautelares devem ser impostas em último caso, o que se leva a inferir que a prisão cautelar no Brasil é exceção, os decretos cautelares de prisão se tornam regra na prática processual penal e geram um panorama de superlotação alarmante.

Isso decorre em virtude de um “proceder mecânico, automatizado, de certos magistrados, assoberbados pelo excesso de trabalho” e também por conta de uma “interpretação acrítica, matizada por um ultrapassado viés punitivista da legislação penal e processual penal, cujo resultado leva a situações que ferem a dignidade humana detentos submetidos a uma situação carcerária degradante. (LEWANDOWSKI, 2019).

“Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça em 2018[1], são mais de 241.090 prisões cautelares e já efetuadas no sistema da Justiça Criminal brasileira. Ou seja, todas essas pessoas estão encarceradas aguardando uma Sentença de mérito. ” (CNJ, 2018).

Tal situação contribui severamente para o agravamento da crise no sistema penitenciário no aspecto da superlotação, pois, o custodiado fica em uma situação intermediária, sem sair da prisão e sem chances de progredir nos regimes de cumprimento de pena, pois inexiste Sentença pondo termo ao caso.

Outro fator que estava a contribuir para o aumento do encarceramento era a possibilidade de execução da pena a partir da confirmação da condenação em segunda instância.

Antes de o Supremo Tribunal Federal confirmar a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, que prevê, entre as condições para a prisão executória, o trânsito em julgado da sentença condenatória, o mesmo STF anos atrás, admitia a possibilidade da execução provisória, o que também, alavancou em muito o crescimento de custodiados nos presídios brasileiros.

Para se ter uma ideia, segundo o CNJ, na jurisdição criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, “40,82% dos presos condenados estavam em situação de execução provisória da pena. ” (CNJ, 2018).

Dessa forma, estavam a cumprir pena antes do trânsito em julgado da condenação.

3.2 Ausência de políticas públicas

A ausência de implementação de políticas públicas em muitos presídios brasileiros é um fator notório. Continuamente essa realidade é noticiada na mídia. Celas superlotadas de presos amotinados, condições insalubres, rebeliões, homicídios em massa e um ambiente bastante deletério do ponto de vista físico e psicológico.

Para alarmar a ausência de políticas públicas, principalmente para a população jovem, é que, segundo dados do CNJ, a faixa etária dos presos no brasil, em sua maioria é de 29 anos de idade:

Quanto à faixa etária das pessoas privadas de liberdade no país, 30,52% têm tem entre 18 e 24 anos e 23,39% entre 25 e 29 anos de idade, demostrando que mais da metade da população carcerária registrada no Banco tem até 29 anos. Vale lembrar que neste registro não estão incluídos os adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação ou semiliberdade, que não integram o escopo atual do BNMP 2.0. (CNJ, 2018).

Tal retrato mostra a omissão da parte do Estado em cumprir a Lei de execução penal que pouco sai do papel, em termos de infraestrutura carcerária. Assim, há um contraste gritante entre o que dispõe a lei Nº 7.210, de 11 de julho de 1984 e a implementação práticas de políticas carcerárias:

Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.

Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:

a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;

b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).

Art. 92. O condenado poderá ser alojado em compartimento coletivo, observados os requisitos da letra a, do parágrafo único, do artigo 88, desta Lei.

Parágrafo único. São também requisitos básicos das dependências coletivas:

a) a seleção adequada dos presos;

b) o limite de capacidade máxima que atenda os objetivos de individualização da pena. (BRASIL, 2020, Art. 88, Art.92).

Recentemente, devido à ausência de infraestrutura e implementação de políticas públicas na maior parte das prisões do Brasil, o Supremo Tribunal Federal considerou a situação carcerária no Brasil, como um “estado de coisas inconstitucional”, em razão das graves violações sistêmicas aos direitos fundamentais dos encarcerados.


4. AS PRINCIPAIS SOLUÇÕES ATÉ O MOMENTO

Após demonstrar os principais problemas no ambiente carcerário brasileiro, busca-se elencar algumas soluções para a questão, a partir de agora.

4.1 Prisão domiciliar para mães e gestantes

Para fins de implementação de medidas de despovoamento dos presídios, o artigo 318, incisos de I a VI, do Código de Processo Penal[2] traz hipóteses de substituição da prisão preventiva pela domiciliar:

Art. 318.  Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:  (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

I - maior de 80 (oitenta) anos: (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

II - extremamente debilitado por motivo de doença grave;  (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;    (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

IV - gestante;  (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)

V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;  (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)

VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.  (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)

Parágrafo único.  Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.  (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). (BRASIL, 2020, Art. 318).

Chama-se a atenção para o artigo 318-A, incisos I e II do CPP, que traz a possibilidade de a mulher gestante ou que for responsável por crianças ou pessoas com deficiência, ter a prisão preventiva substituída pela domiciliar, a saber:

Art. 318-A.  A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que: (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).

I - não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;  (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).

II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente. (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).  (BRASIL, 2020, Art. 318-A).

Essas medidas são importantes tendo em vista que as crianças dependentes da mãe acabam sofrendo as consequências deletérias da prisão de suas genitoras, o que é flagrantemente contrário a legislação.

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A Constituição Federal aduz que:

Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade (BRASIL, 2020, Art. 83, §2º).

Nesse sentido, deve-se relembrar o conhecido caso Alyne Pimentel:

“Em 14 de novembro de 2002, Alyne da Silva Pimentel Teixeira estava no sexto mês de gestação e buscou assistência na rede pública em Belford Roxo, no estado do Rio de Janeiro. Alyne era negra, tinha 28 anos de idade, era casada e mãe de uma filha de cinco anos. Com náusea e fortes dores abdominais, buscou assistência médica, recebeu analgésicos e foi liberada para voltar a sua casa.

Não tendo melhorado, retornou ao hospital, quando então foi constatada a morte do feto. Após horas de espera, Alyne foi submetida a cirurgia para retirada dos restos da placenta. O quadro se agravou e foi indicada sua transferência para hospital em outro município, mas sua remoção foi feita com grande atraso.

No segundo hospital, a jovem ainda ficou aguardando por várias horas no corredor, por falta de leito na emergência, e acabou falecendo em 16 de novembro de 2002, em decorrência de hemorragia digestiva resultante do parto do feto morto.

O caso foi apresentado à Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (Cedaw), órgão ligado à ONU, pela mãe de Alyne, Maria de Lourdes da Silva Pimentel.

Em 2011, o Cedaw responsabilizou o Estado brasileiro por não cumprir seu papel de prestar o atendimento médico adequado desde o início das complicações na gravidez de Alyne. Para o órgão, a assistência à saúde uterina e ao ciclo reprodutivo é um direito básico da mulher e a falta dessa assistência consiste em discriminação, por tratar-se de questão exclusiva da saúde e da integridade física feminina. ” Este caso representou a primeira denúncia sobre mortalidade materna acolhida pelo Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, incumbido de monitorar o cumprimento pelos Estados-parte da Convenção relativa aos Direitos das Mulheres, adotada pelas Nações Unidas em 1979, tratando-se da única condenação do Estado brasileiro proveniente de um órgão do Sistema Universal de Direitos Humanos. (ALBUQUERQUE, BARROS, 2016, p.11).  

É importante mencionar ainda o histórico julgado:

Em face de todo o exposto, concedo a ordem para determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar - sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP - de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015), relacionadas neste processo pelo DEPEN e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelo juízes que denegarem o benefício. Estendo a ordem, de ofício, às demais as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e de pessoas com deficiência, bem assim às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação no território nacional. (STF, 2018).

 4.2 Audiência de custódia

A audiência de custódia é prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), que ficou conhecida como "Pacto de San Jose da Costa Rica", promulgada no Brasil pelo Decreto 678/92. Veja o que diz o artigo 7º, item 5, da Convenção:

”Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais. ” (BRASIL, 2020).

Consiste no direito que a pessoa presa em flagrante possui de ser conduzida sem demora, à presença de uma autoridade judicial que irá analisar se os direitos fundamentais dela foram respeitados no momento da prisão, se esta se encontra dentro da legalidade, e se a prisão cautelar deve ser decretada ou se o detido poderá receber a liberdade provisória ou medida cautelar diversa da prisão.

Importante registrar que o Conselho Nacional de Justiça, em parceria com os tribunais de Justiça Estaduais e tribunais Regionais Federais, já despendeu muito recurso e energia, na tentativa de abrandar os problemas do sistema carcerário, podendo ser lembradas as ações de mutirão, que objetivavam acelerar o julgamento dos presos sem condenação e benefícios da execução; a instituição dos Grupo de Mo­nitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário; e a obrigatoriedade da audiência de custódia, ações de acentuada importância. (CNJ, 2018).

A audiência de custódia, na realidade penal brasileira, é medida de suma importância no sentido de diminuir a cultura do encarceramento que grassa os Tribunais brasileiros, além de se evitar a consolidação de inúmeras prisões efetuadas fora do âmbito da legalidade.

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Sobre o autor
Danilo Alves

Bacharel em Direito. Advogado, Pós graduado em direito Penal e Processual Penal. Pós graduando em Docência no Ensino Superior.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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