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A prescrição em face da reparação de danos morais e materiais decorrentes de acidentes de trabalho ou doença profissional ao mesmo equiparada

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01/05/2006 às 00:00
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Uma onda avassaladora de decisões judiciais conflitantes, verdadeiro tsunami, invadiu os tribunais do país na última década, afetos a questões cíveis e trabalhistas, quando se discutia com ardor qual seria o órgão do Poder Judiciário competente para apreciar e julgar litígios envolvendo pretensões de indenização por dano moral ou material decorrente, a princípio, da relação de emprego e depois com maior ênfase, os conflitos oriundos de acidente de trabalho.

Quanto ao pedido de indenização por danos morais e materiais decorrentes de ofensas perpetradas contra o empregado no âmbito da relação de emprego, em que pesem algumas cizânias doutrinárias e jurisprudenciais tenham surgido quando do aparecimento das primeiras demandas desse jaez, as mesmas logo se dissiparam, eis que se mostrava evidente e de clareza solar que, tendo o gravame surgido no decurso de uma relação de emprego, a competência para apreciar e julgar o litígio seria genuinamente da Justiça do Trabalho, ainda que o magistrado desta carreira especializada fosse instado a analisar matéria afeta a outro ramo do direito, especificamente do direito civil. [01]

Questão jurídica de mais difícil trato deu-se com as demandas envolvendo pedidos de reparação por danos morais e materiais resultantes de acidente de trabalho, eis que os tribunais afetos a matérias cíveis e trabalhistas não se afinavam, gerando toda uma pletora de decisões conflitantes que servia de sismógrafo para a primeira instância, a denunciar um terremoto jurídico de catastróficas conseqüências e que se consubstanciava e se avolumava em uma cauda incandescente, qual magma jurídico, de intermináveis conflitos de competência que só fazia retardar a prestação jurisdicional, especialmente no âmbito da Justiça do Trabalho que tem como pedra de toque a celeridade processual e a pronta efetividade de suas decisões, dada a preocupação manifesta que ela ostenta de imprimir e transmitir sempre uma visão garantista e não meramente idílica do processo trabalhista.

Os anos arrastaram-se e bem recentemente, após uma vacilação inicial, o Supremo Tribunal Federal, graças ao ingente empenho do amicus curiae juiz Sebastião Geraldo de Oliveira, que para nosso gáudio e honra, integra o egrégio TRT da 3ª. Região, à semelhança de Cesare Vivante retratou-se de decisão anterior que pregava a competência irrestrita da Justiça Comum e no conflito de competência n. 7.204-1-MG da relatoria do eminente Ministro Carlos Brito adotou o entendimento histórico de que a competência para apreciar e julgar pedidos de reparação por danos morais e materiais oriundos de acidente de trabalho é da Justiça do Trabalho. [02]

Pacificada a questão da competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar litígios envolvendo pedidos de reparação de danos morais e materiais decorrentes de acidentes de trabalho, surge nova discussão, igualmente candente e de magna importância pelo seu alcance social, abrangendo agora áspera diatribe em torno da prescrição que seria aplicável ao caso concreto quando os juízos trabalhistas são chamados a dirimir conflitos de tal jaez : a prescrição seria a do artigo 7º, item XXIX, da Constituição Federal, irrestritamente; seria, pela natureza do litígio, segundo alguns a envolver nítida matéria de índole civilista, a prescrição gizada pelo Código Civil, observada a data em que se consumou a lesão à saúde do trabalhador, se na vigência do Código Civil de 1.916, com aplicação irrestritamente da prescrição vintenária e se na vigência do Código Civil de 2.002, a prescrição trienal, irrestritamente; ou ainda se teríamos que aplicar a regra de transição prevista no Código Civil de 2.002, que leva em consideração o lapso prescritivo temporal transcorrido à data de sua vigência, o que redundaria em aplicação ora de prescrição vintenária, ora de prescrição trienal; e ainda finalmente se em se tratando de questões jurídicas afetas ao chamado direito de personalidade, o direito à reparação seria imprescritível ?

Defensor da imprescritibilidade do direito do trabalhador à reparação de danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho, dentre outros, cita-se o eminente articulista Francisco das Chagas Lima Filho, cujo pensamento jurídico pode assim ser condensado: "...a ação seria imprescritível dado ao fato de tratar-se de ação de reparação de danos a direitos da personalidade que, por irrenunciáveis, o seu exercício não está sujeito a prescrição, face aos termos do que disposto no art. 11 do Código Civil [03] e pela natureza do bem envolvido, ou seja, a personalidade, a dignidade do ser humano. A ação de reparação de danos morais decorrentes de acidente do trabalho ou de doença profissional – equiparada a acidente de trabalho por força de expressa disposição legal – tem por objetivo indenizar o trabalhador pelos danos à saúde, à vida, à integridade física ou mental, enfim direitos ligados à personalidade e à dignidade do ser humano. Essa categoria de direitos fundamentais constitucionalmente é garantida ao ser humano enquanto pessoa e não porque ostenta a condição de cidadão trabalhador ou empregado. Por conseguinte de natureza indisponível, não podendo o seu titular a eles renunciar e sendo irrenunciáveis o são por conseqüência, imprescritíveis.... não se trata, pois, de direito de natureza trabalhista, nem tampouco civil, mas de direito de índole fundamental que diz respeito à dignidade humana. Portanto, imprescritível, pois a dignidade humana sendo "aquela qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos ", não é subtraída da tutela constitucional apenas porque aquele que sofreu a violação não reclamou, muitas vezes por circunstâncias alheias à sua vontade, dentro de certo espaço de tempo. Não se perde a dignidade em razão do decurso do tempo, evidentemente ". [04]

Na mesma toada, apesar de minimizando a tese da imprescritibilidade do direito sob epígrafe, mas ainda assim reconhecendo-a, enfatiza o eminente doutrinador Raimundo Simão de Melo que " os direitos da personalidade têm como características, entre outras, a imprescritibilidade. Isto quer dizer que, não obstante a inércia do seu titular quanto ao exercício de um desses direitos, pode o mesmo, a qualquer tempo, reivindicar a sua efetivação. Assim, a possibilidade de exercício dos direitos da personalidade jamais prescreve. O que prescreve é a pretensão à reparação dos danos causados a esses direitos, após certo lapso de tempo previsto em lei ". [05]

Parece-me, salvo melhor juízo, existir erro de perspectiva jurídica nos excertos doutrinários colacionados supra naquilo em que pregam, em uníssono, a inexistência de prescrição no âmbito dos direitos da personalidade, e, com divergência de conteúdo, quanto ao do último articulista, naquilo em que o mesmo em que pese reconheça a imprescritibilidade dos direitos de personalidade, defende a tese jurídica de que a prescrição só envolve a pretensão à reparação dos danos causados a tais direitos, após o lapso temporal previsto em lei, sendo que a discrepância de meu entendimento com as teses expostas cinge-se à afirmação categórica de inexistência de prescrição para os direitos da personalidade, em se tratando de reparação civil.

Seriam tais direitos, de fato, imprescritíveis ?

Como a tese jurídica dos doutos articulistas centra-se na dicção do artigo 11, do Código Civil de 2.002, não custa mais uma vez transcreve-lo para logo depois introduzir a nossa tese jurídica diametralmente oposta àquelas citadas.

Enfatiza o artigo 11 do Código Civil de 2.002, inserido no capítulo II que tem como título DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE, o seguinte :

Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.

A ratio essendi do dispositivo marginado assenta-se em que o ser humano, no âmbito civil, não ostenta apenas direitos reais e pessoais, sendo igualmente titular de direitos inerentes à sua condição singular de pessoa, podendo ser declinado o direito à própria imagem, ao próprio nome, à privacidade, à honra, à vida, à integridade físico-psíquica, dentre outros. Tais direitos não eram tutelados na vigência do direito civil pretérito, adstrito ao Código Civil de 1.916, época em que a matéria carecia da relevância social que alcançou na sociedade moderna, sendo exemplo dela o fato de a Exposição de Motivos do projeto do atual Código Civil ter salientado que fora reservado " todo um capítulo aos direitos da personalidade, visando à sua salvaguarda, sob múltiplos aspectos, desde a proteção dispensada ao nome e à imagem até o direito de se dispor do próprio corpo para fins científicos e altruísticos ".

Neste contexto, a matéria, pela sua indiscutível relevância jurídica, tem assento de ordem constitucional, sabido que a Constituição Federal de 1.988 traçou contornos eficazes de proteção a direitos desse jaez ao dispor, primeiro, no artigo 5º, inciso V, que "é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem ", depois complementando no inciso X que " são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação ".

Neste compasso, como enfatizam com argúcia os eminentes doutrinadores J. Franklin Alves Felipe e Geraldo Magela Alves "a reparação autônoma do dano moral ganhou definitiva e ampla cidadania no direito pátrio a partir da Constituição Federal de 1.988. Com a indenização ao dano moral compensa-se o ofendido pela lesão a seu direito de personalidade. Assim, quando alguém sofre os constrangimentos naturais de ver o seu nome inscrito indevidamente em órgão de proteção a crédito, tem sua dor moral presumida e pode buscar, através de uma indenização pecuniária, a compensação da ofensa recebida. São, dentre outras hipóteses de dor moral, autorizativas do pleito da indenização reparatória: a morte (para os parentes que sofrem com a perda do falecido), a lesão corporal, os procedimentos médicos e cirúrgicos mal sucedidos e decorrentes de culpa do profissional, o registro indevido do nome do cliente em órgãos de proteção ao crédito, o uso indevido de imagem ou do nome de outrem, a calúnia, a injúria e a difamação ". [06]

Tais gravames são suscetíveis de ocorrer igualmente no âmbito de uma relação de trabalho, nela embutida a relação de emprego, eis que o trabalhador encontra-se igualmente, máxime pelo exercício abusivo e arbitrário do poder de direção inerente ao empregador, sujeito a gravames de ordem moral de toda a sorte, os quais afloram também quando o mesmo sofre, por dolo ou culpa do empregador, acidente de trabalho, ou seja, acometido de doença profissional ao mesmo equiparada que imponha limitações irremediáveis não só à sua capacidade laborativa como também à sua integridade corporal, minando-lhe irremediavelmente a saúde, ocasionando danos à sua vida, à sua integridade física ou mental, afetando assim direitos estritamente conectados à personalidade e à dignidade do ser humano.

A correlação entre acidente de trabalho e ofensa a direitos da personalidade é de tal forma absoluta e indiscutível que, conforme assinala o eminente doutrinador Francisco das Chagas Lima Filho, já citado: "a ação de reparação de danos morais decorrentes de acidente do trabalho ou de doença ocupacional – equiparada a acidente de trabalho por força de expressa disposição legal – tem por objetivo indenizar o trabalhador pelos danos à saúde, à vida, à integridade física ou mental, enfim direitos ligados à personalidade e à dignidade do ser humano. Essa categoria de direitos fundamentais é constitucionalmente garantida ao ser humano enquanto pessoa e não porque ostenta a condição de cidadão trabalhador ou empregado". [07]

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Disso tudo se extrai que uma coisa é indiscutível: os gravames sofridos pelo trabalhador em virtude de acidente de trabalho ou de doença profissional afetam diretamente os chamados direitos da personalidade, pelas razões expostas, mas, bem por isso, seriam imprescritíveis?

A resposta é taxativamente negativa.

O artigo 11 do Código Civil de 2.002 reporta-se tout court à intransmissibilidade e à irrenunciabilidade dos direitos da personalidade, os quais não podem sofrer limitação em seu exercício por ato de vontade de seu titular, garantias essas que não salvaguardam, à míngua de sua literalidade, a imprescritibilidade desses mesmos direitos, quanto a aspectos ressarcitórios.

Busco de imediato respaldo na doutrina, trazendo à colação ensinamentos doutrinários do insigne civilista Sílvio de Salvo Venosa, ao dispor, em esclarecedora lição de direito que : "... para a satisfação de suas necessidades, o homem posiciona-se em um dos pólos da relação jurídica : compra, empresta, vende, contrai matrimônio, faz testamento,etc.Desse modo, em torno de sua pessoa, o homem cria um conjunto de direitos e obrigações que denominamos patrimônio, que é a projeção econômica da personalidade. (Diniz, 1982: 81). Contudo, há direitos que afetam diretamente a personalidade, que não possuem conteúdo econômico direto e imediato. A personalidade não é exatamente um direito; é um conceito básico sobre o qual se apóiam os direitos. Há direitos denominados personalíssimos porque incidem sobre bens imateriais ou incorpóreos. A Escola do Direito Natural proclama a existência desses direitos, por serem imanentes à personalidade. São, fundamentalmente, os direitos à própria vida, à liberdade, à manifestação do pensamento.... citando excelente monografia de Gilberto Haddad Jabur (2000 : 28) que ao referir-se sobre o tema em debate deixou assente que : " os direitos da personalidade são, diante de sua especial natureza, carentes de taxação exauriente e indefectível. São todos indispensáveis ao desenrolar saudável e pleno das virtudes psicofísicas que ornamentam a pessoa ". [08]

Como os direitos da personalidade estão intimamente ligados à pessoa humana, ressalta Guilhermo Borba que os mesmos ostentam as seguintes características: (a) são inatos ou originários porque se adquirem ao nascer, independendo de qualquer vontade; (b) são vitalícios, perenes ou perpétuos, porque perduram por toda a vida. Alguns se refletem até mesmo após a morte da pessoa. Pela mesma razão são imprescindíveis porque perduram enquanto perdurar a personalidade, isto é, a vida humana. Na verdade, transcendem à própria vida, pois são protegidos também após o falecimento; são também imprescritíveis; (c) são inalienáveis, ou mais propriamente, relativamente indisponíveis, porque, em princípio, estão fora do comércio e não possuem valor econômico imediato; (d) são absolutos, no sentido de que podem ser opostos erga omnes. [09]

A imprescritibilidade dos direitos de personalidade deve ser inteligida com grão de sal, até porque, como dito alhures " a possibilidade de exercício dos direitos da personalidade jamais prescreve. O que prescreve é a pretensão à reparação dos danos causados a esses direitos, após certo lapso de tempo previsto em lei ". [10]

A imprescritibilidade absoluta dos chamados direitos da personalidade criaria situação de discriminação em nosso direito positivo, pois ao passo que todas as demais pretensões jurídicas estariam a sofrer, para a sua efetivação, os efeitos inexoráveis do decurso do tempo, o titular de direito subjetivo tendente à salvaguarda de valores constitucionais conectados a direitos da personalidade jamais seriam atingidos pela prescrição, podendo a qualquer tempo deduzir a pretensão em juízo e reclamar a devida reparação.

A discriminação, além de odiosa, estaria a ferir a ordem natural das coisas, pois nessa toada, deveriam ser imprescritíveis todos os crimes contra a vida ou contra a incolumidade física das pessoas, situação que inocorre no direito penal, que sujeita crimes dessa natureza, como todos os demais legalmente capitulados, (nullum crime nulla pena sine previa lege penale), a exemplo do homicídio, infanticídio, lesões corporais graves, etc, aos efeitos inexoráveis da prescrição, que é instituto jurídico que resguarda a harmonia e a paz social.

Outra falácia é a de que a irrenunciabilidade de determinado direito acarretaria, por conseqüência, a sua imprescritibilidade. O argumento assenta-se sobre falsa premissa e não cede ao rigorismo da lógica. A ser assim poderíamos montar o seguinte silogismo: (a) os direitos irrenunciáveis são imprescritíveis. (b) os direitos trabalhistas previstos na CLT, garantidos por princípios de ordem pública, são irrenunciáveis. (c) Logo, os direitos trabalhistas previstos na CLT são imprescritíveis.

A teoria jurídica da imprescritibilidade dos direitos da personalidade, em todos os sentidos, em que pese sedutora, serve como fator de intranqüilidade e de quebra da harmonia da paz social, colocando o ser humano ou quem quer que esteja obrigado a respeitar direito dessa natureza a um jugo eterno e inexorável, pois a qualquer tempo poderá ser acionado por uma responsabilidade civil que se esvaneceu nas brumas do tempo.

Se o próprio ser humano é finito e transitório, mostra-se incongruente a criação de uma potestade jurídica atemporal que não guarde correspondência com a ordem divina imprimida à própria natureza humana.

Em um mundo onde tudo é fluido e transitório não é concebível a criação de direitos subjetivos eternos, porque imprescritíveis.

A primeira teoria jurídica da imprescritibilidade do direito do trabalhador acionar o seu empregador ou tomador de serviços para demandar reparação civil por danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho, porque conectado a direito de personalidade, não sobrevive ao rigorismo da crítica científica e sucumbe diante do próprio arcabouço de direito positivo que tutela os direitos subjetivos, todos sujeitos inexoravelmente aos efeitos do tempo.

Devemos, assim, prosseguir nos objetivos deste modesto estudo doutrinário, encarando agora as demais facetas do direito subjetivo do trabalhador demandar contra o seu empregador ou tomador de serviços por danos morais e materiais decorrentes de acidentes de trabalho em contraste com os efeitos jurídicos que o decurso do tempo contrapõe ao exercício desse direito.

A mim me parece que a solução dos demais casos de incidência de prescrição em processos movidos pelo trabalhador contra seu empregador ou tomador de serviços objetivando reparações civis por danos morais e materiais decorrentes de acidentes de trabalho é de solução singela, se se considerar o norte de direito transitório divisado pelo próprio Supremo Tribunal Federal ao julgar o conflito de competência n. 7.204-1, da relatoria do eminente Ministro Carlos Britto e ainda a superveniência da Emenda Constitucional n. 45/04, que transferiu os litígios dessa natureza, na visão do STF, da Justiça Comum para a Justiça do Trabalho, o que implica necessariamente em um exame da vis atrativa que o juízo natural exerce sobre a prescrição, quando excepcionado o princípio da perpetuatio jurisdictionis.

Ou seja, tenho para mim que, a prescrição da pretensão de reparação de danos morais e materiais decorrentes de acidentes de trabalho é uma matéria que só guarda relevância e discussão candente no momento atual em face do advento da emenda constitucional n. 45/04, ou seja, em decorrência da alteração do juízo natural competente para apreciá-las : antes a Justiça Comum, hoje a Justiça do Trabalho.

Como o Supremo Tribunal Federal, guardião-mor da Constituição Federal, ao julgar o conflito de competência n. 7.204-1, deixou assente regras de caráter transitório quanto ao juízo natural perante o qual o processo em curso quando do advento da emenda constitucional n. 45/04 deve tramitar, ou seja: aqueles processos com sentença de mérito já proferida na Justiça Comum antes da entrada em vigor da EC n. 45/04, ali permanecem, até o respectivo trânsito em julgado. Logo, quanto a esses processos, não existe celeuma jurídica em torno da prescrição aplicável, porque, ajuizados perante a Justiça Comum e decididos em primeira instância antes da superveniência da EC n. 45/04, lógico que a prescrição é a do Código Civil, competindo aos juízes dos Tribunais Trabalhistas ao defrontarem, no exame de recursos ordinários, com processos dessa natureza, em face da declinação de competência suscitada pelos Tribunais de Alçada ou de Justiça, devolvê-los à Justiça Comum, porque na interpretação imprimida pelo excelso STF quando do exame do conflito de competência n. 7.204-1, ficou assente que tais processos continuam explicitamente na competência residual da Justiça Comum.

Quanto aos processos pendentes de decisão em primeira instância cível quando da superveniência da emenda constitucional n. 45/04, a conseqüência natural é a sua remessa imediata para a Justiça do Trabalho, sendo que somente quanto a tais processos é que se estabelece séria controvérsia a respeito da prescrição aplicável ao caso concreto: a) bienal do artigo 7º, inciso XXIX, da CF/88? b) vintenária? c) vintenária ou trienal de acordo com as disposições transitórias do atual Código Civil ?

Quantos aos processos transferidos para a Justiça do Trabalho, sem sentença de mérito antes da EC/45/04 emitida pela Justiça Comum, excepcionalmente e apenas para evitar-se uma situação de armadilha para os autores das pretensões deduzidas em juízo, eis que a tempo e modo ajuizaram a ação de reparação perante a justiça que era a competente e no prazo prescricional afeto àquele juízo natural, penso ser justa e jurídica a incidência da prescrição civil, não porque o litígio guarde natureza de índole civil, e sim porque houve alteração constitucional do juízo natural, modificando-lhe a competência. A prescrição nestes casos deverá tomar como marco o princípio da actio nata, ou seja, a data em que o interessado teve ciência inequívoca da lesão à saúde ou integridade física em virtude do acidente de trabalho. (Súmula n. 278 do STJ). [11] Se o acidente de trabalho é anterior ao Código Civil de 2.002, a prescrição é indiscutivelmente vintenária. Se o acidente de trabalho é posterior ao Código Civil de 2.002, a prescrição será vintenária se tiver ocorrido mais da metade do tempo previsto para a prescrição anterior, ou seja, se quando da lesão e ajuizamento da ação já tiver transcorrido mais de dez anos do lapso temporal que fixava a prescrição anterior. Se inexistir a fluência de mais da metade do prazo previsto no regime civil anterior, a prescrição civil será a trienal, que é a prescrição genérica aplicável a toda e qualquer pretensão de reparação civil, onde se enquadra tranqüilamente as reparações por danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho. A regra de direito transitória que aqui se aplica tem previsão no artigo 2.028 do Código Civil em vigor. Esta interpretação só tem aplicação para os processos egressos da Justiça Comum, haja vista que sendo o processo ajuizado diretamente na Justiça do Trabalho a prescrição aplicável é sempre a do artigo 7º inciso XXIX da Constituição Federal. [12]

O fundamento da natureza civil do litígio (como tem sido proclamada pelo colendo Tribunal Superior do Trabalho, salvo engano em arestos da lavra dos eminentes Ministros Lélio Bentes e Oreste Dalazen, que com base nesta característica aplicam a prescrição civil e não a trabalhista), desserve, a meu ver, como critério norteador da prescrição prevista no Código Civil, porque a ser assim, os litígios envolvendo pequena empreitada deveriam observar a prescrição civil relativa à empreitada, quando é incontroverso que a prescrição aplicável é a do juízo natural competente para apreciar a demanda, com incidência pacífica do artigo 7º, inciso XXIX, da CF/88 e anteriormente à sua vigência, o artigo 11, da CLT. A aplicação da prescrição trabalhista para esse litígio de típica natureza civil, onde o trabalhador, como operário ou artífice, participava de pequena empreitada, nunca foi objeto de cizânia doutrinária ou jurisprudencial. Como a competência para a apreciação de tais litígios decorre diretamente da legislação consolidada, que foi encampada pela EC/45/04, inexistindo controvérsia em torno do juízo natural ou migração de processos de um para outro juízo natural em face do aniquilamento do princípio da perpetuatio jurisdictionis por lei constitucional superveniente, a prescrição não autoriza a adoção de regras de contemporização, porque tais ações ajuizáveis originariamente na Justiça do Trabalho orientam-se pelo norte inexorável da prescrição trabalhista bienal ou qüinqüenal no curso do contrato de trabalho.

Quanto aos processos egressos da Justiça Comum com sentença de mérito emitida pelo juiz de direito após a Emenda Constitucional n. 45/04, os tribunais trabalhistas quando do exame do recurso ordinário deverão anular a r. sentença por incompetência absoluta, com remessa dos autos à primeira instância trabalhista, onde nova sentença será emitida, sendo a questão da prescrição automaticamente transferida para o primeiro grau.

Lógico que, em toda e qualquer ação ajuizada após a Emenda Constitucional n. 45/04, seja na Justiça Comum ou do Trabalho, a prescrição é inexoravelmente a prevista no artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal. [13]

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Sobre o autor
Júlio Bernardo do Carmo

Desembargador Presidente da 4ª Turma e da 2ª SDI do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, em Belo Horizonte (MG).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARMO, Júlio Bernardo. A prescrição em face da reparação de danos morais e materiais decorrentes de acidentes de trabalho ou doença profissional ao mesmo equiparada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1034, 1 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8309. Acesso em: 2 nov. 2024.

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