Democracia e fake news: duas coisas que não andam juntas

01/06/2020 às 23:03
Leia nesta página:

Em razão das diversas notícias falsas disseminadas, é necessário o questionamento e a reflexão sobre o que realmente vivenciamos: uma democracia ou um processo fraudulento que manipula, corriqueiramente, a opinião popular.

INTRODUÇÃO

A divulgação de notícias falsas é decorrente do cenário político brasileiro. Diversas mensagens com conteúdo que leva desinformação à população são enviadas de modo corriqueiro. Assim, pessoas acreditam em uma verdade manipulada e projetada para enganá-las, mudando assim os resultados de ações que podem acabar com a estabilidade do Estado Democrático de Direito. Como é possível ver, a Polícia Federal vem investigando um suposto indício de financiamentos para o disparo em massa de fake news, que são controladas pelo gabinete do ódio, uma suposta organização criminosa que, de maneira aparente, anda difamando políticos opositores ao atual governo.

A publicação desse tipo de notícia pode influenciar diretamente na opinião popular, o que geraria uma mudança em processos democráticos de eleição. Então, de forma natural, a democracia perderia força a partir do momento que ocorresse uma manipulação da população, com possibilidades de modificar o resultado de uma eleição, plebiscito ou outra forma democrática de procedimento. Sendo assim, é necessário uma análise do ocorrido nos dias de hoje. Tais pensamentos podem nos levar à reflexão sobre o que vivenciamos: uma democracia ou um processo fraudulento que manipula, corriqueiramente, a opinião popular.


1 - Conceito jurídico de Democracia

O conceito de democracia está distribuído em vários aspectos, desde a participação popular no processo eleitoral, até a formação do Estado Democrático de Direito e o seu respeito por direitos fundamentais. Pode-se entender que a democracia está ligada ao exercício do cidadão de seus direitos políticos e a garantia de direitos fundamentais, dessa forma, como cita Sarlet [1]:

“A democracia é a garantia organizacional e política da dignidade da pessoa humana e do pluralismo, ao passo que esta assume a condição de premissa e pressuposto antropológico do Estado Democrático de Direito. Afinal, é mediante a fruição de direitos de participação política (ativos e passivos) que o indivíduo não será reduzido à condição de mero objeto da vontade estatal (mero súdito), mas terá assegurada a sua condição de sujeito do processo de decisão sobre a sua própria vida e a da comunidade que integra. Assim, os direitos políticos, ainda mais quando assumem a condição de direitos fundamentais (vinculando os órgãos estatais, incluindo o Poder Legislativo), exercem, nesse contexto, dúplice função, pois se, por um lado, são elementos essenciais (e garantes) da democracia no Estado Constitucional – aqui se destaca a função democrática dos direitos fundamentais –, por outro representam limites à própria maioria parlamentar, já que esta, no campo de suas opções políticas, há de respeitar os direitos fundamentais e os parâmetros estabelecidos pelos direitos políticos, de tal sorte que entre os direitos políticos e os direitos fundamentais em geral e a democracia se verifica uma relação de reciprocidade e interdependência,  caracterizada por uma permanente e recíproca implicação e tensão. “

Desse modo, é possível destacar que a democracia trata também da reciprocidade e harmonia entre os poderes, de forma que estabelece a estabilidade em sociedade, diante do Estado Democrático de Direito. Assim, o cidadão deixa de ser mero coadjuvante em sociedade e passa a configurar como membro ativo do processo eleitoral, sendo fundamental para o futuro e construção do seu país. Esse elo que une o cidadão a seus direitos fundamentais e políticos, pode ser chamado de democracia.


2 - Fake News

2.1 - Eleições de 2018

Durante a eleição de 2018 diversas foram as notícias falsas e teorias da conspiração espalhadas em redes sociais, dentre elas, o jornal El País listou algumas que beneficiaram a candidatura do atual Presidente Jair Bolsonaro [2]. Mensagens sobre um kit gay, que insinuavam que o candidato Fernando Haddad propôs de alguma forma sexualizar crianças, além de falarem sobre o incentivo ao incesto por parte do até então candidato pelo Partido dos Trabalhadores. Logo, cabe destacar que as controvérsias que rodeavam os meios midiáticos na época da eleição eram grandes, diante de quem estaria promovendo a divulgação dessas notícias.

2.2 - CPMI das Fake News

Em setembro de 2019, parlamentares instauraram a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito das fake news, onde buscava-se entender os mecanismos utilizados nos disparos de notícias falsas. A CPMI surgiu após denúncias de notícias falsas na eleição de 2018, onde o atual Presidente foi eleito. Desse modo, deputados detalharam como poderia ser realizado o procedimento de disparos em massa, que eram financiados pelo gabinete do ódio, grupo que supostamente era responsável pelos envios. Foram descobertos até mesmo computadores do Senado sendo utilizados em páginas de Fake News [3].

2.3 - Inquérito das Fake News pelo STF

Em março de 2019, o presidente do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Dias Toffoli, instaurou um inquérito criminal para a investigação de notícias falsas e nomeou o ministro Alexandre de Moraes como relator [4]. Técnicos do STF identificaram 12 perfis em redes sociais que enviam mensagens de forma padronizada na disseminação das Fake News contra o Supremo Tribunal Federal. Todavia, em maio do corrente ano, a Polícia Federal realizou 29 mandados de busca e apreensão como parte do inquérito, entre os alvos estão aliados do presidente Jair Bolsonaro, como o ex-deputado federal Roberto Jefferson; o empresário Luciano Hang, dono da Havan; e os blogueiros Allan dos Santos e Winston Lima. Em sua decisão, o Ministro tratou sobre as denunciações caluniosas que atingem a honra dos ministros e a exposição do perigo de lesão à independência do Poder Judiciário:

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“O objeto deste inquérito, conforme despacho de 19 de março de 2019, é a investigação de notícias fraudulentas (fake news), falsas comunicações de crimes, denunciações caluniosas, ameaças e demais infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros; bem como de seus familiares, quando houver relação com a dignidade dos Ministros, inclusive o vazamento de informações e documentos sigilosos, com o intuito de atribuir e/ou insinuar a prática de atos ilícitos por membros da Suprema Corte, por parte daqueles que tem o dever legal de preservar o sigilo; e a verificação da existência de esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário e ao Estado de Direito. “ [5]

Alexandre de Moraes destacou os depoimentos de deputados federais que foram ouvidos pela Corte, além de citar o nome “gabinete do ódio”:

As provas colhidas e os laudos periciais apresentados nestes autos apontam para a real possibilidade de existência de uma associação criminosa, denominada nos depoimentos dos parlamentares como “Gabinete do Ódio”, dedicada a disseminação de notícias falsas, ataques ofensivos a diversas pessoas, às autoridades e às Instituições, dentre elas o Supremo Tribunal Federal, com flagrante conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática.

As informações até então acostadas aos autos, inclusive laudos técnicos, vão ao encontro dos depoimentos dos Deputados Federais ouvidos em juízo, que corroboram a suspeita da existência dessa associação criminosa:

“Deputada Joice Cristina Hasselmann (fls. 4868-4871):

(...) A depoente também pode constatar que o trabalho coordenador dessa organização por vezes se voltava contra o Supremo Tribunal Federal: quando surgia alguma postagem ou hashtag ofensiva ao STF ou algum de seus membros, um dos integrantes do grupo retransmitia e em questão de minutos isso era disseminado pelas redes sociais e para inúmeros outros grupos, seja pela atuação de integrantes da organização, seja por utilização de robôs. (...) A cúpula dessa organização sabe trabalhar com a construção de narrativas, bem como os canais mais eficazes para sua rápida divulgação, contando para isso com o chamado “efeito manada” que atinge pequenos grupos e até indivíduos isolados, amplificando em nível nacional as mensagens ofensivas, calúnias e notícias falsas e de ódio contra inúmeras autoridades ou quaisquer pessoas que representem algum incômodo. (...)

Deputado Alexandre Frota (fls.4872-4875):

É do conhecimento do depoente a existência de grupos responsáveis pela criação e disseminação de notícias falas, ataques e mensagens de ódio a figuras e instituições públicas, incluído Deputados, Senadores e Ministros do Supremo Tribunal Federal, atuando de maneira coordenada. “


3 - Conclusão

O Estado Democrático de Direito garante o voto. Dessa maneira, o cidadão se torna parte do procedimento de escolha dos políticos. Assim, a democracia garante a estabilidade política e a inserção da população como membros da escolha no processo eleitoral. Entretanto, não é correto dizer que o cidadão tem seu direito de escolha garantido, pois, a partir do momento que a realidade é modificada perante notícias falsas, as pessoas passam a acreditar em uma mentira e de maneira consequente, elegem a mentira. Pode-se dizer que a divulgação de notícias falsas está interferindo na democracia brasileira.

Logo, é necessária a investigação por parte dos órgãos responsáveis para a identificação do financiamento e do compartilhamento de notícias falsas e também quem está por trás do gabinete do ódio, pois são graves os depoimentos feitos por parlamentares no inquérito das fake news. Além disso, cabe destacar que é imperioso o desenvolvimento de políticas públicas para coibir a disseminação das fake news, que estão destruindo o direito ao voto e em consequência disso, o Estado Democrático de Direito.


REFERÊNCIAS

[1] Curso de Direito Constitucional / Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero. – Pág 1071 -8. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019

[2] https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/18/actualidad/1539847547_146583.html

[3] https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/03/10/cpmi-identifica-uso-de-computadores-do-senado-em-paginas-de-fake-news.ghtml

[4] https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/27/inquerito-do-stf-que-investiga-fake-news-veja-perguntas-e-respostas.ghtml

[5] https://www.conjur.com.br/dl/inq-4781.pdf

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Sobre o autor
Pedro Vitor Serodio de Abreu

LL.M. em Direito Econômico Europeu, Comércio Exterior e Investimento pela Universität des Saarlandes. Legal Assistant na MarketVector Indexes.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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