IV –Cláusula de não indenizar
É possível se estabelecer no contrato uma cláusula que exima de responsabilidade a empreiteira em caso de furto ou roubo? Sobre essa questão é importante uma análise um pouco detida.
A responsabilidade pelos danos causados por uma pessoa a outra decorre de lei, assim, não é possível formular uma cláusula de exclusão da responsabilidade, sendo, todavia, possível, estabelecer uma cláusula de não indenizar, isto é, de não pagar a indenização acaso devida.
Nos dizeres de Silvio de Salvo Venosa,
A cláusula de não indenizar é aquela "pela qual uma das partes contratantes declara que não será responsável por danos emergentes do contrato, seu inadimplemento total ou parcial." [17]
Diferencia-se da "cláusula de irresponsabilidade" na medida em que esta pretende afastar a aplicação da lei que impõe a responsabilidade do causador do dano e por este motivo é juridicamente impossível no direito brasileiro.
Embora admitida, a "cláusula de não indenizar" sofre limitações, só podendo ser adotada em contratos que tratem de direitos estritamente privados, patrimoniais e disponíveis. Diante disso, pode ser aplicada no contrato entre a empresa e seus clientes. [18]
V – Mora
Por fim, é mister lembrar que no caso de mora (atraso contratual) da empresa na entrega (ou disponibilização) dos produtos por ela industrializados aos seus clientes, haverá responsabilidade dela pelos prejuízos decorrentes do seu inadimplemento, mesmo quando decorrerem de caso fortuito ou força maior, exceto se provar que esses prejuízos ocorreriam mesmo se tivesse cumprido a sua obrigação em tempo.
Sobre o tema, é importante ter presente o disposto no artigo 395, do Código Civil, ipsis litteris:
"Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos."
"Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada."
Exemplificando. Se a empreiteira não entrega os produtos que se obrigou a industrializar com a matéria prima do terceiro na data aprazada no contrato, a partir do dia seguinte ao vencimento do prazo, mesmo ocorrendo roubo da matéria prima em seu poder, a mesma poderá ter que indenizar o cliente, simplesmente porque já devia ter cumprido sua obrigação contratual e não o fez.
VI – Contrato de seguro
Inicialmente é mister trazer à baila o disposto no artigo 757, do Código Civil, ipsis litteris:
"Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados."
A celebração de contrato de seguro é sempre possível, seja pela própria indústria, seja por seus clientes, para garantir qualquer interesse legítimo, como o é aquele discutido neste artigo.
Entretanto, exigir-se que o cliente celebre contrato de seguro para salvaguardar os seus interesses em face de eventual roubo ou furto dos seus bens em poder da indústria contratada, porquanto seja possível juridicamente, talvez não seja muito bem visto comercialmente. É que neste caso o contrato de seguro implicaria num custo a mais para o cliente da empresa, o que poderia acarretar o seu desinteresse na contratação da mesma.
A nosso ver, existem outras alternativas tão eficazes quanto esta e que não encontrarão tamanha resistência comercial, como veremos mais adiante.
VII – Conclusões
- A empresa contratada para prestar serviço de industrialização por encomenda não assume qualquer responsabilidade pelo transporte da matéria-prima, no que se refere à chegada desta ao seu estabelecimento, quando o cliente se obrigar a fornecer e entregar referida matéria-prima;
- Uma vez dentro do seu estabelecimento, por se tratar de empreitada de lavor, a indústria não assume responsabilidade pelo perecimento dos bens, exceto se tiver agido com imperícia e/ou negligência;
- Ainda acerca da responsabilidade da empresa quanto aos bens dentro do seu estabelecimento, esta não assume qualquer responsabilidade se o perecimento dos mesmos decorrer de caso fortuito ou força maior;
- Neste sentido, no caso de roubo a indústria não assumirá responsabilidade pelos bens, quadro que se altera no caso de furto; hipótese em que, em princípio, dará ensejo à responsabilidade da empreiteira;
- Havendo mora na entrega por parte da indústria, ou seja, caso ela deixe de entregar (ou disponibilizar) os bens no prazo contratual, em todas as hipótese, ou seja, ainda que ocorra caso fortuito, força maior, roubo, ela será responsabilizada;
- Considerando-se que a empresa, após fazer a industrialização por encomenda, se responsabiliza pela entrega do produto final ao cliente, por si ou por transportadora contratada, a indústria assume plena responsabilidade pelo contrato de transporte;
- A questão da empreiteira contratar transportadora terceirizada apenas lhe dará azo a ressarcir-se dos valores que por ventura incorrer para indenizar seus clientes, caso haja culpa em sentido amplo da transportadora;
- Ocorrendo roubo da carga, a transportadora se eximirá de qualquer responsabilidade em face da indústria, mas esta, ainda assim, no pior cenário, corre o risco de ter que indenizar seu cliente, lembrando que este não concordou nem anuiu com a eleição daquela determinada transportadora;
VIII – Opinião Legal
Desta feita, em razão das possíveis contingências a que a PLIMAX pode incorrer em razão do atual modelo de contratação, recomendamos as seguintes providências a fim de elidi-las, confira:
Providências:
a) sempre deixar uma margem de segurança no prazo assumido para entrega dos produtos, para evitar a ocorrência da mora;
b) alterar contrato inserindo cláusula de não indenizar na hipótese de furto, considerando-se que o estabelecimento da empresa atende aos padrões normais de segurança;
c) alterar os contratos de modo que a entrega dos produtos industrializados por encomenda aos clientes, se dê pela modalidade FOB – Free on board, pela qual fica a cargo do cliente encomendante a retirada do produto do estabelecimento da indústria. Essa decisão, todavia, é comercial e depende da viabilidade mercadológica de se adotar tal modelo negocial.
c.1) alterar os contratos de modo que caso o cliente não concordar com o modelo padrão FOB, que a entrega pela modalidade CIF será realizada pela transportadora previamente determinada no contrato, com a qual o cliente expressamente não só concorda, como também exonera a indústria do dever de indenizá-lo por prejuízos decorrentes do transporte prestados pela empresa eleita.
Todavia, se ambas as alternativas c) e c.1) acima não forem viáveis mercadologicamente, aventamos a seguinte hipótese:
d) contratar apenas e tão somente transportadoras que tenham seguro da carga, que também contemple a hipótese de roubo e outros crimes, inclusive ocorridos dentro do seu depósito. Logicamente, nesta hipótese a indústria deverá considerar o risco de se incorrer na contingência (roubo da carga) e o preço do prêmio do seguro a ser pago, o que aumentará o custo da sua atividade.
Notas
01
"Na terminologia jurídica (…) é o vocábulo empregado, em relação às coisas e direitos que deixam de exisitr, na acepção de perda, destruição e extinção." E continua o autor "assim sendo, na evidência do perecimento há sempre uma perda ou destruição, que vem mostrar materialmente, a falta de vida ou a inexistência jurídica da coisa ou do direito." [sem negrito no original] (in De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, 17ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 602.02
No item XXXXXX será abordada a responsabilidade em caso de mora do empreiteiro e do dono da obra.3
REsp 258.707/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 22.08.2000, DJ 25.09.2000 p. 1114
TJSP – AP. 129.278-4/3 – 6ª Câmara – Rel. Desa. Luiza Galvão Lopes j. 01.08.2002.05
Note-se que é possível, contratualmente, estabelecer a responsabilidade do devedor mesmo nos casos de força maior ou caso fortuito, mas isso dependerá sempre de cláusula expressa pactuada pelas partes.06
Sergio Cavalieri Filho, in Programa de responsabilidade civil. 2ª ed. São Paulo: Melheiros, 2000, p. 42.07
Ibid idem, mesma página.08
Relator: Guimarães e Souza - Apelação Cível n. 207.873-1 - São Paulo - 17.05.9409
Relator: Alexandre Germano - Apelação Cível n. 211.135-1 - Santo André - 14.06.9410
Se o furto das mercadorias, entretanto, é levado a cabo por empregado da empresa, esta sempre será culpada pelos prejuízos causados a terceiros, por ter escolhido mal o profissional que lhe presta serviços – culpa in eligendo.11
"Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas." (Código Civil)12
Note-se que essa cessação da responsabilidade diz respeito apenas à detenção da coisa, uma vez que eventuais danos existentes na coisa decorrentes do processo produtivo ou do armazenamento pela indústria não elidirão sua responsabilidade.13
"Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir."
14
REsp 433.738/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 12.11.2002, DJ 17.02.2003 p. 28715
REsp 222.821/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 17.06.2004, DJ 01.07.2004 p. 19816
Ressalvado o que se disse na nota de roda pé n.º 12.17
In Direito Civil – Responsabilidade civil. 5ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2005, p. 67.18
Essa cláusula, entretanto, não pode servir para limitar elementos essenciais do contrato. Assim, não se cogita de um contrato de seguro em que à seguradora se reserva cláusula de não indenizar. Também não se admite essa cláusula em caso de crime ou ato doloso da parte beneficiada pela cláusula, sob pena de autorizar o agente a praticar ato ilícito, contrariando as disposições legais.