1. INTRODUÇÃO
No início do ano de 2020, desde que começaram a se alastrar os casos de infectados pelo coronavírus (Covid-19) no Brasil, já tendo sido diagnosticada a doença como um caso pandêmico, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), tem-se falado na possibilidade de faltarem leitos de UTI e (SUS).
Ainda não tinha-se ao certo uma previsão do número de pessoas que poderiam estar infectadas no país, uma vez que faltavam testes para o diagnóstico da doença. Paralelamente, a mídia divulga estatísticas duvidosas, criando uma histeria coletiva típica dos que precedem uma guerra.
Independentemente do número de vítimas da Covid-19 retratados pelos jornais, igualmente e paralelamente se divulgava as datas que representariam o “pico da doença”. A cada mês que se iniciava, a data do tal pico se alterava. Ora seria em abril, ora em maio, e, quando menos (ou seria mais?) se esperava, o pico estaria previsto para ocorrer em junho.
No entanto, mesmo havendo incertezas em relação à doença, o Estado, analisando o que vinha acontecendo em outros países, sempre soube - ou deveria saber - o que estaria por vir. Por isso, o Estado, com a função de garantidor, função esta prevista na Constituição Federal (CF/88), deveria, desde sempre, estar preparado para o momento em que ocorresse o agravamento da situação. Tendo-se a percepção de que o pior ainda estaria por vir, o que o Estado havia feito nos hospitais para que não ocorresse o colapso na saúde ?
No decorrer da situação, ainda no início do ano, quando os casos ainda estavam a se tornar mais gravídicos, muitos estados do Brasil começaram a decretar estado de calamidade pública.
A Lei 8.666 (Lei das licitações), no art. 24, elencou vinte e um incisos em que a Administração pode dispensar a licitação, se assim lhe convier. Esse tipo de dispensa de licitação é chamada de licitação dispensável e estado de calamidade pública consta neste rol1. O fato é que, com a licitação sendo dispensável, abriu-se margem para que os estados “fizessem a festa”, comprando produtos da área da saúde sem necessidade, errados ou mais caros do que pagariam normalmente.
Nota-se que uma dispensa de licitação pode custar muito caro aos cofres públicos. Um exemplo bem dado foi o supracitado, já que o valor que foi pago na compra dos aparelhos errados foram altíssimo, e, sendo feita a compra errada, mais recurso financeiro haverá de ser dispendido para a compra de novos produtos, desta vez, os corretos.
Enquanto compras superfaturadas acontecem, a população está na fila do SUS, esperando vagar algum leito, o que vai de total contramão ao disposto na CF/88, pois se esta garante o direito a saúde, que tal direito seja dado com civilidade.
2. DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR OMISSÃO NA SAÚDE
Quando se fala de mortes em hospitais públicos em decorrência da falta de respiradores nas UTIs e falta de leitos, sendo que o Estado já previa (ou deveria ter previsto) o aumento de casos positivos da Covid-19, não há de se falar em erro ou culpa médica. O médico, funcionário público, ali estava servindo o país. Se, por falta de leito, um paciente tiver que ser operado / tratado no meio do corredor do hospital, vindo a óbito, não há de se falar em culpa do médico, porque ele agiu com base no princípio da reserva do possível. Operar naquela hora e naquele local era o único meio disponível no momento. Era o possível a se fazer. O falecimento não será de responsabilidade do médico. No entanto, haverá, sim, uma responsabilidade, e esta recairá ao Estado.
A responsabilidade do Estado em casos de mortes nos hospitais público por carência de leitos e respiradores se caracteriza como uma responsabilidade extracontratual: Entre o Estado e os particulares não existe um contrato, mas uma responsabilidade extracontratual, fora de uma relação contratual. Uma vez constitucionalmente previsto os direitos fundamentais, os quais fazem parte do rol dos direitos de personalidade, estes devem ser prestados por meio de serviços públicos adequados. Ao ocorrer um dano, seja ele causado por omissão estatal ou pela inadequada prestação de serviço, haverá a responsabilidade civil do Estado.
A dúvida a ser debatida é se essa responsabilidade será objetiva ou subjetiva. A Constituição Federal, no seu art. 37, § 6º, prevê que a responsabilidade do Estado será objetiva, no entanto, poderá haver ação de regresso contra o funcionário praticante da ação danosa, sendo a responsabilidade deste subjetiva.
A responsabilidade objetiva é fundamentada na teoria do risco. Tal nome se deu pelo fato das ações estatais envolverem um risco de dano, que lhe é inerente. A teoria do risco se subdivide em duas: teoria do risco administrativo e teoria do risco integral. Ambas, por fazerem parte da responsabilidade objetiva, não dependem de prova de dolo e nem de culpa para incorrerem em obrigação indenizatória , porém, a diferença entre elas é que a primeira teoria admite excludentes de responsabilidade (caso fortuito, força maior ou a culpa exclusiva da vítima) e a segunda não.
A CF/88 admite alguns casos em que a responsabilidade estatal será objetiva pela teoria do risco integral. É o que ocorre no caso de danos causados por acidentes nucleares (art. 21, XXIII, d, da CF/88), danos decorrentes de atos terroristas ou atos de guerra contra aeronaves de empresas aéreas brasileiras (Lei 10.309/2001 e 10.744/2003, respectivamente) e dano ambiental (Lei 6.938/1981, art. 14, § 1º).
Sendo assim, o direito à saúde é de responsabilização objetiva ou subjetiva do estado? as mortes ocorridas no SUS, por falta de leitos ou de respiradores, são que tipo de responsabilidade ?
Segundo Pietro (2009), os casos de omissão estatal são de responsabilidade subjetiva, porque não será aplicada a teoria do risco, mas sim a teoria da culpa do serviço público. Esta teoria procura desvincular a responsabilidade do Estado da ideia da culpa individual do funcionário público. O funcionário público não mais seria visto como o culpado pelo dano. Pelo contrário, ele sequer seria identificado. O real responsável seria o Estado, o qual responderia sozinho. Sendo assim, “leva em conta a falta de serviço para dela inferir a responsabilidade da Administração. É o estabelecimento do binômio falta de serviço-culpa da Administração” (MEIRELLES, 1998, p. 532).
A culpa do serviço público, também chamada de teoria da culpa administrativa, ou teoria do acidente administrativo, ocorre quando o serviço público foi omisso, funcionou atrasado ou funcionou mal. Em qualquer destas três hipóteses incidirá a responsabilidade do Estado, independentemente do grau de culpa do funcionário. A teoria da culpa do serviço público, a qual traz a responsabilidade do Estado como subjetiva, é a corrente que os doutrinadores como José Cratella Júnior, Maria Helena Diniz, Hely Lopes Meirelles, Celso Antônio Bandeira de Mello e Maria Sylvia Zanella Di Pietro se afiliam.
Conforme FARIAS, NETTO e ROSENVALD, 2019, p. 1232, o não agir ou o agir precário, causador de dano ao cidadão, é um caso de reponsabilidade civil do Estado por omissão. São muitos os exemplos que resultam em lesão por causa de uma omissão estatal: quando alguém morre na fila do hospital público, por não ter vaga ou médico; quando não fiscaliza um prédio que desabou, matando e ferindo pessoas; quando um presidiário é morto dentro da prisão por outro detento (isto porque, ao receber um preso, o Estado é responsável pela integridade física e moral dele); um acidente causado por causa de um buraco na estrada, o Estado pode ser responsabilizado, pois a ele competia o cuidado da estrada, o qual foi omisso;
Existe uma polêmica doutrinária e jurisprudencial se a responsabilidade por omissão é subjetiva ou objetiva. Correntes doutrinárias atuais acreditam que na responsabilidade por omissão cabe a mesma regra quando da prática de ato danoso, portanto, responsabilidade objetiva, bastando provar somente o nexo causal. Já as correntes mais tradicionais acreditam que deve haver, sim, uma prova de culpa para que assim seja o Estado responsabilizado, ou seja, acreditam na responsabilidade subjetiva. O empasse é tanto que o STJ decidiu - e trata a matéria como se pacífica fosse - que a responsabilidade civil por omissão do Estado é subjetiva. No entanto, o STF já obteve decisões em ambos os sentidos, principalmente na concepção objetivista quando da omissão estatal, sendo a tese subjetivista não tão aceita.
Nos olhares de PIETRO (2009, p. 650), a causa para os olhares objetivistas da questão é a dificuldade de se obter prova de culpa ou dolo:
Alguns, provavelmente preocupados com as dificuldades, para o terceiro prejudicado, de obter ressarcimento na hipótese de se discutir o elemento subjetivo, entendem que o dispositivo constitucional abarca os atos comissivos e omissivos do agente público. Desse modo, basta demonstrar que o prejuízo sofrido teve um nexo de causa e efeito com o ato comissivo ou com a omissão. Não haveria que se cogitar de culpa ou dolo, mesmo no ato de omissão.
Já para FARIAS, NETTO e ROSENVALD, 2019, p. 1234, parte da culpa em se ter a percepção subjetivista da omissão do Estado deve-se ao STJ, que tende a julgar o caso com essa perspectiva:
Talvez parte da explicação tenha sido o fato de que o STJ passou a colocar na ementa dos seus acórdãos a afirmação de que era pacífico, na jurisprudência e doutrina brasileiras, a tese subjetivista. Essa afirmação, sublinhada com ênfase, e repetida muitas vezes, acabou por fortalecer a tese subjetivista. Ambas as teses são respeitáveis e têm bons argumentos. O que não parece correto é afirmar que se trata de questão pacífica. Não é. Citamos, no tópico anterior, julgados do STF e passagens doutrinárias que defendem com vigor o contrário. Talvez tenha se dado, aqui, a conhecida previsão irônica: uma afirmação repetida muitas vezes torna-se verdade, ainda que não seja. Hoje, pela força da repetição, a tendência é que a responsabilidade civil na omissão se firme como sendo subjetiva.
Mesmo que o STJ trate como pacífico o entendimento da responsabilidade subjetiva na omissão, houve, em casos esporádicos, julgamentos em que foi relativizada a questão da responsabilidade subjetiva, “admitindo-se a aplicação da responsabilidade objetiva em determinadas situações1. O próprio tribunal tem reconhecido que as circunstâncias podem indicar um dever estatal mais rigoroso, como na saúde pública” (FARIAS, NETTO e ROSENVALD, 2019, p. 1.235).
Portanto, admite-se a responsabilização objetiva do Estado em caso de omissão específica? Sim. Conforme inúmeros precedentes do STF, o Estado terá responsabilidade objetiva nos casos em que a lesão a terceiro foi causada por omissão específica.
Veja algumas ementas, dentre tantas, de acórdãos que assim decidiram (com trechos destacados):
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. QUERELA EM SALA DE AULA. ALUNOS ESPECIAIS. REDE PÚBLICA DE ENSINO. LESÃO EM OLHO DO MENOR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. OMISSÃO ESPECÍFICA DO ESTADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. HONORÁRIOS RECURSAIS FIXADOS. 1. O Estado possui responsabilidade objetiva nos casos de condutas omissivas, independentemente da culpa dos agentes públicos, desde que demonstrada uma omissão específica. Precedentes do e. STF. 2. O fato de tratar-se de responsabilidade objetiva do Estado, que dispensa a prova da culpa, não elide o ônus da vítima em demonstrar o nexo de causalidade existente entre a conduta e o resultado. Na hipótese, cabia à parte provar que a lesão sofrida pelo aluno adviria de uma omissão específica do Estado, isto é, do descumprimento de um dever legal que lhe fora imposto para obstar o evento lesivo, o que não ocorreu. 3. A prova constante nos autos revela que a escola empregou os meios necessários ao integral desempenho de seu encargo jurídico, a saber, velar pela preservação da integridade física de seus alunos. São inevitáveis as desavenças em locais com aglomerado de crianças, não podendo o Estado ser responsabilizado por toda querela, sob pena de elevá-lo ao patamar de um segurador universal, o que não se mostra plausível. 4. Negou-se provimento ao apelo. Honorários recursais fixados.
(Acórdão 1140729, unânime, Relator: FLAVIO ROSTIROLA, 3ª Turma Cível, data de julgamento: 29/11/2018);
DIREITO ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ACIDENTE COM ALUNO EM ESTABELECIMENTO PÚBLICO DE ENSINO. DESABAMENTO DE CESTA DE BASQUETE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. OMISSÃO ESPECÍFICA. DANO MORAL EXISTENTE. I - A responsabilidade do Estado é objetiva, nos moldes do art. 37, § 6º, da CF, nas hipóteses em que o Poder Público tem o dever específico de agir e a sua omissão cria a situação propícia para a ocorrência do evento danoso (omissão específica). II - A Administração Pública responde objetivamente pelos danos causados a alunos durante o período em que estão dentro das instituições, independentemente de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público, porquanto cabe ao Estado zelar pela integridade física dos estudantes enquanto permanecem no interior dos estabelecimentos de ensino. III - No caso, restou devidamente provada a existência dos danos, que as lesões foram causadas pelo desabamento da coluna de sustentação da cesta de basquete, bem como que o acidente decorreu da má conservação da estrutura da quadra localizada em estabelecimento público educacional e da falta de avisos de segurança a esse respeito. IV - A compensação pelos danos morais deve ser informada por critérios de proporcionalidade e razoabilidade, incumbindo ao magistrado avaliar e sopesar a violação psíquica do ofendido, proporcionando-lhe adequado conforto material como forma de atenuar seu sofrimento, sem, contudo, se olvidar das condições econômicas das partes; a natureza do dano e a sua extensão, etc. V - Negou-se provimento ao recurso.
(Acórdão 1130325, unânime, Relator: JOSÉ DIVINO, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 11/10/2018)
APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA OFICIAL. CONSTITUCIONAL, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. MORTE DE ADOLESCENTE INTERNADO EM ESTABELECIMENTO EDUCACIONAL SOBCUSTÓDIA DO ESTADO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DEVER ESPECÍFICO DE AGIR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO MORAL CONFIGURADO. DEVER DE INDENIZAR. QUANTUMINDENIZATÓRIO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RELAÇÃO NÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA. JUROS DE MORA. APLICAÇÃO DA LEI Nº 11.960/09, A PARTIR DA SUA VIGÊNCIA. CORREÇÃO MONETÁRIA. IPCA-E.
1. Em regra, a responsabilidade do Estado é objetiva, quando se trata de ato comissivo, aplicando-se o disposto no § 6º do artigo 37 da Carta Magna , ou é subjetiva, quando decorrente de omissão. No entanto, nos casos de omissão específica, ou seja, quando há um dever de agir por parte do Estado, a aferição da responsabilidade sujeita-se aos ditames da responsabilidade objetiva.
2. Eventual descumprimento pelo ente estatal do dever de zelar pela integridade física e mental de menor internado em estabelecimento educacional, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança, nos termos do art. 125, da Lei nº 8.069/90, trata-se de um dever específico de agir. Logo, a responsabilidade do Distrito Federal deve ser aferida na órbita objetiva (art. 37, § 6º, da CF/88).
3. Materializado o dano moral, pela morte do filho adolescente, que se encontrava internado em estabelecimento educacional, cumprindo medida privativa de liberdade,sob custodia do Estado, impõe-se o dever de indenizar.
4. O quantum indenizatório a título de danos morais deve atender aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, considerando-se, no caso concreto, a extensão e a gravidade do dano, a capacidade econômica do agente, além do caráter punitivo-pedagógico da medida.
5. No julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, afetado ao regime de repercussão geral, o excelso STF firmou tese no sentido de que "i) oart. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e ii) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina".
6. Em se tratando de condenação proveniente de relação jurídica não-tributária, o cálculo da correção monetária decorrente de condenações impostas à Fazenda Pública dar-se-á pela variação do IPCA-E, a partir da vigência da Lei nº 11.960/09,em consonância com o entendimento esposado pelo excelso STF. 7. Apelo e remessa oficial não providos.
(Acórdão 1125527, unânime, Relator: ARNOLDO CAMANHO, 4ª Turma Cível, data de julgamento: 19/09/2018).
ADMINISTRATIVO E CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. SERVIÇO MÉDICO DEFEITUOSO. OMISSÃO ESTATAL ESPECÍFICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANOS MORAIS. CABIMENTO. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA.
I - A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso.
II - Havendo, portanto, um dano decorrente de omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente), é de exigir-se a caracterização do dever legal de agir, uma vez que, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo se obrigado a impedir o dano. Isto é, só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar o evento lesivo.
III - Para a fixação dos danos morais deve ser considerada a impossibilidade da parte Autora em comprovar a extensão de seu prejuízo uma vez que a esperada contrapartida da garantia do direito à saúde e à própria sobrevivência foi substituída, in casu, pelo óbito da criança.
IV - É cediço que a reparação por dano moral deve ser fixada em patamar moderado, atendendo aos ditames da razoabilidade, de modo a evitar o enriquecimento indevido da parte lesada ou nenhum sentimento de reprovação à parte causadora do dano. Seu valor deve se pautar, portanto, pela prudência, considerando a repercussão do evento danoso, a capacidade patrimonial das partes e o grau de culpa do ofensor.
V - Apelação Cível conhecida e provida para fixara condenação em danos morais em R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais). Custas pelo Réu. Fixo os honorários advocatícios em 20% do valor da condenação até o limite de 200 (duzentos salários mínimos) e 10% sobre o valor restante da condenação, nos termos do artigo 85, §§ 2º e 3º, incisos I e II, e § 5º, do CPC/2015.
(Acórdão 1092631, unânime, Relator: GILBERTO PEREIRA DE OLIVEIRA, 3ª Turma Cível, data de julgamento: 25/04/2018);
Segundo Cavalieri FILHO (2014, p. 298), haverá
omissão específica quando o Estado estiver na condição de garante (ou guardião) e por omissão sua cria situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo [...] em suma, a omissão específica, que faz emergir responsabilidade objetiva da Administração Pública, pressupõe um dever específico do Estado, que o obrigue a agir para impedir o resultado danoso, quando a vítima se encontrava sob sua proteção ou guarda.[...] Em contrapartida, a omissão genérica tem lugar nas hipóteses em que não se pode exigir do Estado uma atuação específica; quando a Administração tem apenas o dever legal de agir em razão, por exemplo, de seu poder de polícia (ou fiscalização), e por sua omissão concorre para o resultado.