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Pedofilia: doença ou crime?

Um estudo acerca da (in)imputabilidade do pedófilo

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18/05/2020 às 21:56
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Falar em pedofilia é um tanto arriscado. Há quem sinta medo, repulsa ou indignação. Todavia, diante do crescente número de casos, é preciso arriscar-se a fim de compreender esse tema repleto de dúvidas e tabus. Afinal, o sujeito pedofílico é inimputável?

Resumo: A pedofilia, apesar existir há muitas décadas, só constituiu um objeto de estudo relevante no campo das ciências jurídicas e psiquiátricas no século XX. Essa atenção se justifica pelos recorrentes práticas de violência sexual contra crianças, as quais são consideradas reprovativas e abomináveis. Diante dessa conjectura, o presente artigo objetiva analisar a pedofilia sob uma abordagem ampla e interdisciplinar perpassando a ótica da Psiquiatria e, especialmente, do Direito Penal. De início, examina-se a pedofilia enquanto patologia, destacando as características que constituem o perfil pedofílico, as suas causas e implicações na sociedade. Por outro lado, busca-se averiguar a pedofilia enquanto crime no ordenamento jurídico brasileiro, ressaltando a ausência de tipificação do termo e o seu processo de criminalização. Por fim, chegando ao ponto chave desse estudo, é colocada em debate a seguinte pergunta: “A pedofilia é uma doença ou crime?”, uma vez que é nesse questionamento que irá se dirimir sua inimputabilidade ou não para fins penais.

Palavras-chave: Pedófilo. Culpabilidade. Direito Penal. Psiquiatria.


1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo geral discutir a pedofilia sob a luz do Direito Penal, explorando se há ou não culpabilidade do pedófilo bem como o seu enquadramento nos tipos penais. Nesse sentido, torna-se essencial investigar a genealogia dos saberes que permitiram a emergência da criminalização da pedofilia. Como abordagem interdisciplinar, serão confrontados os saberes jurídicos e psiquiátricos acerca da pedofilia, explorando a linha tênue existente entre doença e crime.

Como a maioria das questões sociais, o abuso sexual contra crianças não é um fenômeno novo. Somente a partir do final do século passado e início do século XXI é que ele vem sendo intensivamente abordado nos diversos setores tais como a mídia e judiciário, tendo em vista a sua prática recorrente. Essa violência sexual se desdobra em várias nuances que compõe uma realidade bastante problemática no âmago social, sendo uma delas a pedofilia, a qual é considerada uma das práticas mais reprovativas e abomináveis. No entanto, à priori, torna-se imprescindível destacar a semântica do seu conceito uma vez que contribuirá para o melhor entendimento de tal fenômeno.

Originalmente, o temo pedofilia vem do grego antigo paidophilos, que se refere tanto aos pais como à criança, e de phileo, que significa amar. Ou seja, é definida como o amor de um adulto pelas crianças. Na classificação psiquiátrica, a pedofilia consiste em um transtorno psiquiátrico agrupado no universo das parafilias que são comportamentos ou fantasias sexuais recorrentes e intensos envolvendo objetos, atividades ou situações incomuns, e responsáveis por um sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional do indivíduo (OMS, 1993).

Todavia, na contemporaneidade, a sua definição tornou-se tão elástica e imprecisa que, muitas vezes, confunde-se com outras práticas tais como pornografia e exploração infantil. Nesse contexto, costuma-se atribuir essa distorção aos veículos de comunicação de massa os quais abordam o pedófilo como sujeito isolado e não informam ao público leigo os limites entre doença e crime da pedofilia, distanciando-a cada vez mais de sua significação original. Com efeito, essa abordagem não deve se esgotar no próprio sujeito dissociado da sua história e do contexto social de seu tempo, uma vez que um não tem autonomia sobre o outro, influenciando-se mutuamente.

É fato que, no século XXI, o sexo é um tema bastante delicado e cercado de tabus e preconceitos. Apesar de falar-se difusamente tudo sobre ele, o envolvimento dessa prática com crianças desperta uma reação automática de repulsa e reprovação. Especialmente se for algum caso de pedofilia, uma vez que suas vítimas são pré-púberes desprovidos de noções sobre sexualidade. (Rodrigues Herbert, 2014) Nesse contexto, o fenômeno da pedofilia nunca foi tão condenado como ocorre atualmente. Tal caráter reprovativo é herdeiro dos primeiros estudos sobre as perversões sexuais no século XIX, das quais a psicanalista Elisabeth Roudinesco ocupou-se. Para ela, há em cada sociedade e sua respectiva época um tipo de perversão a ser tratada com perversidade (Roudinesco, 2008). No caso da idade contemporânea, é sob o pedófilo que recai o ódio e desprezo. No entanto, essa perversão é parte intrínseca da humanidade, uma vez que exibe o que nunca se parou de esconder: a parte obscura presente em cada um.

Sob esse viés, surgem alguns questionamentos os quais serão explorados ao longo do estudo: como entender a pedofilia? Quais os aspectos psicossociais envolvidos? O que constitui o perfil do pedófilo?

Nota-se, no entanto, que tal debate está centralizado em uma disputa de saberes: de um lado, o saber médico-psiquiátrico tratando a pedofilia como uma patologia, e do outro, o saber jurídico-penal que passou a tratá-la como crime. É exatamente nessa discussão que o presente artigo se situa. O objetivo primordial é entender se a pedofilia em si se constitui um crime e, a partir disso, delinear as dificuldades enfrentadas pelo ordenamento jurídico no que tange à adequação da resposta penal dada aos pedófilos, bem como a evolução das legislações reguladoras dessa matéria. Outrossim, é nesse contexto que irá se dirimir a inimputabilidade ou não de um pedófilo para fins penais.

A escolha da pedofilia como objeto de estudo justifica-se, principalmente, pelo problema da popularização do tema atrelado a insuficiência de informações acerca do sujeito acometido por esse transtorno. Saber identificar o comportamento pedofílico não só contribui para sua melhor compressão, como também estrutura melhores estratégias de tratamento e prevenção.

Ademais, como afirmava o sociólogo Émile Durkheim, a sociedade é comparada a um organismo vivo composto por diferentes partes específicas, embora dependentes umas das outras. Todas essas partes devem estar integradas para que o organismo funcione perfeitamente. No entanto, quando algum órgão entra em colapso, todo o funcionamento é comprometido. Por esse mesmo raciocínio, o presente artigo é relevante para toda sociedade, uma vez que o tratamento correto e eficaz dos indivíduos pedofílicos culmina no bom funcionamento da sociedade.


2. PEDOFILIA: SÍNTESE HISTÓRICA E CONCEITUAL

É fato que os desvios de natureza sexual convivem com a humanidade desde a sua origem na medida que acompanha a sua evolução e expansão das sociedades em suas diversas épocas e culturas. Foi o caso do incesto, o qual passou por sucessivas mudanças até ser considerado um ato imoral e ilegal na contemporaneidade. Do mesmo modo, apesar de não haver exatidão quanto ao surgimento da pedofilia, sabe-se que ela não é um fenômeno novo, mas que nem sempre trouxe consigo um sentimento de repulsa ou reprovação, sendo algumas vezes algo normal e tolerável.

Na Grécia Antiga, por exemplo, a prática sexual envolvendo crianças era socialmente aceita ou até mesmo estimulada do ponto de vista moral. Para eles a pederastia (o envolvimento sexual entre um homem adulto e um adolescente) era vista como crucial para a formação moral e política do jovem uma vez que este receberia ensinamentos do homem mais velho à medida que o contato se tornasse mais íntimo. Tal contato era formal, dependia do consentimento dos pais do garoto e finalizava somente quando o jovem atingisse a puberdade e desenvolvesse nele interesses sexuais próprios. Assim, ele estaria pronto para participar da vida política grega (CESTARI, 2018).

Nesse contexto, cabe lembrar que, embora houvesse a utilização de crianças como objetos sexuais, a conotação negativa do abuso sexual infantil não esteve presente na sociedade grega. Afinal, essa prática estava imbuída de conteúdo moral e político. O historiador Grego Hans Licht, em sua obra Sexual life in ancient Greece (1931) frisa, com razão, que interpretar as tradições culturais do passado partindo da interpretação hodierna de abuso sexual é algo anacrônico e incoerente, uma vez que foi somente no final do século XXI que a semântica reprovativa do “abuso” se consolidou.

É durante a Idade Média que se inicia uma mudança brusca quanto ao trato social dado à pedofilia, a qual passaria a ser um ato condenável e reprovativo e, assim, perseguida por moralistas da Igreja Católica. Isso ocorreu uma vez que tais práticas sexuais adquiriram uma conotação exclusivamente sexual, tornando crianças e adolescentes objetos de prazer e desejo. À vista disso, partindo da influência doutrinária cristã, surgiram leis proibindo o sexo com crianças e tipificando crimes desta natureza, uma vez que se compreendeu que esses indivíduos eram inaptos a formar juízos corretos acerca da sexualidade. Paralelamente, iniciou-se um intenso combate à sodomia uma vez que, dentre suas diversas roupagens, incluía também o envolvimento sexual com crianças.

Desde então, o tema da pedofilia foi silenciado até o final do século XIX, época em que ele emergiu novamente e ganhou, nos séculos subsequentes, atenção em diversos âmbitos sociais como reflexo da expansão dos meios de comunicação. Nesse sentido, a recorrente exposição pública das práticas pedofílicas fomentou o seu estudo científico perpassando diversas óticas, tais como a jurídica, médica e psiquiátrica, os quais contribuem para a sua melhor compreensão. No entanto, apesar dessa exposição, o tema da pedofilia ainda é cercado por tabus e crenças superficiais que dificultam o seu tratamento e devem ser, portanto, mitigadas.


3. PEDOFILIA SOB A LUZ DA PSIQUIATRIA

A palavra pedofilia etimologicamente deriva do grego paidos que significa criança e philia, atração ou amor, sendo definida como um amor ou atração sexual por crianças. Somente no século XIX, mesma época do surgimento da psiquiatria, é que este termo foi utilizado pela primeira vez através do psiquiatra Richard von Kraft-Ebing. Antes disso, a pedofilia era conhecida por perversão sexual. (WILLIAMS, 2012)

Segundo a psiquiatria, a pedofilia consiste em um transtorno psiquiátrico pertencente ao universo das parafilias que são caracterizadas por anseios, comportamentos ou fantasias sexuais específicas, recorrentes e excessivas que envolvem objetos e situações incomuns e trazem angústia ao indivíduo, que implica dano ou risco de ano a outros (DSM-5, 2014). No entanto, alguns autores afirmam que nem toda preferência por determinadas partes do corpo, objetos ou acessórios implica necessariamente em uma parafilia. Para isso, deve-se obedecer alguns aspectos tais como: opressão do desejo e ausência de alternativas, ou seja, o parafílico prende-se a este desejo; rigidez, significando que a excitação sexual só se atinge em específicas situações estabelecidas pelo padrão da conduta parafília; e o caráter compulsivo, isto é, necessidade imperiosa de repetição da experiência por um período mínimo de 6 meses. (SERAFIM et. al, 2009).

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Sob um aspecto mais técnico, o seu diagnóstico é feito a partir de 3 critérios estabelecidos pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR, pg 649), sendo eles:

  • A. Ao longo de um período mínimo de 6 meses, fantasias sexualmente excitantes, recorrentes e intensas, impulsos sexuais ou comportamentos envolvendo atividade sexual com uma (ou mais de uma) criança pré-púbere (geralmente com idade inferior a 13 anos).

  • B. As fantasias, impulsos sexuais ou comportamentos causam sofrimentos clinicamente significativos ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.

  • C. O indivíduo tem no mínimo, 16 anos e é pelo menos 5 anos mais velho que a criança no Critério A. Nota para codificação: Não incluir um indivíduo no final da adolescência envolvido em um relacionamento sexual contínuo com uma criança de 12 ou 13 anos de idade. Exclusivo (trad. DORNELLES, 2002, p. 543-544).

Ao ser diagnosticado, o sujeito pedofílico será tratado mediante psicoterapia individual ou em grupo à longo prazo e receberá medicamentos que inibem o desejo sexual. Os resultados do tratamento variam, sendo os melhores provenientes da participação voluntária. Neste caso, a pessoa treinará suas habilidades sociais e também receberá tratamento para outros problemas, como o abuso de drogas e depressão. No entanto, diante de toda repressão social, o tratamento é procurado apenas depois da apreensão criminal, o qual isoladamente se mostra ineficaz. Isso significa que o simples aprisionamento, ainda que por um longo prazo, não inibe os desejos e fantasias dos pedófilos. Por outro lado, pedófilos presos que forem submetidos e monitorados ao tratamento de longo prazo, mediante uso de medicamentos, podem deixar de praticar a atividade pedófila e ser reinseridos à sociedade.

Nota-se que no caso do pedófilo a anormalidade consiste na atração sexual intensa e impulsiva por menores pré-púberes, ou seja, crianças sexualmente imaturas. A pedofilia, no entanto, não se manifesta igualmente em todos casos, sendo decorrente de um contexto histórico e psíquico individual. Para tal, atribui-se a dificuldade em traçar um perfil único do pedófilo, sendo imprescindível, portanto, conhecer suas diversas nuances a fim de buscar o mais adequado tratamento.


4. QUEM É O PEDÓFILO E COMO ELE ATUA?

A pedofilia não possui classe social, raça ou gênero. Não há aspectos exclusivos e seguros que possam abranger todas as peculiaridades do sujeito acometido por tal distúrbio, sendo este dependente de vários fatores. À priori, cabe lembrar que nem todo pedófilo irá agir em busca sua satisfação sexual, podendo reprimir seus desejos sem que ninguém perceba.

Ao contrário do que muitos pensam, a pedofilia se manifesta muitas vezes em homens mais velhos de classe social elevada, aparência cuidadosa ou livres de qualquer repreensão social. No entanto, independente do seu aspecto físico, os pedófilos são considerados polimorfos (ou camaleões) pois se adaptam facilmente a diversas circunstâncias. Ao tentar conquistar a confiança da sua vítima, transmite uma imagem de simpatia e amor, misturando-se na sociedade sem deixar vestígios.

Em linhas gerais, os sujeitos pedófilos convivem ou moram em locais rodeados de crianças, como escolas, parques e quadras, onde a variedade de escolha da vítima é maior. Há também aqueles que se aproveitam da sua função profissional para aproximar-se desses menores, como é o caso de padres, técnicos e professores. Nesses casos, algumas vezes o pedófilo utiliza-se de nomes falsos para dificultar a sua identificação. Ademais, costumam agir de forma inovadora e dinâmica ao driblar situações e variar suas estratégias de acordo com a criança e o ambiente.

Segundo Sanderson (2005), o sujeito pedofílico tem preferências por crianças que são bem infantis, isto é, totalmente inocentes e que não são muito conscientes do mundo que vivem, haja vista que dificilmente notarão o abuso sexual sofrido. Para o pedófilo, o prazer consiste em experimentar a sexualidade imatura da criança o quanto antes possível.

A sua aproximação inicial é feita, muitas vezes, de forma alegre e participativa, sempre disposto a realizar as vontades da criança e utilizando-se de mensagens com duplo sentido, sem que a vítima perceba, a fim de cativá-la. Em seguida, há um processo gradativo, e imperceptível para a criança, de isolamento a qual será distanciada dos seus amigos e familiares e passará mais tempo à sós com o sujeito. No entanto, o pedófilo sempre se certifica em transmitir uma sensação de segurança, embora ilusória, para que a criança deseje estar sempre próxima. É por conta disso que muitas vezes a vítima sente-se devedora da atenção recebida e tende a aceitar qualquer pedido do adulto em questão.

Somado a isso, uma outra forma muito comum de atuação é através da internet, pois ela é o instrumento hodierno mais forte de comunicação para a prática de vários tipos de delitos e transmite uma sensação de impunidade mediante a possibilidade do anonimato, dificultando a sua localização. É neste espaço virtual onde ocorre, principalmente, a pornografia infantil, cujo mercado movimenta anualmente cerca de U$ 9 bilhões em todo mundo, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).

Outrossim, diante dos recorrentes uso de estereótipos, torna-se imprescindível destacar que nem todo abusador é um pedófilo. Frequentemente muitos casos de abuso sexual de menores são caracterizados erroneamente, em especial pela mídia, como pedofilia. Segundo Casoy (2014), ao contrário dos pedófilos, molestadores de crianças possuem várias motivações para seus crimes e nem sempre serão de origem sexual, haja vista que não há uma preferência por menores pré-púberes, podendo ser crianças de qualquer idade ou, até mesmo, adultos. Para eles, a prática sexual com crianças é resultado de um aproveitamento de oportunidades surgidas, sendo, portanto, abusadores ocasionais. Além disso, abusadores costumam utilizar-se de meios violentos ao passo que pedófilos geralmente são mais pacíficos e estratégicos.

Nesse viés, embora seja impossível definir uma causa precisa da pedofilia, alguns fatores são apontados como desencadeadores de tal distúrbio. Especialistas indicam que ao serem expostas a um ambiente familiar marcado por violência sexual, física e psicológica, crianças podem desenvolver uma personalidade com aspectos anormais, ficando assim, susceptível a tornar-se posteriormente um pedófilo. Paralelamente a isso, é apontado também o aspecto causal biológico a partir da relação desse fenômeno com os níveis elevados de testosterona (hormônio masculino), responsável pelos desejos sexuais (SILVIA, 2013). No entanto, apesar de válidos, tais fatores jamais podem ser categóricos ou deterministas, haja vista a multiplicidade causal proveniente da individualidade do sujeito.


5. PEDOFILIA NO ÂMBITO JURÍDICO

Foi somente na década de 90, após uma incansável busca durante décadas, que o Brasil efetuou mudanças acerca dos direitos das crianças e adolescentes, protegendo-as, especialmente, dos abusos sexuais. No entanto, na década anterior, o país já havia avançado no que tange a proteção dos direitos humanos em todas as dimensões. Foi nesta época em que se criou a Constituição Federal Brasileira de 1988 também conhecida como a “Constituição Cidadã”, responsável por assegurar que é “dever da família, da sociedade e do Estado proteger e cuidar do menor”.

No ano seguinte, em 1989, foi aprovada também a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança que abriu caminho para uma discussão entre vários países acerca do tema afim de reafirmar compromissos entre si. Ela, portanto, foi responsável por reconhecer a criança como um sujeito de direitos, obrigando os estados a protegê-las de todas as formas de violência, seja ela física, mental ou sexual. Assim, através dessas duas significativas criações, foi possível elaborar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) por meio da Lei nº 8.069, de 1990, configurando-se um marco histórico e jurídico da proteção ao menor. Desde então, o ECA, através do Ministério Público, Poder Judiciário, Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente e o Conselho Tutelar, vem assegurando direitos fundamentais que protegem o público infanto-juvenil.

No entanto, apesar de todo esse avanço no amparo aos menores, o respectivo Estatuto apresenta algumas falhas. O autor Rodrigues (2008, p. 25) frisa, com razão, que os artigos do ECA combate crimes relacionados apenas à pornografia infantil, ficando sob responsabilidade do Código Penal (CP) a punição e o combate aos outros crimes sexuais, o qual, mesmo incluindo situações decorrentes da pedofilia, não possui no seu conteúdo uma realidade jurídica bem tutelada ao tratar-se de crianças ou adolescentes.

Somado a isso, não existe previsão legal específica no ordenamento jurídico brasileiro para a pedofilia, sendo os seus atos incorporados, mediante analogias, aos crimes de atentado violento ao pudor, prática de abuso sexual ou estupro de vulnerável. Sendo este último o que mais se aproxima da pedofilia, mediante elencado no artigo 217 do Código Penal:

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

§ 2º (VETADO).

§ 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.

Apesar disso, insta realçar que em 2014, houve uma edição na lei 8.072/90, por meio da lei 12.978, a qual passou a considerar o abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes como crimes hediondos e inafiançáveis, de forma que indiciados por tais delitos não terão direito à liberdade ou anistia.

Em síntese, é preciso entender que a pedofilia por si só, hodiernamente, não se constitui um crime, pois assim como o sadismo ou fetichismo, são psicopatologias. Isso significa que apenas será enquadrado criminalmente aquele que exteriorizar os seus desejos sexuais pedofílicos mediante abuso sexual ou estupro, como visto anteriormente. Em contrapartida, se o pedófilo não manifestar nenhum sinal da sua patologia, não será punido. Sendo assim, o tratamento jurídico-penal desses casos será determinada mediante um laudo psiquiátrico, o qual confirmará se pedófilo será destinado ao tratamento psiquiátricos por tempo indeterminado (artigo 98 do Código Penal). É exatamente nesse contexto que surgem controvérsias quanto à imputabilidade do pedófilo, uma vez que a linha que separa o normal do patológico é tênue e deve ser analisada com cautela.

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