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A redução salarial na recuperação judicial de empresas:

uma forma de participação dos trabalhadores na gestão da empresa

25/04/2006 às 00:00
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          1. Introdução

          Após 11 anos de tramitação, a nova legislação falimentar brasileira (Projeto de Lei n.º 4.376/93) foi finalmente aprovada pelo Congresso Nacional, através da Lei n.º 11.101/2005, que revogou o Decreto-lei n.º 7.661/45.

          Segundo Sérgio Pinto Martins1, é evidente que a mudança na lei pretende tornar o sistema mais ágil, permitindo a recuperação das empresas.

          A Nova Lei de Falência criou outras possibilidades para a reestruturação de empresas, destacando-se a recuperação judicial como uma importante alternativa para a preservação da empresa – o que é salutar, pois, existindo empresas haverá empregos. Não há empregos (formais) sem empresas.

          No artigo 50, VIII, da Lei supra citada, prevalece a questão que efetivamente mais nos interessa aqui – a redução salarial dos trabalhadores, a qual analisaremos sob o prisma dos direitos fundamentais e sob a temática da participação dos trabalhadores na gestão da empresa.


          2. O salário como bem imensurável

          Na lição de José Martins Catharino2, salário – que tem origem no latim salarium, e este derivado de sal-salis, pois houve época em que os romanos pagavam os domésticos com porções de sal e também se chamava sal o que os legionários recebiam para a aquisição de comida – é apenas mais uma denominação do pagamento do trabalho, que também pode ser vencimentos (servidores públicos), honorários (profissionais liberais), soldo (militares), etapa (marítimos), subsídios e jeton (membros do legislativo), ordenado (domésticos) e cachet (artistas).

          Independentemente da nomenclatura que se possa dar, o salário, como decorrência do trabalho, é o bem mais valioso de um trabalhador, seja qual for sua profissão ou posição social.

          Nas palavras de Mozart Victor Russomano3, mesmo os que possuem uma situação definida e favorável no círculo da sociedade integram, no ritmo habitual das suas despesas, os proventos obtidos com seu esforço pessoal. Deste modo, o salário tem o papel importante de ser um meio de subsistência, de assegurar a satisfação das necessidades existenciais do homem. Não é outra a razão pela qual se lhe atribui um caráter estritamente alimentar.

          A percepção do salário por um trabalhador faz parte de um conjunto de valores sociais, dentre eles a dignidade da pessoa humana, que é, para Alice Monteiro de Barros4, um valor superior que deverá presidir as relações humanas, entre as quais as relações jurídico-trabalhistas.

          Nas lições de Orlando Gomes5, a defesa do salário sempre foi, com efeito, uma das mais instantes preocupações trabalhistas pelas vantagens manifestas que decorrem de um bom sistema de proteção.


          3. A redução salarial na recuperação judicial

          Reza o artigo 50 da Lei n.° 11.101/2005 que constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros:

          "VIII - redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva;"

          Nessa hipótese, segundo Fábio Ulhoa Coelho6, alcança-se a recuperação da empresa quando diagnosticado serem as obrigações trabalhistas o principal entrave nas contas.

          Assim, não obstante os créditos trabalhistas na recuperação judicial continuarem privilegiados, pois o artigo 83 da Lei n.º 11.101/2005 trata apenas da falência e não da recuperação judicial, temos no inciso VIII do artigo em comento a hipótese de redução dos salários dos empregados.

          Mas qual seria a razão para a afetação dos salários do empregado, se é o empregador o responsável pelo risco do negócio?

          É notório que o país vem atravessando grandes dificuldades políticas e econômicas, sendo certo que tal panorama vem refletir direta e indiretamente no direito do trabalho e nas garantias trabalhistas dos trabalhadores.

          Não podemos esquecer, contudo, o que vem preconizado no art. 2º da CLT, pois o risco do negócio não deve ser suportado pelos empregados, mas sim pelos empregadores.

          Também é importante lembrar os ensinamentos do Professor Pedro Paulo Teixeira Manus7, no sentido de que, partindo da idéia de que é o empregador quem admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços, nos termos do art. 2º da CLT, evidencia-se a submissão hierárquica e econômica do empregado ao empregador. Daí decorre a efetiva necessidade de princípios e normas que minimizem esta situação desigual, a fim de garantir meios ao empregado que tornem possível e concreto o direito de exigir o cumprimento das obrigações contratuais pelo empregador.


          4. A redução salarial na recuperação judicial como forma de participação dos empregados da gestão da empresa

          Nas lições de Jorge Lobo8, observamos que a recuperação judicial objetiva preservar a empresa, pois ela tem uma função social a cumprir, manter os postos de trabalho, porquanto o desemprego atenta contra a dignidade da pessoa.

          É certo que hoje a empresa cumpre seu papel social gerando empregos e impulsionando a economia, daí o porquê de o legislador às vezes adotar postura moderada quanto às questões envolvendo as empresas. A intenção pela manutenção do emprego ficou evidente com a aprovação da Lei n.º 11.101/05.

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          Nas bem lançadas palavras de Alfredo J. Ruprecht9, é evidente que nas leis trabalhistas permeia a ordem pública, com as características próprias que o Direito do Trabalho lhe outorga, e a irrenunciabilidade, em geral, diz respeito aos benefícios outorgados ao trabalhador, que, embora possam ser acrescentados, jamais podem ser modificados in pejus. Porém, nada impede ao trabalhador que o mesmo renuncie a um direito – legal ou convencional – e se não o reclama posteriormente, a dita renúncia acaba convalidada.

          Realmente, todas ou quase todas as normas que fazem parte do Direito do Trabalho são normas de ordem pública, e as relações de trabalho encontram-se submetidas a um jus cogens.

          Mas essa imperatividade da norma pode ser relativizada, pois, conforme lições de Américo Plá Rodrigues10, se o Direito do Trabalho procura proteger a personalidade humana, é óbvia a impossibilidade de suprimir a livre manifestação de uma das qualidades supremas desta personalidade: sua vontade.

          E nessa vontade, aliada à necessidade da manutenção das frentes de trabalho, encontramos o fundamento axiológico para que os trabalhadores, por intermédio de seus sindicatos, possam livremente anuir à redução salarial estatuída no artigo 7°, VI, CF/88 c/c o artigo 50, VIII, Lei n° 11.101/2005.

          Por intermédio de seus sindicatos, conforme Octávio Bueno Magano11, objetivou o constituinte mostrar o seu apreço pelos mecanismos de autocomposição, em detrimento dos procedimentos tuitivos.

          Porém, frise-se aí que o sindicato pode ser mero instrumento de validação da vontade e da intenção dos empregados, pois, conforme doutrina contemporânea, este tipo de ajuste poderia ser feito diretamente pelos trabalhadores no âmbito da empresa, através de comissões de representantes dos empregados, com fundamento no artigo 11 da Constituição Federal.

          Aliás, leciona o Professor Renato Rua de Almeida12 que a empresa tem também função social, na medida em que incentivar a participação dos trabalhadores na gestão.

          Daí, a participação dos empregados na gestão das empresas dar-se-á pelo ato espontâneo dos empregados em concordar com eventuais reduções salariais, depois de, cientes da situação econômica da empresa – aí deve-se valorizar e trazer à prática o direito à informação –, deliberar pela forma menos onerosa possível para a garantia do mais elevado direito laboral atual: o emprego.

          Quando o trabalhador participa efetivamente na solução dos problemas da empresa, seja com sugestões ou com a implementação de iniciativas colaboradoras, dá-se aí o fenômeno da participação da gestão da empresa.


          5. Conclusão

          Sabendo os empregados a respeito da real situação econômica da empresa - garantidos os direitos à informação –, é natural e viável a manifestação de seu interesse pela manutenção do próprio emprego, o qual tornar-se-á realizável pela participação dos mesmos na gestão da empresa, propondo e autorizando - na forma de composição - a redução dos salários por um período temporário.

          Essa forma de gestão dos trabalhadores efetivar-se-á por instrumentos jurídicos resultantes da autonomia privada coletiva, também conhecida, conforme ensinamentos do Professor Renato Rua de Almeida13, como autonomia da vontade coletiva dos particulares mais próximos da vida da empresa (acordos coletivos de trabalho).

          Assim, a redução salarial na recuperação judicial de empresas será uma forma de participação dos trabalhadores da gestão da empresa, na medida em que o trabalhador for consultado ou tomar a iniciativa a respeito da possibilidade e viabilidade da consecução de eventuais reduções salariais para a manutenção dos postos de trabalho.


          Notas

  1. A nova lei de falência e suas implicações nos créditos dos trabalhadores. Repertório IOB de Jurisprudência. São Paulo : IOB. 2ª quinzena de março. 2005. n.º 6. Vol. II. pág. 178
  2. Compêndio universitário de direito do trabalho. São Paulo: Ed. Jurídica e Universitária, 1972, v.1, pág. 438.
  3. Comentários a consolidação da leis do trabalho. 5ª ed. Rio de Janeiro: José Rufino Ed., 1960, v.III, pág. 685.
  4. Curso de direito do trabalho. 2ª ed. São Paulo: Editora LTr, 2006, pág. 589.
  5. O salário no direito brasileiro. Ed. fac. sim. São Paulo: Ed. LTr, 1996, pág. 17.
  6. Comentários à nova lei de falências e O salário no direito brasileiro. Ed. fac. sim. São Paulo: Ed. LTr, 1996, pág. 17.de recuperação de empresas. São Paulo: Saraiva, 2005, pág. 138.
  7. Os créditos trabalhistas na insolvência do empregador. 2ª ed. São Paulo: LTr, 1995, pág. 13.
  8. Comentários a lei de recuperação de empresas e falência. Coordenadores Paulo F.C. Salles de Toledo e Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2005, pág. 109.
  9. Os princípios do direito do trabalho. Trad. Edilson Alkmin Cunha. São Paulo: LTr, 1995, pág. 31.
  10.  Princípios de direito do trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. 3ª ed. São Paulo: Ed. LTr, 2000, pág. 151.
  11. O direito do trabalho na Constituição. São Paulo: Editora Forense, 1993, pág. 104.
  12. A teoria da empresa e a regulação da relação de emprego no contexto da empresa. São Paulo: Revista LTr, 2005, v. 69, maio de 2005, pág. 576.
  13. Ob. cit., pág. 574.
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Sobre o autor
Leonel Maschietto

advogado, especialista em Direito do Trabalho pela PUC/SP, mestrando em Direito do Trabalho pela PUC/SP, professor convidado da Escola Paulista de Direito (EPD)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MASCHIETTO, Leonel. A redução salarial na recuperação judicial de empresas:: uma forma de participação dos trabalhadores na gestão da empresa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1028, 25 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8297. Acesso em: 24 abr. 2024.

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