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Notas sobre a alienação do trabalho intelectual e o novo dilema de Promoteu

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01/05/2006 às 00:00
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2. A ORIGEM DAS MERCADORIAS E DO VALOR

O capitalismo, enquanto modo de produção e reprodução social, econômico e político, não é produto, por mera causalidade, da simples atividade da classe burguesa. Nem ela, burguesia, é um produto do modo de produção capitalista. Foram os homens e grupos, "surgidos de meios diversos, tendo em comum o fato de disporem de recursos financeiros acumulados de diferentes modos (e determináveis), e de buscarem o lucro comercial máximo, que se empenharam em construir manufaturas nas quais arregimentassem os pobres das cidades e os camponeses expulsos dos campos e em montar circuitos de venda lucrativos" (CHATELET; DUHAMEL; PISIER-KIUCHNER, 1990:131). O capitalismo é um produto histórico e contraditório da divisão social do trabalho, da apropriação privada do excedente e rendas do trabalho. O capitalismo só existe como modo de produção pela existência de trabalho humano alienado. Tudo o que aparece no trabalhador como "atividade da exteriorização, da alienação", aparece no não trabalhador como "estado de exteriorização, de alienação".

"Se o produto do trabalho não pertence ao trabalhador, um poder alheio estando frente a ele, então isto só é possível por //o produto do trabalho// pertencer a um outro homem fora o trabalhador. Se a sua atividade lhe é tormento, então tem que ser fruição a um outro e a alegria de viver de um outro. Não os deuses, não a natureza, só o homem mesmo pode ser este poder alheio sobre o //s// homem //ns//." (MARX, 1989a:159)

Mas se o homem se relaciona com o produto de seu trabalho objetivado como um objeto alheio, inimigo poderoso e independente dele, "então se relaciona com ele de maneira tal que um outro homem alheio a ele, inimigo poderoso, independente dele, é o senhor deste objeto". Estabelece-se, portanto, um conflito no seio do modo de produção entre aquele que se apropria do trabalho humano objetivado e verdadeiro produtor, o trabalhador alienado. Na medida em que o homem se relaciona com a sua atividade como uma atividade não livre, então ele se relaciona com a atividade sob o domínio e a serviço, coerção e jugo de outro homem.

"Toda a auto-alienação do homem de si e da natureza aparece na relação que ele confere a si e à natureza com os outros homens diferentes dele. Daí que a auto-alienação religiosa apareça necessariamente na relação do leigo com o sacerdote ou também, já que aqui se trata do mundo intelectual, com um mediador, etc. No mundo efetivo prático auto-alienação só pode aparecer através da relação efetivamente real, prática com os outros homens. O meio pelo qual procede a alienação é ele mesmo um //meio// prático. Pelo trabalho alienado, portanto, o homem não engendra apenas a sua relação com o objeto e com o ato de produção enquanto poderes alheios e inimigos dele; engendra também a relação na qual outros homens estão com a produção e o produto dele e a relação na qual ele está com estes outros homens. Tal como ele //engendra// a sua própria produção para a sua desefetivação //Entwirklinchung//, para o seu castigo, tal como //engendra// o seu próprio produto para a perda, para //ser// um produto não pertencente a ele, assim ele engendra a dominação daquele que não produz sobre a produção e sobre o produto. Tal como aliena de si a sua própria atividade, assim ele apropria ao estranho a atividade não própria deste." (MARX, 1989a:160)

O desenvolvimento histórico da divisão social do trabalho, com a cisão da atividade humana em atividade produtiva material e atividade intelectual, estabeleceu não apenas a apropriação privada dos meios de produção material, mas também a apropriação dos meios de produção das idéias. Alienados dos meios de produção da vida material, os homens são alijados, também, dos meios de produção do próprio espírito. "As idéias dominantes são a expressão ideal das relações materiais de produção concebidas como idéias; portanto, a expressão das relações que tornam uma classe a classe dominante; portanto, as idéias de sua dominação", na medida em que a "classe dominante", além dos meios de produção material, exerce também o domínio sobre os meios de produção intelectual e espiritual.

"(...) a noção de classe, segundo Marx, não é redutível nem a um atributo de que seriam portadoras as unidades individuais que a compõem, nem a soma dessas unidades. Ela é algo diferente. Uma totalidade relacional e não uma simples soma... Sua abordagem recusa que se veja a classe como uma pessoa ou como um sujeito unificado e consciente, à imagem do sujeito unificado e consciente, à imagem do sujeito relacional da psicologia clássica. Não há classe senão na relação conflitual com outras classes... A realidade dinâmica das classes não cai nunca no domínio inerte da objetividade pura. Sua coesão é irredutível à unidade formal de uma simples coleção de indivíduos." [7] (BENSAID apud LEITE, 1999:9)

Como se vê, a luta de classes, que para MARX e ENGELS é o elemento dinâmico da história, não é um simples reflexo de uma luta na esfera econômica. As contradições do capitalismo, conforme relata ENGELS numa carta que remeteu a Ernest BLOCH em 21 de setembro de 1890, tem uma dimensão mais ampla:

"(...) Segundo a concepção materialista da história, o fator que, em última instância, determina a história é a produção e a reprodução da vida real. Nem Marx, nem eu afirmamos, uma vez se quer, algo mais do que isso. Se alguém o modifica afirmando que o fator econômico é o único fato determinante, converte aquela tese numa frase vazia, abstrata e absurda. A situação econômica é a base, mas os diferentes fatores da superestrutura que se levanta sobre ela – as formas políticas da luta de classes e seus resultados, as constituições que, uma vez vencida a batalha, a classe triunfante redige, etc., as formas jurídicas, e inclusive os reflexos de teorias políticas, jurídicas, filosóficas, as idéias religiosas e o desenvolvimento ulterior que as leva a converter-se num sistema de dogmas – também exercem sua influência sobre o curso das lutas históricas e, em muitos casos, determinam sua forma, como fator predominante." (ENGELS, 1985b:284)

Com a cisão do trabalho em material e espiritual, o trabalho humano fica reduzido a um universo de especialização profissional. No momento em que a atividade humana se atomiza, a identificação que o homem tinha com seu gênero através do trabalho, passa a ser a identificação com o espaço que ocupa na esfera de produção. Deixa de ser homem para tornar-se médico, advogado, padre, operário, rei, etc.:

"A divisão social do trabalho torna autônomas as ocupações; cada um toma seu próprio ofício como verdadeiro. Sobre a relação entre seu ofício e a realidade, têm ilusões tão necessárias quanto isto é condicionado pela própria natureza do ofício. As relações, na jurisprudência, política, etc. – convertem-se em conceitos na nossa consciência; e por eles não se situarem acima dessas relações, os conceitos das mesmas, em suas cabeças, são conceitos fixos; o juiz, por exemplo, aplica o código, e por isso, para ele, a legislação é tida como verdadeiro motor ativo. Respeito pela sua mercadoria, pois sua ocupação tem a ver com o geral." [8] (MARX; ENGELS, 1986:134 – grifos nossos)

É a sociedade burguesa capitalista que reduz as relações humanas ao universo meramente econômico. Todas os sentidos espirituais e físicos foram substituídos pela alienação simples de todos estes sentidos, reduzidos ao sentido do ter:

"A propriedade privada nos fez tão tolos e unilaterais que um objeto só é o nosso quando o temos, logo quando existe para nós como capital ou é por nós imediatamente possuído, comido, bebido, vestido por nosso corpo, habitado por nós, etc., em suma usado. Embora a propriedade privada mesma tome todas estas realizações efetivas imediatas da posse de novo só como meio //s// de vida, a vida à qual servem de meio sendo a vida da propriedade privada trabalho e capitalização." (MARX, 1989a:173 – grifos nossos)

Logo, a anatomia da sociedade burguesa deve ser procurada na Economia Política, e a razão porque MARX escreve "O Capital", além de tentar corrigir eventuais erros do passado teórico, é fornecer um instrumento, uma arma, para ajudar as lutas operárias contra a opressão do poder burguês.

O Capital, considerado por muitos como a obra prima de Karl MARX, teve uma divulgação cheia de dificuldades. Constituindo-se numa crítica sobre a economia política clássica, teve a primeira edição apenas do primeiro volume em 1867. Segundo o próprio MARX, "O Capital" é a continuação de um escrito seu anterior, "Para a Crítica da Economia Política", que havia sido publicado em 1859, obra que custou a MARX um trabalho de 15 anos, período no qual ele estudou uma imensa quantidade de literatura sócio-econômica e elaborou as bases de sua própria teoria econômica a partir da imensa quantidade de material sobre o tema encontrado na biblioteca do Museu Britânico. O segundo volume de "O Capital" só foi publicado em 1885, tratando da circulação de capitais. O terceiro, cujo objeto é a discussão do processo capitalista em sua totalidade, somente dez anos depois. Estes últimos tiveram sua elaboração constituída por Friedrich ENGELS tomando por base os manuscritos deixados por MARX. Segundo José Arthur GIANOTTI,

"somente este último volume torna possível compreender a transformação do valor em preço, da mais-valia em lucro, juros e renda da terra, completando-se assim uma explicação, cuja verificabilidade não pode ser discutida nos termos de uma lógica indutiva ou dedutiva" (GIANOTTI, 1978:XXII)

Na sua obra, MARX adota a teoria do valor, desenvolvida pelos clássicos da Economia Política como Adham SMITH, David RICARDO, Willian PETTY, Benjamin FRANKLIN, dentre outros, com base na qual o valor da mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção.

Outra estratégia adota pelo mestre da filosofia da práxis, é a inversão da dialética hegeliana, que permite demonstrar a mercadoria como uma contradição que ao mesmo tempo se apresenta como um objeto útil, valor de uso, e como um objeto útil para outrem, um valor de troca. Segundo GIANOTTI, graças a esta contradição supra mencionada, pode-se explicar o dinheiro, ou melhor, a moeda, como mercadoria que passa a ocupar uma posição muito especial dentro do sistema de troca, fazendo com que o dinheiro sirva de referência para todas as mercadorias expressando o seu valor. Na realidade, muito mais do que uma simples mercadoria, o dinheiro é uma "relação social".

"O trabalho social tem como finalidade a produção de bens: esses se caracterizam pelo fato de possuir valor de uso, que decorre de suas propriedade empíricas. A partir do momento em que, numa sociedade, realizam-se trocas de bens, aparece um termo abstrato – comum às duas realidades trocadas – em função do qual, a tal quantidade de tecido corresponde a tal quantidade de trigo: esse termo mede o valor de troca. A moeda, quando é introduzida nesse circuito, passa logo a ser o equivalente geral graças ao qual a troca entre mercadorias se generaliza. A civilização mercantil pode ser definida como a civilização na qual a moeda se torna o principal termo da troca: não mais o ciclo mercadoria-dinheiro-mercadoria, mas sim dinheiro-mercadoria-dinheiro, no qual a segunda quantidade é superior à primeira." (CHATELET; DUHAMEL; PISIER-KOUCHNER, 1990:134)

O valo de uso de um bem só se realiza com a sua utilização ou consumo. "Os valores de uso constituem o conteúdo social da riqueza, qualquer que seja a forma social dela". Os valores de uso são ao mesmo tempo veículo materiais dos valores de troca. Já o valor de troca revela-se, de início, na relação quantitativa entre valores de uso de espécies diferentes, na produção em que se trocam, relação que muda constantemente no tempo e no espaço. Por isso, o valor de troca parece algo casual e puramente relativo, e portanto uma contradição em termos, um valor de troca inerente, imanente à mercadoria.

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"Como valores de uso, as mercadorias são, antes de mais nada, de qualidade diferente; como valores de troca, só podem diferir na quantidade, não contendo portanto nenhum átomo de valor de uso" (MARX, 1975:43)

O valor de uma mercadoria é determinado pelo de trabalho socialmente gasto durante a sua produção. Mas como forma de evitar os limites impostos pela "qualidade" do trabalho humano, expresso nas diferentes técnicas e habilidades, o trabalho é simplificado e homogeneizado, ganha um caráter abstratamente necessário à produção da mercadoria, torna-se o tempo socialmente necessário para a produção de quaisquer valores de uso, nas condições de produção socialmente normais existentes, é com o grau social médio de destreza e intensidade do trabalho.

"O que determina a grandeza do valor, portanto, é a quantidade de trabalho socialmente necessário ou o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de um valor de uso. Cada mercadoria individual é considerada aqui exemplar médio da sua espécie. Mercadorias que contêm iguais quantidades de trabalho, ou que podem ser produzidas no mesmo tempo de trabalho, possuem, conseqüentemente, valor da mesma magnitude. O valor de uma mercadoria está para qualquer outra, assim como o tempo de trabalho necessário à produção de uma está para o tempo de trabalho necessário à produção de outra. ‘Como valores, as mercadorias são apenas dimensões definidas do tempo de trabalho que nelas se cristaliza’" (MARX, 1975:44)

O valor de uso de uma mercadoria assume expressão em seu conteúdo, é um valor absoluto e concreto. Já o valor de troca, assume expressão "fora" da mercadoria, em sua forma, é um valor relativo e abstrato. Outro ponto importante, é que o valor de troca de mercadoria consiste no tempo de trabalho socialmente necessário para a sua própria reprodução, na medida em que todo ato de produção, contraditoriamente também é um ato de reprodução das condições de existência.

A relação que se trava no universo capitalista possui um caráter fetichista. Não se trava uma relação entre produtores e usuários dos bens produzidos, mas sim uma relação entre mercadorias. Para o capitalista, o valor de uso de uma mercadoria só se efetiva em seu consumo na esfera de produção, onde seu valor de troca é agregado ao valor de troca da mercadoria produzida, o que demonstra o caráter social próprio do trabalho que produz mercadorias.

"A mercadoria é misteriosa simplesmente por encobrir as características sociais do próprio trabalho dos homens, apresentando-as como características materiais e propriedades sociais inerentes aos produtos do trabalho; por ocultar, portanto, a relação social entre os trabalhos individuais dos produtores e o trabalho total, ao refleti-la como relação social existente, à margem deles, entre os produtos do seu próprio trabalho. Através dessa dissimulação, os produtos do trabalho se tornam mercadorias, coisas sociais, com propriedades perceptíveis e imperceptíveis aos sentidos. A impressão luminosa de uma coisa sobre o nervo ótico não se apresenta como sensação subjetiva desse nervo, mas como forma sensível de uma coisa existente fora do órgão da visão. Mas, aí, a luz se projeta realmente de uma coisa, o objeto externo, para outra, o olho. Há uma relação física entre coisas físicas. Mas, a forma mercadoria e a relação de valor entre produtos do trabalho, a qual caracteriza essa forma, nada têm a ver com a natureza física desses produtos nem com as relações materiais dela decorrentes. Uma relação social definida, estabelecida entre os homens, assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas. Para encontrar um símile, temos de recorrer à região nebulosa da crença. Aí, os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria, figuras autônomas que mantém relações entre si e com os seres humanos. E o que ocorre com os produtos da mão humana, no mundo das mercadorias. Chamo a isto de fetichismo, que está sempre grudado aos produtos do trabalho, quando são gerados como mercadorias. É inseparável da produção de mercadorias." (MARX, 1975:67)

No modo de produção capitalista o trabalho também é uma mercadoria. O trabalhador não ingressa no universo capitalista como um produtor dotado de necessidades de subsistência e de capacidade criativa, mas sim como mercador de uma mercadoria abstrata em sua forma, mas assim como as outras mercadorias dotado de existência material, a sua própria força de trabalho:

"Nossa análise partiu do pressuposto de ser a força de trabalho comprada e vendida por seu valor. O valor da força de trabalho, como o de qualquer outra mercadoria, se determina pelo tempo de trabalho necessário para produzi-la. Se a produção dos meios de subsistência do trabalhador, diários e médios, custa 6 horas, tem ele de trabalhar 6 horas diárias para produzir quotidianamente, sua força de trabalho ou reproduzir o valor recebido por sua venda. A parte necessária da sua jornada de trabalho será, assim, de 6 horas, sendo uma magnitude dada desde que não se alterem as demais circunstâncias. Mas com isso não se determina a magnitude da própria jornada de trabalho." (MARX, 1989b:260)

A jornada de trabalho não é uma grandeza constante, mas variável. É subdividida em duas partes, sendo a primeira parte o tempo de trabalho necessário para a reprodução da força de trabalho do próprio trabalhador. Mas sua magnitude total, não se resume a isto, varia conforme com a duração do trabalho excedente. Segundo MARX, a jornada de trabalho é determinável, mas considerada em si mesma é indeterminável. O limite mínimo do trabalho excedente é igual a zero horas. Mas seu limite máximo corresponde a 24 horas. Numa economia capitalista, o limite mínimo não tem sentido. No mundo humano, o limite máximo é impossível. A qualidade e a destreza da força de trabalho exigem um tempo mínimo para que o trabalhador possa dormir, se alimentar, enfim, reproduzir a sua própria força de trabalho. Mesmo com a regulação da jornada de trabalho, o capitalista sempre procura aumentar a período variável da jornada de trabalho. Ora, como o consumo da mercadoria força de trabalho não pertence ao trabalhador vendedor, mas ao comprador, quanto maior o tempo da jornada de trabalho, maior o número de vezes que a força de trabalho reproduz o seu valor durante a jornada:

"Mas o que é um dia de trabalho? Será menor do que um dia natural de vida. Menor de Quanto? O capitalista tem o seu próprio ponto de vista sobre essa extrema, a fronteira necessária da jornada de trabalho. Como capitalista apenas personifica o capital. Sua alma é alma do capital. Mas o capital tem seu próprio impulso vital, o impulso de valorizar-se, de criar mais valia, de absorver com sua parte constante, com os meios de produção, a maior quantidade possível de trabalho, excedente. O capital é trabalho morto que como um vampiro se reanima sugando o trabalho vivo e quanto mais suga mais se torna. O tempo em que o trabalhador trabalha é o tempo durante o qual o capitalista consome a força de trabalho que comprou. Se o trabalhador consome em seu proveito o tempo disponível, furta o capitalista. O capitalista apoia-se na lei de troca de mercadorias. Como qualquer outro comprador procura extrair o maior proveito possível de valor-de-uso de sua mercadoria." (MARX, 1989b:263)

O capitalista busca de forma desmesurada explorar o trabalhador como forma de aumentar a sua riqueza, reivindicando o seu "direito" de comprador, o seu direito de "proprietário" da força de trabalho "vendida" pelo trabalhador "livremente" no mercado capitalista:

"O capitalista afirma seu direito, como comprador, quando procura prolongar o mais possível a jornada de trabalho e transformar, sempre que possível, um dia de trabalho em dois. Por outro lado, a natureza específica da mercadoria vendida impõe um limite ao consumo pelo comprador, e o trabalhador afirma seu direito, como vendedor, quando quer limitar a jornada de trabalho a determinada magnitude normal. Ocorre assim uma antinomia, direito contra direito, ambos baseados na lei da troca de mercadorias. Entre direitos iguais e opostos decide a força. Assim, a regulação da jornada de trabalho se apresenta, na história da produção capitalista, como luta pela limitação da jornada de trabalho, um embate que se trava entre a classe capitalista e a classe trabalhadora." (MARX, 1989b:265)

A mágica que, portanto, determina o enriquecimento cada vez maior do capitalista, consiste no fato de que ao vender a sua força de trabalho, o trabalhador a vende pelo seu valor de troca, o tempo necessário para a sua própria produção (reprodução) enquanto força de trabalho. Já o capitalista, ao comprar a força de trabalho, a compra pelo seu valor de uso. A diferença entre o valor de troca da força de trabalho, e o excedente obtido pelo capitalista na utilização da força de trabalho, cria aquilo que MARX chama de mais-valia. Mais-valia, portanto, é produto excedente obtido através do consumo da força de trabalho, que pelas leis da propriedade privada e do capitalismo, pertence ao capitalista comprador.

Qualquer avanço tecnológico, que reduza o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção da mercadoria, repercute em favor do capitalista, com o aumento da mais valia e a redução relativa do valor da força de trabalho, na medida em que o tempo necessário para a reprodução da força de trabalho e a jornada de trabalho se mantém constantes, ou seja, embora seja reduzido o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção das mercadorias para o qual o trabalhador foi contratado, o valor de troca da força de trabalho se mantém constante, mas o produto materialmente obtido através do uso da força de trabalho aumenta, desde que mantida a jornada de trabalho.

"Os meios de produção, o capital constante, só existem, do ponto de vista da criação da mais valia, para absorver trabalho e com cada gota de trabalho uma porção proporcional de trabalho excedente. Se não realizam isto, sua mera existência constitui pura perda para o capitalista, pois durante o tempo em que estão parados representam adiantamento inútil de capital. Essa perda se traduz também em despesas quando, em virtude dessa parada, se tornam necessários gastos adicionais para a retomada da atividade. O prolongamento do trabalho além dos limites diurnos naturais, pela noite adentro, serve apenas de paliativo para apaziguar a sede vampiresca do capital de apropriar-se do trabalho durante 24 horas do dia. Sendo fisicamente impossível, entretanto, explorar dia e noite sem parar, a mesma força de trabalho, é necessário, para superar esse obstáculo físico, revezar as forças de trabalho a serem empregadas nos períodos diurnos e noturno." (MARX, 1989:291)

O impulso cego da burguesia pelo lucro, impõe à classe trabalhadora o pior tipo de disciplina social, como forma de aumentar a extração de mais-valia. Ao prolongar o dia de trabalho, o trabalhador tem atrofiadas as suas condições de vida, tanto física, moral e o seu próprio desenvolvimento. O trabalho excessivo ocasiona o esgotamento prematuro e morte da própria força de trabalho. Ao mesmo tempo que o trabalhador aumenta a sua produção, encurta a duração da sua vida.

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Sobre o autor
Sandro Ari Andrade de Miranda

Advogado no Rio Grande do Sul, Doutorando em Sociologia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, Sandro Ari Andrade. Notas sobre a alienação do trabalho intelectual e o novo dilema de Promoteu. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1034, 1 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8332. Acesso em: 26 abr. 2024.

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