“Não sei o que aconteceu. Eu tive um surto por causa dos remédios. Não tinha planejado matar minha filha. Agora espero que a Justiça seja feita comigo.” Essa foi a declaração dada por Marco Antônio Vieira Leal, de 36 anos, autuado em flagrante pelo homicídio qualificado por motivo torpe da filha mais nova, Vitória de 2 anos. No dia 28/10/2014, Leal levou os três filhos para passear na zona rural de Roça Nova, em Piraquara, quando, por volta das 17 horas, disparou contra a menina na frente dos outros dois filhos, de 5 e 7 anos.
Em seu depoimento, ele alegou ter cometido o crime para se vingar da ex-mulher, mãe das crianças. Depois, afirmou ter sofrido um surto psicótico por causa dos remédios de uso controlado que consome. Porém alguns dias antes do assassinato, sua ex-mulher havia registrado um BO contra Leal, pois, além das ameaças, ele havia ligado para a ex-mulher dizendo que os três filhos do casal haviam sido mortos.
O assassinato da menina pelo próprio pai causou comoção e revolta entre a população local, que tentou incendiar a residência de Leal. O episódio trouxe à tona uma questão pouco discutida e de difícil compreensão: o filicídio.
Segundo os dicionários brasileiros no geral, o Filicídio é o ato deliberado de um pai com o objetivo de matar o seu próprio filho ou filha. A palavra filicídio latino deriva do latim palavra filius que significa "filho" ou filha, acrescentado do sufixo -cide significado para matar, assassinato, ou a causa da morte. "O filicídio" pode referir-se ao pai ou à mãe que matou o seu filho, bem como o ato criminoso cometido. No mundo animal há muitos animais que cometem filicídio como ato de seleção natural da espécie, mas fere aos preceitos sociais estabelecidos desde os mais remotos tempos, sendo pouquíssimos os grupos sociais que o admitem, e, quando isso ocorre, trata-se de uma questão cultural.
Apesar de ser considerado um tabu, o filicídio é amplamente abordado na mitologia, onde é comum o assassinato do primogênito e atos de mutilação contra os outros filhos. Na tragédia grega, Medéia mata seus dois filhos como forma de retaliação a Jasão, seu cônjuge traidor. Na Grécia e Roma antigas, o assassinato de recém-nascidos era considerado um direito do chefe de família, como forma de determinar a descendência legal. Na Idade Média, mesmo ilegal, o fato era tolerado como forma de controlar o tamanho da família.
Estudos mostram que, na maioria dos casos envolvendo violência contra crianças e adolescentes, os agressores em geral são os próprios pais. Apesar dos números, a sociedade ainda tem dificuldade em “aceitar” essa triste realidade; isso se deve à idealização do chamado amor incondicional dos pais pelos filhos. A negação da existência de impulsos agressivos por parte das pais, bem como a negação de comportamentos agressivos perpetuados sobre os filhos, possivelmente oriundos desses impulsos ou de conflitos mal resolvidos, também contribuem para a relutância em aceitarmos que o filicídio existe, e existe a tal ponto que quase chega a ser comum.
Casos envolvendo violência doméstica e homicídios de crianças e adolescentes no âmbito familiar são de conhecimento público desde antes da década de 60, quando a questão da Síndrome da criança espancada foi amplamente abordada por especialistas, comprovando que, em 25% dos casos, as vítimas vinham à óbito. Porém, até meados da década de 70, o termo “filicídio” ainda não constava nas publicações americanas mais importantes, sendo “infanticídio” o termo mais próximo existente.
No Brasil, tivemos alguns casos emblemáticos de filicídio:
Isabella Nardoni
A menina de cinco anos morreu após ser arremessada do sexto andar de um edifício localizado em São Paulo, em março de 2008. O caso gerou grande repercussão nacionalmente porque a autoria do crime foi atribuída ao pai Alexandre Nardoni, e à madrasta Anna Carolina Jatobá. O casal foi condenado por homicídio doloso triplamente qualificado. Na época, os vizinhos relataram brigas constantes entre o casal sempre que Isabella estava no apartamento, motivadas pelo ciúme que Anna Carolina sentia da menina.
Bernardo Boldrini
Outro caso emblemático. Bernardo foi morto em abril de 2014 com uma superdose de sedativo, e depois, enterrado em uma cova rasa em uma área rural de Frederico Westphalen, no Rio Grande do Sul. O inquérito apontou Leandro Boldrini o pai do menino, e Graciele Ugulini a madrasta, como mentores do crime. Eles respondem por homicídio qualificado e ocultação de cadáver junto com outros dois réus. Há provas em vídeos e áudios, além de depoimentos de vizinhos e conhecidos da família, de que Bernardo sofria maus tratos e ameaças.
E a questão que sempre nos surge quando é noticiado esse tipo de crime é: Como pode uma mãe ou um pai matar o próprio filho? Seria um ato de pura maldade ou de completa loucura?
Para responder a essa pergunta, tanto o público leigo em psicopatologia como os profissionais de saúde mental, procuram uma explicação que envolva a presença da loucura como fator determinante no cometimento desse tipo de crime. Através da explicação sob o viés da loucura, nós procuramos “desculpabilizar” o crime, obviamente porque o filicídio, mais do que qualquer outro crime, comporta uma inevitável carga emocional pela dificuldade em compreender o inexplicável. Independentemente de quantos casos de filicídio surjam na mídia, sempre ficaremos perturbados e teremos dificuldade em desculpar um pai ou uma mãe que mata os seus filhos.
Por conta disso, muitos profissionais estudaram e pesquisaram sobre o assunto, na tentativa de conhecer os processos que estão por trás de tamanha atrocidade. O psiquiatra Phillip Resnick identificou cinco circunstâncias em que ocorre o filicídio:
Altruísta: é a circunstância mais frequente em que a mãe, gravemente deprimida, planeja suicidar-se e acredita que os seus filhos ficarão mais protegidos “com” ela.
Psicótico: situação em que o pai ou a mãe, em estado delirante e paranoide, acredita que algo persegue os filhos e os mata com o intuito de protegê-los. Outra situação, enquadrada nesta circunstância, é o delírio paranoide de que a criança agride e ataca o progenitor, fazendo com que o progenitor mate em autodefesa.
Acidental: casos em que a punição física é de extrema violência e descontrole, levando o filho à morte.
Filho indesejado: situações em que, por vários motivos, o filho é indesejado ou sentido como um obstáculo.
Vingança conjugal/retaliação: casos em que um dos pais mata o filho para magoar o parceiro, habitualmente depois de uma situação de infidelidade.
Acontece também no âmbito da disputa das responsabilidades parentais, em que um dos pais, não aceitando a guarda atribuída ao outro progenitor, tira a vida ao filho para que o outro não ganhe a batalha. É o caso de Medeia e de muitos outros encontrados nas páginas policiais. Como a fonte de angústia nos filicídios de retaliação é o parceiro sexual do perpetrador, estes assassinatos são denominados: "Complexo de Medeia".
Obviamente, qualquer uma dessas circunstâncias envolve um elevado grau de psicopatologia. E apesar de todo esse empenho dos profissionais de saúde para realizar pesquisas fidedignas que possam contribuir para a compreensão, e para uma possível (por que não?) prevenção de futuros casos de filicídio; existem inúmeros casos e cada um tem a sua peculiaridade, cada suspeito é “motivado” por um fator diferente, e as pesquisa ainda se contradizem com relação aos dados obtidos. Algumas pesquisas dizem que as mulheres são responsáveis pela maior parte dos casos de filicídio, outras já dizem que são os homens os maiores responsáveis.
Por exemplo, uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, com base em assassinatos de filhos entre 1958 e 2002, revelou que os pais respondem por 67% das mortes e as mães, por 33%. Outro levantamento, nos Países Baixos, também verificou a predominância de 55% dos homens enquanto autores de filicídios entre 1953 e 2004. Enquanto 50% dos pais tiram a própria vida após assassinarem um filho, entre as mulheres o suicídio ocorre em 22% dos casos.
Verificou-se, também, que os pais tendem a matar crianças mais velhas, com 8 anos de idade em média, enquanto as mães filicidas costumam matar bebês mais novos, com até 4 anos em média – em muitos casos em decorrência da depressão pós-parto.
Entretanto, segundo Wilczynski (1995), homens são muito mais propensos a cometer assassinatos de retaliação. Homens e mulheres tendem a matar seus filhos por razões bastante diferentes: homens são geralmente associados a retaliação, disciplina ou rejeição por parte da vítima. As mulheres, por outro lado, matam, pois o filho não era desejado (tipicamente neonaticídio, cuja mãe escondeu a gravidez); porque o assassinato foi percebido como melhor escolha para criança (filicídio altruísta); ou porque a mãe estava em estado psicótico no momento do crime.
A francesa Dominique Cottrez ocultou os cadáveres de ao menos oito filhos recém-nascidos na pequena cidade de Villiers-au-Tertre, no norte da França. Um homem fazia escavações em sua nova casa para construir uma piscina e alertou a polícia ao encontrar duas ossadas. Os investigadores foram atrás dos antigos moradores, um casal que havia se mudado para outra residência.
Interrogada, a mãe de família de aproximadamente 45 anos, acabou confessando que foi ela mesma quem enterrou os bebês, e ainda revelou que havia matado por sufocamento "uns 10 bebês" ao longo de 10 anos, e que eles estariam escondidos em outras partes da cidade. Os recém-nascidos seriam frutos de gestações indesejadas que ela teria escondido do marido, no que seria um típico caso de negação da gravidez, um transtorno psicológico no qual uma mulher não admite estar gerando uma criança e não se reconhece como a mãe do bebê. O excesso de peso da mãe pode ter contribuído para esconder as gestações. Em buscas realizadas na nova casa, a polícia descobriu mais seis restos mortais de bebês no galpão da moradia, escondidos em sacos plásticos. A mãe foi indiciada por homicídio voluntário de menores de 15 anos condenada à prisão perpétua.O pai foi denunciado por omissão de denúncia e ocultação de cadáver.
Entre os casos de mortalidade neonatal (durante o primeiro mês de vida) e pós-natal (durante os doze meses seguintes), um número substancial não tem explicação aparente e corresponde a síndrome de morte súbita na criança. A dificuldade em distinguir entre casos de SIDS que resultam da ação parental ou se devem a causas naturais pode enviesar os dados estatísticos. Por vezes, os pais podem fabricar e/ou induzir doença nos seus filhos, até matá-los (Fitzpatrick, 2004). É preciso considerar que muitas vezes é difícil provar que a morte resultou do abuso.
Resnick indica um diagnóstico de psicose, na altura do crime, em 2/3 das mulheres filicidas. Contrariamente ao que acontece com a depressão, a psicose puerperal pode ser correntemente observada em mulheres que matam os seus filhos recém-nascidos, as quais necessitam de tratamento e não de punição, pois só uma intervenção apropriada previne que voltem a matar. Dobson e Sales (2000) verificam, contudo, a escassa evidência de que as mães neonaticidas sofram de perturbação mental relacionada com o parto; avançam ainda que muitas mulheres que matam os filhos depois das 24 horas de idade não exibem sintomatologia que preencha os requisitos para capacidade diminuída.
O 1º ano de vida da criança parece ser o mais vulnerável à ocorrência do filicídio. Por um lado, a gravidez e o parto provocam alterações hormonais significativas, que estão na base de perturbações do humor nas primeiras semanas. Em algumas mulheres, esta perturbação prolonga-se, instalando-se um quadro de depressão pós-parto, com ideação suicida e pensamentos recorrentes de morte, tristeza intensa, ansiedade e desespero, que colocam mãe e filho em risco. A progesterona parece desempenhar um papel central nestas alterações. Para além das questões biológicas, o cansaço, o receio de falhar e todas as dificuldades habituais inerentes ao nascimento de um filho, podem tornar-se avassaladores, sobretudo em mulheres com fragilidades emocionais ou perturbações da personalidade já anteriores ao parto, aumentando o risco. Neste primeiro ano, não é só na mãe que aumenta a vulnerabilidade destes fatores. Também o pai, que, muitas vezes, se sente excluído ou preterido, pode encarar o bebé como um obstáculo ou um rival, aumentando também o risco se houver perturbação da saúde mental.
Segundo Bourget (2007), o filicídio de retaliação por parte da mãe é raro e é mais cometido por mulheres com transtornos de personalidade e história de tentativas de suicídio. Em muitos casos de retaliação, a história do relacionamento dos pais tende a revelar um ambiente hostil, cheio de conflitos, com atos violentos de um ou ambos os parceiros, sendo uma das principais motivações para os conflitos e o assassinato, o ciúme e as suspeitas de infidelidade. A retaliação por parte dos homens parece ser uma extensão natural de seu poder e controle sobre a família e o relacionamento sexual. As atitudes das mulheres são percebidas por estes homens como um desafio à sua autoridade e masculinidade, sobretudo quando os deixa e inicia relacionamentos com outros homens. De forma oposta, as mulheres, segundo Wilczynski, apresentam comportamento retaliador devido ao ressentimento pela falta de poder no relacionamento.
De acordo com algumas pesquisas, é muito mais provável que os homens apresentem comportamento violento direcionado a outras pessoas na época ou no momento do filicídio. Como exemplo disso, podemos citar um caso que ocorreu recentemente, na passagem do ano 2016 para 2017:
Sidnei Ramos de Araújo de 46 anos, foi autor da chacina que deixou 12 mortos em Campinas (SP), durante uma festa de ano-novo, e revelou os planos de matar o filho, a ex-mulher e outros membros da família, em um texto enviado a amigos antes do crime. Parte do texto é direcionado ao filho e a uma namorada. A maior parte das ameaças é dirigida contra a ex-mulher e outras mulheres da família dela. O homem reclamou também de uma suposta interferência da mãe da criança na relação dele com o filho, e se diz morto por não "desfrutar uma vida com o filho. Segundo informações de conhecidos, ele estava planejando matar o filho e a ex mulher no natal, porém a ex mulher não aceitou seu convite para sair junto com o filho, o que fez com que Sidney adiasse seus planos, e agisse de maneira mais letal ainda, matando quase toda a família. Matou toda a família, e deixou seus alvos iniciais por útlimo; primeiro matou a ex-mulher, e depois, o filho.
Especialistas dizem que quando a morte do progenitor filicida e do filho acontece por retaliação, "muitas vezes o deslocar da agressividade, que era canalizada para o companheiro, vai para a criança ". O resultado é a morte violenta. A psiquiatra Ana Vasconcelos explica que esses pais "agem com aparente frieza porque deixaram de ter medo e por isso não pediram ajuda. Estão antes num estado interior de pânico, desesperados". São pessoas" que confundem a função de serem progenitores com o fato de terem sido abandonados por um companheiro. Perante um sentimento de desamparo estrutural, esquecem as suas funções nas relações com os outros e privilegia o seu egocentrismo pessoal. O filho passa a ser uma extensão delas".
Freud afirmou que a consciência emergente do bebê quanto à dependência física dos pais acarreta seu primeiro amor, que é dirigido à mulher que o alimenta e ao homem que o protege. O reconhecimento que a criança desenvolve a respeito do controle dos pais sobre suas necessidades e desejos também transforma a possível perda do amor parental numa perspectiva assustadora. Assim, como os filhos temem perder o amor dos pais, estes podem empregar seu amor como um instrumento de domínio e controle.
Entre os casos de mortalidade neonatal (durante o primeiro mês de vida) e pós-natal (durante os doze meses seguintes), um número substancial não tem explicação aparente e corresponde a síndrome de morte súbita na criança. A dificuldade em distinguir entre casos de SIDS, que resultam da ação parental ou que se devem a causas naturais, pode enviesar os dados estatísticos. Por vezes, os pais podem fabricar e/ou induzir doença nos seus filhos, até matá-los (Fitzpatrick, 2004). É preciso considerar que muitas vezes é difícil provar que a morte resultou do abuso.
Resnick indica um diagnóstico de psicose, no momento do crime, em 2/3 das mulheres filicidas. Contrariamente ao que acontece com a depressão, a psicose puerperal pode ser correntemente observada em mulheres que matam os seus filhos recém-nascidos, as quais necessitam de tratamento e não de punição, pois só uma intervenção apropriada previne que voltem a matar. Dobson e Sales (2000) verificam, contudo, a escassa evidência de que as mães neonaticidas sofram de perturbação mental relacionada com o parto; avançam ainda que muitas mulheres que matam os filhos depois das 24 horas de idade não exibem sintomatologia que preencha os requisitos para capacidade diminuída; sendo o fator socioeconômico predominante para o cometimento desse tipo de crime.
O 1º ano de vida da criança parece ser o mais vulnerável à ocorrência do filicídio. Por um lado, a gravidez e o parto provocam alterações hormonais significativas, que estão na base de perturbações do humor nas primeiras semanas. Em algumas mulheres, esta perturbação prolonga-se, instalando-se um quadro de depressão pós-parto, com ideação suicida e pensamentos recorrentes de morte, tristeza intensa, ansiedade e desespero, que colocam mãe e filho em risco. A progesterona parece desempenhar um papel central nestas alterações. Para além das questões biológicas, o cansaço, o receio de falhar e todas as dificuldades habituais inerentes ao nascimento de um filho, podem tornar-se avassaladores, sobretudo em mulheres com fragilidades emocionais ou perturbações da personalidade já anteriores ao parto, aumentando o risco. Neste primeiro ano, não é só na mãe que aumenta a vulnerabilidade destes fatores. Também o pai, que muitas vezes se sente excluído ou preterido, pode encarar o bebê como um obstáculo ou um rival, aumentando também o risco se houver perturbação da saúde mental.
Segundo o psiquiatra forense Guido Palomba, em sua vasta experiência na área, nenhuma mãe que mata o filho é normal mentalmente: “— Posso concluir que em todos os casos de mães que matam filhos, se examinarmos cuidadosamente a mãe, vai aparecer um transtorno. Nunca vi uma pessoa em sã consciência matar o próprio filho”.
Em julho de 2009, policiais de San Antonio, Texas, presenciaram uma cena tão forte que mal conseguiram falar: um bebê, de aproximadamente três semanas de vida, estava desmembrado no quarto de uma casa térrea com três de seus dedos do pé mastigados, o rosto deformado por mordidas e a cabeça, decepada.
Visivelmente perturbada, a mãe do menino, Otty Sanchez de 33 anos, estava sentada no sofá com um ferimento em seu peito e a garganta parcialmente cortada gritando "Eu matei o meu bebê! Eu matei o meu bebê!", comentou na época o então chefe de polícia, William McManus. A mulher disse aos policiais que o diabo a fez cometer o crime.
Como se a morte não fosse horrível o bastante, Otty aparentemente comeu o cérebro da criança e algumas outras partes do corpo, antes de esfaquear a si mesma, segundo McManus. Em 2010, ela foi internada em uma instituição de segurança máxima para criminosos com doença mental.
No que diz respeito à definição legal do filicídio, esta varia de país para país. Podem, no entanto, considerar-se duas linhas opostas no enquadramento desse fenômeno, que agrupam as diversas posições existentes: o tratamento e a punição. Alguns países possuem uma legislação que estabelece que todas as mães que matam os seus filhos sofrem de uma perturbação mental grave. Nos Estados Unidos, não existe uma lei especial referente ao filicida, sendo o ato considerado um homicídio como qualquer outro.
Já no Brasil, o delito de infanticídio teve diversos tratamentos na nossa legislação penal. No século 17, a pena era branda caso o ato fosse cometido pela mãe com o objetivo de ocultar uma possível desonra. O código penal, de 1940, trouxe uma novidade: o estado puerperal. Só era considerado infanticídio se a mãe matasse o filho sob influência do seu estado puerperal. O sistema psicofisiológico foi adotado, sendo considerado um atenuante na pena. Nos anos 70, a motivação pelo estado puerperal foi retirada, e a lei retrocedeu ao que era nos anos 40, crime por desonra.
Atualmente, para configurar o delito de infanticídio é considerado o estado puerperal da mãe + morte do filho + período (durante o parto ou logo após). É considerado um delito privilegiado por conta dessas combinações, e, por isso, sua pena é bem menor se comparado a um homicídio comum. A perícia médica é imprescindível nesses casos, para avaliar a legitimidade do estado puerperal e estabelecer o seu nexo causal com o delito. Nos casos de homens que matam os filhos, não existe uma lei específica, mas ao dosar a pena o esse fato é levando em consideração como possível agravante.
Pensando em tudo isso, chegamos à conclusão de que o filicídio é um dos temas que mais causam impacto na opinião pública como um todo; e ainda é um fenômeno muito complexo para os profissionais de saúde e para os operadores do direito. A cada novo caso, tanto a ciência como a justiça, enfrentam dilemas e divergências conceituais e de procedimentos, principalmente no momento de avaliar e julgar esses casos, pois podem ser influenciados pela comoção que esses casos causam na sociedade. Além disso, a escassez de ferramentas validadas para avaliar esses pais, principalmente em países pobres e que ainda estão se desenvolvendo cientificamente; podem gerar conflitos no momento de atestar o estado mental dos acusados no momento do cometimento do crime.
O filicídio é um crime multifacetado, cheio de exceções às regras. Cada caso tem a sua peculiaridade e o histórico pessoal e intrafamiliar do filicida deve ser levado em conta no momento da avaliação. A ausência de leis e tratamentos mais específicos para esse tipo de homicídio, a falta de preparo profissional e a grande divergência entre os estudos publicados, enfatizam o quanto ainda precisamos estudar e entender sobre esse “fenômeno”. Ao compreendermos a dinâmica pela qual cada um desses pais funciona, poderemos implementar leis mais adequadas, investir no preparo de profissionais, palestras para os mais leigos, de programas de prevenção e tratamento terapêutico adequado a cada caso.
Precisamos ir além do choque que esse tipo de caso nos provoca. Precisamos entendê-lo para que um dia, quem sabe, possamos diminuir a incidência de casos similares. Precisamos levar em conta que, nessa tragédia, as maiores vítimas são os filhos. Porém, não podemos nos esquecer que os pais que cometem esses crimes também são vítimas, precisam de tratamento, e que, por mais terrível que seja a ideia, nenhum de nós está invulnerável a cometer um crime dessa natureza.
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