4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ainda que parte da doutrina sustente que as provas ilícitas devem ser admitidas no processo e atenuem a sua inadmissibilidade através do princípio da proporcionalidade, entendemos ser um equívoco defendê-las quando atentem contra a dignidade da pessoa humana. Não vislumbramos soluções radicais para o problema, de forma que, não obstante o subjetivismo inerente à teoria da proporcionalidade, talvez sua aplicação seja razoável em situações extraordinárias, nas quais a exclusão da prova produziria resultados desproporcionais, incomuns e repugnantes (CAPELLETI apud QUEIJO, 2003).
Contudo, mesmo diante de situações excepcionais, alertamos para as terríveis conseqüências provenientes do acolhimento de tais provas, afinal, sua adoção não só geraria descrédito para a administração da justiça como produziria um paradoxo, pois "[...] mesmo que fossem punidos os autores das infrações, não seria adequado que o Estado, que objetiva combater os ilícitos, dele se beneficiasse, utilizando a prova ilícita [...]" (QUEIJO, 2003, p. 379).
A história é rica em exemplos de povos que, apesar de seu amplo desenvolvimento cultural e intelectual, entregaram-se a tiranos, a Estados desprovidos de qualquer demonstração de respeito à vida humana. Como evitar então que um país como o nosso, assolado pela corrupção, onde brotam desigualdades e a Constituição é apenas um pedaço de papel (Ein Stück Papier, nas palavras de Ferdinand Lassalle) se torne uma antítese do tão almejado Estado Democrático de Direito?
Talvez a história realmente seja um "imenso matadouro", como afirmara Hegel, todavia, em momentos como esses, repletos de desilusões e incertezas, o apelo aos valores e aos ideais torna-se imprescindível.
A defesa inexorável do ser humano e a visão de que o outro não é mais um inimigo (que deve ser destruído), formam, juntamente com outros quesitos, o conteúdo mínimo do Estado democrático.
Outrossim, rechaçar um modelo processual autoritário e distante da ética é proteger o ordenamento jurídico contra ilegalidades e conferir ao processo legitimidade. Ao permitir que o Estado viole o princípio da dignidade da pessoa humana em prol de uma sensação passageira de segurança, o cidadão não se encontra mais protegido, muito pelo contrário, reduz suas defesas contra ingerências do poder público. Pune-se o acusado, desprotege-se o cidadão.
Diante de mais uma contradição, concluímos com a indagação do brilhante Norberto Bobbio (2002, p. 43): "[...] quem controla os controladores? Se não conseguir encontrar uma resposta adequada para esta pergunta, a democracia está perdida [...]".
5. REFERÊNCIAS
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