O destinatário da requisição ministerial
A requisição ministerial deve ser dirigida a quem seja o verdadeiro detentor de direito ou de fato da informação ou documentação pretendida. Devemos entender, por detentor de direito, aquele que por lei é responsável pela informação ou documentação, i.e., a pessoa legitimada a produzir a diligência. E, por detentor de fato, aquele que possui a guarda da informação ou documentação, i.e., pessoa que detém a posse de fato.
Nesse aspecto, referimos que a diligência (em forma de requisição), deve ser dirigida ao destinatário certo, uma vez que o art. 47. do CPP impede que o Ministério Público faça requisições à polícia judiciária quando a diligência pretendida estiver na posse de outra instituição.
Aliás, nem sempre o detentor de direito terá a guarda da informação ou documentação, pois, após a sua produção ou sua requisição à outra instituição, pode ocorrer de o resultado da diligência estar realisticamente com outra pessoa, a qual seria o detentor de fato.
Explicamos. Nos autos do inquérito policial, o delegado de polícia, se entender necessário, pode requisitar perícia, informações, documentos e dados17, bem como determinar a realização de outras diligências que interessem à apuração dos fatos18.
Sendo assim, após requisitar a realização de determinada diligência, v.g., perícia necroscópica, pode ocorrer de o documento produzido estar nas mãos do perito que, por esquecimento ou outra razão não enviou aos autos. Atente-se que, neste caso, o delegado de polícia não é o detentor de direito, pois a produção do laudo pericial não lhe cabe, nem detentor de fato, pois o referido documento não lhe foi remetido.
Nesse caso, vendo o promotor de justiça que o delegado de polícia requisitou a perícia necessária, o que está na esfera de suas atribuições, mas que o perito não formalizou a sua remessa aos autos, deve requisitar o laudo pericial ao Instituto-Geral de Perícias, não à polícia judiciária19, evitando, dessa forma, que a unidade policial figure como uma espécie de “secretaria” do órgão ministerial.
Outra situação análoga, que teria o mesmo resultado, seria o caso de o promotor de justiça, após receber definitivamente os autos do inquérito policial para manifestação, pretender, em complemento aos elementos carreados, a juntada da matrícula de um imóvel, por exemplo. Essa diligência não deve ser direcionada à Delegacia de Polícia, mas ao Ofício de Registro de Imóveis, cujo responsável legal é o detentor de direito da informação pretendida.
No mesmo sentido, se, analisando os autos de um inquérito policial enviado à justiça definitivamente, entender o promotor que seria interessante juntar aos autos a quebra de sigilo bancário ou fiscal do investigado, tal diligência não deve ser dirigida à Delegacia de Polícia. Neste caso, além de não ser detentor de direito ou de fato da diligência, sequer pode requisitar diretamente tais informações, que estão protegidas pela cláusula de reserva de jurisdição. Nesse caso, entende-se que o promotor deve requerer a diligência diretamente ao juiz para que ele, então, faça a requisição à instituição detentora da diligência.
O Ministério Público tem quadro funcional muito bem aparelhado e os promotores gozam do mesmo poder requisitório que a autoridade policial, sendo vedado que se utilize da intermediação de outra instituição para a obtenção dos elementos de convicção que julgar necessários, acarretando ônus desnecessário à polícia judiciária20.
Nesse diapasão, o delegado de polícia somente estará obrigado a atender à requisição, se estiver por lei como detentor de direito ou detentor de fato – como, v.g., no caso de vítima, terceiro ou um hospital que fornece um documento à polícia judiciária, estando realisticamente sob o poder da autoridade policial.
Das considerações finais
Por derradeiro, concluímos que cabe ao delegado de polícia realizar o controle de legalidade lato sensu das requisições ministeriais e judiciais dirigidas à polícia judiciária. Nesse passo, além das requisições manifestamente ilegais, deve-se ter especial atenção às requisições aparentemente legais, mas que, submetidas à análise profícua, não possuem embasamento no ordenamento, pois, desenlaçando-se do procedimento legal, subvertem o sistema lógico progressivo que deve ser observado na persecução penal.
Reforçamos que, para que possuam constitucionalidade, legalidade e legitimidade, as requisições ministeriais convergidas à polícia judiciária precisam ter lastro na lei, preenchendo os requisitos da fundamentação jurídica, pertinência, imprescindibilidade, momento específico e destinatário certo.
Faltando qualquer destes requisitos, o delegado não estará obrigado a atender a requisição, devendo, motivadamente, restituir o procedimento à origem, rejeitando seu cumprimento21 e pensamos que os promotores devam se abster de medidas desta natureza, pois qualquer requisição que destoe do procedimento legal, impondo uma obrigação não prevista na lei, é ilegal e ilegítima.
Notas
1 Art. 5, inc. II e art. 13, inc. II, do CPP; art. 129, da CF/88.
2 Art. 5, inc. II e art. 13, inc. I e II, do CPP.
3 Art. 2°, §6°, Lei 12.830/13.
4 STF, HC 115.015, min. rel. Teori Zavascki, j. 27/08/2013.
5 CUNHA, Rogério Sanches. STF: Indiciamento é ato privativo do delegado de polícia. Disponível em: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2019/05/04/stf-indiciamento-e-ato-privativo-delegado-de-policia/. Acessado em 28/04/2020.
6 Art. 10, §2°, CPP.
7 MACHADO, Leonardo Marcondes. Sobre requisições e requerimentos no inquérito policial: uma revisão necessária. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-nov-13/academia-policia-requisicoes-requerimentos-inquerito-revisao-necessaria. Acessado em 04/05/2020.
8 GARCEZ, William; JÚNIOR, Joaquim Leitão. A problemática da requisição judicial no âmbito de medidas cautelares penais para oitivas de testemunhas/informantes e até mesmo interrogatórios: ausência de lastro legal. Disponível em: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2020/04/16/problematica-da-requisicao-judicial-no-ambito-de-medidas-cautelares-penais-para-oitivas-de-testemunhasinformantes-e-ate-mesmo-interrogatorios-ausencia-de-lastro-legal/. Acessado em 28/04/2020.
9 Art. 129, VIII, CF: São funções institucionais do Ministério Público: requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais.
10 MAZZOLA, Marcelo. A dicotomia entre "fundamento legal" e "fundamento jurídico" na visão do STJ. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-set-12/marcelo-mazzola-fundamento-legal-fundamento-juridico-stj. Acessado em 28/04/2020.
11 ANSELMO, Márcio Adriano. A presidência do inquérito policial e a requisição de diligências. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-set-15/academia-policia-presidencia-inquerito-policial-requisicao-diligencias. Acessado em 20/04/2020.
12 Neste capítulo, em que analisaremos o momento de formalização da requisição ministerial, deixamos consignado, a ilegitimidade e impertinência de requisições cujo conteúdo pretenda a conversão de um procedimento investigatório criminal (PIC) em inquérito policial (IP), de modo a transferir à polícia judiciária a condução dos trabalhos iniciados no Ministério Público. Tal prática se verifica nos casos em que determinado “setor de investigação” do órgão ministerial conduz uma investigação e acaba não logrando êxito no apuratório, concluindo o procedimento sem elucidação da autoria ou obtenção da materialidade delitiva, remetendo, então, à Delegacia de Polícia para dar continuidade às investigações. Esse assunto será, por nós, melhor explorado futuramente, em estudo dirigido especificamente a esta finalidade.
13 Art. 2°, §1°, Lei 12.830/13.
14 ANSELMO, Márcio Adriano. Loc. cit.
15 CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de. Missão da Polícia Judiciária é buscar a verdade e garantir direitos fundamentais. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-jul-14/academia-policia-missao-policia-judiciaria-buscar-verdade-garantir-direitos-fundamentais. Acessado em 28/04/2020.
16 STF, Tribunal Pleno, RE 593.727, min. rel. Cezar Peluso, j. 14/5/2015.
17 Art. 2°, §1°, Lei 12.830/13.
18 Art. 6°, CPP.
19 Certamente, aqui, nos referimos à hipótese em que o departamento de pericias não pertence à polícia judiciária, sendo instituição independente, pois, nesses casos, o delegado de polícia não é superior hierárquico do perito, i.e., não responde pelas atividades daquele profissional, que pertence a outra instituição oficial, desvinculada da polícia judiciária, como é o caso do Rio Grande do Sul, por exemplo.
20 ANSELMO, Márcio Adriano. Loc. cit.
21 GOMES, Luiz Flávio e SCLIAR, Fábio. Investigação preliminar, polícia judiciária e autonomia. Disponível em https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/147325/investigacao-preliminar-policia-judiciaria-e-autonomia-luiz-flavio-gomes-e-fabio-scliar. Acessado em 22 de abril de 2020.