Segregação Racial nos EUA

Considerações sobre a segregação racial nos Estados Unidos (EUA).

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13/05/2020 às 05:02
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[1] O nome "Jim Crow" era dado frequentemente aos escravos negros norte-americanos e foi imortalizado por uma canção muito em voga no século XIX, pelo artista Thomas Rice, que retratava os negros de uma forma discriminatória, como idiotas inocentes, preguiçosos e infantis.
Com a abolição da escravatura no fim da Guerra Civil americana, em 1863, surgiram questões relativas à responsabilidade da sociedade branca americana no que diz respeito aos seus ex-escravos, nomeadamente à questão se estes deveriam ter apoios económicos para a sua reinserção na sociedade.

[2] Separate but equal (em português: “Separado, mas igual") foi uma doutrina jurídica da lei constitucional dos Estados Unidos que justificava e permitia segregação racial naquele país como não sendo uma violação da décima-quarta emenda da constituição estadunidense que garantia proteção e direitos civis iguais a todos os cidadãos. Sob esta doutrina, o governo podia permitir que setores públicos ou privados como os de serviços, instalações, acomodações, moradia, cuidados médicos, educação, emprego e transporte pudessem ser separados baseado em raça, desde que a qualidade de cada um destes serviços fosse igual. Esta frase foi proferida notoriamente pela primeira vez na Luisiana em 1890, embora o termo usado na verdade tenha sido “igual, mas separado".  Esta doutrina foi confirmada na decisão Plessy v. Ferguson de 1896 pela Suprema Corte dos Estados Unidos, que legalizou a segregação racial no nível estadual.  Embora leis segregacionistas já existissem antes disso, esta decisão acabou impulsionando as segregações nos estados na era das Leis de Jim Crow, que havia começado de fato em 1876, restringindo os direitos e liberdades civis de milhões de afro-americanos sem nenhuma pretensão de igualdade durante o período da Reconstrução. Nos anos posteriores cerca de 17 estados adotaram leis segregacionistas, restringindo direitos dos negros. Tal doutrina só começou a cair após uma série de Decisões da Suprema Corte americana em meados do século XX, culminando na decisão Brown v. Board of Education de 1954. Contudo, o fim das leis segregacionistas pelos Estados Unidos seria um processo mais longo, passando pelas décadas de 1950, 1960 e 1970, envolvendo muitas decisões de cortes estaduais e federais, além das ações dos poderes legislativos.

[3] O caso Dred Scott v. Sandford (U. S. SUPREME COURT, 1856), um ex-escravo e sua mulher ingressaram em juízo contra o Sr. John F. A. Sanford, pleiteando o direito de permanecerem livres após terem sido arrolados como bens no inventário de seu falecido proprietário. Scott arguiu que, como havia sido levado em 1833 a serviço pelo seu antigo proprietário para o Estado de Illinois – um dos “Estados-livres”  como eram conhecidos aqueles nos quais a escravidão era proibida – e depois tendo ainda residido em uma área do território de Louisiana – então território federal, no qual a escravidão também era proibida pela lei conhecida como Missouri Compromise de 1820 –, teria adquirido o status de liberto. Assim, ao voltar em 1843 ao Missouri (Estado escravocrata), teria retornado na condição de cidadão livre, não podendo ser reduzido novamente a escravo. No julgamento da Suprema Corte, presidida pelo Chief Justice Roger B. Taney, a questão foi decidida com base em questões processuais. Taney, cujo voto se tornou a opinion of the Court, primeiramente investigou a definição de cidadão e de “povo dos Estados Unidos” no contexto da  elaboração da Constituição, em 1787, afirmando tratar-se do corpo político que forma a soberania e que detém o poder, conduzindo o governo  por meio de seus representantes: As palavras ‘povo dos Estados Unidos’ e ‘cidadãos’ são termos sinônimos e significam a mesma coisa. Ambas descrevem o corpo político que, de acordo com nossas instituições republicanas, forma a soberania e detêm o poder, conduzindo o governo por meio de seus representantes. E les são o que nós chamamos familiarmente de ‘povo soberano’, e cada cidadão é parte integrante desse povo e membro constituinte da soberania (U. S. SUPREME COURT, 1856, p. 15).

[4] O Partido dos Panteras Negras (em inglês, Black Panther Party ou BPP), originalmente denominado Partido Pantera Negra para Autodefesa (em inglês, Black Panther Party for Self-Defense) foi uma organização urbana socialista revolucionária fundada por Bobby Seale e Huey Newton em outubro de 1966. O partido atuou nos Estados Unidos de 1966 a 1982, com filiais internacionais que operaram no Reino Unido no início da década de 1970 e na Argélia de 1969 a 1972. Na sua criação, em 15 de outubro de 1966, a prática principal do Partido das Panteras Negras foi a patrulha de cidadãos armados para monitorar o comportamento dos oficiais do Departamento de Polícia de Oakland e desafiar a brutalidade policial em Oakland, Califórnia. Em 1969, os programas sociais da comunidade se tornaram uma atividade central dos membros do partido. O Partido dos Panteras Negras instituiu uma variedade de programas sociais comunitários, mais amplamente os Programas de Café da manhã grátis para crianças e clínicas de saúde da comunidade para abordar questões como a injustiça alimentar. O partido matriculou o maior número de membros e teve o maior impacto em Oakland-San Francisco, Nova York, Chicago, Los Angeles, Seattle e Filadélfia. O diretor do FBI, J. Edgar Hoover, chamou o partido de "a maior ameaça à segurança interna do país" e ele supervisionou um extenso programa de contra espionagem (COINTELPRO) de vigilância, infiltração, perjúrio, assédio policial e muitas outras táticas projetadas para minar a liderança dos Panteras, incriminar membros, desacreditar e criminalizar o partido, e drenar a organização de recursos e mão-de-obra.  O programa também foi acusado de assassinar membros dos Panteras Negras história do Partido dos Panteras Negras é controversa. Os estudiosos caracterizaram o Partido das Panteras Negras como a organização de movimento negro mais influente do final da década de 1960 e "a ligação mais forte entre a luta doméstica de libertação negra e opositores globais do imperialismo americano". Outros comentadores descreveram o Partido como mais criminoso do que político, caracterizado por "postura desafiante sobre a substância".

[5] As teorias sobre as diferentes raças humanas surgiram inicialmente no final do século XVIII e início do século XIX, tendo como autor principal Joseph Arthur de Gobineau (1816-1882) – o “pai do racismo moderno” –, filósofo francês e principal defensor da ideia de superioridade da raça branca. Desde então, vários trabalhos derivados da ideia de raças diferentes entre a espécie humana foram concebidos, de modo que, enquanto alguns autores distinguiram quatro ou cinco raças, outros chegaram a especificar mais de 20. As teorias raciais surgiram como forma de tentar justificar a ordem social que surgia à medida que países europeus se tornavam nações imperialistas, submetendo outros territórios e suas populações ao seu domínio. O conceito foi amplamente adotado em todo o mundo até o período da Segunda Guerra Mundial, quando o surgimento da ameaça nazista elevou a proporções astronômicas o preconceito e o ódio em relação a grupos humanos específicos.

[6] Ao longo das últimas décadas, as pesquisas genéticas revelaram duas grandes verdades a respeito das pessoas. A primeira é que todos os seres humanos são estreitamente aparentados – um parentesco mais próximo do que o existente entre os chimpanzés, por exemplo. Todas as pessoas têm a mesma coleção de genes, mas, fora os gêmeos idênticos, todos carregamos versões ligeiramente diferentes de alguns desses genes. Os estudos sobre essa diversidade genética permitiram aos cientistas traçar uma espécie de árvore genealógica das populações humanas. E, assim eles chegaram a uma segunda verdade fundamental: num sentido muito concreto, todas as pessoas que vivem hoje são de origem africana. A nossa espécie, Homo sapiens, evoluiu na África – ainda que ninguém possa dizer com exatidão em que época e região. O achado fóssil mais recente, no Marrocos, indica que os traços anatômicos dos seres humanos modernos apareceram por volta de 300 mil anos atrás.  Nos 200 e tantos mil anos que vieram a seguir, continuamos a viver na África, mas já nesse período alguns grupos começaram a se deslocar para outras partes do continente e a ficar isolados uns dos outros – na prática, dando origem a novas populações. O fato de que a raça seja um termo confuso do ponto de vista científico não significa que os exames de DNA não possam dizer nada sobre nossa origem.

A inexistência das raças biológicas ganhou força com as recentes pesquisas genéticas. Os geneticistas descobriram que a constituição genética de todos os indivíduos é semelhante o suficiente para que a pequena porcentagem de genes que se distinguem (que inclui a aparência física, a cor da pele etc) não justifique a classificação da sociedade em raças. Essa pequena quantidade de genes diferentes está geralmente ligada à adaptação do indivíduo aos diferentes meios ambientes.

[7] A primeira classificação racial dos homens foi a “Nouvelle division de la terre par les différents espèces ou races qui lhabitent” (Nova divisão da terra pelas diferentes espécies ou raças que a habitam) de François Bernier, publicada em 1684;

[8] O genoma humano é composto de 25 mil genes. As diferenças mais aparentes (cor da pele, textura dos cabelos, formato do nariz) são determinadas por um grupo insignificante de genes. As diferenças entre um negro africano e um branco nórdico compreendem apenas 0,005% do genoma humano. Há um amplo consenso entre antropólogos e geneticistas humanos de que, do ponto de vista biológico, raças humanas não existem.

[9] Richard Lewontin foi o primeiro geneticista a desmentir, sem sombra de dúvida, o mito da existência de diferentes raças humanas. Quando lhe perguntaram se acreditava na ideia de múltiplas raças, a sua resposta foi: “É claro, as raças existem”. Mas em seguida apontou para a própria cabeça e disse: “Elas estão todas aqui dentro”. Lewontin se referia, obviamente, à nossa imaginação: o único “lugar” onde as superficiais diferenças entre as diversas populações humanas ainda são levadas a sério. E então, é bom se perguntar, por que diante de evidências tão esmagadoras ainda temos dificuldade para abandonar esse preconceito?

 

[10] Carolus Linnaeus (1758), criador da taxonomia moderna e do termo Homo sapiens , reconheceu quatro variedades do homem: 1) Americano (Homo sapiens americanus : vermelho, mau temperamento, subjugável); 2) Europeu ( europaeus : branco, sério, forte); 3) Asiático (Homo sapiens asiaticuslatino : amarelo, melancólico, ganancioso); 4) Africano (Homo sapiens afer : preto, impassível, preguiçoso).

[11] Tudo isso está relacionado com a noção de etnia, que, resumidamente, pode ser conceituada como o sentimento de pertencer a determinado grupo com o qual o indivíduo partilha a mesma língua, tradições e território. Trata-se de características tão marcantes que, de inúmeras maneiras, acabam tornando-se pontos basilares da construção identitária do indivíduo, definindo certos aspectos da convivência social da população que constitui o grupo étnico. O conceito estende-se às relações de alteridade entre grupos étnicos diferentes. Esses grupos veem-se de forma diferente dos demais e, ao mesmo tempo, também são entendidos como grupo distinto por outros grupos. É nesse ponto que a relação de alteridade se insere. O convívio com a diferença torna-se “espelho” que reflete a autoimagem do grupo ao tornar claro o que lhe é estranho. Nessa perspectiva, a população de um grupo reconhece-se por meio da constatação de uma familiaridade linguística, religiosa, de tradições etc. Por esse motivo, a etnicidade fornece ao sujeito uma ligação direta com o passado por meio da ideia de continuidade, que é mantida na perpetuação das tradições e dos sentidos que elas carregam.

[12] Para os sociólogos, em geral, o perigo é entendermos que se a raça biológica não existe cientificamente, o racismo também não. “Antônio Sérgio Guimarães afirma que o conceito não faz sentido senão no âmbito de uma ideologia”, diz Márcia Lima, do departamento de sociologia da USP. “Não é necessário reivindicar nenhuma realidade biológica das “raças” para fundamentar a utilização do conceito em estudos sociológicos”.

[13] Linnaeus reconheceu também uma quinta raça sem definição geográfica, a Monstruosa (Homo sapiens monstrosus), compreendida por uma diversidade de tipos reais (por exemplo, Patagônios da América do Sul, Flatheads canadenses) e outros imaginados que não poderiam ser incluídos nas quatro categorias “normais”.

[14] Historicamente, a palavra etnia significa “gentio”, proveniente do adjetivo grego ethnikos. O adjetivo se deriva do substantivo ethnos, que significa gente ou nação estrangeira. É um conceito polivalente, que constrói a identidade de um indivíduo resumida em: parentesco, religião, língua, território compartilhado e nacionalidade, além da aparência física.

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[15] Sit in for significa “substituir”; normalmente quando alguém se encarrega dos deveres de outra pessoa, num evento ou ocasião qualquer.

[16]O movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos foi a campanha por direitos civis e igualdade para a comunidade afro-americana nos Estados Unidos. Os negros foram escravizados nos EUA de 1619, trazidos da África por colonos ingleses, até 1863, com o fim da Guerra Civil, a Proclamação de Emancipação e o início da Reconstrução Americana. A escravidão foi a base da economia dos estados do Sul, e marcou profundamente as relações sociais nessa região.  Todavia, a situação legal dos negros permaneceu por longo tempo inferior à dos demais cidadãos, com as leis Jim Crow, a segregação racial, a doutrina "separados, mas iguais" e a atuação da Ku Klux Klan. Embora a Constituição americana garantisse direitos fundamentais a todos os cidadãos desde 1787, os negros tinham prerrogativas legais negadas por legislações estaduais, com base no princípio dos direitos dos estados.

A doutrina da incorporação, a partir de 1873, levou à gradual extensão dos direitos constitucionais fundamentais para todos os cidadãos. Na virada do século, ativistas como W. E. B. Du Bois criaram a Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor, em defesa da igualdade racial e do progresso da comunidade negra. A decisão do caso Brown v. Board of Education na Suprema Corte americana, em 1954, foi o fundamento legal para o fim da segregação racial. Rosa Parks liderou, no ano seguinte, o boicote aos ônibus de Montgomery.

[17] A Era Jim Crow teve início quando foram decretadas as leis estaduais para os Estados do Sul dos EUA. Tais medidas definiram que as escolas públicas e a maioria dos locais públicos (entre estes, trens e ônibus) apresentassem instalações diferentes para brancos e negros. As leis de Jim Crow vigentes entre os anos de 1876 e 1965 e foram combatidas por diversos grupos, entre estes a NAACP - National Association for Advancing of Colored People, órgão fundamental para terminar com a segregação racial. No ano de 1954, o pai da garota negra Linda Brown, que na época tinha oito anos de idade, entrou com uma ação judicial contra uma escola de brancos que havia negado a matrícula de sua filha. Disto resultou o maior julgamento do século XX, o famoso Brown contra o Conselho de Educação, que decretou o fim da segregação nas escolas públicas. No dia primeiro de dezembro do ano de 1955, na cidade do Sul, Montgomery (Alabama), Rosa Parks, uma costureira negra, negou-se a dar seu lugar em um ônibus para um homem branco. Rosa acabou sendo presa e este episódio desencadeou uma série de protestos. Militantes negros boicotaram o sistema de transportes americano na cidade onde isso ocorreu. Após estes atos de rebeldia contra as Leis Jim Crow, manifestos sequenciais foram organizados e novos órgãos de defesa foram criados.

 

[18] São diversos os crimes de racismo e para cada tipo de conduta existe uma punição, sendo que estas variam com punições de um até cinco anos de reclusão. Em 2003, o STF (Supremo Tribunal Federal) confirmou a condenação por racismo do empresário e escritor Siegfried Ellwanger por 8 votos a 3. Ellwanger publicou diversos livros com temas como o antissemitismo, como os "Protocolos dos Sábios de Sião", e a negação do Holocausto, no livro "Holocausto - judeu ou alemão? Nos bastidores da mentira do século". Em 2003, o Supremo Tribunal Federal confirmou a condenação por racismo do empresário e escritor Siegfried Ellwanger por oito votos a três. O Ellwanger publicou diversos livros com temas como antissemitismo, como os Protocolos dos Sábios de Sião, e a negação do Holocausto, no livro "Holausto - judeu ou alemão? Nos bastidores da mentira do século." O caso suscitou na época ampla discussão no STF a respeito da liberdade de expressão. A redação do acórdão alude que: "o preceito fundamental da liberdade de expressão não consagra o direito à incitação ao racismo, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da pessoa humana e da igualdade jurídica.

[19]O Estatuto define também o que se entende por ação afirmativa, que são, portanto, “os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades.”.

[20] A Lei nº 12.711/2012, sancionada em agosto deste ano, garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 59 universidades federais e 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos. Os demais 50% das vagas permanecem para a ampla concorrência.

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Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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