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Os princípios constitucionais na aplicação do Biodireito

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Nos tempos atuais, em que o momento da inovação científico-tecnológica possui a capacidade de realizar intensas e rápidas transformações no modo de vida da humanidade – a citar os avanços da bioengenharia, o aproveitamento da energia nuclear, o aperfeiçoamento da informática e da robótica – ao mesmo tempo em que se apresentam novas situações e relações não previstas diretamente nos ordenamentos jurídicos de todo o mundo, exige-se cada vez mais do aplicador do Direito uma decisão político-jurídica, ou seja, uma opção por valores morais fundamentais contemplados nas normas [1].

É possível classificar as normas jurídicas em regras e princípios. No âmbito do Biodireito - em que se pretende a defesa jurídica das instâncias morais da vida em face das inovações científico-tecnológicas, tendo em vista a promoção da dignidade humana - observa-se uma grande incidência de princípios fundamentais.

O princípio jurídico é uma norma-fonte dotada de um mandato para as demais normas do sistema. Pode-se identificar a atuação principiológica em dois planos fundamentais para a concretização da justiça: o plano da justificação e o plano da aplicação.

No primeiro, os princípios auxiliam a interpretação das regras, justificando a formação e aplicação destas. São intermediários que norteiam todo o sistema jurídico. No plano da aplicação, os princípios assumem seu papel impositivo, sendo aplicados diretamente para a solução de um caso. [2]

Junto com as regras, os princípios indicam um dever-ser, possuindo caráter deontológico. Contudo, diferenciam-se na medida em que os princípios ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas existentes, consistindo, portanto, em mandatos de otimização. Por sua vez, regras só podem ser cumpridas ou descumpridas, não comportando graus diferenciados de cumprimento [3].

Quando adentram as Constituições, os princípios ganham patamar constitucional, o que os torna fonte do sistema jurídico nacional. A doutrina especializada reconhece a existência de princípios implícitos e princípios expressos no texto constitucional, princípios constitucionais expressamente referidos e princípios constitucionais inferidos dos enunciados normativo-constitucionais. Ambos teriam igual dignidade jurídica, vinculando de igual maneira os destinatários [4].

Deve-se atentar para o fato de que os princípios constitucionais podem colidir entre si, demandando do intérprete ponderação, concordância prática, para que, em cada caso, possa prevalecer o princípio de maior importância e densidade, diante das circunstâncias fáticas e jurídicas apresentadas em cada situação a ser solvida pelo intérprete.

Alexy utiliza o termo colisão e não conflito de princípios. Alerta que a prevalência de um determinado princípio fundamental em um caso concreto (precedência condicionada) não exclui o outro, que será restringido ou afastado. Os princípios fundamentais, portanto, são válidos prima facie, sendo restringíveis em caso de colisão, in concreto [5]. O dever prima facie é um dever que deve ser cumprido, a não ser que entre em conflito com um dever igual ou mais forte.

A adequada aplicação dos princípios no caso concreto, sempre dependerá da opção de valores que se pretende realizar, já que "os princípios fornecem indicações gerais de comportamento, mas é o valor ético do bem da pessoa como fim último a ser atingido que confere o sentido último da ação." [6] Por isso, deve-se entender que nem todos os princípios fundamentais são válidos apenas prima facie: o princípio bioético da não-maleficência, por exemplo, jamais poderá ser afastado no caso concreto, constituindo sempre um dever fundamental prioritário. Da mesma forma, jamais poderá ser restringido o princípio biojurídico da dignidade da pessoa humana.

Na medida em que constituem normas comportando enunciados gerais e abertos, os princípios crescem em importância na ordem jurídica global. Buscando controlar e normatizar situações futuras, porém não dispondo de conhecimento para prever todas as possibilidades fáticas, as sociedades se vêem obrigadas a utilizar uma linguagem e classificações gerais na confecção das normas [7].

Identificando esta tendência do direito a ser construído em cima de termos e conceitos de textura aberta, reforça Loureiro que "no plano da normatização, a adaptação situacional do direito passa pela explosão das cláusulas gerais, dos conceitos indeterminados, do reforço da estrutura ponderativa das decisões, alargando as expectativas de incerteza. [8]" Em verdade, se os princípios jurídicos tiverem a pretensão de servirem como princípios de justiça, necessariamente serão gerais. Contudo tal característica contribui para aumentar a incerteza da decisão em muitas situações concretas.

È importante alertar que o Biodireito deve "inspirar a política legislativa na criação de instrumentos de prevenção e repressão, sempre que necessários à salvaguarda da dignidade humana" [9]. Este compromisso pode ser efetivado por meio da difusão de novos princípios, bem como de regras precisas, quando a generalidade e a abertura do enunciado principiológico necessitar de concretude em face das permanentes e novas ameaças à vida.

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Referências Bibliográficas

ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. trad. José M. Beneyto Pérez. Madrid: Centro de estúdios constitucionales, 1993.

ESPINDOLA, Ruy Samuel. Democracia, Constituição e Princípios Constitucionais: notas de reflexão crítica no âmbito do Direito Constitucional brasileiro. Disponível em: <https://revistas.ufpr.br/direito/article/viewFile/1757/1454>.

LOUREIRO, João. Da sociedade técnica de massas à sociedade de risco: prevenção, precaução e tecnociência: algumas questões juspublicísticas. In: Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares. Coimbra: Coimbra Editora, 2001. p. 797-891.

NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Introdução ao biodireito: da zetética à dogmática. In: SÀ, Maria de Fátima Freire de. Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

SGRECCIA, Elio. Manual de bioética: fundamentos de ética biomédica. trad. Orlando Soares Moreira. vol I.São Paulo: Loyola, 1996.

SILVA, Reinaldo Pereira e. Reflexões ecológico-jurídicas sobre o biodireito. In: MONDARDO, Dilsa; FAGÙNDEZ, Paulo Roney Ávila. Ética holística aplicada ao direito. Florianópolis: OAB/SC, 2002.

VIEIRA, Oscar Vilhena. Discricionariedade Judicial e Direitos Fundamentais. Dhnet. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/oscarvilhena/vilhena_discricionalidade.html>. Acesso em: jun. 2005.


Notas

  1. As normas não são valores, mas os contêm. Certos valores são protegidos pelo Direito por meio de suas normas, que os reconhece como valores jurídicos. Dentre os valores jurídicos contemplados por normas jurídicas, encontram-se os valores morais.

  2. NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Introdução ao biodireito: da zetética à dogmática. In: SÀ, Maria de Fátima Freire de. Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 137.

  3. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. trad. José M. Beneyto Pérez. Madrid: Centro de estúdios constitucionales, 1993. p. 86-87.

  4. ESPINDOLA, Ruy Samuel. Democracia, Constituição e Princípios Constitucionais: notas de reflexão crítica no âmbito do Direito Constitucional brasileiro. Disponível em: <https://revistas.ufpr.br/direito/article/viewFile/1757/1454>.

  5. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales.

  6. SGRECCIA, Elio. Manual de bioética: fundamentos de ética biomédica. trad. Orlando Soares Moreira. vol I.São Paulo: Loyola, 1996. p.168.

  7. VIEIRA, Oscar Vilhena. Discricionariedade Judicial e Direitos Fundamentais. Dhnet. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/oscarvilhena/vilhena_discricionalidade.html>. Acesso em: jun. 2005.

  8. LOUREIRO, João. Da sociedade técnica de massas à sociedade de risco: prevenção, precaução e tecnociência: algumas questões juspublicísticas. In: Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares. Coimbra: Coimbra Editora, 2001.p. 868.

  9. SILVA, Reinaldo Pereira e. Reflexões ecológico-jurídicas sobre o biodireito. In: MONDARDO, Dilsa; FAGÙNDEZ, Paulo Roney Ávila. Ética holística aplicada ao direito. Florianópolis: OAB/SC, 2002. p. 147.

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Sobre a autora
Maria Zoê Bellani Lyra Espindola

advogada em Florianópolis (SC), mestre em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESPINDOLA, Maria Zoê Bellani Lyra. Os princípios constitucionais na aplicação do Biodireito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1011, 8 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8207. Acesso em: 28 mar. 2024.

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