Evolução dos direitos e das garantias fundamentais nas constituições brasileiras

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14/06/2020 às 19:49

Resumo:


  • A evolução dos direitos e garantias fundamentais no Brasil foi marcada pela lenta conquista de direitos desde a Constituição de 1824 até a promulgação da Constituição de 1988, conhecida como "Constituição Cidadã".

  • Durante os períodos autoritários e ditatoriais, houve retração dos direitos e garantias previamente conquistados, necessitando de novas lutas pela democracia e pelo respeito à dignidade da pessoa humana.

  • A Constituição Federal de 1988 se destaca por sua ênfase nos direitos e garantias fundamentais, elevando-os a cláusulas pétreas e garantindo sua aplicabilidade imediata, além de inovar ao positivar direitos de terceira e quarta geração.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Examina-se a evolução dos direitos fundamentais nas constituições brasileiras e como eles foram surgindo de acordo com cenário mundial.

1. Introdução

O presente artigo tem como foco o estudo da evolução dos direitos e das garantias fundamentais nas constituições brasileiras, ou seja, o exercício do poder constituinte, desde a Constituição Política do Império do Brasil, outorgada em 25 de março de 1824, até a atual Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, a chamada Constituição Cidadã.

Será observado como se formaram as constituintes, quais as influências que sofreram da sociedade mundial e qual o papel da população brasileira em todo esse cenário, pois os direitos e as garantias fundamentais foram conquistados de forma lenta e gradativa e tinham como objetivo a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos.

É mister salientar que a evolução desses direitos não se deu totalmente de forma ascendente. Houve momentos na história, principalmente nos governos autoritários e ditatoriais, em que os direitos e as garantias, até então conquistados, sofreram retrações, sendo necessárias novas lutas para se fazer valer tudo o que fora adquirido. Daí há de se notar que o direito tem de ser exercido sob o risco de sucumbir diante de um Estado autoritário.

Outro ponto que merece destaque neste trabalho é o momento histórico em que os direitos e as garantias dos cidadãos foram positivados na Constituição, porém não correspondiam à realidade vivida pela sociedade da época. Um exemplo claro dessa situação vivida foi a Constituição Política do Império do Brasil de 1824, a primeira do país, em que vários direitos foram inseridos, mas não eram exercidos, principalmente em relação a penas como açoites, torturas e outras cruéis, cuja proibição estava descrita na Constituição, embora a prática fosse muito comum. Salienta-se que esse ponto será desenvolvido no decorrer deste artigo.

Para melhor compreensão do estudo dessa evolução, é necessário trazer, de forma breve, alguns conceitos, como Constituição, poder constituinte, direitos e garantias fundamentais, dignidade da pessoa humana, entre outros que passam a ser analisados.


2. Conceitos gerais

2.1 Constituição

Constituição é a lei maior de um determinado Estado, é o conjunto de normas jurídicas que dita sua criação. É elaborada pela vontade soberana do povo por meio de Assembleia Nacional Constituinte, ou seja, seria o resultado da manifestação dos anseios do povo. Ela disciplina a estrutura e organização do Estado, organiza os poderes públicos com as suas respectivas atribuições e competências, trata dos direitos e das garantias fundamentais, entre outros, ou seja, é a lei maior que rege a sociedade como um todo. Para Alexandre de Moraes (2017, p. 28):

Constituição deve ser entendida como lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes políticos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos.

Para ser um Estado, precisa haver uma Constituição, uma lei maior capaz de reger toda a sua estrutura, limitando o seu poder e garantindo a dignidade da pessoa humana.

2.2 Poder constituinte

Segundo Flávia Bahia (2017, p. 25), o poder constituinte é assim conceituado:

[...] o poder que fundamenta a criação de uma nova Constituição, a reforma desse texto constitucional e, nos Estados federativos, o poder que legitima a auto-organização dos Estados Membros por meio de suas próprias constituições, bem como as respectivas reformas aos textos estaduais.

Com isso, pode-se dizer que essa é a manifestação soberana da vontade de um povo, que o exerce de forma direta ou indireta por meio dos seus representantes que foram eleitos. É o poder pelo qual há a quebra das normas até então vigentes de um determinado Estado. Pode ser utilizado para se criar uma nova Constituição ou modificá-la, com a finalidade de trazer sua atualização de acordo com as necessidades e os anseios do momento.

Ele é classificado em duas espécies: poder constituinte originário e poder constituinte reformador.

O poder constituinte originário é o poder de elaborar uma nova ordem constitucional, é o poder inicial, autônomo, incondicionado e ilimitado. Pode ser histórico, quando cria a Constituição de um Estado novo, e também revolucionário, quando se cria uma nova Constituição para substituir outra já existente.

Agora, o poder constituinte derivado, dentro de uma Constituição, é instituído pelo poder constituinte originário. Ele se subdivide em reformador, quando modifica a Constituição por meio de emendas, respeitando os limites impostos por ela própria, e decorrente, que é o poder dado aos estados-membros para que possam elaborar suas próprias constituições, sempre observando os limites impostos pela lei maior. Com isso, tem-se que ele é um poder limitado e subordinado.

2.3 Direitos e garantias fundamentais

Os direitos fundamentais são inerentes aos indivíduos e vieram para garantir-lhes bem-estar e liberdades, ou seja, dignidade. Surgiram como uma forma de limitar o poder do Estado que, em diversos momentos históricos, tornou-se abusivo e autoritário. Consideram-se os direitos humanos aqueles que foram positivados em uma determinada lei do Estado.

Contudo, esses direitos não são ilimitados, pois esbarram em outros direitos já positivados. Para Alexandre de Moraes (2017, p. 45), esses direitos “não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos [...]”, pois tais direitos e garantias fundamentais surgiram lentamente na sociedade para garantir uma melhor qualidade de vida para os indivíduos, de acordo com a época vivenciada, e não para justificar atos que estejam em desacordo com a legislação do Estado ou que possam ferir o bom convívio em sociedade.

A evolução deles não ocorreu de maneira rápida, ao contrário, aconteceu lentamente, como consequência das diversas transformações ocorridas ao longo da história. Dessa forma, não foram reconhecidos nem inseridos na sociedade todos de uma só vez, mas decorreram de uma evolução progressiva, conforme a própria experiência de vida humana em sociedade.

Esses direitos tiveram sua origem de forma positivada na Revolução Francesa, com o marco na Declaração dos Direitos do Homem (Déclaration des Droits de I’Homme et du Citoyen, em 1789) e nas declarações de direitos formuladas pelos estados norte-americanos ao firmarem sua independência em relação à Inglaterra (Virginia Bill of Rights, em 1776).

Para Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2017, p. 94):

[...] os direitos fundamentais surgiram como normas que visavam restringir a atuação do Estado, exigindo deste o comportamento omissivo (abstenção) em favor da liberdade do indivíduo, ampliando o domínio da autonomia individual frente a ação estatal.

Tais direitos são divididos em gerações ou dimensões. A primeira geração (ou dimensão) corresponde aos direitos de liberdade do indivíduo e à limitação do poder do Estado, e é denominada liberdade negativa. A segunda geração engloba os direitos sociais, econômicos e culturais, e, nesse caso, o Estado deve atuar para garantir o mínimo existencial para a dignidade dos indivíduos. Já os direitos de terceira geração referem-se ao indivíduo inserido em uma sociedade e representam o direito à solidariedade. Também há os direitos de quarta geração, que estão relacionados à globalização dos direitos fundamentais, como o direito à democracia, à informação, entre outros.

Já as garantias fundamentais ou os remédios constitucionais são uma forma de proteção aos direitos já adquiridos, ou seja, os direitos que visam a garantir que estes sejam exercidos pelos cidadãos. Para Pedro Lenza (2017, p. 1103), esses direitos “são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos (previamente) ou prontamente os repara, caso violados”.

No entanto, é importante ressaltar que não adianta os cidadãos terem seus direitos amplamente positivados em uma determinada lei ou constituição se não houver mecanismos constitucionais que façam valer esses direitos, como habeas corpus, habeas data, mandado de segurança, mandado de injunção, entre outros.

2.4 Dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana é o princípio mais importante que um Estado deve buscar, pois ele coloca em evidência a valorização dos indivíduos. Ele garante o mínimo existencial das pessoas para uma vida digna, com respeito aos seus direitos e deveres perante a sociedade. Muitos dos direitos essenciais dos cidadãos, positivados nas constituições de diversos Estados, como os direitos individuais e coletivos, são advindos da dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido, os Estados que se democratizaram e tiveram como base a valorização do indivíduo buscaram na dignidade da pessoa humana a inspiração para seus direitos fundamentais. Confirmando tal pensamento, Pedro Lenza (2017, p. 408) salienta que

[...] a dignidade da pessoa humana é erigida à condição de meta-princípio. Por isso mesmo esta irradia valores e vetores de interpretação para todos os demais direitos fundamentais, exigindo que a figura humana receba sempre um tratamento moral condizente e igualitário, sempre tratando cada pessoa como fim em si mesma, nunca como meio (coisa) para satisfação de outros interesses ou de interesses de terceiros.

No Brasil não foi diferente, a evolução dos direitos e garantias fundamentais, teve como base esse princípio maior, que representa todos os anseios de uma sociedade que vinha sendo oprimida por um Estado autoritário, onde a cada Constituinte, novos direitos eram acrescentados no sentido de trazer a dignidade ao indivíduo. Nesse pensamento, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2017, p. 115) esclarecem o seguinte:

[...] o Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, resulta claro que o direito fundamental em apreço abrange o direito a uma existência digna, tanto sob o aspecto espiritual quanto material (garantia do mínimo necessário a uma existência digna, corolário do Estado Democrático de Direito).

Após os breves conceitos, inicia-se a análise da evolução dos direitos e das garantias fundamentais nas diversas constituições do Estado brasileiro.


3.Direitos e garantias fundamentais nas constituições brasileiras

3.1 Constituição Política do Império do Brasil de 1824

A primeira Constituição do Brasil foi idealizada sob diversas pressões e incoerências. O país estava se desvinculando do seu colonizador, Portugal, para ingressar em uma tão questionada independência, sob o comando do príncipe regente Dom Pedro I, ou seja, saía do domínio português para uma monarquia em que o imperador também era da linhagem portuguesa.

Após ter decidido ficar no Brasil, iniciando o processo de independência, Dom Pedro I expede um decreto convocando uma Assembleia Constituinte, e esta, com a independência, torna-se a fundadora da vida legal do Brasil, cuja primeira incumbência foi redigir a primeira Constituição.

Porém, essa primeira Assembleia Constituinte sofreu bastante pressões por parte do imperador, que buscava uma Constituição que atendesse principalmente aos próprios interesses e não aos interesses da população. Com isso, ponta das grandes divergências entre o imperador e a Assembleia, esta foi dissolvida, e, conforme prescreve Marco Antonio Villa (2011, p. 8): “A palavra foi derrotada pelo canhão. O poder impôs pela força sua vontade”.

Após a tensa situação vivida e de forma a atender aos interesses pessoais e de uma classe social constituída pelos ricos comerciantes portugueses e altos funcionários públicos, Dom Pedro I impõe o próprio projeto de texto constitucional, que é outorgado, em 25 de março de 1824, com título Constituição Política do Império do Brasil, que estabeleceu um governo monárquico, hereditário e representativo.

Essa Constituição imperial, mesmo sendo outorgada, recebeu uma grande influência das ideias liberais que marcavam o constitucionalismo na Europa por volta do século XVIII. O texto já trazia os direitos fundamentais de primeira geração devidamente positivados, descritos no título 8º com a nomenclatura de “Das Disposições Gerais e Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brazileiros”. Conforme ensina José Afonso da Silva (2007), essa foi a primeira Constituição no mundo a subjetivar e positivar os direitos do homem. Em seu art. 179 e diversos incisos, estão previstos inúmeros direitos individuais e sociais, como liberdade, segurança individual, propriedade, direito à educação, à saúde, entre outros. Porém, por tratar-se do último artigo da Constituição, demonstra-se que não foi destinado um espaço de relevância para os referidos direitos.

Entre os direitos inseridos nessa Constituição estavam a abolição de penas, como açoites, torturas, marca de ferro quente e outras penas cruéis, e o direito a prisões seguras, limpas e bem arejadas.

Tem-se, com isso, uma preocupação em assegurar a dignidade da pessoa humana, princípio amplamente difundido pelas ideias liberais. No entanto, segundo Paulo Vargas Groff (2008), a referida Constituição não criou mecanismos apropriados para defender e garantir os referidos direitos, o que impedia que a população em geral pudesse vivenciá-los, ou seja, era direito de alguns.

Para garantir a plenitude do seu poder, o imperador inseriu também na Constituição o Poder Moderador, que representava uma restrição à concretização e efetividade, de fato, dos diversos direitos relacionados no art. 179, pois, conforme já salientado anteriormente, sua real intenção era assegurar, de qualquer forma, seu poder supremo e seus interesses. Sobre o Poder Moderador, assevera Benigno Núñez Novo (2019, p. 6):

Era um poder autoritário que conferia a D. Pedro I poderes como chefe supremo da Nação, além de dar ao imperador a competência para intervir nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A pessoa do Imperador é inviolável e sagrada; ele não está sujeito a responsabilidade alguma, conforme o artigo 99 previa.

O poder do imperador, apesar de ser considerada uma Constituição do Estado, estava acima de tudo e de todos, ao mesmo tempo que ele queria demonstrar a valorização do indivíduo, garantindo suas liberdades, queria ter o controle desses direitos e para quem eram destinados, o que, naquele momento histórico, não era um benefício que alcançava todos os cidadãos.

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Com isso, pode-se verificar que os direitos que estavam positivados na Constituição, de fato, não alcançavam a população em geral. Nesse sentido, Marcos Antonio Villa (2011, p. 11) ressalta que “D. Pedro I inaugurou o arbítrio travestido de defensor das liberdades – a esquizofrenia de um discurso liberal e uma prática repressiva”.

Na prática, principalmente em relação aos direitos individuais, não havia aplicabilidade, pois a maioria da população, que antes da Constituição era escrava, continuava na mesma situação. Dessa forma, as liberdades e igualdades eram direitos de poucos. Era garantida a segurança individual, mas qualquer cidadão poderia matar sem ser punido. Aboliram-se as torturas e penas cruéis, contudo, os instrumentos de castigos, como o tronco, a gargalheira e os açoites, ainda eram amplamente utilizados, já que a economia da época era baseada no trabalho escravo.

Dessa forma, é importante enfatizar que essa Constituição, mesmo sendo outorgada, seguiu os padrões de valorização dos indivíduos tão difundidos na sociedade europeia, positivando vários direitos fundamentais de primeira geração, que seriam as liberdades negativas e alguns direitos sociais. Porém, a grande maioria desses direitos não correspondia à realidade vivida no país, ou seja, de acordo com o conceito trazido por Ferdinand Lassalle (2000), não correspondia à “soma dos fatores reais de poder”.

Colaborando para a análise da referida Constituição, no período estudado, havia uma Constituição formal e outra real, e era esta que regia de fato a sociedade. Paulo Vargas Groff (2008, p. 107), no artigo “Direitos fundamentais nas constituições brasileiras”, argumenta que

[...] a Constituição formal e a Constituição real estavam muito distantes. O Brasil teve um governo que estava muito longe dos ideais liberais colocados em prática nos países desenvolvidos. Tínhamos, em verdade, um governo autoritário, com fortes caracteres absolutistas.

Assim, nessa época, havia uma Constituição que, de certa forma, começava a valorizar os direitos humanos seguindo as tendências dos países europeus, mas, na prática, internamente, a maioria dos cidadãos não desfrutava dessa valorização.

3.2 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 é considerada a primeira Constituição do país a adotar como forma de governo a república. Ela surgiu dois anos após a queda do imperador Dom Pedro II, período em que havia perdido o apoio das elites escravocratas da época e seu governo estava bastante desgastado, pois não havia conseguido uma base social e nem a adesão dos setores da nova economia cafeeira para manter-se no trono. Por isso, a queda foi certa, pois não mais atendia aos interesses das classes dominantes.

Nesse ínterim, em 15 de novembro de 1889, foi proclamada a República, tendo como principal líder o marechal Deodoro da Fonseca que, por causa da crise enfrentada pelo império, teve amplo apoio das oligarquias, não havendo, assim, resistência diante da queda da monarquia. Nas palavras de Marco Antonio Villa (2011, p. 16): “a introdução do novo regime federativo, com a transferência de grande parte dos poderes do governo central para as oligarquias estaduais, propiciou a adesão em massa dos antigos monarquistas. No dia 16 de novembro de 1889 todos eram republicanos”.

Com isso, foi instituído um governo provisório, também sob a liderança do marechal Deodoro, que convocou a Assembleia Constituinte para elaborar a nova Constituição que veio a ser promulgada em 24 de fevereiro de 1891.

Essa Constituição foi bastante influenciada pela Constituição norte-americana de 1787, pelas ideias republicanas e liberais da época e também se espelhou nos pensamentos do filósofo positivista Auguste Comte, que acreditava que a sociedade era regida por leis fixas e objetivas, tal como a natureza era regida segundo as leis da física, como a gravidade.

Segundo os ensinamentos de Pedro Lenza (2017, p. 131), a nova Constituição adotou o sistema de governo presidencialista, forma de Estado federativo, abandonando o unitarismo, e também a forma republicana de governo no lugar da monarquia. Com isso, foram instituídos os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, excluindo o Poder Moderador, que permitia ao imperador intervir nos demais poderes.

Porém, para que o governo provisório pudesse conduzir o país até a entrada em vigor da nova Constituição republicana, foi necessária a edição de vários decretos, pois a sociedade brasileira estava passando por vários conflitos de interesses. Era essencialmente agrária e pobre e tinha uma política centralizadora, além de estar totalmente fragmentada. Nesse período, havia sido abolida a escravidão. Enfim, era uma sociedade em crise se adaptando às novas realidades. No Decreto n. 1, de 15 de novembro de 1889, o art. 1º formalizava o surgimento do novo regime: “fica proclamada provisoriamente e decretada como forma de governo da Nação brasileira a República Federativa”.

Com relação aos direitos fundamentais, a referida Constituição manteve os direitos já garantidos na Constituição anterior e ampliou mais alguns de primeira geração. Segundo Paulo Vargas Groff (2008, p. 110):

Ao rol de direitos da Constituição de 1824 foram acrescentados os seguintes direitos e garantias: extensão dos direitos aos estrangeiros; igualdade republicana; liberdade de culto; casamento civil e gratuito; cemitérios seculares; ensino leigo nos estabelecimentos públicos; fim da religião do Estado; direitos de reunião e associação; ampla defesa; perda da propriedade em decorrência de desapropriação por necessidade e utilidade pública, mediante indenização prévia; abolição das penas de galés e do banimento judicial; abolição da pena de morte, reservadas as disposições da legislação militar em tempo de guerra; habeas corpus; propriedade intelectual e de marcas e instituição do júri.

Um grande ponto a ser considerado, que é tido como uma inovação em relação à Constituição anterior, é que seria um rol demonstrativo de direitos, e a Constituição, em seu art. 78, deixou em aberto a possibilidade de serem reconhecidos outros, trazendo a seguinte redação: “A especificação das garantias e direitos expressos na Constituição não exclui outras garantias e direitos não enumerados, mas resultantes da forma de governo que ela estabelece e dos princípios que consigna”.

Agora, o grande avanço que essa Constituição trouxe, de forma a assegurar a dignidade da pessoa humana, foi a inclusão do habeas corpus, em que, segundo o art. 72,

§ 22: “Dar-se-ha o habeas-corpus sempre que o indivíduo soffrer ou se achar em imminente perigo de sofrer violencia, ou coacção, por illegalidade, ou abuso de poder”. Este, mesmo sendo limitado aos casos relacionados à liberdade de locomoção, foi o primeiro instrumento jurídico expresso em uma Constituição com o escopo de proteger os direitos.

Contudo, de forma semelhante à Constituição de 1824, há de se considerar que os direitos fundamentais positivados também não alcançaram a população em geral, pois a sociedade era fragilmente organizada, ou seja, os direitos expressos na Constituição não correspondiam à realidade, pois eram exercidos apenas por alguns e não pela coletividade. Ela também pode ser considerada uma mera folha de papel, como dizia Lassalle (2000), pois “suas disposições não encontraram eco na realidade social [...] seus comandos não foram cumpridos” (ALEXANDRINO; PAULO, 2009, p. 26).

Nesse sentido, para que a população em geral sentisse os efeitos desses direitos, seria necessária uma Constituição mais efetiva, com mecanismos capazes de facilitar e garantir o exercício por parte de todos, tornando-se, assim, uma Constituição mais real.

3.3 Constituição de 1934

Essa foi a segunda Constituição com ideais republicanos instituída no Brasil e a terceira em termos gerais. Teve um período curto na história, durou somente até 1937. Embora seu texto seja considerado como de regime democrático, ela foi elaborada e promulgada após um período conturbado em que o presidente provisório, Getúlio Vargas, governava de forma quase ditatorial depois de ter derrubado o presidente da República Washington Luís em 1930, após um golpe militar, ou seja, ela veio como uma forma de legitimar Getúlio Vargas no poder.

Diante disso, em 16 de julho de 1934, foi promulgada a nova Constituição que se preocupou em manter os principais fundamentos da Constituição anterior, como a República, o federalismo e o presidencialismo. De acordo com Pedro Lenza (2017, p. 137): “o texto de 1934 sofreu forte influência da Constituição de Weimar da Alemanha de 1919, evidenciando, portanto, os direitos humanos de 2ª geração ou dimensão e a perspectiva de um Estado social de direito (democracia social)”.

A referida Constituição, seguindo o mesmo padrão das anteriores, também deu ênfase aos direitos e às garantias fundamentais, repetindo, em seu art. 113 e incisos, um extenso rol de direitos individuais, e inovou ao tratar do direito à propriedade, afirmando, em seu art. 13, XVII, que ele não poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo.

Com relação à proteção desses direitos, foi mantido o habeas corpus e criado o mandado de segurança no art. 13, XXXIII, que protegia o direito líquido e certo não amparado pelo habeas corpus. Também foi criado o primeiro instrumento de defesa da cidadania, que era a ação popular que visava à proteção do patrimônio da União, dos estados e dos municípios contra qualquer ato lesivo (art. 113, XXXVIII).

A grande inovação da Constituição de 1934 foi a implementação dos direitos de segunda geração ou dimensão, que seriam os direitos sociais, os quais exigiam uma prestação positiva por parte do Estado para que eles fossem realmente implementados, promovendo, assim, uma melhoria na qualidade de vida dos indivíduos. Foi reservado um título na Constituição para tratar desses direitos – “Título IV – Da Ordem Econômica e Social” –, além de prever também diversas normas de proteção social do trabalhador, garantindo, assim, que os conflitos gerados na relação trabalhista fossem dirimidos de forma imparcial por intermédio da Justiça do Trabalho, também criada nessa Constituição por meio do art. 122.

Outro ponto que merece destaque é a previsão dos direitos culturais que consolidava ainda mais o Estado como um “Estado Social”. Nas palavras de Pedro Lenza (2017,p. 139):

“Vários direitos clássicos são mantidos. Inovando, em razão do caráter social da Constituição, são destacados novos títulos, como o da ordem econômica e social (Título IV), da família, educação e cultura (Título V) [...]”.

Esse ponto reafirma ainda mais a conscientização do constituinte sobre a valorização da pessoa humana. Com isso, pode-se dizer que a Constituição de 1934 representou o início de uma nova fase na vida dos cidadãos brasileiros.

3.4 Constituição de 1937

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1937 foi a quarta Constituição brasileira e a terceira após a instituição da república, bem como a primeira Constituição republicana que teve um caráter autoritário. Foi outorgada pelo presidente da República Getúlio Vargas em 10 de novembro de 1937, por meio de um golpe de Estado, o qual, apoiado pelos militares a permanecer no poder, instaurou o chamado “Estado Novo”.

Ela teve como influência a Constituição polonesa de 1935, e, por isso, a oposição ao governo autoritário a chamava ironicamente de “Constituição Polaca”, a qual, segundo Paulo Vargas Groff (2008, p. 115), “era uma Constituição de cunho fascista, inspirada no regime fascista italiano e alemão”.

Ela inova ao trazer em seus arts. 124 a 134 a instituição de diversas garantias alusivas à família e à educação, à proteção da infância e da juventude e à assistência do Estado às famílias com poucas condições financeiras.

Porém, embora com as inovações descritas e a manutenção de muitas conquistas no âmbito social das constituições anteriores, tais direitos foram frequentemente desprezados e deixados de lado pelo governo autoritário vigente. Não somente isso, mas várias formas de repressão aos indivíduos também começaram a vigorar, tais como: pena de morte, censura, dissolução de partidos políticos, fim das eleições, entre outros. Conforme o art. 173 com redação determinada pela Lei Constitucional n. 7, de 30 de setembro de 1942, todo pensamento ou posicionamento divergente do governo estava sendo eliminado. Houve uma retração de fato em relação aos direitos e às garantias fundamentais. Nesse sentido, Villa (2011, p. 47) enfatiza: “é como uma declaração de direitos às avessas, um grande salto para trás na defesa das liberdades e da democracia”.

Como forma de reafirmar tais retrocessos, Pedro Lenza (2017, p. 143) ressalta que

[...] não houve do mandado de segurança nem ação popular. Não se tratou dos princípios da irretroatividade das leis e da reserva legal. O direito de manifestação do pensamento foi restringido, pois previa no art. 122, n. 15, “a”, que, com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança pública, a censura prévia da imprensa, do teatro, do cinematógrafo, da radiodifusão podia ser exercida, facultando-se à autoridade competente coibir a circulação, a difusão ou a representação.

O mesmo autor também esclarece que foram suspensos os direitos e as garantias individuais por causa da declaração do estado de emergência, conforme o art. 186, sendo revogados somente em 1945 por meio da Lei n. 16, de 30 de novembro de 1945. A tortura foi utilizada como forma de repressão; proibiram-se o chamado lockout e o direito à greve, tendo em vista que, de acordo com o art. 139, foram declarados movimentos antissociais nocivos ao trabalho e ao capital.

Nesse período, o país viveu um intenso e complicado estado de emergência, e, por isso, os direitos e as garantias fundamentais, mesmos previstos de forma expressa na Constituição, não alcançaram efetividade; tratava-se apenas de uma confirmação do poder ditatorial da época.

3.5 Constituição de 1946

Essa Constituição foi promulgada pela Assembleia Constituinte em 18 de setembro de 1946. Foi a quinta Constituição brasileira, a quarta republicana e a terceira de caráter republicano-democrático. Tratava-se de uma redemocratização do Estado brasileiro que vinha de um governo autoritário desde 1930.

Esse fato se deu por causa das incoerências no governo de Getúlio Vargas, principalmente em sua adesão à Segunda Guerra Mundial contra os países do “Eixo”, representados principalmente pela Alemanha, pela Itália e pelo Japão, em que a luta era contra a ditadura nazifascista, já que o Brasil era governado de forma ditatorial. Por conta disso e de outras inúmeras situações que afligiam a população, Getúlio Vargas foi deposto pelos militares, e assumiu provisoriamente o governo o então presidente do Supremo Tribunal Federal José Linhares até a eleição democrática do novo presidente, o general Gaspar Dutra.

Ao falar dessa Constituição, Pedro Lenza (2017, p. 145-146) afirma o seguinte: “O texto inspirou-se nas ideias liberais da Constituição de 1891 e nas ideias sociais de 1934. Na ordem econômica, procurou harmonizar o princípio da livre iniciativa como o da justiça social”.

Essa pode ser considerada uma Constituição social, sendo a mais democrática até o momento, pois novamente assegurava os direitos e as garantias fundamentais dos cidadãos que, na Constituição anterior, haviam sido restringidos. Também dava uma maior autonomia aos estados e municípios, o que antes não acontecia tendo em vista uma maior concentração de poder na União. Houve uma restauração dos direitos de primeira e segunda gerações que haviam sido inseridos nas constituições de 1891 e 1934, respectivamente, além de terem sido restaurados também os instrumentos jurídicos que protegiam o exercício desses direitos: habeas corpus, mandado de segurança, ação popular e os princípios da legalidade e irretroatividade da lei.

Uma novidade de suma importância inserida nesse texto constitucional foi a instituição do princípio da ubiquidade da justiça tratada no art. 141, § 4º, nos seguintes termos: “A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual”. De acordo com Pontes de Miranda (1999, p. 79), “essa foi a mais prestante criação do constituinte de 1946”.

Além das referidas restaurações de direitos e da novidade mencionada, inseriram-se o direito de livre expressão sem medo de ser censurado, o direito à inviolabilidade do sigilo de correspondências e a liberdade de livre associação para fins lícitos.

Há de se destacar também que foi a primeira Constituição a estender às mulheres o direito de votar, o que antes, na Constituição de 1934, era restrito apenas àquelas que trabalhavam de forma remunerada em funções públicas. Essa Constituição buscou a igualdade de todos perante a lei.

No âmbito dos direitos sociais, houve algumas inovações, tais como: direito dos trabalhadores à participação nos lucros da empresa, estabilidade para empregados urbanos e rurais e indenização em situações de dispensa imotivada. Também houve valorização da família ao inserir a assistência à maternidade, à infância e à adolescência e às famílias de prole numerosa, entre outros direitos.

3.6 Constituição de 1967

A Constituição brasileira de 1967, elaborada e promulgada formalmente pelo Congresso Nacional em 24 de janeiro de 1967, entrou em vigor em 15 de março de 1967, após o golpe militar no ano de 1964, que destituiu do poder o então presidente da República João Goulart, instaurando assim, no Brasil, um regime militar que realizou profundas mudanças na vida econômica, política e social do país.

Esse golpe foi apoiado de forma incisiva pelos Estados Unidos, pois, após a Revolução Cubana, o medo era que o comunismo se instalasse no continente americano, e com isso, na década de 1960, na América Latina, vários regimes, em tese, democráticos, foram derrubados por golpes militares com o pretexto de impedirem a expansão do regime comunista.

Segundo Benigno Núñez Novo (2019, p. 12): “o contexto predominante nessa época era o autoritarismo e a política da chamada segurança nacional, que visava a combater inimigos internos ao regime, rotulados de subversivos”. Com isso, após o referido golpe militar, mais especificamente entre 1964 e 1967, antes da promulgação da nova Constituição, o governo militar editou atos institucionais, com o intuito de legalizar e legitimar as ações políticas contrárias à Constituição, e os direitos e as garantias fundamentais foram totalmente enfraquecidos. Esses atos, de forma geral, restringiram a democracia principalmente após a edição do Ato Institucional n. 5 (AI-5), que, conforme expressa Pedro Lenza (2017, p. 151), foi “o famigerado e mais violento ato baixado pela ditadura [...] fixando as seguintes ‘atrocidades’ nos termos de sua ementa [...]”. Como o exemplo do seu art. 4º que descreve:

No interesse de preservar a Revolução, o Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais.

Confirmando tal situação, que trouxe grandes mazelas à sociedade, Flavia Lages de Castro (2010, p. 531) preleciona que “cerca de dois mil funcionários públicos foram demitidos ou aposentados compulsoriamente. Trezentas e oitenta e seis pessoas tiveram seus mandatos cassados e/ou viram seus direitos políticos serem suspensos por dez anos”. Mais uma vez na história do país, quem tinha um pensamento contrário ao governo era atacado, reprimido, entre outras atrocidades.

Com isso, visando a dar uma maior legitimidade à ditadura militar, o então presidente marechal Humberto Castello Branco convocou de forma extraordinária o Congresso Nacional para a votação do projeto de Constituição, porém, conforme afirma Paulo Vargas Groff (2008, p. 121): “tratava-se de uma convocação autoritária, com todos os meios de pressão e de repressão que não permitiam a livre expressão”.

Nesse diapasão, verifica-se que, nessa Constituição, o termo promulgado foi utilizado falsamente, não correspondendo à realidade, pois, além de a convocação ter sido autoritária, na Assembleia Constituinte não havia membros da oposição, pois foram afastados pelo regime militar. Por isso, foi possibilitada a “promulgação” dessa Constituição, que, em seu texto, reuniu os atos institucionais e complementares até então editados pelo governo militar, legalizando, assim, o regime militar, o qual, conforme Benigno Núñez Novo (2019): “Baseou toda a estrutura de poder na segurança nacional”. Visando a essa segurança, o governo se empenhou na criação de mecanismos que fossem capazes de controlar e, se necessário, censurar todos os meios de comunicação e qualquer forma de manifestação ligada à vida cultural do país.

Novamente, várias conquistas dos cidadãos obtidas ao longo do tempo foram restringidas por causa do governo autoritário instaurado. Embora fossem previstos os direitos básicos de liberdade, segurança individual e propriedade, além de direitos de reunião e associação para fins lícitos, não havia prerrogativas que os assegurassem, visto que decretos e emendas eram usados para limitá-los ou, até mesmo, anulá-los.

3.7 “Constituição de 1969” – Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969

De acordo com Pedro Lenza (2017, p. 152), “podemos considerar a EC n. 1/69 como a manifestação de um novo poder constituinte originário, outorgando uma nova Carta, que ‘constitucionalizava’ a utilização dos Atos Institucionais”.

Essa Constituição foi elaborada por uma Junta Militar que, segundo Paulo Vargas Groff (2008), reivindicou o poder constituinte derivado durante o recesso do Congresso, e, com isso, tem-se que não houve nenhuma discussão nem votação, sendo assim outorgada. Não existe um total consenso, porém, para muitos doutrinadores, era considerada como a Constituição de 1969, sob o título de Constituição da República Federativa do Brasil, e foi praticamente uma atualização mais radical da já autoritária Constituição de 1967.

Nesse período, o país vivia uma intensa restrição de direitos e garantias, em consonância com os atos institucionais. A Lei de Imprensa ou Lei de Censura silenciava os cidadãos e acobertava as amplas violações cometidas contra direitos fundamentais e, consequentemente, a dignidade da pessoa humana. Segundo o autor João Baptista Herkenhoff (1994, p. 84): “Com a supressão do habeas corpus, com a suspensão das garantias da magistratura e com a cassação da liberdade de imprensa, a tortura e os assassinatos políticos foram largamente praticados no país, sob o regime do Ato Institucional n. 5”.

Esse período de ditadura instaurada pelo governo militar e positivada na Constituição de 1967 e na suposta “Constituição de 1969”, a qual perdurou até a constituinte de 1988, foi marcado pela retração de direitos e garantias fundamentais e por uma afronta à dignidade da pessoa humana. Como descrito anteriormente, muitos direitos estavam expressos nas constituições, porém, por causa dos governos autoritários, permaneciam longe da realidade.

3.8 Constituição Federal de 1988

A Constituição da República Federativa do Brasil, também chamada de “Constituição Cidadã”, nome dado pelo saudoso Ulysses Guimarães, que, na época, era o presidente da Assembleia Nacional Constituinte, foi promulgada em 5 de outubro de 1988. Nas palavras de Pedro Lenza (2017, p. 157), ela, sendo democrática e liberal, sofreu grande influência da Constituição portuguesa de 1976 e foi a que demonstrou maior legitimidade popular. Foi a sétima Constituição do Brasil e a que deu mais ênfase aos direitos e às garantias fundamentais, na qual o constituinte se preocupou, desde o seu preâmbulo, a valorizar a dignidade da pessoa humana nos seguintes termos:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte, para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.

Nas palavras de Pedro Lenza (2017, p. 157):

No preâmbulo da CF/88 foi instituído um Estado Democrático, destinado a assegurar os seguintes valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias: o exercício sociais e individuais; a liberdade; a segurança; o bem-estar; o desenvolvimento; a igualdade; a justiça.

Cada palavra do preâmbulo teve a importância de retratar os objetivos da nova Constituição Federal, a forma como os governantes por meio dela iriam conduzir a população brasileira, tendo como principal foco a valorização da condição humana.

Tal foi a importância que ela deu aos direitos e às garantias fundamentais que eles foram posicionados no seu texto, antes mesmo da organização do Estado, o que não ocorria nas constituições anteriores.

No título I – “Princípios Fundamentais” –, ela já faz grande menção aos direitos, principalmente, como mencionado anteriormente, em seu preâmbulo. O foco foi dado no título II – “Direitos e Garantias Fundamentais”, no qual o constituinte quis demonstrar a importância desses direitos. Conforme menciona Paulo Vargas Groff (2008, p. 125): “além dos direitos fundamentais constituírem os princípios fundamentais da Constituição, eles se encontram presentes de uma forma direta ou indireta em todo corpo da Constituição”. Isso demonstra que ela está em conformidade com os principais pactos internacionais sobre os direitos humanos e também está na mesma linha da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

Além dos direitos já expressos nas constituições anteriores, tanto os direitos e as garantias individuais como os direitos sociais e coletivos, a Constituição de 1988, além de trazer significativas inovações, preocupou-se em garantir de forma mais efetiva o exercício deles, de modo que pudessem se tornar realidade.

Um ponto importante a ser considerado acerca da valorização dos direitos e das garantias fundamentais foi a elevação deles ao status de cláusula pétrea, definido no art. 60, § 4º. A grande inovação trazida por esse texto constitucional de forma expressa foi a aplicabilidade imediata desses direitos, conforme consta no art. 5º, § 1º: “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

Primeiramente, essa eficácia imediata vincula o Estado aos seus órgãos, de modo a garantir, por meio de políticas públicas, o exercício desses direitos por parte dos indivíduos, o que seria a chamada eficácia vertical dos direitos fundamentais. Também ela vincula os particulares que constituem a chamada eficácia horizontal desses direitos.

Outra grande novidade foi a positivação dos direitos de terceira e quarta gerações ou dimensões, o que nas constituições anteriores não era previsto, como: direitos de solidariedade ou fraternidade, direito a um meio ambiente equilibrado, direito a uma saudável qualidade de vida, direito à democracia, à informação, pluralismo político, entre outros.

Em relação à proteção ao exercício desses direitos, os remédios constitucionais, ela reitera os já consagrados anteriormente e propõe inovações. Dessa forma, no seu art. 5º, estão dispostos habeas corpus, mandado de segurança, ação popular, direito de certidão, direito de petição, habeas data, mandado de injunção e mandado de segurança coletivo. Isso mostra a preocupação clara que o constituinte teve em tentar garantir esses direitos que foram quase que totalmente suprimidos no período autoritário anterior.

Outras situações expressas nessa Constituição merecem destaque: direito ao voto pelos analfabetos, voto facultativo para os jovens de 16 a 18 anos e direitos e garantias dos trabalhadores, como redução da jornada de trabalho, licença-maternidade, licença--paternidade, direito à greve, entre outros. Os trabalhadores rurais e domésticos foram inseridos nos direitos trabalhistas, o que antes não era previsto. Ela trouxe ainda grandes conquistas de direitos e proteção em relação às minorias, como crianças, jovens, idosos, mulheres, negros, índios e pessoas com deficiência.

Há de se destacar que a luta popular que teve como finalidade a promulgação da Constituição Cidadã iniciou-se bem antes do fim da ditadura, pois o povo não suportava mais tamanha repressão. Ganhou forças com a derrota da Emenda Constitucional das “Diretas Já”, em 1984, e, com isso, várias lideranças políticas começaram a percorrer o país na tentativa de unir o povo com o ideal único de colocar fim ao regime ditatorial.

Diante disso, essa Constituição foi o marco de um novo período na história do Brasil, pois se iniciava a Nova República. O país voltava à democracia após mais de 20 anos de ditadura, em que a repressão, a censura e o autoritarismo imperavam, os direitos e as garantias fundamentais eram deixados de lado em prol de uma política nacional em que o pensamento divergente do estabelecido pelo governo era extirpado, os atos de censura eram acobertados legalmente por meio dos atos institucionais, tudo em nome da ordem e do progresso. Agora, seria a vez da democracia, em que todos realmente seriam iguais perante a lei, em que a dignidade da pessoa humana seria garantida por meio de políticas sociais.

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