6. A (IN)IMPUTABILIDADE DO PEDÓFILO: DOENÇA OU CRIME?
No âmbito jurídico, um sujeito inimputável é aquele que não possui condições suficientes de entender o caráter ilícito do fato. Embora sejam isentos de pena, cumprirão medida de segurança em hospital de custódia mediante tratamento psiquiátrico. Nesse quesito, insere-se casos como menoridade penal, embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior e patologias psíquicas, mediante elencado no artigo 26 do Código Penal:
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Conforme preleciona Capez (2013, p. 307): “a imputabilidade, como elemento integrante da culpabilidade, funda-se na capacidade de entendimento do agente delituoso acerca da ilicitude do fato praticado, assim como de se autodeterminar com o aludido entendimento”. Logo, nota-se que a imputabilidade depende de um aspecto volitivo, pois consiste em uma faculdade de controlar a sua própria vontade, e um racional, já que requer uma capacidade de entendimento. Ou seja, se faltar algum desses elementos, o indivíduo será considerado imputável.
A priori, é preciso entender que somente a execução do ato relacionado à doença mental não é suficiente para enquadrar-se na inimputabilidade. Para isso, faz-se necessário um laudo psiquiátrico que comprove a anomalia mental e sua decorrente incapacidade de compreender o ato criminoso, conforme previsto no artigo 26 do direito penal:
CP - Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Redução de pena
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Ao contrário do que muitos entendem, a pedofilia consiste em uma parafilia, sendo reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença responsável por desenvolver desejos sexuais por menores pré-púberes. Como já foi exposto, não há uma previsão legal que criminalize a pedofilia uma vez que é a exteriorização da vontade de tal indivíduo que pode ser enquadrada em crimes como estupro de vulnerável, assédio sexual ou propagação de conteúdo pornográfico infantil. Nota-se, portanto, que nem todo pedófilo é um criminoso.
Insta considerar que, apesar do seu aspecto patológico, é questionável se o indivíduo em questão possui consciência do ato ilícito praticado. De um lado, há pessoas que afirmam a incapacidade do pedófilo, ao passo que do outro, a consideram ilusória. A este último grupo pertence o professor Guilherme Nucci que, em sua obra Crimes contra a dignidade sexual, ao referir-se à imputabilidade penal, afirma que se deve focar particularmente nas chamadas doenças da vontade e personalidade antissociais que não são consideradas mentais, uma vez que não afetam a capacidade de entendimento e vontade do agente e, por isso, não excluem a culpabilidade. Nesse sentido, apesar do aspecto patológico, o pedófilo deve responder pelos seus atos e sofrer o juízo punitivo, sem usufruir de benefícios.
Todavia, diante da sua incapacidade de oferecer tratamento adequado, fica claro que somente a punição carcerária não irá conferir nenhum resultado eficaz ao pedófilo. É fato que, para o Estado, a prisão será menos onerosa que um tratamento psiquiátrico por tempo indeterminado. Assim, a nefasta consequência disso é que os pedófilos serão tratados como criminosos comuns e, posteriormente, serão devolvidos à sociedade na mesma condição de quando cometeu o ato ilícito, tendendo, portanto, a reincidi-lo.
Desse modo, caso haja dúvida quanto à capacidade de imputação jurídica de um indivíduo, far-se-á necessária bastante cautela ao analisar o caso concreto, uma vez que alguns pedófilos se aproveitam da sua condição para conseguir minimizar suas penas mediante os benefícios da imputabilidade. Diferenciar os limites entre o normal e o patológico não é uma tarefa fácil e, para isso, é mister um critério técnico bastante preciso para identificar se o pedófilo é um agente inimputável ou não. Entretanto, tal precisão ainda não foi alcançada pela psiquiatria moderna, restando apenas o tratamento clínico como medida mais segura e, gradativamente, eficaz.
7. CONCLUSÃO
Como foi visto, a pedofilia existiu desde os primórdios da sociedade e foi considerada como uma prática aceitável em diversas épocas e culturas. No entanto, com o passar dos séculos, compreendeu-se que tal prática seria prejudicial à criança, adquirindo assim uma nova roupagem reprovativa e condenatória. Nesse viés, ao contrário do que é erroneamente propagado, a pedofilia em si constitui-se uma patologia haja vista o seu aspecto específico, recorrente e excessivo.
Por outro lado, rememora-se que, na legislação brasileira, a pedofilia não é considerada um crime, uma vez que está presente no íntimo do sujeito. Porém, quando esse desejo é satisfeito por meio de um ato concreto que viola a liberdade sexual do menor, se constituirá um crime passível de sanção. Logo, a legislação não pune o pedófilo pelo que ele é, mas sim pelas suas atitudes.
Nesse sentido, bailando sob o tema chave dessa discussão, ficou evidente a dificuldade ao definir o pedófilo como um agente imputável, inimputável ou semi-imputável, haja vista a linha tênue entre o que é normal e patológico. Para isso, a Psiquiatria Forense auxilia o Direito Penal ao diagnosticar a capacidade mental dos agressores sexuais.
Todavia, apesar da existência ou não de culpabilidade, é fato que o encarceramento por si só não se constitui uma medida eficaz, uma vez que o pedófilo permanecerá na mesma condição patológica, tendendo a reincidir seus atos. Desse modo, nota-se que tal sujeito requer um tratamento clínico especial capaz de auxiliar no controle dos seus desejos sexuais socialmente inaceitáveis e, assim, lhe possibilitar a reinserção na sociedade.
Ademais, cabe realçar ainda que a limitação do presente artigo consiste em analisar apenas uma parcela do tema em questão. É evidente que o comportamento pedofílico gera consequências que vão além do próprio sujeito, perpassando a vítima e sua família bem como a família do pedófilo. No entanto, o fato de não serem abordadas não implica na sua irrelevância para a compreensão da pedofilia. Entender melhor o perfil pedofílico não só desmistifica alguns tabus como também possibilita uma visão mais clara acerca desse tema mundialmente vigente, a qual será crucial na busca por tratamentos cada vez mais eficazes.
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