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Agências reguladoras

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30/04/2006 às 00:00
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Conclusão

            A nova visão da atuação do Estado no meio econômico, diminuindo sua participação direta na prestação de serviços, impõe, por outro lado, o fortalecimento de sua função reguladora e fiscalizadora, em um processo de reestruturação administrativa, que vise ao controle eficiente das empresas prestadoras de serviços de natureza eminentemente pública.

            Uma das formas primordiais de manifestação das agências, e que justifica seu delineamento, encontra-se na busca do equilíbrio entre o poder concedente, o concessionário e o usuário, de forma a se privilegiar o interesse público aí incidente. Para o desempenho de tal mister, são tais autarquias de regime especial dotadas de autonomia funcional, administrativa e financeira, e, em prol do atendimento ao sistema de freios e contrapesos, sujeitas, de outra parte, ao controle de metas e desempenho, bem como à avaliação periódica dos resultados, pelo respectivo Ministério a que se encontram vinculadas por meio do contrato de gestão.

            No decorrer da abordagem desenvolvida, procurou-se delimitar as calorosas discussões que se travam em torno das questões constitucionais relativas aos entes reguladores, especialmente no campo de seu poder normativo, ponto fulcral das maiores controvérsias. Isso porque, em face da concentração de poderes a cargo das agências, questiona-se se tal constatação não configuraria uma violação ao princípio da separação dos poderes, bem como ao preceito de legalidade, pressupostos de qualquer democracia. Esta, entretanto, não é a conclusão que nos afigura mais plausível.

            Com efeito, diante das profundas alterações sociais, políticas e econômicas da realidade mundial, não há que se cogitar da manutenção da concepção clássica do princípio da separação dos poderes. De fato, entende-se hoje que a divisão tripartite, concebida por Montesquieu, não pode mais imperar de maneira rígida, alheia às transformações históricas em todos os segmentos sociais, com aprofundados reflexos na seara jurídica.

            Pode-se inclusive aferir que a concentração de atribuições pelas agências reguladoras, favorecendo a amenização da acumulação de competências na Administração direta, aliada à regulação das atividades econômicas, antes de ferir o princípio da separação dos poderes, contribui para sua concretização, não no campo meramente formal, mas no aspecto substancial de garantia eficaz da segurança jurídica e proteção da coletividade, que se constituem pressupostos justificadores do próprio princípio em menção.

            Quanto ao aspecto de legalidade, questionamento sempre ínsito das controvérsias acerca da constitucionalidade dos entes regulatórios, reitere-se a impropriedade da apreciação restrita ao campo do processo legislativo em sentido estrito, ignorando-se as modernas teorias justificadoras do poder normativo dos entes de regulação, de modo a negar-lhe credibilidade jurídica. A esse respeito, convém lembrar, por oportuno, a Teoria dos Ordenamentos Setoriais, exposta, na doutrina pátria, pelo jurista Alexandre Santos de Aragão [11], que dispõe clara distinção entre as esferas política e técnica da tomada de decisões, caracterizando a delegificação, viabilizadora da constitucionalidade do poder normativo das agências, não como transferência de poderes legislativos, mas como simples adoção de uma política de delegação permitida, da sede normativa originária à sede delegatária, restrita à competência para legislar acerca de determinada matéria, notadamente de ordem técnica.

            Como restou demonstrado no curso da presente pesquisa, tal entendimento, na doutrina internacional, é capitaneado por expoentes como J. J. Gomes Canotilho, acerca do que denomina regulática, fruto de um ‘complexo processo juris-sociológico de produção do direito’, nos seguintes termos: "uma compreensão moderna (rectius: pós-moderna) das fontes de direito deve também responder às mudanças das estruturas sociais num sentido individualizante, e, por isso, causadoras de modelos de regulação flexíveis. (...). Independentemente dos postulados teóricos e políticos da regulática, é inegável que não existe um monopólio estatal de normação constitucionalmente consagrado. Pelo contrário: vários preceitos constitucionais apontam para a necessidade de desconcentração e descentralização da regulação jurídica" [12].

            Muitas, entretanto, são as dificuldades encontradas por tais agências no plano concreto da materialização das prerrogativas institucionais de que foram incumbidas, em clara demonstração de que, apesar dos avanços, os mecanismos de controle, proteção e garantia de satisfação do usuário de serviços públicos delegados ainda necessitam de largo aprimoramento.


Referências

            ARAGÃO, Alexandre Santos de. As Agências Reguladoras Independentes e a Separação de Poderes – uma Contribuição da Teoria dos Ordenamentos Setoriais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. Ano 90, Vol. 786.

            ___________________________. O poder normativo das agências reguladoras independentes e o Estado Democrático de Direito. Revista de Informação Legislativa. Ano 37. nº 148. Brasília: Secretaria Especial de Editoração e Publicações do Senado Federal, out./dez. 2000.

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Notas

            01

A previsão constitucional de criação do primeiro órgão regulador para os serviços de telecomunicações deu-se em 1995, através da Emenda Constitucional n.° 8, que reformulou o art. 21, XI da CF/88. A primeira agência reguladora brasileira, a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL foi instituída em 1996, pela Lei nº 9.427.

            02

Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Agências Reguladoras (descentralização e deslegalização). In. Mutações do Direito Administrativo, pp. 161/162.

            03

Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, p. 336.

            04

Ibidem.

            05

Maria Sylvia Zanella di Pietro.Direito Administrativo, p. 140/141.

            06

J. J. Gomes Canotilho. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, pp. 682/683.

            07

Na sua redação originária e na redação que lhe conferiu o art. 1° da Lei Estadual n.° 11.292/98.

            08

Notadamente os ensinamentos de Maria Sylvia Zanella di Pietro (In. Direito Administrativo, p. 392) e Pedro Dutra (In. O poder Regulamentar dos órgãos Reguladores. RDA, V. 221, p. 250).

            09

Alexandre Santos de Aragão. As Agências Reguladoras Independentes e a Separação de Poderes – uma Contribuição da Teoria dos Ordenamentos Setoriais, pp. 51/53.

            10

Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Natureza Jurídica. Competência Normativa. Limites de Atuação. In. Revista de Direito Administrativo, Vol. 215, jan./mar, 1999, p. 77/79.

            11

Alexandre Santos de Aragão. As Agências Reguladoras Independentes e a Separação de Poderes – uma Contribuição da Teoria dos Ordenamentos Setoriais, pp. 51/53.

            12

J. J. Gomes Canotilho. Op. Cit., pp. 682/683.
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Sobre a autora
Adriana Carneiro Monteiro

analista judiciária da Justiça Federal em João Pessoa (PB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTEIRO, Adriana Carneiro. Agências reguladoras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1033, 30 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8328. Acesso em: 23 abr. 2024.

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